TRT/MG: Trabalhadora que recebia R$ 300,00 por mês tem vínculo de emprego doméstico reconhecido

Ex-patrões alegaram que a trabalhadora era “da família”.


O juiz Alfredo Massi, no período em que atuou na 1ª Vara do Trabalho de Nova Lima/MG, reconheceu o vínculo de emprego pretendido por uma trabalhadora que prestou serviços como doméstica/cuidadora de idosa em uma residência por quase sete anos, recebendo apenas R$ 300,00 por mês.

A mulher relatou que prestou os serviços domésticos entre 2015 e 2021. Já os réus, mãe e filho, sustentaram que apenas acolheram uma pessoa vinda do interior para trabalhar na região metropolitana, para ter melhores condições de vida. Segundo alegaram, a autora era tratada como irmã do réu, pois morava na casa, tinha alimentação e lazer, o que era desfrutado com a família. Argumentaram que ela não tinha obrigação de cumprir horários e ajudava nos afazeres da residência e nos cuidados da mãe do réu como qualquer outro “membro da família”. Os réus negaram que houvesse imposição de trabalho e disseram que a jovem tinha a “vida livre”.

Mas, ao examinar as provas, o magistrado não teve dúvida de que a relação vivenciada entre as partes foi de emprego doméstico. A começar pelo fato de a jovem ter ido morar na casa dos patrões quando tinha 21 anos incompletos, vinda de zona rural do interior de Minas e com baixo grau de instrução. A decisão chamou a atenção para o perfil pessoal da trabalhadora, justamente por corresponder ao diagnosticado em inúmeros estudos relativos à questão do trabalho doméstico no Brasil, nas Américas e no mundo.

Pelo que consta da decisão, ainda é grande o número de trabalhadoras que atuam na informalidade e sem amparo da previdência social. Pesquisas indicam que mulheres jovens, migrantes do campo e com baixos níveis de instrução integram o perfil profissional. As trabalhadoras, em geral, recebem baixos salários e permanecem em condições vulneráveis durante toda a vida. Não raramente, são rotuladas como “da família” por conveniência dos patrões. Como exposto na sentença, a afetividade que envolve essas relações contribui para a perpetuação da desigualdade e da subordinação, camuflando abusos da legislação trabalhista.

No caso do processo, a prova oral revelou que o trabalho da autora era diário, contínuo e sem descanso semanal. A jovem limpava a casa, preparava café, almoço e jantar, além de cuidar da segunda ré, pessoa idosa. Para tanto, recebia R$ 300,00 por mês. Poucas vezes ela teria retornado à sua cidade natal.

Para o juiz, não há como acatar a tese de que se tratava de uma pessoa “da família” dos réus, argumento que “somente se explica pela lamentável realidade das trabalhadoras domésticas, estruturalmente desvalorizadas e invisibilizadas em seu trabalho de cuidado”.

A sentença explicitou que o trabalho doméstico é majoritariamente “desempenhado por mulheres pertencentes a estratos sociais subalternizados, cujos traços se interseccionam numa espiral de perpetuação da pobreza e da superexploração”. Ponderou que o “uso de mecanismos afetivos constitui um rebuço para relações assimétricas, calcadas no descumprimento de leis trabalhistas elementares – menos do que estreitar laços entre as partes envolvidas, tal expediente acentua a distância social entre essas pessoas”.

Ao examinar as provas, o magistrado identificou os pressupostos legais para a caracterização do vínculo de emprego, como subordinação, onerosidade e pessoalidade. O juiz considerou que a trabalhadora, inclusive, submeteu-se a condições indignas de trabalho.

“Quase uma antítese do que se preconiza como o arquétipo do trabalho decente, que se traduz num ‘conjunto mínimo de direitos do trabalhador’, que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais”, registrou na sentença, citando José Claudio Monteiro de Brito Filho (Trabalho Decente: análise jurídica da exploração, trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 2ª ed. São Paulo: LTR, 2010, página 52).

