por Fábio Pinheiro Gazzi
Assim como o Direito, os negócios jurídicos, em especial os contratos, sofrem constantes modificações. Não se pode olvidar que o contrato tem, dentre outras, função econômica, por isso de ser necessário o equilíbrio entre as partes.
Para restabelecer o equilíbrio contratual, quando este for abalado, acentua-se a revisão dos contratos pelo juiz que, conforme as alterações das circunstâncias e fundamentando-se nos princípios gerais do Direito e do contrato, afasta-se a regra tradicional e imperativa[1].
Uma dos fundamentos para a revisão dos contratos é a cláusula rebus sic stantibus. Esta, nos dizeres de Renato José de Moraes, “é utilizada em dois sentidos principais”. O primeiro é mais amplo e considera que a noção rebus sic stantibus significa que os vários atos jurídicos, nos quais se incluem os contratos, têm sua eficácia subordinada a que as coisas permaneçam como estavam no momento em que foram formados.
Não é essencial, nessa concepção mais larga, a existência de uma onerosidade excessiva ou da imprevisibilidade de um fato que cause um desequilíbrio; basta o advento de uma mudança substancial no estado em que as coisas estavam para se justificar a mudança na execução do ato jurídico.
Já o segundo, em que se costuma tratar da teoria da imprevisão, é mais estrito. Nessa acepção, há um relativo consenso a respeito da definição da cláusula rebus sic stantibus: é a cláusula pelo qual os contratos de execução periódica, continuada ou simplesmente diferida, podem ser, ou revisados, com o reajustamento das prestações, ou simplesmente resolvidos, devido à ocorrência de um fato superveniente, imprevisível para as partes, que desequilibrou a relação contratual de maneira grave.
A concepção lato sensu e stricto sensu da cláusula rebus sic stantibus são ambas legítimas”[2]. Aduz ainda o autor mencionado que a concepção estrita é a mais utilizadas pela doutrina e jurisprudência pátria.
Corroborando com as lições supra trasladado, o mestre Aliomar Baleeiro, quando de suas funções no pretório excelso, manifestou-se da seguinte maneira acerca do assunto: “cláusula rebus sic stantibustem sido admitida como implícita somente nos contratos com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado se ocorreu alteração profunda e inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do negócio.”[3]
Portanto, são requisitos da cláusula rebus sic stantibus: “o contrato deve ser de execução diferida, continuada ou periódica, e nunca de execução imediata; o fato causador da onerosidade excessiva precisa ser imprevisível para as partes; é preciso haver um desequilíbrio acentuado entre as prestações, superior ao que pudesse ser devido à alínea normal do contrato; finalmente, a parte prejudicada não pode ser responsável pela ocorrência desse desequilíbrio.”[4]
Porém, embora a jurisprudência pátria adote os requisitos supramencionados, sua aplicação é um tanto quanto diferenciada a cada contrato. Nos contratos de compromisso de compra e venda, em virtude das alterações das circunstâncias negociais como: reajuste das prestações, vinculando esta à equivalência salarial[5]; abalo a situação social econômica por causa de planos econômicos do Governo Federal[6]; em contratos que já estão firmados o periódico inflacionário[7]; a jurisprudência não admite a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, por entender que não há desequilíbrio.
Já nos contratos de empreitada os riscos do empreendimento são de sua natureza[8] não ensejando a revisão contratual com fundamento na cláusula tão mencionada. Também não enseja revisão contratual o reajuste dos juros quando já conhecido as condições para a execução do contrato[9] e o reajuste do preço por causa do aumento imprevisível inflacionário depois de celebrado o contrato e durante a execução da obra[10].
Porém, os Tribunais admitem a revisão do contrato de empreitada quando tratar-se de contrato administrativo e ocorrer o fato do príncipe, reajustando desta forma aquele para o fim de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato[11].
Quando se tratar de contrato de locação, em casos como: revisão do aluguel para alterar a periodicidade do reajuste[12] e revisar o aluguel porque este se tornou vil em virtude da inflação[13], os tribunais admitem a revisão do contrato, para assim, como no contrato de empreitada, evitar o enriquecimento sem causa e restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Em que pese o nobre conhecimento dos nossos magistrados, ao não admitirem, em nenhuma hipótese, a revisão dos contratos de compromisso de compra e venda e admitirem a revisão em alguns contratos de empreitada e de locação, revisão esta fundamentada na cláusula rebus sic stantibus, os Tribunais desequilibram a balança da justiça.
A imprevisibilidade do negócio, a exemplo da inflação, poderia ensejar a revisão contratual, não importando qual contrato seja, pois haveria um desequilíbrio para todas as partes. Deveria ser um entendimento uniforme e não “discriminatório”.
Salienta-se que a imprevisibilidade, desde que não inerente da natureza do negócio jurídico (álea), deveria ser o ponto principal de partida para ensejar a revisão contratual, pois a imprevisibilidade é um elemento surpresa, fato este vedado no Direito, em virtude da segurança jurídica.
Frisa-se que o que é imprevisível pode, na maioria das vezes, desequilibrar economicamente o contrato firmado.
Por isso, a título exemplificativo da conclusão cita-se o desemprego que é algo previsível e neste ponto acerta a jurisprudência, porém, a inflação, por mais previsível que seja, seus índices não o são e com isso pelo menos uma das partes terá de ter uma diminuição patrimonial suficiente para restabelecer o equilíbrio do contrato. Ocorre que, como demonstrado, a jurisprudência não possui este entendimento no que tange a contratos de compromisso de compra e venda.
Por isso, ao não utilizar a cláusula rebus sic stantibusmesma forma em todos os tipos contratuais, a jurisprudência pratica atos “discriminatórios”, vez que a imprevisibilidade acarreta em desequilíbrio, tanto para uma parte como para a outra, sendo sempre necessário em virtude dos princípios contratuais, revê-lo para o fim de se equilibrar a balança de nossa justiça.
Por fim, resta o brocardo: cada caso é um caso; devendo-se sempre ter em mente o grau de influência no contrato das alterações das circunstâncias negociais como a imprevisibilidade e o equilíbrio econômico, destacando-se, neste esteio, o equilíbrio, palavra fundamental para o Direito dos Contratos.
Bibliografia
GOMES, Orlando atualizado por THEODORO, Humberto Júnior. Contratos. Ed. Forense, 2000.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações – 2ª Parte, 5º Vol., Ed. Saraiva, 1987.
MORAES, Renato José de.Cláusula Rebus Sic Stantibus. Ed. Saraiva, 2001.
PEREIRA, Antonio Jorge Júnior e outros. Direito dos Contratos – CEU. Ed. Quartier Latim, 2006.
SILVEIRA, Carlos Alberto de Arruda. Contratos de Acordo com o Novo Código Civil. Ed. Mundo Jurídico, 2004.
VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Ed. Jurídico Atlas S.A, 2002.
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[1] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações – 2ª Parte, 5º Vol., Ed. Saraiva, 1987, p.10.
[2] Cláusula Rebus Sic Stantibus. Ed. Saraiva, 2001, p. 29/30.
[3] RE 71443/RJ; j. 15-06-1973 – 1ª Turma STF
[4] MORAES, Renato José de. Op. Cit., p. 176/177.
[5] Ap. 216.702-2 – TJ/SP
[6] JTJ 157/38
[7] JTJ 118/98
[8] Ap. 394.927-4/5 – TJ/SP
[9] AIAgR 88763 – STF
[10] RE 85714/RJ – STF
[11] Ap. 115.703-5 – TJ/SP
[12] RT 759/286 e RT 701/108
[13] RT 620/204, REsp 362279/SP
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