Vigia do vigia – Tribunal de Contas também precisa de controle externo

por Paulo Gustavo Guedes Fontes

Muita resistência existiu em torno da criação do chamado controle externo do Poder Judiciário e do Ministério Público. Finalmente, com a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, foram previstos e em seguida instalados o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, integrados por membros dessas instituições, provenientes de seus variados ramos, além de representantes da OAB, do Senado e da Câmara dos Deputados.

Tais conselhos adquiriram de imediato enorme importância como órgãos de controle administrativo do Judiciário e do Ministério Público e como instâncias correicionais superiores; adotaram de logo medidas polêmicas e corajosas, como a proibição do nepotismo no âmbito dos Judiciários estaduais, mesmo à míngua de lei específica, invocando os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.

E os tribunais de contas, como ficam? Os seus membros são em tudo equiparados aos magistrados (artigo 73, parágrafo 3º e artigo 75 da Constituição). Os conselheiros estaduais ganham como desembargadores, detêm as mesmas prerrogativas e garantias e recebem o mesmo tratamento protocolar.

O mesmo se pode dizer quanto aos integrantes dos seus ministérios públicos especiais. Os ministros do Tribunal de Contas da União, por sua vez, são considerados, para todos os fins, como ministros do Superior Tribunal de Justiça. Mas, para além do preenchimento político e questionável de boa parte dos seus quadros, os tribunais de contas abrigam-se hoje numa espécie de redoma jurídica, infensa a controles de qualquer espécie.

Órgão titular do “controle externo” das contas de outros órgãos, não há quem exerça um controle regular sobre suas próprias contas e gestão e sobre a conduta de seus membros. Os cargos dos tribunais de contas continuam sendo dos mais almejados da República, disputados por peixes graúdos próximos ao establishment político. Investido na Sinecura, após meses de árdua negociação — o que pode incluir a compra de deputados, o Conselheiro não incomodará seus padrinhos políticos, estando a postos, porém, para invocar a sagrada aplicação da lei contra os adversários.

O nepotismo, por exemplo, que vem sendo eliminado do Judiciário e do Ministério Público, graças a uma atuação decisiva do CNJ e do CNMP, é praticado em larga escala no âmbito dos tribunais de contas. O tribunal de contas é hoje um nicho juridicamente protegido para parentes dos conselheiros e dos políticos em geral, quando não serve de “barriga de aluguel” para órfãos de desembargadores e procuradores de Justiça que, por sua vez, acolhem nos seus órgãos os familiares dos conselheiros. Esta prática ficou conhecida como nepotismo cruzado e foi condenada pelos conselhos da Justiça e do Ministério Público.

O mais grave, porém, é que as recentes operações policiais demonstraram o envolvimento de conselheiros dos tribunais de contas em esquemas criminosos. Só para relembrar alguns casos de conselheiros presos: Edilson de Souza Silva, de Rondônia, na Operação Dominó; Flávio Conceição, de Sergipe, na Operação Navalha; e o presidente do Tribunal de Contas da Bahia, Antônio Honorato de Castro Viana, na Operação Jaleco Branco.

Também o presidente do Tribunal de Contas de São Paulo, Eduardo Bittencourt Carvalho, segundo noticiou a imprensa nas últimas semanas, está sendo investigado no Brasil e nos Estados Unidos. Em alguns dos processos, eles estão envolvidos em crimes contra a Administração Pública, como licitações fraudulentas e recebimento de propinas de empreiteiras. É comum também o tráfico de influência e o enriquecimento dos conselheiros, cujas empresas, em nome de terceiros, gozam de facilidades nas contratações com o erário. Por fim, não é demais lembrar que as conversas de Zuleido Veras, dono da Gautama, interceptadas na Operação Navalha, revelaram uma influência no mínimo estranha nas decisões do Tribunal de Contas da União.

Os tribunais de contas são instituições de grande relevância para a República. Seus corpos técnicos são competentes e muitos dos conselheiros e ministros são homens íntegros. Mas, apesar de a República ser o regime onde deve imperar a virtude, segundo Maquiavel, a melhor garantia, agora com Montesquieu, é a repartição dos poderes e o controle de uns sobre os outros. Somente três cargos são vitalícios na Constituição da República, pela relevância de suas funções e pela independência com que devem ser exercidas: os dos juízes, os dos membros do Ministério Público e os dos membros dos tribunais de contas.

Quanto aos magistrados e ao Ministério Público, a Emenda Constitucional 45/2004 criou o controle externo exercido pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Nacional do Ministério Público; com erros e acertos, tais conselhos vêm dando sua contribuição ao país, corrigindo abusos e adotando medidas moralizadoras. É lógico e jurídico que se faça o mesmo em relação aos tribunais de contas, até como forma de salvar perante a opinião pública a respeitabilidade dessa instituição.

Revista Consultor Jurídico

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