Sala da Justiça – Arquitetura judiciária deve auxiliar administração

por Vladimir Passos de Freitas

1. Introdução

No Brasil os estudos sobre arquitetura judiciária não despertam o interesse da comunidade jurídica. Na verdade, as construções de Tribunais (Superiores ou de Apelação) ou de Fóruns (para a primeira instância), sucedem-se sem que a sociedade organizada ou mesmo a comunidade jurídica participe por qualquer forma. Somente nos casos de construções apontadas como excessivamente luxuosas ou em eventuais acusações de mau uso de verba pública, o tema é discutido. Nos demais casos, tudo se passa na esfera dos órgãos técnicos, dando-se destaque apenas às cerimônias de lançamento da pedra fundamental ou no momento da conclusão da obra.

No entanto, a localização, as características, os valores despendidos, o tamanho e a funcionalidade da obra, influenciam, por dezenas de anos, diretamente a vida de milhares de pessoas. Bem por isso, Cláudia Patterson, em artigo pioneiro, observou que “poucos edifícios públicos têm um significado tão forte quanto os que abrigam a Justiça. Sejam as sedes dos Tribunais Superiores ou as instalações dos Juizados de Pequenas Causas, o Poder Judiciário é sempre uma referência dentro da sociedade. Caso essa referência venha acompanhada de um diferencial arquitetônico que a registre como sendo parte da Justiça, agrega-se ao significado social o significado cívico. Dignidade, tradição, equilíbrio, imparcialidade, hierarquia, seriedade e confiança são imagens a ele associadas”. (Ilustre desconhecida: arquitetura judiciária. in Revista do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

2. A arquitetura judiciária e a eficiência da Justiça

A administração publica brasileira está vinculada a uma série de princípios, parte deles explicitamente previstos no artigo 37 da Constituição Federal, outros tantos lastreados em boa doutrina. No regramento constitucional cita-se, por exemplo, o princípio da legalidade. No plano doutrinário, o princípio da cortesia (vide Romeu Bacellar Filho, em Direito Administrativo, Saraiva, 2005, p. 156). A vincular a administração, temos o princípio da eficiência que, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, é o que “se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional” (Direito Administrativo Brasileiro, RT, 14. ed., p. 86). Aí está, em regra clara, a obrigação do Poder Público prestar serviços de boa qualidade e em tempo hábil.

O Poder Judiciário, como Poder Público que é, sujeita-se ao mandamento constitucional. Não apenas quando se exige que os processos tenham tempo de duração razoável (CF, art. 5º, inc. LXXVII), mas também quanto aos serviços administrativos que presta em razão de sua atuação. E no leque de medidas que dêem aos seus serviços eficiência, induvidosamente se encontra a construção de seus edifícios. É óbvio que de suas instalações, sua estrutura, suas dependências, depende o êxito de suas múltiplas atividades. Portanto, a arquitetura judiciária situa-se no âmbito da administração da Justiça, sendo, dela, elemento essencial e pressuposto para a sua eficiência.

3. História e tradição nas construções forenses

A primeira observação que se faz é a de que o Judiciário absorveu em seus Tribunais Superiores o título de Corte. Tal palavra, que traz ares de monarquia, tem sua origem exatamente neste fato. É que o Rei representava o último recurso, ou seja, acima de seus juízes. E assim foi, no Brasil, desde o início. No princípio, com as Ordenações Manoelinas, (Memória da Justiça Brasileira, Tribunal de Justiça da Bahia. Salvador, 1993, p. 17). E da mesma forma com a nossa primeira Constituição, em 1824, que dava ao Imperador o poder de revisar as decisões do Poder Judicial (cf. art. 154). A expressão Corte foi, pois, assimilada pela República, permanecendo até hoje como sinônimo de Tribunal de Apelação ou Superior.

Práticas centenárias persistem neste século, ainda que poucos disto se dêem conta. Por exemplo, na Relação da Bahia (Relação é o nome que se dava aos que hoje se denominam Tribunais de Justiça), que foi a primeira instalada no Brasil (1808), os desembargadores iniciavam seu dia de trabalho assistindo à missa, fazendo a barba e tomando seu café da manhã. Não é por outra razão que alguns Tribunais, como o Supremo Tribunal Federal, ainda tenham a sua barbearia, outros, como o Tribunal de Justiça do Paraná, capela, e em alguns se sirva um lanche ao fim da tarde.