Com relação ao valor de R$ 300,00 mensais pagos à trabalhadora ao longo do contrato, o magistrado salientou representar, ao menos a partir de março de 2020, algo em torno de dois dólares por dia. O patamar corresponde à renda próxima à que o Banco Mundial considera como o de pessoas em pobreza extrema – isto é, renda abaixo de $1,90 dólar por dia. Como a quantia remunerava o trabalho diário, sem descanso semanal remunerado, feriados ou mesmo férias, ele considerou a situação ainda mais degradante.

Quanto à designação artificial da trabalhadora como “parte da família”, o juiz não enxergou ter beneficiado a autora, na medida em que não houve participação do patrimônio social, cultural e econômico do núcleo familiar. O cenário, ao contrário, ocasionou a submissão a condições de trabalho em patamar inferior àquilo que se toma como o mínimo civilizatório, segundo a ordem jurídica vigente.

O julgador lamentou que a situação identificada no processo ainda vigore no Brasil. “Subjacente a uma ordem constitucional promissora em termos de direitos e garantias fundamentais, infelizmente ainda vigoram, no país, ecos de um passado colonial e escravista, no qual o trabalhador da economia açucareira, seja no engenho, seja na casa do senhor, não era concebido como ser de direitos, senão como um objeto de extração de trabalho, pura e simplesmente”, pontuou.

Para o juiz, é preciso “afirmar a ordem constitucional pautada na centralidade do ser humano como detentor inato de dignidade, que tem no trabalho uma de suas expressões”. Pontuou, além disso, que “o trabalho não é mera fonte de renda, senão a realização do ser humano em atividade, em metabolismo com sua comunidade. Com o trabalho, o ser humano modifica a natureza e, no limite, a si próprio, em busca de uma vida plena de sentido e realizações”.

Em mais um trecho da sentença, foi registrado que “a valorização do trabalho, mais do que retórica, clama por acrescentar concretamente ao labor humano o predicado da decência”. Segundo asseverado, isso pressupõe o acesso a direitos elementares tipificados na ordem jurídica, como o trabalho devidamente registrado; a filiação do trabalhador ao sistema de seguridade social; o gozo de descanso semanal remunerado; a fruição de férias anuais, com remuneração acrescida do abono constitucional; o recebimento de salário mínimo; a percepção de gratificação natalina; a manutenção de conta vinculada para recolhimento regular do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS); a observância de intervalos no curso das e entre as jornadas; o limite diário e semanal de duração do trabalho; o respeito a regras de higiene, segurança e medicina do trabalho.

Por fim, o magistrado enfatizou que “a Constituição da República reclama a realização de seus termos, como etapa civilizatória essencial da construção da democracia nacional, tendo como objeto primeiro seu maior patrimônio: o povo brasileiro”. Nesse contexto, expôs que o objetivo da decisão é retificar os graves fatos verificados no processo.

Com o reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes, os empregadores foram condenados a anotar a carteira de trabalho da autora e a pagar parcelas de saldo de salário, aviso-prévio indenizado, 13º salários e férias acrescidas do terço constitucional de todo o período contratual, sendo parte das férias em dobro, conforme a legislação.

Foi determinado o pagamento das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT, tendo como base de cálculo o salário mínimo, assegurando, ainda, à trabalhadora o direito ao FGTS com a multa de 40% e ao seguro-desemprego. Também foram deferidas diferenças salariais decorrentes do pagamento de somente R$ 300,00 por mês. A condenação envolveu ainda o direito a uma hora extra diária, durante todo o contrato de trabalho.

Diante da gravidade dos fatos constatados, “com o potencial de transcender a esfera trabalhista”, o juiz determinou a expedição de ofícios ao Ministério do Trabalho, ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público do Trabalho, à Caixa Econômica Federal e à Receita Federal.

Houve recurso, mas os julgadores da Quinta Turma do TRT-MG confirmaram a sentença. Já foi iniciada a fase de execução.

