Valor moral – Contexto do adultério é o que determina indenização

por Sylvia Maria Mendonça do Amaral

O adultério deixou de ser crime no Brasil em 2005, mas continua gerando polêmicas. Vítimas de adultério têm ingressado com ações judiciais com o objetivo de receber indenização por danos morais dos adúlteros ou até mesmo da terceira pessoa envolvida na relação extraconjugal, conhecida popularmente como amante.

O caso mais recente aconteceu em outubro deste ano, no Mato Grosso do Sul, onde o marido foi condenado a pagar à mulher R$ 53,9 mil por terem sido descobertas algumas relações extraconjugais dele. Em uma delas teve uma filha, hoje adulta.

A ex-mulher ingressou com ação pleiteando indenização por danos morais, que teria sofrido diante da conduta adúltera do ex-marido. Ela passou por uma avaliação psicológica, tendo o laudo concluído que sofria de angústia, ansiedade, negativismo e depressão por conta da decepção que sofreu e desgostos que vivenciou na relação conjugal.

O juiz Luiz Claudio Bonassini da Silva, da 3ª Vara da Família e Sucessões de Campo Grande (MS), atestou o sofrimento e a humilhação a que o adúltero submeteu a esposa. Afirmou em sua decisão que um casamento de mais de 30 anos merecia um “final mais digno”. Com a violação dos deveres do matrimônio, o ex-marido impôs à ex-esposa danos morais, já que sua dignidade como pessoa humana foi ofendida e a conduta do ex-marido tornou insuportável a vida em comum.

Já em Planaltina, no Distrito Federal, ocorreu caso inverso. Uma mulher foi condenada a indenizar seu ex-marido por ter sido flagrada, na cama do casal, com outro homem. A cena foi presenciada por testemunhas que ingressaram no quarto acompanhando o então marido da adúltera, por ter imaginado ter ocorrido algum acidente com sua esposa, que não atendia à campainha nem a telefonemas. A sentença condenou a ex-esposa ao pagamento de R$ 14 mil. Porém, o valor foi reduzido a R$ 7 mil, acolhendo recurso interposto pela ex-esposa comprovando que não tinha recursos financeiros para o pagamento da quantia fixada anteriormente.

Os julgadores do recurso deixaram claro que a infidelidade não gera obrigação de indenizar diante de fato que pode não passar de um vexame pessoal, que pode provocar “o desencanto no final de um relacionamento amoroso”. Porém, no caso desse processo, as conseqüências teriam sido muito piores já que o marido traído foi gravemente humilhado e exposto (diante do fato de testemunhas terem presenciado a cena), tendo sido violada sua honra.

Outro caso inusitado ocorreu em Goiânia (GO), em setembro de 2008. Desta vez, a amante do adúltero foi condenada a indenizar a ex-esposa traída em R$ 31, 1 mil. Ficaram provadas no processo condutas da amante que levaram à ex-esposa a intenso sofrimento, tendo, inclusive, que se submeter a um tratamento psiquiátrico, além de ser forçada a mudar de endereço e emprego, ante a humilhação à qual foi submetida.

Na realidade, a amante de seu marido enfrentou a ex-esposa com a nítida intenção de provocar o fim de longo casamento e a desestabilização emocional da vítima, chegando ao ponto de fragilizar o relacionamento dela com seus filhos. Nesse caso, houve a condenação da amante e não do ex-marido, por ter sido apurado o comportamento dela em relação à vítima e não em decorrência da relação extraconjugal.

Em maio de 2008, o Tribunal de Justiça julgou caso ocorrido em Ourinhos onde o ex-marido requereu indenização por ter sido traído por sua ex-esposa. Foi apurado que o relacionamento extraconjugal já tinha se tornado público e muito comentado na cidade e, segundo desembargadores, o ex-marido, “apesar de tamanha turbulência [manteve-se] em uma passividade inexplicável”. Dessa forma o ex-marido já suportara a humilhação e manteve-se passivo durante muito tempo em, por isso, julgou-se que o sentimento de desgosto não lhe foi insuportável e nem lhe trouxe profunda dor ou sofrimento, daí o descabimento de se fixar uma indenização.

O mais interessante nesse posicionamento dos julgadores é que, apesar de manterem um consenso em relação ao julgamento, posicionaram-se de forma diametralmente oposta em relação ao adultério: um dos desembargadores afirmou que “o só comportamento [adultério] já causa mal à pessoa, ofendendo sua dignidade, ferindo seu amor próprio. Caracteriza, portanto, ofensa grave e, para alguns, insuportável.”. Já outro entendeu que “o fim do relacionamento pelo fato de algum dos cônjuges ou companheiros encontrar outra pessoa é não só previsível como de pouca importância do ponto de vista moral.” Ver assim o adultério não seria banalizar os relacionamentos e, sim, adequá-los ao mundo moderno.

O Código Civil de 2002 estabelece quais são os deveres que decorrem do casamento: fidelidade, vida em comum no domicílio conjugal, assistência, respeito e consideração mútuos, além do sustento, guarda e educação dos filhos. Mas, na realidade, o que mais tem sido levado em conta não é o fato de ter sido cometido o adultério e, sim, os prejuízos psíquicos e morais que ele tenha imposto à vítima da traição. A análise é feita caso a caso, como se vê nas últimas decisões do Judiciário brasileiro.

O adultério propriamente dito não é mais punido criminalmente nem traz conseqüências na esfera civil, em um primeiro plano, mas pode ter implícitos determinados traços que conduzam os juízes a entendimentos diversos sobre o mesmo tema. O contexto no qual foi praticado o adultério é o fator determinante para aplicação ou não da obrigação de indenizar e do valor indenizatório.

Revista Consultor Jurídico

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