Responsabilidade pré-contratual – Boa-fé deve reger negociação preliminar em negociações

por Mateus Augusto Siqueira Covolo

No Direito brasileiro, como se sabe, o princípio da boa-fé objetiva é a base de todo relacionamento pré e contratual, figurando como responsável aquele que por ação ou omissão frustra o contrato. O rompimento pode ser culposo, pode resultar de uma negligência simples ou mesmo não incidir um caráter de gravidade. Não precisa caracterizar má-fé, é necessário que entre a falta de boa-fé e o dano exista um nexo, um vínculo de conexão.

De acordo com tal princípio, avalia-se os três pontos centrais de determinada relação jurídica contratual: iniciando-se pela responsabilidade pré-contratual, passando pela responsabilidade contratual e finalizando por meio da responsabilidade pós-contratual.

Nas relações jurídicas entre empresas, a manifestação de vontade e todo o complexo projeto de elaboração de seus interessados em negociar destinado à formalização e conclusão do contrato, mostram-se como ponto principal para avaliar-se o ato gerador de responsabilidade pré-contratual. Nesta espécie de formação do contrato há incidência de direitos e deveres anexos a serem seguidos, paulatinamente, pelas partes.

No tradicional conceito de contrato como classe dos negócios bilaterais, a reciprocidade de prestações figura como essência da relação contratual. Os contratos são classificados em “nominados”, “inominados”, e também em “mistos”, que são aqueles que resultam da fusão de vários tipos. Dentro dessa divisão, incidem duas formas de formação dos contratos, definidos como período pré-contratual e proposta.

Juridicamente, o pré-contrato difere da proposta. A proposta é entendida como oferta e recebe previsão específica por meio dos artigos 427 a 435 do Código Civil, que é uma manifestação de vontade determinado com exatidão de contratar, e se não impedida até o momento permitido pela Lei, torna-se obrigatória.

Por sua vez, caracteriza-se a pré-contratualidade no momento em que as partes efetivamente negociarem toda a base do contrato, ou até mesmo se uma das partes prometer algo e não cumprir ou ocultar informações essenciais à correta formação do contrato. Por este ângulo, é exigido uma atividade dos interessados em negociar, que se destine à conclusão do contrato, em que o projeto esteja em elaboração. O ponto fundamental é configurar que cada uma das partes “conduza as negociações num plano de propridade, lealdade e seriedade de propósitos”.

Não é necessário, como salienta o eminente professor Orlando Gomes, citando Sacco, que se trate de “uma proposta contratual perfeita e acabada”; “basta que os interessados estejam em entendimentos a respeito do futuro contrato ou que se encontrem vis a vis numa posição que induza um deles à convicção de que o outro celebrará o contrato que lhe foi prometido. O importante é que a confiança seja traída”.

O pré-contrato em ambiente empresarial poderá caracterizar-se por meio do “detalhamento técnico de negociação” — ou vulgarmente chamado de “proposta comercial”, — verdadeiro pré-contrato que irá tornar-se a minuta contratual, uma vez que este documento irá ditar, guiar e seguir o contrato propriamente dito, no formato de anexo integrante do contrato, após o momento das partes registrarem por escrito suas assinaturas.

Apenas a título de ilustração, é por meio de tal documento que a empresa “mostra a sua cara” e coloca seu produto à venda ou sua prestação de serviços disponível, tratando dos aspectos de caráter comercial, rentabilidade, financeiro, operacional, viabilidade, facilidades agregadas, topologia e questões técnicas necessárias que guardem relação com o contrato. Este sumário descritivo é de suma importância, uma vez que servirá de interpretação extensiva à cláusula que tratará do objeto do contrato, tanto para as partes, como para o magistrado em eventual litígio.

Importante enfatizar, no que diz respeito às negociações preliminares trocadas no mundo contemporâneo e notadamente no ambiente empresarial, que o processo de formação do contrato passa por longa negociação entre seus representantes através de mensagens enviadas por e-mails, memorandos, correspondências, fax, telefonemas, vídeo conferências e demais formas de comunicação que melhor convir às partes. Há descumprimento de direitos e obrigações quem rompe ou frustra, sem justa causa, essa longa etapa de negociação, se efetivamente estiver em andamento.

Neste complexo processo formativo, há responsabilidade pré-contratual se um dos participantes, sem motivo justo interrompe ou abandona de forma arbitrária a negociação, comportando-se de forma desleal.

Pode acontecer, também, que uma das partes inclua na proposta comercial um aspecto ilícito ou não reconhecido pelo ordenamento jurídico, ou até mesmo “camuflado” de legitimidade que venha a ser transformar em cláusula contratual, visando certo “favorecimento”. Esta situação poderá tornar-se extremamente prejudicial ao ramo de atividade da empresa que figura na outra parte do contrato, que poderá vir à tona somente na execução ou após o cumprimento do contrato.

O princípio da boa-fé objetiva previsto no artigo 422 do Código Civil, é uma regra a ser seguida durante as prévias tratativas e deve ser encarado pelas partes como um verdadeiro “dogma”, guiados pela tão almejada ética. Deveres anexos à boa-fé que podem ser traduzidos pelas seguintes expressões: lealdade; confiança; equidade; razoabilidade; cooperação, colaboração e transparência.

Para fins de reparação pelos danos suportados na fase pré-contratual, portanto, basta que a ruptura das negociações preliminares seja injustificada, arbitrária ou culposa. Em juízo, a parte lesada fica somente obrigada a demonstrar a existência da violação. De acordo com a regra imperativa do princípio da boa-fé, durante a fase pré-contratual, a racionalidade empenhada pelas partes deve seguir estritamente a ética, sempre tão almejada nas relações humanas. Enfim, nas tratativas, devem as partes, planejar, discutir, refletir e exarar as palavras empenhadas com veracidade, lealdade e probidade, visando não frustrar as expectativas geradas em torno da negociação, em razão de todo o empenho e confiança depositados no vínculo do pré-contrato.

Revista Consultor Jurídico

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