Processo PJe: 0010418-40.2022.5.03.0091

TJ/SC: Mulher conquista direito de seguir em lar de idosos mesmo sem ter 60 anos

Ela sente saudades do pai e da irmã, ambos já falecidos. Gostaria de ter mais liberdade e passear pela cidade natal com as amigas. Dos parentes vivos prefere distanciamento, por isso optou pela convivência em casa de repouso, onde supõe ser útil e estar segura. Porém, como ainda não atingiu a idade exigida, recorreu à Justiça para garantir a estadia. O pedido de alvará judicial de autorização para que a mulher continue internada na instituição de longa permanência de idosos, ao final deferido, tramitou na 1ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville.

De acordo com a inicial, a autora é portadora de esquizofrenia paranoide e necessita de cuidados especiais. Enquanto o pai era vivo, morava com ele em outro Estado, mas se mudou para Joinville após seu falecimento. O convívio com outros familiares mostrou-se inviável – disse ter sentimentos de raiva e rejeição em relação aos irmãos –, e a idade torna difícil que supra suas necessidades básicas sozinha. No momento encontra-se hospedada em casa de repouso e gostaria de lá permanecer, porém o local foi autuado pelo município justamente por mantê-la ali, uma vez que ainda não tem 60 anos de idade.

Para análise do caso, foi designada observação in loco de assistente social forense, a qual retornou ao juízo com o relato de que a mulher faz uso de medicação controlada, mas não necessita de outras intervenções ou restrições. Alimenta-se sem auxílio, apresenta autonomia para realizar atividades e estabelece diálogos com a equipe técnica e os demais internados. Desta forma, de acordo com o laudo, a autora não apresenta comportamento que possa ser identificado como de risco para os que ali moram.

Em conclusão, relata o juízo que não foram identificadas situações de risco, violência ou negligência praticadas no contexto institucional, que a mulher já estabeleceu elos com o local e que resta clara a intenção de manter distanciamento dos entes familiares. Ao mesmo tempo, é fato que a família não possui recursos financeiros para colocá-la em clínica psiquiátrica.

“Apesar de a instituição apresentar limitações no que se refere à promoção de atividades lúdicas, artísticas e ocupacionais, parece cumprir com funções que atendem necessidades de saúde e preservam, dentro dos limites da estrutura institucional. Diante do cenário, julgo procedente o pedido para determinar a expedição de alvará judicial em favor da autora, autorizando-a a permanecer internada na instituição”, definiu.

TRT/GO: Metalúrgica indenizará operador de máquina que perdeu o dedo por falta de manutenção do equipamento em que trabalhava

A empresa é responsável pelo acidente de trabalho que vitima o seu empregado, quando não adota as medidas de segurança e de prevenção necessárias para evitar o acontecimento. Esse é o entendimento da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), que determinou o pagamento de danos morais, materiais e estéticos a um operador de máquinas que trabalhava numa indústria de metais de Goiânia e perdeu o dedo enquanto operava uma máquina dobradeira.

O colegiado apontou omissão da metalúrgica por não manter o equipamento com ar comprimido suficiente para que o sistema de segurança fosse acionado em caso de emergência. O relator, desembargador Gentil Pio de Oliveira, observou que a interrupção do fornecimento de ar inabilitou medidas de segurança e ocasionou o acidente de trabalho.

A decisão foi tomada durante a análise dos recursos da metalúrgica e do auxiliar da linha de produção. A empresa alegou que o acidente ocorreu exclusivamente por culpa do funcionário que, num ato de imprudência, teria colocado a mão na engrenagem da máquina no momento em que houve o acionamento do corte. O funcionário, por sua vez, recorreu ao TRT requerendo o aumento do valor da indenização por dano material, indicando que o juízo de primeiro grau não teria considerado sua idade (56 anos) e a projeção de sua expectativa de vida.

O relator do recurso adotou os argumentos do juízo da 4 ª Vara do Trabalho de Goiânia para evidenciar os danos morais, estéticos e materiais sofridos pelo trabalhador. Para ele, o funcionário confirmou que faltou ar na máquina e por isso ela disparou. Segundo o operador, faltava ar no equipamento constantemente, pois o compressor era grande e a mangueira ligada a ele era pequena e, por conta disso, a mangueira escapava até três vezes por dia.

