TJ/PE: Artigo – Da não incidência do Imposto Causa Mortis e Doação sobre a extinção do usufruto

Jorge Américo Pereira de Lira
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco


O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, inovação trazida pela Constituição Federal de 1988, tem por hipótese de incidência a transmissão não onerosa de bens ou direitos – em virtude do falecimento do seu titular ou em decorrência de cessão gratuita –, conforme previsto no artigo 155, I, da Constituição Federal.

De acordo com ensinamento de Eduardo Sabbag, que “transmissão é a passagem jurídica da propriedade ou de bens e direitos de uma pessoa para outra. Ocorre em caráter não oneroso, seja pela ocorrência da morte (transmissão causa mortis), ainda ou doação (ato de liberalidade)”.[1]

Trata-se de um tributo de competência estadual, mas que possui alguns parâmetros gerais delimitados pela Constituição Federal, que estabelece que (a) no caso de bens imóveis e direitos associados, a sua instituição cabe ao Estado em que se encontrar situado o bem, nos termos do artigo 155, §1º, I; (b) no caso de bens móveis, a regra é que o Estado em que se processar o inventário ou o arrolamento (na transmissão causa mortis), ou onde tiver domicílio o doador (artigo 155, §1º, II, CF), é que deterá a competência para sua instituição; e, por sua vez, (c) as alíquotas máximas são fixadas pelo Senado Federal, de acordo com a dicção do artigo 155, § 1º, IV, CF. Determina ainda o texto constitucional que o imposto terá competência para sua instituição regulada por lei complementar se o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior (artigo 155, §1º, III)[2]. Destaque-se, ademais, recente alteração por meio da Emenda Constitucional nº 126/2022, a determinar que o imposto “não incidirá sobre as doações destinadas, no âmbito do Poder Executivo da União, a projetos socioambientais ou destinados a mitigar os efeitos das mudanças climáticas e às instituições federais de ensino”.[3]

Em tempos pandêmicos, diante dos inevitáveis questionamentos e riscos trazidos pelos efeitos devastadores da COVID-19, despontaram questões acerca do planejamento sucessório – o que inclui, indiscutivelmente, o planejamento fiscal a este atrelado. Diante desse contexto, revela-se oportuna a discussão acerca da legalidade da cobrança de ITCMD sobre a extinção do usufruto[4], direito real intransmissível, o que tem suscitado o interesse dos contribuintes, já que é um instrumento muito usado em casos de planejamento sucessório, tratando-se de uma opção comumente considerada quando se pretende organizar, de forma antecipada, a distribuição do patrimônio familiar.

Nesse sentido, pode-se afirmar que “o ‘fio condutor’ entre o direito das sucessões e o direito tributário é a propriedade”[5], pois, conforme assevera Ana Paula Martins Albuquerque:

“só se transferem bens e direitos pertencentes a alguém. A ideia central da sucessão deriva, portanto, da conceituação de propriedade e, como tal, sendo dela um reflexo, depende do tratamento legislativo da propriedade. Assim, tanto mais amplo será o direito sucessório quanto maior for o âmbito da propriedade privada no sistema legislativo. E vice-versa, tanto mais restrita será a transmissão sucessória quanto mais restrita for o tratamento da propriedade privada na lei. E é exatamente aí que outro conceito, qual seja o da dignidade da pessoa humana se encaixa perfeitamente. Esse conceito exige tratamento igualitário e de dignificação dos valores espirituais e morais inerentes ao ser humano. Não se resume na proteção ao direito à vida privada, à intimidade, à honra e à imagem. Tem alcance muito maior. No campo tributário, impede que a atuação fiscal e a cobrança do tributo sejam feitas para diminuir, por
mínima que seja a ação praticada, a dignidade, em seu conceito maior, de cada cidadão.”[6]

Ora bem. O usufruto é direito real sobre coisa alheia, por meio do qual o proprietário transmite ao usufrutuário o direito à posse, ao uso, à administração e à percepção dos frutos de um determinado bem, quer seja móvel ou imóvel, nos termos no Código Civil, artigo 1.225, inciso IV, e artigo 1.394.

Silvio de Salvo Venosa explica que o “usufruto é um direito real transitório que concede ao seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva a sua substância”.[7]

No caso do Estado de Pernambuco, é de se notar que a Lei Estadual nº 13.974/09 (e suas alterações), que regulamenta o ICD[8] no Estado de Pernambuco, não traz qualquer previsão expressa de incidência do tributo na hipótese de extinção do usufruto, mas o Fisco Estadual entende ser devida a cobrança do imposto.

Note-se que uma eventual equiparação da extinção do usufruto à doação implicaria ofensa ao artigo 110 do Código Tributário Nacional, que estabelece que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” Portanto, uma vez que o usufruto é um instituto de direito privado, a sua definição, conteúdo e alcance
não podem ser alterados por normas tributárias.

Vittorio Cassone, acerca da interpretação a ser dada ao referido artigo do Código Tributário Nacional, esclarece que:

“O art. 110 contém uma norma de limitação no âmbito do art. 109 e especialmente da atuação do legislador fiscal. Precisamos recordar que estamos analisando uma lei normativa, ou seja, uma lei dirigida, primeiramente, ao legislador e por via indireta ao contribuinte. Como norma dirigida ao legislador ordinário, o art. 109 lhe proíbe manipular as formas de direito privado para efeitos tributários (o que é desnecessário dizer, porque ele não o poderia fazer para outros efeitos), salvo – e esta é a ressalva que se contém no art. 110 – quando essas formas do direito privado sejam utilizadas para definir ou limitar a competência tributária. Parece-nos necessária a ressalva – seja qual for a conclusão que se adote quanto ao art. 109 – de que ela vem complementar, porque caso contrário teríamos uma lei ordinária sobrepondo-se à Constituição. Se a Constituição se refere a uma figura do direito privado, sem ela própria a alterar para efeitos fiscais, incorpora ao direito tributário aquela figura de direito privado que, por conseguinte, se torna imutável para o legislador fiscal ordinário, porque se converteu em figura constitucional”[9].

