O colunista Lauro Jardim, da revista Veja, informa que a CPI dos Grampos avança e começa a fazer uma espécie de raio-X das interceptações telefônicas no Brasil. Segundo ele, “uma grampolândia de respeito”. É que a diretora jurídica da Claro, Tula Peters, revelou em um depoimento dado na CPI, que a empresa interceptou cerca de 33 mil linhas em 2007. Tudo com ordem judicial.
De acordo com Lauro Jardim, enquanto a diretora falava, o advogado da Vivo, Luís Guilherme Vieira, comentou com um interlocutor que passou de 80 mil os grampos feitos pela empresa em 2007. Novamente, todos feitos com determinação judicial. “Só em duas telefônicas, mais de 110 mil diálogos interceptados”, disse o colunista.
Grampo que não acaba mais
Não foi só a diretora da Claro que fez “confissões”. Recentemente, o representante de Relações Institucionais da Oi Fixo (antiga Telemar), Arthur Madureira de Pinho, confirmou à CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, foi grampeado quando visitou o Rio de Janeiro.
“O grampo ocorreu depois de novembro de 2005, quando saí da Gerência de Operações Especiais da empresa. Por isso, não sei detalhes dos desdobramentos do caso nem os rumos que a investigação tomou”, afirmou o técnico, que trabalha há 28 anos na companhia telefônica.
Segundo notícia divulgada pela Câmara dos Deputados, os parlamentares ficaram ainda mais surpresos com a afirmação de Madureira de Pinho de que há solicitações de escutas feitas pelas varas cíveis e trabalhistas, quando o normal é que o pedido de autorização seja feito pelas varas criminais.
À reportagem da revista Consultor Jurídico, o ministro disse estar “perplexo” e “inconformado” com as afirmações do executivo da Oi Fixo. “A situação é surrealista. Para haver grampo, teria de ter ordem de um juiz. Em relação a ministro do Supremo, a competência para deferir este tipo de autorização é do próprio STF. Será que um colega meu deu uma ordem como essa? A resposta é negativa. Então, foi um grampo clandestino como tantos outros. Se ousam a ponto de grampear o telefone de um ministro do Supremo, o que pode ocorrer com o cidadão comum? Viram as tripas dele ao avesso. Isso só se combate com mudança cultural e aplicação rigorosa da lei. Estou perplexo”, afirmou Marco Aurélio.
E disse mais: “Sou um homem público e que está sujeito a isso. Não tenho nada a esconder. O grampo foi feito em 2006, ano eleitoral. Por que será que estariam me bisbilhotando?”, indagou. Marco Aurélio afirmou que não desconfia da Polícia Federal neste caso. “Não posso presumir que a própria Polícia cometa um crime. Não posso imaginar que o grampo tenha partido desta corporação.”
Bois nas linhas
A suspeita de grampo ilegal de ministros do STF foi divulgada pela revista Veja em agosto de 2007. Na ocasião, cinco ministros (Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence — aposentado, Celso de Mello e Cezar Peluso) admitiram publicamente a suspeita de que suas conversas poderiam estar sendo ouvidas por terceiros sem autorização judicial. E mais: a suspeita do autor do grampo ilegal recaiu sobre a Polícia Federal, que na época não comentou a acusação.
Um dos ministros mais incisivos na acusação da autoria do grampo foi Gilmar Mendes. À época, à Veja, Gilmar Mendes contou que teve certeza de que estava sendo vítima de escutas clandestinas desde o mês de junho de 2007, quando decidiu soltar detidos na Operação Navalha. Instantes depois de avisar ao procurador-geral da República que mandaria soltar alguns presos, o ministro recebeu um telefonema de uma jornalista. Ela queria saber se o ministro iria mesmo soltar os presos. O ministro, então, perguntou ao procurador se ele havia comentado o assunto com alguém. A resposta foi negativa. Gilmar Mendes concluiu que estava sendo monitorado e pediu providências ao ministro da Justiça, Tarso Genro.