O desembargador observou que o depoimento da testemunha, que presenciou o acidente, confirmou a falta de ar na peça manuseada pelo funcionário e, por isso, ela teria ficado “sem freio”. A testemunha também afirmou que os funcionários alertaram a empresa sobre o problema e que, quando a mangueira desconectava do compressor, eles avisavam a equipe, mas no dia do acidente não houve tempo hábil para alertar o funcionário acidentado.

Além dos depoimentos, o relator destacou as perícias técnica e médica que apontaram os danos sofridos pelo trabalhador. Para Gentil Pio, o dano estético foi causado pela mutilação do dedo indicador da mão esquerda com reflexo em sua autoestima. O dano moral, por outro lado, ocorreu quando a empresa não tomou as medidas de prevenção de acidentes, possibilitando a ocorrência de uma lesão de direito além de lhe causar constrangimento perante a sociedade, ato ilícito e antijurídico, segundo ele.

Gentil Pio ressaltou que a perícia médica concluiu pela incapacidade laborativa parcial e permanente do metalúrgico para funções que exigem o uso contínuo da mão esquerda, pois ele só poderá realizar funções que não exijam esses quesitos. Já a perícia técnica, de acordo com o desembargador, apontou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da indústria, que não teria cumprido as Normas Regulamentadoras aplicáveis e se omitiu em relação à gestão de segurança ocupacional na empresa.

Ao fixar os valores das reparações, o desembargador apontou jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) para registrar que o fato de o operador de máquinas ter voltado a trabalhar, com percepção de salário, não afasta o dever da empresa de indenizar os danos materiais decorrentes da diminuição de sua capacidade de trabalho, o que dificultará reinserção do trabalhador ao mercado de trabalho. Assim, o relator manteve em R$ 10 mil a reparação por danos estéticos, R$10 mil para danos morais e em relação aos danos materiais, fixou em o pensionamento mensal que deverá ser pago até o trabalhador completar 77 anos.

Processo nº 0010338-97.2020.5.18.0004

TJ/DFT: Lei que cria auxílio desempenho para servidores da Câmara Legislativa é inconstitucional

O Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade da Lei 7.117/2022, que dispõe sobre criação de Auxílio Financeiro de Desempenho (AFD) para servidores efetivos da carreira legislativa. De acordo com o colegiado, o dispositivo viola a Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF).

O Procurador Geral de Justiça do DF, autor da ação, declarou que a norma é inconstitucional porque cria vantagem remuneratória de valor indeterminado, sem demonstração prévia de impacto orçamentário e sem a existência de previsão orçamentária, “atribuindo artificialmente ao referido benefício natureza indenizatória, a despeito de sua natureza de gratificação, em flagrante tentativa de burla à incidência do teto constitucional de remuneração dos servidores públicos”.

O PGDF informa, ainda, que o auxílio está relacionado às atividades prestadas pelo servidor e visa remunerar o desempenho ótimo, como ocorre com as diversas gratificações de desempenho existentes nas carreiras da Administração Pública, e que o benefício foi denominado de auxílio ou indenização para imunizá-lo de imposto de renda e do teto remuneratório, o que violaria a probidade administrativa e a isonomia com os demais servidores que recebem gratificações de desempenho. Além disso, argumenta que a lei não fixa limite ou parâmetro de cálculo do AFD, “delegando a mero ato administrativo a definição do valor a ser pago aos servidores públicos da carreira legislativa do Distrito Federal”.

Por fim, ressalta que a lei afronta o artigo 157 da LODF, que exige que a concessão de qualquer vantagem remuneratória seja feita somente se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias e prévia e suficiente dotação orçamentária. Segundo a legislação orgânica do DF, normas que criam vantagem remuneratória e aumentam despesas com pessoal devem vir acompanhadas de demonstrativos orçamentários, o que também não foi observado no Projeto de Lei 2.669/2022, que deu origem à lei contestada, apresentado sem qualquer demonstrativo ou estudo prévio.