E, nesse ponto, o entendimento há muito assente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco é que, de fato, não há respaldo legal para a incidência do ITCMD sobre a hipótese de extinção de usufruto, como se infere dos julgados a seguir indicados:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA PROVISÓRIA. ITCMD. DOAÇÃO NÃO-ONEROSA. RENÚNCIA AO USUFRUTO. COBRANÇA DE 1/3 DO VALOR DO IMÓVEL NO MOMENTO DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE PLENA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO POR ANALOGIA. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Em que pese ter o Recorrido efetuado o pagamento do ITCMD em tela no momento do ato de liberalidade, conforme aponta a escritura pública de doação com reserva de usufruto, entende o Agravante que deve haver novo recolhimento de tributo agora sobre a renúncia do usufruto, razão pela qual negou a certidão negativa ao Recorrente. 2. O Código Tributário Nacional, no artigo 97, III, do CTN, prevê caber à lei a definição do fato gerador da obrigação tributária principal. As Leis Ordinárias Estaduais n.º 10.260/1989 e 13974/2009 não definem a renúncia de usufruto como fato gerador de obrigação tributária. 3. Inexistindo lei em sentido estrito, não há que se falar em incidência tributária, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. 4. O Agravante, quando da negativa da certidão, fundamentou tal ato denegatório no artigo 6º, III e IV, da Lei Estadual n.º 13.974/2009, a qual, em uma análise perfunctória, é inaplicável à espécie porque versar sobre transmissão e instituição de usufruto (e não sobre renúncia do aludido direito real), sendo vedado a interpretação por analogia que resulte na exigência de tributo não previsto em lei estrita (artigo 108, §1º, do CTN). 5. Recurso a que nega provimento, à unanimidade”. (AGRAVO DE INSTRUMENTO 0012465-95.2019.8.17.9000, Rel. EVIO MARQUES DA SILVA, Gabinete do Des. Evio Marques da Silva, julgado em 28/05/2020, DJe )

 

“TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO EM EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSTO SOBRE DOAÇÃO. FATO GERADOR. MOMENTO DOAÇÃO. EXTINÇÃO USUFRUTO. IMPOSSIBILIDADE COBRANÇA. INEXISTÊNCIA PREVISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO SENTENÇA. REEXAME NÃO PROVIDO. APELO PREJUDICADO.1. Trata-se de Reexame Necessário e Apelação Cível movida em face de sentença que declarou a decadência na cobrança de crédito fiscal em sede de embargos à execução fiscal, com condenação do Estado de Pernambuco em custas e ônus sucumbencial de 10 % (dez por cento) do valor atualizado da causa. 2. O apelante argui que inexiste comprovação da quitação do débito fiscal em comento e também que inexiste decadência na espécie. Assim, pede a reforma total da sentença.3. A execução fiscal visa a cobrança de ICD – Imposto sobre Doações – sobre a extinção de USUFRUTO instituído pelos genitores da recorrida sobre o bem imóvel situado na Estrada do Arraial, 2843, Casa Amarela, nesta Capital.4. Com efeito, a apelada asseverou em suas razões que quando da doação do bem imóvel, ocorrido em 26 de janeiro de 1977, houve a quitação do ICD correspondente à integralidade do valor venal do mesmo. Ainda, levantou que o Estado de Pernambuco decaiu do direito de cobrar o tributo porque o USUFRUTO se extinguiu com o falecimento do seu pai, em 1977, e de sua mãe, em 1993, sendo que a execução fiscal somente foi proposta em 2014, ou seja, em prazo superior ao estampado no art. 173 do CTN.5. O ICD é tributo que possui lançamento por declaração e este se consolida no ano fiscal em que ocorre a doação do bem imóvel. Na situação seguinte, independente da discussão em torno da legalidade da exação fiscal sobre a extinção do USUFRUTO, cabia ao Estado de Pernambuco intentar a ação executiva no prazo decadencial após o falecimento dos genitores da recorrida, o que se deu em 1977 e 1993. 6. Ora, pelas datas postas no parágrafo penúltimo, vê-se que o Estado de Pernambuco intentou a execução fiscal somente em 2014, o que caracteriza a ocorrência de decadência sobre a situação fática narrada.7. No tocante à discussão sobre a legalidade da exação fiscal sobre a extinção do USUFRUTO, há entendimento também neste Tribunal que o fato gerador do ICD é a doação do bem e não a extinção daquele, justamente porque a Lei Estadual nº 13.974/2009 não prevê tal hipótese.8. NÃO PROVIMENTO reexame necessário, prejudicado o apelo”. (Apelação / Remessa Necesária 494770-80003542-53.2015.8.17.0001, Rel. Alfredo Sérgio Magalhães Jambo, 3ª Câmara de Direito Público, julgado em 04/12/2018, DJe 14/12/2018)

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE ERRO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. DOAÇÃO DA NUA PROPRIEDADE. FATO GERADOR. DECADÊNCIA DO LANÇAMENTO DO ICD. CONFIGURADA. RENÚNCIA DO USUFRUTO. INCIDÊNCIA DO ICD. AUSÊNCIA DE LEGALIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS IMPROVIDOS, DE FORMA INDISCREPANTE. 1. Não se reflete no acórdão embargado qualquer erro ou omissão a serem supridos na presente via.2. Os Embargos Declaratórios não constituem a via processual adequada para apreciação de error in judicando, mas tão-somente para que seja saneado eventual error in procedendo caracterizado pela omissão, obscuridade, contradição, ou ainda pelo manifesto equívoco na análise dos pressupostos recursais. Se o que a embargante busca, na realidade, é rediscutir o mérito da decisão, não há como prover os embargos.3. Ressalte-se que a alegação do não registro da escritura pública de doação, deve ser inserida em seara recursal apropriada e, ademais, ao contrário do arrazoado pelo recorrente, o julgamento hostilizado não reconheceu a decadência do lançamento do ICDMD relativamente à extinção do usufruto, mas sim sua ilegalidade

3. Aclaratórios improvidos. Decisão Unânime”. (Embargos de Declaração 383374-70121837-59.2009.8.17.0001, Rel. José Ivo de Paula Guimarães, 2ª Câmara de Direito Público, julgado em 10/12/2015, DJe 07/01/2016)

“DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DOAÇÃO DA NUA PROPRIEDADE. FATO GERADOR. DECADÊNCIA DO LANÇAMENTO DO ICD. CONFIGURADA. RENÚNCIA DO USUFRUTO. INCIDÊNCIA DO ICD. AUSÊNCIA DE LEGALIDADE. APELO DOS PARTICULARES PROVIDO. PREJUDICADOS O APELO DO ESTADO E O REEXEME NECESSÁRIO. DECISÃO POR UNANIMIDADE. 1. No ano de 1998 os impetrantes adquiriram por meio de doação a nua propriedade dos imóveis indicados na exordial, ficando a reserva do usufruto em favor do doador, Sr Milton de Lira Mattoso. No ano de 2009, o usufrutuário resolveu renunciar ao usufruto a fim de que fosse consolidada em favor dos donatários a plena propriedade dos bens. 2. Dúvida não há, nos exatos termos do art. 147 do CTN, de que o ICD se trata de tributo por declaração, necessitando a Autoridade Administrativa Tributária das informações para poder efetivar o lançamento e, a toda certeza, estas devem ser prestadas pelo sujeito passivo ou pelo terceiro. Contudo, na particularidade do caso ora tratado, como já assentado, o fato gerador do ICD ocorreu no ano de 1998, por ocasião da doação da nua propriedade dos bens relacionados na inicial. Com efeito, caberia ao Tabelião do Cartório de Registro Geral de Imóveis de Jaboatão dos Guararapes, ao registrar as escrituras públicas de doação, exigir a prova do pagamento/isenção do imposto em comento, nos termos do art. 17 da Lei Estadual nº 13.974/2009, que trata do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ICD. 3. A toda evidência a data da lavratura das escrituras públicas deve ser tida como marcou inicial para o lançamento do ICD, todavia, é fato incontroverso que aquelas foram lavradas e registradas sem a devida prova do pagamento do imposto devido ou ainda, a data dos respectivos registros. É cediço que os registros dos documentos públicos têm eficácia erga omnes quanto aos seus efeitos, não podendo as partes alegar ignorância relativamente ao negócio jurídico chancelado. 4. A falta de estrutura do Estado na fiscalização em vista de omissões daqueles que deveriam prestar as informações necessárias, não pode ser alegada para evitar o transcurso do prazo decadencial, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AgRg no REsp 577899 / PR, ao tratar de caso assemelhado ao ora analisado, assentou que a circunstância de o fato gerador ser ou não do conhecimento da Administração Tributária não foi erigida como marco inicial do prazo decadencial, nos termos do que preceitua o Código Tributário Nacional, não cabendo ao interprete assim estabelecer. 5. Por sua vez, o princípio da legalidade no direito tributário, garante ao contribuinte a existência de uma lei para criar e cobrar o tributo, pois não será imputada uma obrigação tributária ao contribuinte, sem antes observar as disposições legais quanto à criação e cobrança de um tributo. 6. Da leitura do artigo 1º, da Lei 13. 974/09 se conclui que a lei em comento não faz qualquer referência à incidência do ICD para o caso de extinção do usufruto. Assim, a cobrança instituída pela Fazenda Pública não encontra amparo na legislação de regência. 7. Apelo dos particulares provido. Prejudicados o apelo voluntário do Estado e o reexame necessário. Decisão por unanimidade”. (Apelação / Remessa Necesária 383374-70121837-59.2009.8.17.0001, Rel. José Ivo de Paula Guimarães, 2ª Câmara de Direito Público, julgado em 15/10/2015, DJe 29/10/2015)

“DIREITO TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DE USUFRUTO. NÃO INCIDÊNCIA DE ITCD. INOCORRÊNCIA DE FATO GERADOR. DIREITO REAL DE CARÁTER INTUITU PERSONAE. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Nos termos da legislação estadual nº. 10.260/89 aplicada ao caso, a consolidação da propriedade plena pela extinção do usufruto não é considerada fato gerador do ITCD.2. Esse E. Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a previsão contida no art. 14 do Decreto nº. 13.561/89 fere o princípio da legalidade, na medida em que prevê a incidência do ICD sobre fato não contemplado no rol do art. 1º da Lei Estadual nº. 10.260/89.3. A extinção do usufruto não pode constituir fato gerador do ITCD, eis que não implica na transmissão de qualquer bem ou direito, sob pena de afronta aos limites da competência tributária outorgada pelo art. 155, I, da Constituição de 1988.4. Recurso de apelação conhecido e improvido. Decisão Unânime”. (Apelação 375667-20027881-47.2013.8.17.0001, Rel. Fernando Cerqueira Norberto dos Santos, 1ª Câmara de Direito Público, julgado em 18/08/2015, DJe 28/08/2015)

“USUFRUTO. EXTINÇÃO POR MORTE DOS USUFRUTUÁRIOS DOS IMÓVEIS REGISTRADOS NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO IMPOSTO DE TRANSMISÃO ‘CAUSA MORTIS’ SOBRE BENS IMÓVEIS OU DIREITOS A ELES RELATIVOS. INEXIBILIDADE DO ICD.

A extinção do usufruto não configura transmissão de propriedade de quaisquer bens ou direitos. -Uma vez ocorrido o fato gerador do imposto de transmissão ‘inter vivos ‘ no momento do registro da escritura de doação com reserva de usufruto, e recolhido o referido imposto sobre o valor dos bens doados, não cabe mais exigir do proprietário-donatário imposto de transmissão causa mortis quando do falecimento dos usufrutuários doadores, sob pena de se configurar o bis in idem”. (Apelação 61429-7, Rel. José Fernandes de Lemos, 5ª Câmara Cível, julgado em 12/09/2003, DJe 04/10/2003)

Por sua vez, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é igualmente farta no mesmo sentido. Vejamos, por oportuno, os diversos julgados oriundos do TJSP:

TRIBUTO ITCMD – Hipótese de Incidência – Usufruto do viúvo-meeiro e nua propridade para os filhos herdeiros – Impossibilidade: – O direito real de usufruto tem valor econômico e, portanto, a cisão da propriedade em usufruto e nua propriedade não corresponde a uma doação. (TJSP; Apelação Cível 3014857-54.2013.8.26.0451; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba – 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 12/10/2020; Data de Registro: 12/10/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO PELO PROCEDIMENTO COMUM. SUSPENSÃO AUTO DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA. ITCMD. EXTINÇÃO DE USUFRUTO. Presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência pleiteada pela ora agravante. Afastada a preliminar de decadência. No mérito, o ITCMD não pode ser cobrado quando do cancelamento ou extinção do usufruto, pois ausente previsão legal. Não figura entre as hipóteses de incidência previstas em lei a extinção do usufruto. Não se trata de transmissão de bem “causa mortis”, sequer de doação, tratando-se, em verdade, de consolidação da propriedade plena na pessoa do nu-proprietário. Precedentes desta E. Corte. R. decisão agravada reformada. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2005787-78.2020.8.26.0000; Relator (a): Flora Maria Nesi Tossi Silva; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Guarulhos – 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 08/04/2020; Data de Registro: 08/04/2020)

Reexame Necessário – Mandado de Segurança – ITCMD – Extinção de usufruto – Lei nº 10.705/2000 não prevê a hipótese de incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação em caso de extinção/cancelamento de usufruto oneroso – Não há como equiparar a extinção de usufruto a doação, sob pena de exceder os limites da competência tributária – Artigo 110 do CTN – Sentença que concedeu a segurança para declarar a inexigibilidade na cobrança do ITCMD sobre a renúncia do usufruto do imóvel descrito na inicial – Decisão mantida – Recurso não provido. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1039002-68.2018.8.26.0053; Relator (a): Marrey Uint; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 13ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 03/06/2019; Data de Registro: 03/06/2019)

MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – Impetração voltada a impedir a exigência do recolhimento de ITCMD sobre a extinção/cancelamento do usufruto, em razão da renúncia da usufrutuária. Não caracterização de hipótese de incidência de ITCMD. Art. 9º da Lei Estadual 10.705/2000 não se aplica a transmissão causa mortis. Distinção. Recolhimento do tributo quando da transmissão da herança. – Recursos “ex officio” e voluntário não providos. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1046814-64.2018.8.26.0053; Relator (a): Magalhães Coelho; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 21/03/2019; Data de Registro: 21/03/2019)

APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO TRIBUTÁRIO – ITCMD – Impetração voltada a impedir que a autoridade coatora exija o recolhimento de ITCMD sobre a extinção e/ou cancelamento do usufruto dos imóveis descritos na inicial, em razão da renúncia da usufrutuária – Acolhimento – Tributação pelo ITCMD que ocorreu por ocasião da transmissão causa mortis dos bens integrantes do acervo patrimonial do genitor dos impetrantes, morto em 06.07.2009 – Cancelamento do direito real de usufruto instituído pelos impetrantes sobre a fração ideal dos imóveis herdados em favor de sua genitora que não pode ser alvo de tributação pelo imposto, pois não se equipara a uma doação feita aos nu-proprietários – Com a extinção do usufruto que grava os bens, por renúncia da usufrutuária (artigo 1410, I, do CC), o direito real de propriedade, que é uno, apenas volta a ser pleno, consolidando-se nas mãos dos impetrantes, então nu-proprietários, não se divisando transferência do patrimônio imobiliário (a qual já ocorrera quando da abertura da sucessão do falecido pai) – Sentença reformada para conceder a ordem pleiteada – Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1019676-59.2017.8.26.0053; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 4ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/04/2018; Data de Registro: 27/04/2018)

 

APELAÇÃO CÍVEL. Mandado de Segurança. ITCMD. Cancelamento de usufruto, sem recolhimento do imposto. Admissibilidade. Tributo que deve incidir apenas nos casos de transmissão causa mortis e doação, nos termos do art. 155, da CF. Concessão da segurança em primeiro grau. Manutenção da r. sentença. Precedentes. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1018585-65.2016.8.26.0053; Relator (a): Antonio Celso Faria; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 6ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 19/10/2016; Data de Registro: 20/10/2016)

Cite-se, ainda, julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que não destoa dos precedentes acima referidos:

“IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS OU DIREITOS (ITCD). MORTE DE UM DOS USUFRUTUÁRIOS. DIREITO DE USUFRUTO AO USUFRUTUÁRIO SOBREVIVENTE. AUSÊNCIA DE TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE. TRANSFERÊNCIA DE DIREITO REAL DE USO. NÃO INCIDÊNCIA DO FATO GERADOR DO TRIBUTO. SENTENÇA MANTIDA. 1. O ITCD incide sobre a transmissão de propriedade de quaisquer bens ou direitos havidos por sucessão legítima ou testamentária, inclusive por sucessão decorrente de morte presumida, por sucessão provisória, e por doação. Inteligência art. 155, I, da CF e art. 2º da Lei Distrital n. 3.804/06. 2. O usufruto, por se tratar de um direito real transitório em que se concede ao titular o direito de usar e gozar a coisa por certo tempo, não engloba o direito de dispor, alienar, reivindicar ou buscar a coisa. Logo, não há que se falar em transmissão da propriedade. Tampouco se reconhece a transferência de propriedade quando há a morte de um dos usufrutuários e a transferência do direito de usufruir do bem na totalidade ao usufrutuário sobrevivente. 3. Não há a incidência do fato gerador do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD), o qual requer a transmissão de propriedade, quando há apenas a transferência de parte do direito real de gozo a quem já era usufrutuária do bem. 4. Recurso conhecido e desprovido”. (TJDFT, Apel./RN 0703928-91.2020.8.07.0018, DJ 24/03/2021.)

Com efeito, com a extinção do usufruto não se altera a titularidade dominial do direito real existente, de forma que sua extinção não caracteriza fato gerador apto a ensejar cobrança do ITCMD:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO TRIBUTÁRIO – ITCMD – DOAÇÃO – USUFRUTO VITALÍCIO – FALECIMENTO DO USUFRUTUÁRIO. Não caracteriza fato gerador do ITCMD a extinção do usufruto pela morte do usufrutuário, uma vez que não encerra a transferência do bem ou do direito real sobre ele pendente. (TJMG – Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.15.028077-4/002, Relator(a): Des.(a) Edgard Penna Amorim , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/2019, publicação da súmula em 09/07/2019)

De fato, o que ocorre é apenas a transferência, aos nus proprietários, do direito de usar e gozar, ou seja, efetivam-se todos os atributos da propriedade em favor do proprietário, que poderá exercer todos os direitos dela decorrentes.

Hugo de Brito Machado leciona que:

“A vigente Constituição Federal atribui aos Estados e ao Distrito Federal
competência para instituir imposto sobre ‘transmissão causa mortis e doação, de
quaisquer bens ou direitos’. O âmbito constitucional desse imposto, portanto, é
indiscutivelmente uma transmissão de quaisquer bens ou direitos.
Assim, podemos afirmar com segurança que sem ocorrer a transmissão de bens ou
direitos não ocorre fato compreendido no âmbito de incidência do imposto em
questão. E conforme já exposto neste artigo, na constituição, assim como na extinção
do usufruto, não ocorre a transmissão de nenhum bem ou direito

Na constituição do usufruto o que se dá é a instituição do direito de usar, gozar e fruir, e na extinção o que se dá é o fim desse direito. Assim, nos estados cujas leis disciplinadoras do imposto em questão não se referem ao usufruto, as autoridades administrativas não podem cobrar esse imposto, seja na constituição, seja na extinção do usufruto como hipótese de incidência do imposto em referência, o que se tem são leis contrárias à CF, que por isto mesmo padecem de validade jurídica”.[10]

A seu turno, Kiyoshi Harada acentua que a extinção do usufruto é uma hipótese de não incidência pura, e não de isenção, como erroneamente algumas legislações estaduais, a exemplo da Lei nº 10.705/2000 que instituiu o ITCMD no Estado de São Paulo, costumam referir.[11]

O usufruto é, pois, direito real transitório em que se concede ao titular apenas o direito de usar e gozar a coisa por um determinado período. Não engloba o direito de dispor, alienar, reivindicar ou buscar a coisa, de modo que não se pode falar em transmissão da propriedade. Veja-se, inclusive, que não há a transferência de propriedade quando, eventualmente, há a morte de um dos usufrutuários e, por conseguinte, ocorre a transferência do direito de usufruir do bem na totalidade ao usufrutuário sobrevivente. Na mesma linha de raciocínio, é de se destacar que também no caso de renúncia ao usufruto não há transmissão do bem, não se justificando, portanto, a incidência do ITCMD.