Na Justiça do Império e, ainda, na do início da República, usava-se a prática de construir Fóruns em que o Juiz atuava no primeiro e único andar, enquanto no térreo ficava a Cadeia Pública. Sistema prático para uma população pequena, fixada mais na área rural. Há muitas construções deste tempo como, por exemplo, em Itanhaém (SP) e Pirenópolis (GO). Boa parte delas transformou-se, em algum momento, em Câmara Municipal, como ocorreu em Vassouras (RJ). Atualmente, a maioria abriga centros de cultura.

Não se tem notícias de grandes transformações arquitetônicas na República. Os Tribunais, conhecidos como “Palácio da Justiça”, costumavam ser edificados seguindo modelos oriundos da Itália ou França. Ao contrário dos Estados Unidos da América, onde as construções, a começar pela Suprema Corte, seguiam o modelo Greco-romano, com colunas e escadas a conduzir a um patamar superior, no Brasil as edificações assemelhavam-se mais às Cortes européias. Bem exemplo disto é o prédio que abriga o Tribunal de Justiça de São Paulo, na Praça da Sé, construído pelo arquiteto Ramos de Azevedo, dotado de salas ricamente decoradas, escadas de mármore e mobiliário em madeira escura, tudo a dar uma percepção de respeito e austeridade.

Assim evoluiu a arquitetura judiciária. O Supremo Tribunal Federal, quando no Rio de Janeiro, permaneceu no prédio que hoje abriga o Centro Cultural da Justiça Federal, na avenida Rio Branco. Ao instalar-se a capital da República em Brasília, a sua sede na Praça dos Três Poderes seguiu linhas harmônicas com o projeto da nova sede de governo, em edificação simples, de cor branca e com um plenário próximo à platéia, como a querer aproximar os supremos magistrados do povo.

4. Mundo em transformação

O fim dos anos 1960 e o início dos anos 1970 marcam uma mudança no mundo. A revolta dos estudantes em Paris, 1968, o movimento hippie a pregar paz e amor, a queda de ditaduras antigas, como as de Franco na Espanha e Salazar em Portugal, a migração campo-cidade e também entre estados menos desenvolvidos para outros mais prósperos, a emancipação das mulheres, a primeira reunião internacional a favor da proteção do meio ambiente (Estocolmo, 1972) e outras tantas mudanças econômicas, sociais e comportamentais.

O Judiciário brasileiro, afetado por esse novo quadro, permaneceu durante bom tempo a comportar-se como sempre. Decidindo os litígios com base no velho Código Civil de 1916, atrelado às soluções para conflitos individuais. E do ponto de vista da arquitetura judiciária, seguiu construindo novos Fóruns ou Tribunais, externamente mais modernos, mas internamente nos mesmos moldes tradicionais. Sem se dar conta de que a mudança da sociedade refletiria inevitavelmente na mudança do Judiciário.

Passaram-se os anos e a sociedade alterou-se em velocidade cada vez maior. A Lei da Ação Civil Pública, em 1985, e o Código do Consumidor, em 1990, apontavam para as reivindicações de massa. A Constituição de 1988, a ampliar em termos absolutos o acesso à Justiça e a garantir, minuciosa e longamente, os direitos e garantias individuais e sociais, indicava o crescimento das ações. A mecanização do campo levou milhares de brasileiros para a periferia das grandes cidades, suscitando problemas de moradia, educação, saúde e ambientais. A abertura política e a organização da sociedade civil originaram a propositura de milhares de ações individuais sobre temas comuns, tornando o sistema ineficiente.

Ninguém percebeu melhor esses novos tempos do que Mauro Cappelletti e Bryan Garth, na obra “Acesso à Justiça” (Porto Alegre: S. Fabris, 1988, trad. Ellen Gracie Northfleet). Com percepção aguda da nova realidade, os autores discorreram sobre os novos tempos, as ações de massa, os novos conflitos e as soluções alternativas possíveis. Nada se compara a esse estudo, pelo qual todos os que se interessam pelo tema Juiz-Justiça-Judiciário, são obrigados a passar.

O Poder Judiciário brasileiro assistiu perplexo a essas transformações. Seus dirigentes, ou seja, a cúpula dos Tribunais, por desconhecimento das modernas técnicas de administração ou, talvez, por amor à tradição, resistiram às mudanças. Até que propostas de renovação, às quais se deu o nome de “Reforma do Judiciário” e que depois de mais de 10 anos ensejaram a Emenda Constitucional 45, resultaram em iniciativas de modernização. Mas estas só vieram quando pressões de origens diversas transformaram-se em ataques a esse Poder.