Em suas razões, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) afirmou que a Lei 7.117/2022 é constitucional e visa retribuir, sem fazer parte da remuneração, servidor que prestar serviços além da obrigação legal, em razão de necessidade de serviço. Destaca que a norma depende de regulamentação para produzir efeitos e que, em razão da eventualidade e do caráter voluntário do serviço, não há espaço para conclusão diversa de que a parcela possui natureza indenizatória, pois não incorpora e nem integra a remuneração, nem os subsídios, nem os proventos para qualquer fim. Informa, ainda, que foi incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO/2023) a previsão de acréscimo relacionada ao AFD, em Despesas de Pessoal Autorizadas a Sofrerem Acréscimos, para os exercícios de 2023, 2024 e 2025, o que atenderia ao previsto na LODF.

A Governadora então em exercício do Distrito Federal, a Procuradoria Geral do DF e a Procuradoria Geral de Justiça do DF manifestaram-se pela inconstitucionalidade da lei. A Desembargadora relatora registrou que a conclusão que decorre da análise da exposição de motivos do PL 2.669/2022, que dispõe que a finalidade da proposição é estabelecer a isonomia entre a Carreira Legislativa e diversas outras carreiras de Estado, e que se trata de gratificação de desempenho equiparada a paga a outras carreiras da Administração Pública.

“Intitulá-la de auxílio com caráter indenizatório resulta na tentativa de burla ao sistema jurídico tributário e ao limitador do teto constitucional, descontos que incidem sobre as verbas remuneratórias, conduta que viola o princípio da moralidade administrativa, uma vez que a Lei Complementar 840/2011(Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis do DF) determina que vantagens de caráter indenizatório são excluídas do valor do teto de remuneração e não podem ser computadas na base de cálculo para fins de incidência de imposto de renda ou contribuição para a previdência social”, afirmou.

No entendimento da magistrada, o benefício foi instituído sem indicação de valores, parâmetros de cálculos nem critérios de pagamento, os quais foram delegados ao poder regulamentar da Câmara Legislativa, hipótese que viola, ainda, o princípio da reserva legal, que prevê que a remuneração dos servidores públicos somente podem ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

Assim, a norma foi declarada inconstitucional com efeitos retroativos.

Processo: 0701622-04.2023.8.07.0000

TJ/SP mantém multa a empresa que derramou resíduos nocivos ao meio ambiente após acidente em rodovia

Contaminação atingiu Área de Preservação Permanente.


A 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve multa aplicada pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) a uma empresa do setor de baterias automotivas pelo despejo de resíduos industriais nas proximidades de Área de Preservação Permanente. A sanção foi estipulada em 3 mil unidades fiscais do Estado de São Paulo, valor equivalente a pouco mais de R$ 79,5 mil, conforme consta em sentença proferida pelo juiz José Renato da Silva Ribeiro, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Bauru.

Segundo os autos, um caminhão pertencente à empresa se envolveu em acidente na Rodovia Rachid Rayes, na região de Marília, em fevereiro de 2019, ocasionando derramamento de óxido de chumbo que contaminou o solo no entorno da pista e atingiu a Área de Preservação Permanente do Ribeirão Três Lagoas, afluente do Rio do Peixe.

A relatora do acórdão, desembargadora Isabel Cogan, ressaltou que restou comprovado o fato de que a empresa não possuía autorização para transportar produtos nocivos, além de ter agido de maneira ineficaz na limpeza da pista após o acidente. “Não desqualifica a autuação o fato de as análises laboratoriais terem chegado à conclusão de que o óxido de chumbo nas águas do ribeirão afetado se encontrava ‘abaixo do parâmetro permitido’, porque é inegável que, qualquer que seja a quantidade presente na água, o risco ao meio ambiente é preocupante”, acrescentou a magistrada.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Ruy Alberto Leme Cavalheiro e Torres de Carvalho. A decisão foi unânime.

Processo nº 1028086-47.2020.8.26.0071

TJ/SC inverte o ônus da prova em ação indenizatória de cliente que achou metal em salgadinho

Uma consumidora, hipossuficiente financeira e tecnicamente em relação a empresa, teve pedido de inversão do ônus da prova deferido pela 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). A auxiliar de escritório ajuizou ação indenizatória contra uma empresa alimentícia porque alega ter encontrado um pequeno fragmento metálico, de formato irregular e da largura do dedo médio de um adulto, dentro de um pacote de salgadinhos, em Brusque.