Enfim, resta claro que a extinção do usufruto não pode ser equiparada à transmissão de bem causa mortis, tampouco se pode dizer que restaria configurada uma doação. Enquanto no caso da doação há a transferência da propriedade do bem ao destinatário, no usufruto, a seu turno, o proprietário transfere apenas a posse direta. E, por sua vez, como o usufruto não pode ser transferido por meio de doação, herança ou legado, a sua extinção não constitui fato gerador do ITCMD, por não implicar transmissão de bens ou direitos, padecendo de flagrante inconstitucionalidade as legislações estaduais que preveem a sua cobrança nessa hipótese.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, Ana Paula Martins. A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO (ITCMD) NA RENÚNCIA NO PROCESSO DE INVENTÁRIO: OFENSA AOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE PROPRIEDADE E DE HERANÇA. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza – CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

HARADA, Kiyoshi. Extinção do usufruto como hipótese de isenção do ITCMD. Disponível em: https://tributario.com.br/harada/extincao-do-usufruto-como-hipotese-de-isencao-do-itcmd/

MACHADO, Hugo de Brito. O Usufruto e a questão tributária que suscita. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 236, jun 2015.

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

STF. Supremo Tribunal Federal. Acessível em www.stf.jus.br

TJDFT. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em www.tjdft.jus.br

TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Disponível em www.tjmg.jus.br

TJPE. Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Disponível em: www.tjpe.jus.br

TJSP. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em www.tjsp.jus.br

[1] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.1277.

[2] A matéria foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n° 851.108 SP (Tema de Repercussão Geral nº 825), de Relatoria do Ministro Dias Toffoli, tendo sido fixada a tese de que “é vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4667945 .

[3] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm .

[4] O Código Civil estabelece as hipóteses de extinção do usufruto em seu artigo 1.410.

[5] ALBUQUERQUE, Ana Paula Martins. A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO (ITCMD) NA RENÚNCIA NO PROCESSO DE INVENTÁRIO: OFENSA AOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE PROPRIEDADE E DE HERANÇA. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza – CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3363.pdf .

[6] Idem, ibidem.

[7] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direitos Reais, 8ª Edição, ed. Atlas, SP, 2008, p. 453.

[8] A nomenclatura pode variar, denominando-se, por exemplo, ITCMD (São Paulo e Santa Catarina), ICD (Pernambuco), ITD (Rio de Janeiro) ou ITCD (Minas Gerais), a depender do Estado.

[9] CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2004, p. 287, apud ALBUQUERQUE, Ana Paula Martins, op. cit.

[10] MACHADO, Hugo de Brito. O Usufruto e a questão tributária que suscita. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 236, p. 48 a 52.

[11] HARADA, Kiyoshi. Extinção do usufruto como hipótese de isenção do ITCMD. Disponível em: https://tributario.com.br/harada/extincao-do-usufruto-como-hipotese-de-isencao-do-itcmd/

TJ/SC: Empresário, engenheiro e secretária são condenados por fraude digital em inspeção veicular

Uma decisão da Vara Criminal da comarca de São Miguel do Oeste/SC. condenou à prisão três pessoas atuantes em uma empresa do ramo de inspeção veicular. Eles foram acusados de utilizar um molde de silicone da digital do engenheiro mecânico responsável pela assinatura eletrônica de documentos no sistema do Detran, para emitir certificados de segurança veicular e certificados de inspeção na ausência do profissional. Assim, o trio cometeu os crimes de inserção de dados falsos em sistema de informações e falsidade ideológica.

O dono da empresa foi condenado a quatro anos, nove meses e 20 dias de reclusão. O engenheiro deve cumprir cinco anos, sete meses e 14 dias de reclusão. Ambos em regime semiaberto. Já a secretária que acessava o sistema com a digital de silicone do colega recebeu a sentença de dois anos, cinco meses e 10 dias de reclusão em regime aberto, e teve direito à substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade e pagamento de prestação pecuniária no valor de cinco salários mínimos.

De acordo com a denúncia, com o consentimento do engenheiro mecânico, o proprietário da empresa mandou fazer um molde de silicone da digital do colaborador cadastrada no sistema do Detran para emitir os certificados de inspeção veicular, já que o funcionário não ficava em tempo integral naquele trabalho. Com ordens do patrão, a secretária acessava o sistema de computador e liberava os documentos. Cabe recurso da decisão.

Processo n. 5003110-71.2020.8.24.0067

TJ/SC: Família de PM morto por defeito em arma será indenizada em R$ 400 mil

A 6ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou uma empresa de armamentos a pagar R$ 400 mil, a título de danos morais, à família de um policial militar que morreu em serviço devido a um defeito na arma que portava.

De acordo com os autos, no dia 21 de novembro de 2011, por volta das 17h, o PM fez uma abordagem de rotina em São José e, ao se “inclinar para pegar no chão a pochete do suspeito, sua pistola PT 100 .40 se desprendeu do colete balístico, caiu no chão, disparou e a bala acertou seu rosto”. Ele morreu na hora. A arma, segundo os autos, estava travada, e a dinâmica do acidente foi filmada por uma moradora que assistia à atuação da PM.

A família do policial – ele tinha uma filha de um ano – ingressou na Justiça com pedido de indenização por danos morais e materiais contra a empresa e também contra o Estado de Santa Catarina.

O Estado apresentou contestação e arguiu, em preliminar, carência de ação por ilegitimidade passiva. No mérito, disse que não há dúvida de que o policial foi atingido por disparo acidental da arma que portava em razão de falha grave na trava de segurança do equipamento. Acrescentou que isso poderia ter sido evitado caso o policial tivesse abotoado a arma no colete tático. Impugnou, um a um, os pleitos condenatórios formulados pelos autores.

A empresa, por sua vez, defendeu a inexistência de defeito de fabricação na pistola porque o sistema é dotado de mecanismo de segurança que só permite o disparo quando o gatilho é acionado. Ao final, impugnou os pedidos condenatórios formulados na peça inicial.

Em 1º grau, o juiz afirmou que as provas coletadas, em sua integralidade, atestam a responsabilidade da empresa de armamentos porque “foi justamente a falha na pistola que ocasionou a morte do policial”. Ele fez questão de ressaltar que o ocorrido não é fato isolado no histórico da empresa. “São diversas as ocorrências noticiando a mesmíssima falha no armamento e que culminou, desta feita, em ceifar a vida de um policial catarinense”, destacou.

No entanto, segundo o magistrado, não houve responsabilidade do Estado nem participação de qualquer outro agente estatal no ocorrido. “O Estado licitou a aquisição do armamento, disponibilizou sua utilização aos servidores e realizou adequado treinamento”, disse. “Por isso”, pontuou o juiz, “no que tange ao Estado, não vislumbro qualquer responsabilização, razão pela qual a improcedência do pedido é medida que se impõe”.