5. A situação atual e a relação com a arquitetura judiciária.

Anos 2000, novos direitos, reivindicações coletivas, Judiciário intervindo nas políticas públicas, considerável aumento do número de excluídos na periferia das cidades médias e grandes, violência e insegurança como parte da vida diária, crime organizado avançando os seus tentáculos, inclusive no Poder Judiciário, tudo isto representando um quadro novo, assustador, imprevisível. Abstraindo considerações sobre tão amplos e complexos aspectos, direcionemos o foco para a arquitetura judiciária. Nesta linha, a primeira conclusão é a da inexistência de estudos e preocupações sobre o tema. As edificações continuaram a ser feitas ao sabor das idéias do autor do projeto, sujeitas à opinião de um ou poucos administradores do Poder Judiciário. Mas sem uma política institucional, sem estudos ou métodos.

Vejamos, inicialmente, os Tribunais de Justiça. A Constituição de 1988, no artigo 29, inc.X atribuiu-lhes competência para julgar os prefeitos nos crimes comuns e de responsabilidade. O maior rigor na fiscalização dos Tribunais de Contas, a atuação firme do Ministério Público ou, talvez, o simples crescimento da corrupção no Brasil, fizeram com que os Tribunais de Justiça recebessem grande quantidade de ações penais originárias. E sem contar as dificuldades do simples processamento dessas ações originárias na segunda instância, as instalações, salvo exceções, não estavam, e muitas ainda não estão, preparadas. Assim, audiências são feitas em locais inadequados como gabinetes do relator, salas de sessão das Turmas ou até no Plenário. As Secretarias nem sempre têm espaço para a nova demanda, por exemplo, livros e local próprio para apresentação mensal aos que se beneficiam da suspensão do processo. O mesmo se dá com relação aos Tribunais Superiores (STF e STJ) e os Tribunais Regionais Federais (TRFs).

6. Aspectos relevantes. Uniformidade nas construções. Soluções

No Brasil, evidentemente, aqueles que trabalham com a matéria nos Tribunais, como arquitetos, engenheiros e outros profissionais, conhecem a problemática em razão de sua própria experiência profissional. Empiricamente, entre erros e acertos, observações de pessoas mais experientes, magistrados e antigos servidores, vão os técnicos aprimorando seus trabalhos. No entanto, um primeiro e histórico passo foi dado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, que promoveu, de 11 a 13 de março de 2008, em Brasília, o “1º Encontro Nacional de Planejamento e Gestão de Obras da Justiça Federal”. Por três dias juízes e servidores ouviram e debateram temas ligados à arquitetura judiciária, inclusive com narração de casos práticos. A partir deste encontro, com certeza, as edificações tomarão novos rumos, principalmente na área do Judiciário Federal.

Nos Estados Unidos existem escritórios especializados em tal tipo de construção. A DPK Consulting é líder em projetos de Tribunais inovadores, eficientes e efetivos, principalmente na América Latina. Seu presidente Robert Page, arquiteto especializado em planejamento urbano, participou de projetos de inúmeros Tribunais em países desenvolvidos.

Recomenda a referida empresa (Fonte: Key Elements in Courthouse Design, entre outras coisas, que os projetos sigam as seguintes orientações:

a) separar as funções judiciais das administrativas e de serviço ao público;

b) concentrar as necessidades do público no primeiro andar do prédio;

c) manter três padrões distintos de circulação — para os juízes, para o público, para os presos;

d) introduzir um sistema moderno de segurança;

e) aproveitar os avanços da tecnologia para auxiliar no manejo do andamento dos processos, fornecimento de informações interna e externamente e manter os registros necessários;

f) enfatizar os pontos de contato entre o público e os funcionários do Judiciário, a fim de assegurar que o contato seja rápido e eficiente;

g) evitar contatos inadequados entre os magistrados e o público, que reduzem a administração eficiente da justiça;

h) introduzir um projeto arquitetônico que reflita o significado simbólico de um centro de justiça em uma sociedade civil.

Na realidade brasileira, de regiões e orçamentos tão díspares, é impossível pretender que exista um padrão uniforme de construções. Isto até será possível em um estado de pequena dimensão territorial e com similaridade climática, geográfica e populacional. Mas jamais na Justiça Federal, com validade para todo o país.