O juízo de 1º grau negou o pedido de inversão do ônus da prova feito pela consumidora. O entendimento do magistrado foi de que, mesmo com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o ônus da prova deveria permanecer na forma estabelecida no artigo 373 do Código de Processo Civil, que incumbe à parte autora a comprovação do fato constitutivo de seu direito. Inconformada, a auxiliar de escritório recorreu ao TJSC. Requereu a suspensão da instrução e a inversão do ônus da prova.

O entendimento unânime do colegiado é de que a consumidora faz jus à redistribuição do ônus de provar os fatos constitutivos do direito; apesar disso, a alteração não é automática. Ela depende da comprovação de que a tese inicial é verossímil ou de que a parte consumidora é vulnerável técnica e financeiramente perante a fornecedora do alimento.

“Não se está a dizer que há responsabilidade da ré pelo achado – e seria incorreto firmar juízo peremptório em sede de recurso de cognição limitada –, mas a memória fotográfica está a indicar, primo ictu oculi, a veracidade do que foi alegado na exordial, até porque a partícula metálica foi enviada ao controle de qualidade da ré e analisada por seus prepostos, circunstância a reforçar a situação narrada na exordial”, anotou o desembargador relator em seu voto

Processo n. 5007291-20.2023.8.24.0000/SC

STF invalida decretos que flexibilizavam compra e uso de armas de fogo

Na avaliação do Plenário, as normas fragilizam os sistemas de controle e facilitam o comércio clandestino de armas.


Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou vários dispositivos de decretos assinados pelo então presidente da República Jair Bolsonaro que flexibilizavam a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição. A decisão se deu, na sessão virtual finalizada em 30/6, no julgamento conjunto de 11 ações sobre o tema.

Entre as alterações consideradas inconstitucionais estão o critério da necessidade presumida para aquisição, a ampliação do número de armas que podem ser adquiridas por caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs), o acesso geral a armas anteriormente de uso exclusivo das Forças Armadas e dos órgãos de segurança pública e o prazo de dez anos para a renovação do registro. Após a edição do decreto, os atiradores desportivos passaram a poder adquirir até 60 armas (30 de uso permitido e 30 de uso restrito).

Também foram derrubados a permissão para a importação de armas estrangeiras por comerciantes e pessoas particulares e o aumento da quantidade máxima de armas de uso permitido que poderiam ser adquiridas por qualquer pessoa e por militares, agentes de segurança e membros da magistratura e do Ministério Público, bastando, para isso, mera declaração de efetiva necessidade, com presunção de veracidade.

Arsenal
Para a presidente do STF, ministra Rosa Weber, relatora de oito das ações, as inovações fragilizam o sistema de controle de armas e permitem a formação de arsenal que se desvia da finalidade para a qual as armas podem ser adquiridas. A seu ver, os decretos excederam os limites constitucionais inerentes à atividade regulamentar do chefe do Poder Executivo.

Desvio para o crime
A ministra observou que as normas também introduzem uma política armamentista incompatível com o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), que concretiza os valores constitucionais da proteção da vida humana e da promoção da segurança pública contra o terror e a mortalidade provocados pelo uso indevido das armas de fogo. Facilitam, ainda, o comércio clandestino e o desvio de armas para o crime.

As ações relatadas pela ministra Rosa Weber foram as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6134, 6675, 6676, 6677, 6680 e 6695 e as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 581 e 586.

Outras ações
No julgamento de outras três ações, de relatoria do ministro Edson Fachin, o Plenário decidiu, por unanimidade, que a posse de armas de fogo só pode ser autorizada a pessoas que demonstrem concretamente a efetiva necessidade, por razões profissionais ou pessoais.

O STF definiu, também, que a compra de munições deve corresponder a apenas ao necessário à segurança dos cidadãos e que o Executivo não pode criar presunções de efetiva necessidade, além das já disciplinadas em lei. Por fim, fixou entendimento de que a aquisição de armas de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional, e não em razão do interesse pessoal do requerente.

As ações relatadas pelo ministro Edson Fachin foram as ADIs 6119, 6139 e 6466.