Na sentença, ele condenou a empresa a pagar R$ 200 mil por danos morais, além de pensão para a filha do PM – até ela completar 25 anos – e pensão aos pais em caráter vitalício ou até a data em que o agente completaria 65 anos. Isso porque ficou provado, nos autos, que eles dependiam economicamente do filho.

Houve recurso de ambas as partes ao TJ. A família pleiteou o aumento da indenização, e a empresa reafirmou que a culpa pelo acidente deveria ser atribuída exclusivamente ao policial porque ele manteve a arma no coldre com a presilha de segurança desabotoada.

“A perda de um ente familiar”, escreveu em seu voto o relator da apelação, “alcança todos os que mantinham laços de afeto com o falecido, em especial pais e filhos. A intensidade do abalo anímico está diretamente relacionada à proximidade familiar com o de cujus. Aos pais, a morte de um filho inverte a ordem natural das coisas, provocando sofrimento que, mesmo com o transcorrer do tempo, tenderá a deixar marcas indeléveis”.

Ele pontuou que o montante a ser pago a título de indenização por dano moral deve ser graduado segundo as particularidades do caso concreto, a extensão do dano causado e a condição socioeconômica dos envolvidos, de forma que a verba não seja ínfima, para não representar ausência de sanção efetiva ao lesante, nem excessiva, a fim de evitar o enriquecimento sem causa, tudo orientado pelos vetores da ponderação e da razoabilidade.

O desembargador sublinhou que a ré é líder mundial na fabricação de revólveres e uma das maiores produtoras de pistolas do mundo, tendo lucrado no segundo trimestre de 2021 a quantia de R$ 193,6 milhões.

Diante do caso concreto, concluiu, o valor da indenização pelo dano moral deve ser majorado para R$ 400 mil – R$ 70 mil para a esposa, R$ 90 mil para cada um dos pais e R$ 150 mil para a filha -, acrescido de correção monetária a partir do arbitramento e de juros de mora (1% ao mês) a contar do evento danoso. Os valores de pensão foram mantidos.

O entendimento do relator foi seguido de forma unânime pelos demais integrantes da 6ª Câmara de Direito Civil. O caso corre em segredo de justiça e ainda cabe recurso.

TRT/RN: Justa causa para trabalhadora com atestado que publicou imagens dançando em festa

A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT-RN) manteve a demissão por justa causa da recepcionista que publicou, em uma rede social (Instagram), imagens dançando em festa residencial uma semana depois de apresentar atestado médico de 30 dias por trauma no tornozelo.

Ela era empregada da Clinicor – Clínica de Prevenção e Tratamento das Doenças do Coração LTDA e apresentou um atestado de 30 dias afirmando que encontrava-se em tratamento para entorse do tornozelo direito.

No processo, para justificar a demissão dela por justa causa, a empresa mostrou cópias de postagem no Instagram e vídeos gravados no evento social, ocorrido durante o período de atestado médico, em que ela permanecia em pé e também dançando

Em sua defesa, a trabalhadora alegou que “não compareceu a nenhum evento público ou frequentou ambiente que não fosse propício à sua condição de saúde, especialmente porque não tinha capacidade física de permanecer em pé por muito tempo”.

Afirmou, ainda, que nos vídeos gravados no evento, “verifica-se que não se tratava de um evento público, mas sim de um churrasco com amigos”.

Por fim, alegou que nunca recebeu qualquer advertência ou suspensão, não sendo a suposta infração cometida grave para justificar, de imediato e prioritariamente, a demissão por justa causa.

O desembargador Bento Herculano Duarte Neto, relator do processo no TRT-RN, destacou que os registros audiovisuais apresentam a recepcionista em um “arraial”, uma festa residencial com o que aparenta ser por volta de quarenta pessoas.

“Esses vídeos apresentam a ex-empregada em pé, dançando e sem qualquer tipo de apoio ou imobilização no tornozelo, em total contraste com o quadro clínico que se extrai do atestado médico”, observou ainda o desembargador.

Ele destacou ainda que os vídeos foram feitos em menos de uma semana após ser concedido o atestado médico de 30 dias, “de modo que sequer se poderia alegar que a recepcionista já estaria em um estado avançado de recuperação”.

Para ele, o fato da ex-empregada se ausentar do serviço por um extenso período, devido a uma enfermidade que a impediria de ficar de pé por muito tempo, e, “no início do afastamento, se apresentar publicamente dançando em uma festa, sem qualquer tipo de cuidado ortopédico, configura mau procedimento”.

Assim, no entendimento do magistrado, houve “quebra da fidúcia necessária para a manutenção do vínculo empregatício, sendo, portanto, válida a demissão por justa causa nos termos do art. 482, ‘b’, da CLT, conforme disposto na sentença”.

A decisão da 2ª Turma do TRT-RN foi por unanimidade e manteve o julgamento original da 6ª Vara do Trabalho de Natal (RN).

TJ/ES: Diarista atingida por placa de outdoor deve ser indenizada por empresa de publicidade

A sentença foi proferida pela juíza da 2ª Vara Cível de Guarapari.


Uma mulher que teria sido atingida na cabeça por uma placa de outdoor ao voltar do trabalho deve ser indenizada por danos morais, estéticos e materiais, de acordo com a decisão da juíza da 2ª Vara Cível de Guarapari.

De acordo com os autos, em depoimento, uma das empregadoras da requerente expôs que a autora havia feito uma faxina em sua loja e voltado para casa na companhia de outra funcionária do estabelecimento quando sofreu o abalo da placa. Foi narrado, ainda, que a vítima ligou para sua contratante, que ao chegar ao pronto atendimento, encontrou-a suja de sangue devido ao ferimento.

A procedência dos relatos foi analisada pela magistrada que, a considerando as dores de cabeça, bem como o medo e o receio quanto a uma possível repetição do evento, sofridos pela autora, condenou a empresa de publicidade responsável pelo outdoor, ao pagamento de indenização por danos morais fixada em R$ 20 mil.

Além disso, diante das cicatrizes causadas pelo golpe e dos dias de serviço perdidos, a requerida deve pagar à autora R$ 10 mil referentes aos danos estéticos e R$ 3.540,00 a título de danos materiais.

Processo nº 0001253-34.2018.8.08.0021

TRT/MG: Loja de shopping indenizará em R$ 30 mil gerente chamado de “macaco” e “sombra escura”

Uma decisão da juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, que atua na Justiça do Trabalho de Minas, foi finalista do Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2022. O concurso nacional do CNJ visa a premiar decisões e acórdãos que efetivam a promoção dos Direitos Humanos e a proteção às múltiplas diversidades e vulnerabilidades, com ênfase na observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil.