No Estado de São Paulo, nos anos 1950, introduziu-se uma construção padronizada para os Fóruns de todas as comarcas de porte menor ou médio. Os edifícios tinham dois pavimentos, térreo e primeiro andar. No térreo ficava a entrada e, nas laterais, o Cartório Cível e o Criminal. No primeiro andar, ao centro, o Tribunal do Júri, à direita o gabinete do juiz e sala de audiências e, à esquerda, o gabinete do promotor de Justiça. Havia, ainda, pequenos espaços para uma pequena copa, estacionamento na parte externa e outros de menor significação. Nos anos 1970 o padrão foi alterado, ainda que mantida a uniformidade. Os prédios continuavam a possuir apenas um andar, todavia o espaço era maior. Do lado externo o estacionamento tornou-se maior e a arquitetura apresentava elementos vazados, dando uma aparência sóbria e leve concomitantemente. Gabinetes do juiz e do promotor, além da sala de audiências, em um piso, Cartórios no outro. Tribunal do Júri separado.

A arquitetura uniforme limitou-se a poucas e isoladas tentativas, como as descritas. Atualmente, os Fóruns são construídos, quando se dispõe de verba para tanto, ou ocupam edifícios que se destinavam a outras finalidades, públicas ou particulares. Por vezes, são bens arrematados pela Fazenda Pública em execuções fiscais. Em outras, são bens de propriedade particular locados pelo Poder Judiciário. Em alguns estados as custas incluem um percentual para um fundo de reequipamento do Poder Judiciário e, com isto, torna-se possível a edificação de prédios mais adequados às necessidades.

Por outro lado, o crescimento de instituições paralelas ao Judiciário vem fazendo com que elas passem a ocupar prédios próprios. É o caso do Ministério Público, das Defensorias Públicas e outros órgãos. Ainda que compreensível a medida, isto faz com que o trâmite burocrático se agrave, com sucessivas idas e vindas de autos, com significativa perda de tempo e despesas com pessoal e combustível.

Em linhas gerais, é possível afirmar que as construções de Fóruns, para ficarmos apenas na primeira instância, devem atentar para as seguintes peculiaridades:

a) o acesso da população à Justiça aumentou consideravelmente, o que requer espaços mais amplos e atendimento mais próximo da entrada, evitando-se a circulação de pessoas na parte interna;

b) é recomendável que as edificações situem-se nas proximidades das vias de transporte, como o metrô, estações de terminais de ônibus, estações ferroviárias, rodoviárias e outras assemelhadas;

c) o acesso aos deficientes deve ser facilitado através de rampas;

d) a segurança exige cautelas no ingresso das pessoas, inclusive com a colocação de aparelhos que visualizem eventuais instrumentos criminosos;

e) o estacionamento deve ser espaçoso, tendo em vista o significativo aumento de veículos na frota nacional e a necessidade de facilitar-se o acesso, principalmente dos magistrados e servidores;

f) os órgãos públicos, ainda que situados em outros edifícios, devem ter salas próprias (por exemplo: OAB);

g) salas de audiências adequadas a quem, por vezes, deve aguardar horas para ser ouvido;

h) onde as verbas o permitirem, salas de espera às partes, dotada de televisão;

i) nas Varas de Família, quando possível, espaços para a distração das crianças envolvidas nos conflitos;

j) medidas de auto-atendimento, de modo a facilitar a vida dos que se utilizam dos serviços judiciários como, por exemplo, o protocolo de auto-atendimento existente na Subseção da Justiça Federal em Passo Fundo (RS).

Aspecto a merecer especial referência é o da gestão ambiental dos Fóruns e Tribunais. Neles, incluídas aqui as edificações da segunda instância e dos Tribunais Superiores na Capital Federal, transitam milhares de pessoas diariamente, produzem-se toneladas de resíduos, gasta-se grande quantidade de energia, de papel, de água e outros recursos naturais. No entanto, a maioria absoluta desses órgãos não pratica ações de gestão ambiental, conforme lhes impõe a Constituição Federal no artigo 225, “caput”. A indiferença é a regra. As projeções para o ano 2050 são de que, de uma população de 8,9 bilhões de habitantes, cerca de 4 bilhões vivam em países com escassez crônica de água (O Atlas da Água, Publifolha, 2005, p. 23).

