Violência à intimidade – Grampo não pode ser fundamentado em denúncia anônima

por Aline Pinheiro

A Constituição Federal dispõe, expressamente, que o sigilo da comunicação telefônica é inviolável, salvo em raras exceções. E denúncia anônima não se encaixa em nenhuma dessas exceções, segundo o Superior Tribunal de Justiça. A 5ª Turma do STJ barrou um inquérito policial que corria todo baseado em escutas telefônicas, motivadas única e exclusivamente por uma denúncia anônima.

O entendimento foi unânime na Turma. Os ministros consideraram ilícitas todas as provas obtidas a partir das escutas. No entanto, dois ministros foram além. Para eles, todo o inquérito policial tinha de ser trancado. Ficaram vencidos. O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, votou pela manutenção do inquérito, ainda que sem mais nenhuma prova, e foi acompanhado pela maioria.

De acordo com os autos, a investigação contra um empresário começou a partir de denúncia anônima de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção. A primeira medida adotada foi a quebra do sigilo telefônico do acusado. De acordo com a defesa do empresário, bastou essa acusação para que ele fosse vítima de uma “verdadeira devassa na [sua] intimidade”. A partir das escutas, foram apreendidos documentos e objetos pessoais na casa dele.

A 5ª Turma do STJ discutiu, primeiro, se é possível instaurar um inquérito policial com base em denúncia anônima. A Turma entendeu que sim, já que, ainda que anônima, a Polícia tem que investigar a acusação. No entanto, nas palavras do relator: “embora apta para justificar a instauração do inquérito policial, a denúncia anônima não é suficiente a ensejar a quebra de sigilo telefônico”.

O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, explicou que a Lei 9.296/96, que trata das escutas telefônicas, estabelece, no inciso I do artigo 2º, que “não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando (…) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal”. Para o ministro, a denúncia anônima não é prova de autoria, mas apenas “mera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática caluniosa”.

O ministro também votou pela aplicação do princípio dos frutos de árvore envenenada, ou seja, se a prova principal é ilícita, todas as que derivaram dela também são. Como a escuta foi a primeira providência tomada para investigar, todas as outras provas estão contaminadas e têm de ser desconsideradas.

O relator, no entanto, não trancou o inquérito policial. Explicou: “Tenho por temerário fulminar o inquérito policial em questão tão-somente em virtude da ilicitude da primeira diligência realizada”. E completou: “Desde a lavratura do acórdão impugnado até a presente data é possível que tenha ocorrido coleta de alguma prova nova e independente, levada, por exemplo, por pessoa estranha à Polícia e ao Ministério Público, ou seja, sem conhecimento do teor das escutas telefônicas”.

Revista Consultor Jurídico

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