Esse concurso abrangeu oito categorias, sendo três decisões finalistas em cada categoria. Do total das 24 decisões selecionadas, apenas duas foram da Justiça do Trabalho. A sentença da magistrada ganhou destaque na categoria Direitos dos Afrodescendentes. Acompanhe, a seguir, o caso analisado pela julgadora:

A juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, em atuação na 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, condenou uma loja de um shopping da capital mineira ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 30 mil, a uma gerente vítima de atos discriminatórios praticados no ambiente de trabalho. Uma testemunha contou que mensagens de áudio preconceituosas relativas à autora da ação chegaram a ser ditas no grupo de WhatsApp da empresa. Segundo a testemunha, no período em que a trabalhadora foi apoiar a loja, havia mensagens como “a sombra escura já foi embora?”; “o macaco já foi embora?”.

Pelo depoimento, os áudios com conteúdo discriminatório foram trocados no grupo de WhatsApp das vendedoras e da gerente, em celular corporativo e de uso exclusivo da loja. Outra testemunha confirmou que os fatos ocorridos naquela loja chegaram até a unidade da rede em outro shopping da cidade. “O que comprova que houve divulgação da informação para além do mencionado grupo de WhatsApp”, pontuou a julgadora.

Segundo a juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, foi visível o desconforto da autora da ação ao relembrar, no depoimento pessoal, a situação vivenciada. A trabalhadora contou que “acreditava estar acolhida, mas não estava”. Afirmou que procurou a ouvidoria, mas nunca obteve retorno. Acrescentou ainda que teve receio de registrar um boletim de ocorrência e perder a oportunidade de trabalho.

Defesa
Na defesa, a empregadora alegou que a ex-empregada jamais foi vítima de discriminação racial. Afirmou que a empresa é reconhecida mundialmente pela gestão de pessoas e foi diversas vezes premiada e reconhecida pelas políticas aplicadas nesta seara. Informou que mantém um rígido rol de regras de conduta e comportamento, por meio de um programa de ouvidoria, não tolerando qualquer tipo de discriminação, assédio ou perseguição no ambiente de trabalho. Sustentou que, tão logo tomou conhecimento dos fatos, iniciou uma investigação pelo setor de “Compliance”. “A conclusão foi de que não restou evidenciado o ato discriminatório”, disse a defesa.

Entre os documentos trazidos aos autos, a empresa apresentou a Declaração de Compromisso pelos Direitos Humanos. Nesse documento, afirma que ela apoia e realiza iniciativas para o enfrentamento e superação do racismo institucional. “Nos comprometemos a aumentar a representatividade étnico-racial em nosso quadro de colaboradores nos diferentes cargos da empresa, buscando entender as diferentes questões étnicas de cada localidade onde atuarmos”, argumentou a empregadora.

Para a juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, aumentar a representatividade étnico-racial é um primeiro passo no sentido de combater a desigualdade. Mas, segundo a julgadora, a medida soa como estatística que não necessariamente se traduz na realidade fática vivenciada por um colaborador. “O fato de a empresa adotar uma política pautada por diversidade e inclusão não afasta o episódio retratado. O prestígio internacional de que goza não pode ser usado para diminuir a dor sofrida por um colaborador em seu ambiente de trabalho”, ressaltou a magistrada.

Segundo a julgadora, a empresa não anexou aos autos do processo a prova da investigação. “Tampouco deu retorno formal à vítima, que permaneceu no ambiente de trabalho, sem ter um encerramento quanto ao assunto. A ex-empregada fez um registro formal do ocorrido no sistema da empresa e deveria ter recebido uma resposta, ainda que fosse negativa. Essa falta de comunicação comprova a conduta omissiva da loja”.

No entendimento da julgadora, a conduta omissiva da empregadora é tão ou mais grave quanto o ato discriminatório em si. “Isso representa uma violação aos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, bem como ao próprio contrato social, base de uma sociedade democrática”, pontuou.

Para a juíza Jéssica Grazielle Andrade Martins, como a empresa adota uma política pautada por diversidade e inclusão, a gerente confiou que poderia denunciar os desvios de conduta nos canais adequados. “Mas há uma quebra da fidúcia depositada no momento em que a discriminação é vivenciada por uma empregada em seu ambiente de trabalho e a resposta institucional é o silêncio. Isso impactou de tal forma na autora da ação que, com medo de ser eliminada no ambiente de trabalho, sequer registrou boletim de ocorrência”.

Assim, presentes os pressupostos fáticos e jurídicos da responsabilidade civil, a julgadora reconheceu o dever de indenizar, determinando o pagamento de R$ 30 mil de indenização. Na decisão, a juíza levou em consideração a capacidade econômica do ofensor e do ofendido, a natureza da ofensa moral, além do efeito pedagógico da medida, a fim de estimular a empresa a zelar pela regular conduta dos empregados. Ao final, a trabalhadora e a empresa celebraram um acordo, em audiência de conciliação realizada no Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (CEJUSC-JT) 2º Grau. O processo já foi arquivado definitivamente.

Processo PJe: 0010095-78.2022.5.03.0012

TRT/SP: Adestrador que cuida de cão nas férias tem direito a remuneração dobrada do período

A 8ª Turma do TRT da 2ª Região garantiu o direito de um condutor de cão farejador a receber férias em dobro e indenizações por dano material e moral. A decisão confirma sentença que condenou a empresa a pagar remuneração dobrada de férias mais um terço por deixar o animal sob responsabilidade do empregado durante o período de descanso anual. Também manteve a obrigação de reembolsar despesas do homem com o cachorro (dano material) e de indenizá-lo pela retirada abrupta do cão do convívio familiar (dano moral).

O adestrador era contratado de uma firma terceirizada prestadora de serviços de varredura de cargas para a concessionária do Aeroporto Internacional de Guarulhos-SP. No processo, o empregador argumenta que o homem não era obrigado a permanecer com o cachorro nas férias, podendo encaminhá-lo para o canil ou para hotel específico para cães. Nega também que exigisse a realização de treinamentos com o bicho no período.

A prova oral, porém, demonstra o contrário. Testemunha da empresa contou que o canil contratado se localiza em Goiás e que todos os treinadores ficam com os cães nas férias, inclusive ele próprio. Com isso, a juíza-relatora do acórdão, Silvane Aparecida Bernardes, entendeu que a medida constitui praxe empresarial e que os treinamentos ministrados ao cão durante as férias configuram tempo à disposição do empregador.

A entidade também foi condenada a pagar R$ 65 mensais por diferenças no reembolso de alimentação do cachorro e R$ 5 mil por prejuízos de ordem moral por levar o bicho embora após a dispensa do empregado. “A retirada abrupta do animal da unidade familiar, que está acostumada com a companhia do cão como se da família fosse, sem que a empresa tenha promovido qualquer medida ou procedimento capaz de mitigar ou diminuir o sofrimento impingido ao trabalhador e seu núcleo familiar, configura extrapolação do poder diretivo do empregador”, conclui o acórdão.