Liminares
Apesar de os decretos terem sido revogados pelo Decreto 11.366/2023, Fachin ressalvou que as ações deveriam ser julgadas no mérito, pois ainda havia questões a serem definidas pelo Plenário. Já ministra Rosa Weber, nas ações de sua relatoria, considerou essa questão superada, porque os processos já estavam em condições de uma resolução definitiva do mérito, além de fornecer aos demais Poderes da República um direcionamento adequado sobre a competência presidencial de editar regulamentos.

 

STF define que piso de enfermagem no setor privado deve ser pago se não houver acordo coletivo

Julgamento ocorreu no Plenário Virtual. Em relação ao setor público, por oito votos a dois, ficou definido que piso deve ser pago por estados e municípios na medida de repasses federais.


Após julgamento no Plenário Virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, por oito votos a dois, que o piso nacional da enfermagem deve ser pago aos trabalhadores do setor público pelos estados e municípios na medida dos repasses federais.

Por voto médio, o Tribunal definiu que prevalece a exigência de negociação sindical coletiva como requisito procedimental obrigatório, mas que, se não houver acordo, o piso deve ser pago conforme fixado em lei. Além disso, a aplicação da lei só ocorrerá depois de passados 60 dias a contar da publicação da ata do julgamento, mesmo que as negociações se encerrem antes desse prazo.

O voto médio foi necessário uma vez que, em relação ao setor privado, três correntes de votos foram registradas. As informações constam da proclamação do resultado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7222, que trata do piso, feita pelo presidente em exercício da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que também é relator da ação.

Além disso, ficou definido, por oito votos a dois, que o pagamento do piso salarial é proporcional à carga horária de oito horas diárias e 44 horas semanais de trabalho, de modo que se a jornada for inferior o piso será reduzido.

Voto conjunto
Pela primeira vez na história do STF, os ministros Barroso e Gilmar Mendes apresentaram um voto conjunto e se manifestaram pela confirmação da decisão que, em maio deste ano, havia restabelecido o piso salarial nacional de profissionais de enfermagem previsto na Lei 14.434/2022 e fixado diretrizes para a sua implementação.

Barroso e Gilmar disseram também, no seu voto conjunto, que novos pisos nacionais que venham a ser aprovados serão considerados inconstitucionais.

A ação foi proposta pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde).

Processo relacionado: ADI 7222

STF: Justiça Militar estadual pode decretar perda de posto e graduação de militares por qualquer tipo de crime

Para o STF, a sanção pode ser aplicada com base no sistema de valores e no código de ética militares.


O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Justiça Militar estadual é competente para decidir sobre a perda do posto e da patente de oficiais e da graduação de praças militares que tenham sido condenados, independentemente da natureza do crime cometido. A perda da graduação de praça, por sua vez, pode ser declarada como efeito secundário da sentença condenatória pela prática de crime militar ou comum.

A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1320744, com repercussão geral (Tema 1.200), na sessão virtual encerrada em 23/6. O voto do relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, foi seguido pelo colegiado.

Violência doméstica
No recurso apresentado ao STF, um policial questionava decisão do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (TJM/SP) que havia decretado a perda de sua graduação de praça, após ter sido condenado pela Justiça Comum (estadual) por violência doméstica e disparo de arma de fogo.

Perda da graduação
Em processo autônomo, em que o Ministério Público buscou que a condenação tivesse repercussão no âmbito militar, o TJM entendeu que a conduta havia maculado o decoro e determinou a perda da graduação. Ele defendia, no recurso, que a Justiça Militar estadual só poderia declarar a perda da graduação de praças em crimes militares.

Hierarquia e disciplina
Em voto pela negativa do recurso, o ministro Alexandre observou que, de acordo com o entendimento do Supremo, a hierarquia e a disciplina são indispensáveis ao funcionamento regular das instituições militares. Ele citou trecho do parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) segundo o qual os integrantes de corporação militar devem primar pela respeitabilidade da instituição e preservar o decoro que rege a caserna, que se traduz em um alto padrão de comportamento moral e profissional.