Pouco antes de se aposentar, o ministro Sepúlveda Pertence foi vítima da divulgação irresponsável de telefonemas grampeados. A PF interceptou e divulgou conversa entre um advogado e um lobista sobre uma decisão do ministro, que beneficiou o Banco do Estado de Sergipe. A decisão em discussão era uma daquelas em que o tribunal já fechou questão sobre o tema e decide da mesma forma em milhares de casos iguais. Ainda assim, surgiu a falsa informação de que Pertence teria recebido R$ 600 mil para dar a decisão. “Divulgaram uma gravação para me constranger no momento em que fui sondado para chefiar o Ministério da Justiça, órgão ao qual a Polícia Federal está subordinada. Pode até ter sido coincidência, embora eu não acredite”, afirmou Pertence também à revista Veja.
Em setembro de 2006, Cezar Peluso queixou-se de barulhos estranhos nas suas ligações e uma empresa especializada foi chamada para uma varredura. Ela detectou indícios de monitoramento ilegal nos telefones de Peluso (que na época cuidava de uma das ações da Polícia Federal, a Operação Furacão) e do ministro Marco Aurélio e na linha de fax do ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral. Com a divulgação do caso, a PF entrou em cena. Em apenas nove dias, com agilidade incomum, os agentes concluíram que não havia grampo e indiciaram o dono da empresa por falsa comunicação de crime. O empresário Enio Fontenelle, que reafirmou a existência de indícios de grampos, foi interrogado durante três dias pela PF.
Um ano depois desse episódio, Marco Aurélio recebeu uma mensagem eletrônica de um remetente anônimo. A informação era de que os telefones do ministro estavam grampeados e que policiais ofereciam as gravações em Campo Grande. O mesmo estaria acontecendo com conversas telefônicas do ministro Celso de Mello. O caso foi investigado, mas a Polícia Federal concluiu que a mensagem era obra de estelionatários fazendo uma denúncia falsa. Apenas os ministros Eros Grau e Cármen Lúcia admitiram na época não suspeitar de grampos ilegais.
Em setembro do ano passado, em encontro com um grupo de cinco deputados, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, contou que uma empresa especializada detectou na casa dela um grampo telefônico clandestino. Limitou-se a relatar o fato, que teria ocorrido em 2001, antes, portanto, que ela se tornasse presidente do STF.
CPI
A CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas começou o trabalho no mês de dezembro de 2007. A comissão tem 120 dias para apresentar o relatório final, mas acredita-se que esse prazo será prorrogado para que a CPI possa ter acesso às informações relevantes sobre o tema.
O presidente da comissão, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), pretende fazer uma radiografia de todo o setor, com foco em três critérios: nas escutas legais, feitas com autorização judicial, e em seus procedimentos; nas escutas ilegais, tentando identificar quem as pratica (detetives particulares e espiões, entre outros); e nos equipamentos utilizados nas escutas (hardwares e softwares), definindo quem os produz, comercializa, fiscaliza e controla. “Com essa radiografia, vamos propor uma legislação que regulamente os grampos legais e definir punições para quem faz escutas clandestinas e quem vaza as informações coletadas”, informou Itagiba.
Durante a audiência desta quarta-feira, Madureira de Pinho ainda relatou o caso de dois gravadores encontrados na central telefônica do local onde estava o então presidente Fernando Henrique Cardoso, em Petrópolis (RJ). “Os gravadores foram conectados às linhas usadas pelo presidente, mas estavam desligados”, lembrou. A Telemar fazia varreduras preventivas nos locais onde o presidente se hospedava. Entretanto, Pinho disse não saber se, efetivamente, houve algum grampo em relação ao presidente Lula.
De acordo com o representante da empresa telefônica, existem muitos equipamentos que fazem escutas, “e as interceptações feitas por meio da concessionária de telefonia, via autorizações judiciais, são apenas um dos meios para realizá-las”. Ele acrescentou que, há alguns anos, a escuta era feita pelos policiais dentro da companhia telefônica. Depois as empresas passaram a oferecer um cabo ligado diretamente aos órgãos da Justiça que fazem a escuta, como as polícias federal, civil e militar, por meio de seus órgãos de inteligência.
Revista Consultor Jurídico