Setor elétrico – Congresso Nacional precisa consolidar leis de energia

por Luiz Antonio Ugeda Sanches

Há um silencioso trabalho, do tamanho de uma Itaipu, sendo realizado no Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados, sob o argumento de conferir segurança jurídica e regulatória as normas brasileiras referentes ao setor elétrico, aceitou o desafio de consolidar mais de 40 leis expedidas em quatro modelos econômicos distintos e em seis constituições federais diferentes.

A linearidade normativa também é necessária para que os cidadãos, de fato, conheçam as leis. O Deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), presidente do grupo encarregado em avaliar as 180 mil leis brasileiras, tem a missão de consolidar as que estão em vigor, e acredita ser possível transformá-las em até mil, eliminando as revogadas, caducadas, as repetidas e as colidentes.

O trabalho se torna relevante quando se analisa as histórias de sucesso e decepções no centenário setor elétrico brasileiro. O primeiro projeto de lei, desenvolvido em 1904 pelo deputado Homero Batista e pelo jurista Alfredo Valadão, passou pela Primeira Grande Guerra e pela quebra da bolsa de valores de Nova York até se transformar no Código de Águas, decretado em 1934 no governo Vargas.

Compete privativamente à União legislar sobre energia elétrica desde a Constituição Federal de 1934. Assim, o fornecimento de energia elétrica passou a ser um serviço público federal, prestado diretamente pela União ou sob regime de concessão ou permissão. Com isso, iniciou-se a federalização dos serviços e a intervenção do Estado na atividade econômica, uma vez que cabia à Divisão de Águas do Departamento Nacional de Produção Mineral fiscalizar a produção, a transmissão, a transformação e a distribuição de energia hidrelétrica. Havia o tríplice objetivo, previsto Código de Águas, de assegurar serviço adequado, fixar tarifas razoáveis e garantir a estabilidade financeira das empresas.

O modelo federalizado durou até os anos 50, quando a decisão de governo de industrializar o país e controlar a produção da energia elétrica no pós-guerra, aliado à descapitalização da iniciativa privada para investimento em capital intensivo, levou o Estado a estatizar empresas privadas. Tal fato propiciou a criação da CHESF (Decreto-Lei 8.031/45), de empresas estaduais (como a CESP, Cemig e Copel), do Ministério de Minas e Energia (1960), Eletrobrás (Lei 3.890-A/61) e Itaipu (Lei 5.899/73). Nesse último caso, houve grande inovação jurídica trazida por Miguel Reale, que foi a criação do conceito de “empresa binacional”, tanto em voga nos dias atuais. Atribui-se igualmente ao ilustre mestre a criação da primeira assessoria técnico-legislativa do país.

Houve grande expansão no sistema elétrico até a década de 80 quando, frente ao esgotamento da capacidade de investimento do Estado, o alto nível de ingerência política nas empresas, que ocasionaram a contenção de tarifas, e a inadimplência intra-setorial generalizada, o Congresso Nacional, por iniciativa do Poder Executivo, tomou a decisão política de se criar o Programa Nacional de Desestatização.

Tal iniciativa objetivou reordenar a posição estratégica do Estado, tornando-o mínimo; reestruturar economicamente o setor público, por meio de melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida; permitir a retomada de investimentos pelas empresas privadas, bem como sua efetiva reestruturação; viabilizar a concentração de esforços da Administração Pública em atividades mais fundamentais; e contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais. Eram os ventos liberais que estavam em voga na década de 90 mundo afora, que pregavam a reforma gerencial que culminaria no Estado mínimo.

O modelo liberal foi fortemente contestado, principalmente por força da opção pelo modelo de privatização pelo maior preço, e não a menor tarifa, fato que fez com que a sociedade acatasse a tese de que a privatização teve uma contraprestação muito aquém do que o esperado. Para o setor elétrico, o contingenciamento de suprimento de 2001 e o modelo de contratação setorial, em que geradoras podiam vender energia com preços livremente pactuados com distribuidoras de um mesmo grupo acionário, foram os grandes estopins para reforma subseqüente. Assim, em 2004 houve a instituição do atual modelo setorial que, dentre suas premissas básicas, objetivou garantir a segurança de suprimento de energia elétrica; promover a modicidade tarifária, por meio da contratação eficiente de energia para os consumidores regulados; e incentivar a inserção social no Setor Elétrico.

A consolidação da legislação da energia parte do pressuposto de que, no cenário político atual, não é possível obter consenso na sociedade para se criar um código. A consolidação tem a grande virtude de não inovar o que existe, mas apenas harmonizar os princípios e as terminologias adotadas em momentos políticos distintos.

E isso não é pouco. Como exemplo, qual será a conceituação a ser padronizada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) “regula” ou “regulamenta”? Atuamos no setor “elétrico” ou de “energia elétrica”? As distribuidoras têm “consumidores” ou “usuários”, como conceitua a Constituição Federal? São discussões que não passarão despercebidas pelos doutrinadores e magistrados, com efeitos diversos nesse setor que atua na base da cadeia produtiva brasileira.

Esperamos que Valadão e Reale inspirem o deputado Arnaldo Jardim (PPS/SP), grande fiador do projeto de consolidação em energia elétrica, que apresentou os primeiros trabalhos em audiência pública na Câmara dos Deputados no último dia 5 de março, para manter seu reconhecido senso arguto no alcance desse grande objetivo da sociedade brasileira.

Revista Consultor Jurídico

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