Processo nº 1000421-90.2021.5.02.0313

TJ/SC: Juiz aplica protocolo do CNJ e condena filho que descumpriu protetivas em favor da mãe

O Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica da comarca de Tubarão aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para condenar um homem que descumpriu medidas protetivas estabelecidas em favor de sua mãe, violou seu domicílio e a ameaçou. Esse protocolo é de aplicação obrigatória pelos tribunais brasileiros, a fim de evitar preconceitos, discriminação de gênero e outras características nas decisões judiciais, conforme a Resolução n. 492, de 17 de março de 2023.

Segundo a denúncia, entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, o homem praticou diversos crimes contra sua mãe, a começar pelo descumprimento de medidas protetivas de urgência em favor da genitora, uma senhora de 70 anos. Além disso, ele cometeu violação de domicílio qualificada, algumas vezes no período noturno e sob o efeito de entorpecentes; ameaçou causar mal injusto e grave à mãe em três oportunidades, inclusive quando foi preso em flagrante e na presença de policiais; e cometeu crime de desobediência ao se recusar a deixar o imóvel da vítima e a ser algemado, com necessidade do uso da força por parte dos agentes.

Ao aplicar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, o magistrado ressalta que tal julgamento tem como escopo “evitar tanto quanto possível que os estereótipos e as expectativas sociais construídas para homens e mulheres impliquem distorções importantes na apuração dos fatos delituosos, causando iguais distorções no julgamento respectivo”.

A decisão destaca que eventual permanência “pacífica” do réu na residência da vítima não descaracteriza os delitos de descumprimento de medidas protetivas e invasão de domicílio como argumentava a defesa do acusado. A sentença ainda pontua que, quanto aos papéis socialmente atribuídos a homens e mulheres, prevalece a figura da mulher como cuidadora dos filhos e, nesse contexto, é certa a maior dificuldade da mulher em rejeitar sua prole, “já que isso vai contra as expectativas socialmente construídas sobre o que é ser uma ‘boa mãe’, somente o fazendo em casos extremados e depois de muito sofrimento”, como é o caso do processo em questão.

O homem foi condenado à pena de três anos, oito meses e 16 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, pelos crimes de descumprimento de medida protetiva, invasão de domicílio, ameaça e desobediência. Ele teve sua prisão preventiva mantida não só em face da condenação, mas também por conta da presença dos motivos ensejadores da medida, especialmente a necessidade de preservar a ordem pública e a integridade física e psicológica da vítima. O réu também foi condenado a indenizar sua genitora em R$ 2 mil por danos morais. Cabe recurso da decisão ao TJSC. O processo tramita em segredo de justiça.

TJ/SC: Cidadão será indenizado por ter nome inserto de forma equivocada em inquérito policial

A 1ª Turma Recursal do Poder Judiciário de Santa Catarina manteve decisão que determinou ao Estado pagamento de indenização por danos morais a um homem falsamente identificado em boletim de ocorrência e em condenações. O homem receberá R$ 7 mil e também terá direito à retificação dos seus antecedentes criminais pelo governo catarinense.

Ao ser preso em flagrante, um criminoso forneceu à autoridade policial o nome do irmão adotivo, autor da ação de reparação de danos, como se fosse o seu. As devidas averiguações não foram realizadas por ocasião da prisão pelas autoridades policiais, confiantes apenas na declaração do preso. Mesmo com a insurgência da vítima por meio de boletim de ocorrência, o equívoco permaneceu e os expedientes policiais e processuais continuaram em desenvolvimento.

Em 1º grau, a Vara da Fazenda Pública de Tubarão condenou o Executivo a indenizar o autor da ação, ao entender que a situação trouxe à vítima mais do que um mero dissabor, com a configuração do dano moral. A Procuradoria-Geral do Estado recorreu da decisão, sem sucesso no âmbito da Turma Recursal.

“Oportuno consignar, desde já, que, no mérito, inexiste qualquer dúvida quanto à mantença da sentença por suas próprias razões, como faculta o art. 46 da Lei 9.099/95, firmada a responsabilidade do Estado de Santa Catarina”, destacou o relator do recurso.

Processo n. 5003481-74.2021.8.24.0075

TJ/SC: Servidor que pediu exoneração por falsa acusação de assédio sexual será indenizado

A 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou um município do Alto Vale do Itajaí ao pagamento de indenização em benefício de um ex-servidor, vítima de falsa acusação de assédio sexual, que pediu exoneração por não suportar mais a pressão em seu ambiente de trabalho. O valor da indenização foi fixado em R$ 20 mil. A ação deu entrada na Justiça em 2021.

Segundo os autos, o homem foi servidor público por 12 anos, inicialmente como motorista do Samu. Por vezes, reclamava da situação dos veículos da Secretaria de Saúde e, como punição pelos protestos, acabou transferido para trabalhar no transporte escolar do município. Logo que começou a atuar nessa área, contudo, o homem sofreu acusação de assédio sexual praticado contra uma estudante, menor de idade, por supostamente ter dado um tapa em suas nádegas.

Um processo administrativo disciplinar foi aberto para apurar o caso, mas concluiu por sua improcedência. A pretensa vítima, que inicialmente redigiu uma carta com a acusação, posteriormente admitiu que foi coagida para tanto, por determinação do então diretor de Transporte Escolar, homem de confiança do prefeito e casado com a irmã da “denunciante”. Seu interesse, conforme se apurou, era aplicar uma penalidade ao servidor.

Na sequência, o servidor solicitou licença sem remuneração, mas teve o benefício negado. Acabou por pedir exoneração e ficou desempregado. O município, em sua defesa, alegou ilegitimidade passiva e requereu a denúncia do ex-prefeito envolvido no caso. Argumentou também que, caso houvesse alguma indenização, o valor não deveria passar de R$ 1,5 mil.

O relator da matéria, em seu voto, ressaltou o abalo sofrido pelo autor. “O dano suportado pelo requerente é evidente em razão da gravidade das acusações. O boato se espalhou pelo Município, de modo que a imagem e a honra do autor foram afetadas de forma significativa e que ultrapassa o mero aborrecimento.” O desembargador também criticou a postura do município no episódio.

“A culpa do ente público também é cristalina, pois no depoimento da menor transparece a intenção do agente público em prejudicar o autor. Ademais, mesmo após a apuração dos fatos, não há notícias de que qualquer providência tenha sido tomada, ao menos, para apurar a conduta do servidor, que não foi ouvido em sede administrativa e tampouco na esfera judicial.” A decisão foi unânime.

Processo n. 5000823-92.2021.8.24.0070/SC


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