Neste particular, algumas iniciativas foram e vêm sendo tomadas, ainda que timidamente. No Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, pioneiro no tema, equipe técnica especializada cuida permanentemente de medidas ambientalmente corretas, como economia de energia, utilização de papel não-clorado, destinação correta dos resíduos (por exemplo, lâmpadas de mercúrio) e outras tantas. A matéria foi objeto de estudo pioneiro de Maria das Graças Orsato Prestes (Gestão ambiental no poder judiciário: implementação de práticas administrativas ecoeficientes, in Revista do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

O Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais também praticam medidas semelhantes, com sucesso. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça recomendou a todos os órgãos do Poder Judiciário que tomassem medidas de gestão ambiental. É inconcebível que se construa um Fórum sem previsão para aproveitamento de água de chuva (vide estudo de Cynthia Regina de Lima Passos, A utilização das águas pluviais como alternativa ambientalmente sustentável: exemplos e possibilidades. In: Direito Ambiental em Evolução n. 5. Curitiba: Juruá, 2007, p. 117-130).

As salas de julgamentos também merecem especial estudo. Há uma tendência de simplificação dos ambientes, de modo a torná-los mais acolhedores. Mesa de audiência sem tablado, paredes claras, acesso fácil. Trata-se de inclinação pouco refletida e com um viés político que, em última análise, estaria a passar a mensagem de que deve ser abolido o ritual e colocados os julgadores no mesmo nível da população a que servem. O assunto merece reflexão e, mais habilitados a responder as indagações, estão os profissionais da psicanálise e psicologia do que os operadores do Direito.

Na minha visão, há que se separar as espécies de Juízos ou Tribunais. Em um Juizado Especial, onde se julgam as questões do dia-a-dia, onde a procura das pessoas simples é maior e nem sequer precisam estar acompanhadas de advogados, não há a menor dúvida de que toda a arquitetura, externa e interna (p.ex. mobiliário), deve ser mais informal. Os Juizados, quando possível, devem situar-se na periferia das cidades, próximos da população mais carente. Corredores largos, em razão da quantidade de pessoas que neles transitam, pessoal da área da saúde para emergências, mesas ovaladas de modo a facilitar a conciliação, paredes em cores que levem à paz e à concordância (o juiz de Direito Roberto Portugal Bacellar, de Curitiba, tomou, com sucesso, tal tipo de iniciativa no JEC daquela capital), enfim, um juiz e uma Justiça mais próximos e acessíveis são totalmente recomendáveis.

Estas afirmações devem valer, ao menos em parte, para a Justiça do Trabalho, onde a conciliação é o principal objetivo. Portanto, os Fóruns Trabalhistas merecem estudo especial. Serão iguais a todos os outros na base, porém merecerão tratamento específico nas suas peculiaridades. Por exemplo, na enorme quantidade de audiências que sobrecarregam as pautas dos magistrados daquele importante ramo do Poder Judiciário.

No entanto, esta informalidade não se adapta a Tribunais do Júri ou salas de audiências de Varas Criminais. O réu, muitas vezes perigoso por ser violento, outras também perigoso (talvez até mais) por praticar crimes contra a ordem econômica, lesando uma infinidade de pessoas, não deve ser colocado no mesmo nível e próximo ao juiz e ao agente do Ministério Público. A situação recomenda o afastamento, o formalismo e, inclusive, a mesa de audiências colocada sobre um estrado.

Em estudo sobre o ritual judiciário, Antoine Garapon observa que “uma vez chegados à sala de audiências, é freqüente os magistrados terem de contornar uma pequena grade ou um pequeno painel simbolizando o novo recinto. Ultrapassados esses obstáculos, libertam-se de uma espécie de rito deambulatório que os convida a tomar consciência da gravidade da tarefa que estão para desempenhar” (Bem julgar. Ensaio sobre o ritual judiciário, Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 51). Aí está, na opinião do antigo juiz do Tribunal de Menores de Paris, a referência à necessidade de um certo afastamento, inclusive para que tenham os julgadores a noção da responsabilidade de suas funções.

Finalmente, seria desnecessário dizer, mas sempre é bom lembrar, que tais construções devem ser feitas com economia de gastos e sem suntuosidade, vez que o Brasil é um país com enorme contingente de excluídos sociais e obras faraônicas são inadequadas a tal situação.

7. Conclusão

O que foi afirmado neste estudo constitui apenas uma tentativa de pôr na pauta de discussões este novo tema, diretamente ligado à administração da Justiça. Com certeza, dos debates que se seguirão no futuro, sobrevirão as soluções que melhor atendem ao interesse público.

Revista Consultor Jurídico

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