Sanção secundária
Nesse contexto, ainda que a sentença penal condenatória não tenha determinado a perda da graduação, nada impede que isso seja feito pelo Tribunal de Justiça Militar estadual como sanção secundária decorrente da condenação, com base no sistema de valores e no código de ética militares.

Tese
O tribunal fixou a seguinte tese de repercussão geral:

1) A perda da graduação da praça pode ser declarada como efeito secundário da sentença condenatória pela prática de crime militar ou comum, nos termos do art. 102 do Código Penal Militar e do art. 92, I, “b”, do Código Penal, respectivamente.

2) Nos termos do artigo 125, §4º, da Constituição Federal, o Tribunal de Justiça Militar, onde houver, ou o Tribunal de Justiça são competentes para decidir, em processo autônomo decorrente de representação do Ministério Público, sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime por ele cometido.

Processo relacionado: ARE 1320744

STJ: Prêmios retidos por representante de seguros não se submetem aos efeitos da recuperação judicial

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os valores dos prêmios arrecadados pela representante de seguros e não repassados à seguradora não constituem créditos sujeitos à recuperação judicial da primeira, e por isso podem ser cobrados. Com esse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso de uma seguradora que buscava a anulação do acórdão que extinguiu sua ação de cobrança contra uma empresa vendedora de eletrodomésticos, que se encontra em recuperação.

Na origem do caso, as duas empresas firmaram parceria para a venda aos consumidores de seguro de garantia estendida dos produtos. Atuando como representante de seguros, a varejista não repassou à seguradora prêmios que recebeu dos consumidores antes do deferimento de seu pedido de recuperação. O juízo de primeira instância considerou que esses valores não se sujeitariam à recuperação e julgou procedente a ação de cobrança.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), contudo, extinguiu a ação sem resolução de mérito, sob o entendimento de que a retenção da quantia que pertencia à seguradora se equipara a qualquer outro tipo de descumprimento de obrigação, e que o crédito constituído em momento anterior ao pedido de recuperação deve ser habilitado pela credora.

Retenção de bens fungíveis, de titularidade de terceiro, não gera créditos para fins da lei falimentar
A ministra Isabel Gallotti, relatora do caso no STJ, comentou que o contrato firmado entre a companhia seguradora e a representante permitia que o bem fungível – quantia recolhida do consumidor a título de prêmio – ficasse em posse da segunda empresa, até o momento de seu repasse.

A magistrada lembrou que a Segunda Seção do STJ, ao julgar o CC 147.927, definiu que o descumprimento da obrigação de devolver bens fungíveis, no caso de contrato de depósito regular em armazém, não ensejava a constituição de crédito para os fins da legislação falimentar.

“No mencionado precedente, foi razão de decidir, para a Segunda Seção, o fato de que a propriedade dos bens fungíveis depositados não havia sido transferida para a empresa em recuperação judicial”, afirmou.

Intermediação não torna a representante proprietária momentânea dos valores
Isabel Gallotti também destacou que o contrato de representação de seguro se diferencia do depósito bancário, pelo qual a propriedade do dinheiro é transferida ao banco, que o investe. Segundo ela, não se poderia falar que o banco está obrigado a manter em seus cofres todos os valores depositados; já na hipótese da representação securitária, ao contrário, a propriedade dos prêmios não é do representante, pois se considera que o pagamento é feito à própria seguradora.

A ministra ressaltou que, desde o momento da emissão dos bilhetes de seguro e do recebimento do prêmio pela representante, em nome da seguradora, o contrato se aperfeiçoa e a seguradora passa a ser responsável pelo risco que lhe é transferido. Assim, de acordo com a magistrada, a intermediação não torna a representante proprietária momentânea dos valores sob a sua posse, assim como ela não é responsável pela cobertura do risco.

“Conclui-se, pois, de forma similar aos produtos agropecuários depositados em armazém, aos créditos consignados e ao dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, que os prêmios de seguro não são de propriedade da empresa recuperanda. Logo, os valores que deveriam ser repassados à ora recorrente não estão abrangidos pela recuperação judicial, deles não se podendo servir a recuperanda no giro de seus negócios ou para pagar credores”, declarou Gallotti.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2029240


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