Preço do bilhete – Taxa por transação é ilegal em licitações de passagens aéreas

por Jonas Lima

Em artigo publicado na revista Consultor Jurídico, de 31 de janeiro de 2008, foi analisada a possibilidade de instituição de “taxa de administração” nas licitações e nos contratos de passagens aéreas. Como tendência mundial, a nova sistemática de pagamento representou grande preocupação nesse início de ano para todas as agências de viagens do Brasil que trabalham com contas governamentais, porque isso possui interferência nos contratos vigentes e nas licitações a serem realizadas.

Hoje, para a calmaria de todos, permanece suspensa a nova regra apenas para as contas “GR”, ou seja, as governamentais. Então, o particular que comprar bilhete diretamente em agência de viagens verá a informação do valor a título de “repasse a terceiros (valor devido ao agente pelo cliente)”, ou seja, a remuneração ou taxa de administração que está pagando à agência de viagens (em torno de 10% da tarifa ou R$ 30, no mínimo). Qualquer pessoa poderá conferir que estará destacado em campo próprio um adicional sobre o preço do bilhete, por cada transação, valor esse a ser repassado ao consumidor final.

Ocorre que, de forma inusitada, isso também começa a acontecer no setor público, pois alguns editais que já mudaram as suas regras nas licitações desse segmento empresarial, deixando de utilizar como critério de julgamento o maior percentual de desconto oferecido pelas agências de viagens sobre o valor do volume de vendas (existente desde o revogado Decreto 4002/01). Também alguns têm desprezado o desconto sobre a “tabela de preços praticados no mercado”, previsto no parágrafo 1º do artigo 9º do Decreto 3.931/2001 (que regulamenta o Registro de Preços).

Na prática, esses editais passaram a adotar diretamente o modelo de licitações dos Estados Unidos, no qual as propostas são avaliadas pelo menor preço total, baseado na menor “taxa por transação” (transaction fee), às vezes, multiplicada pela “estimativa” de número de bilhetes a serem emitidos no período contratual, sendo exigida da agência de viagens demonstração capacidade técnica anterior comprovada por determinado número mínimo de transações realizadas em um ano.

Como firmar entendimento sobre o procedimento adotado?

Tendo em vista que esse cenário já está provocando até discussões judiciais, é importante alertar para mais algumas variantes do assunto.

Primeiramente, é importante lembrar que, no Brasil, não existe respaldo para se cobrar um plus sobre a tarifa do bilhete, porque isso seria uma taxa de administração, somente admissível na época da “administração contratada”, do artigo 132, inciso III, do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, e dos artigos 5º, inciso VI, alínea “c”, e 9º, do Decreto-Lei 2.300, de de 21 de novembro de 1986.

Com a edição da Lei 8.666/93, que substituiu o Decreto-Lei 2.300/86, a “administração contratada” remunerada por “taxa de administração” foi banida por veto do Presidente da República, por ser considerada “contrária ao interesse público”.

O mesmo ocorreu quando se tentou novamente implementar a regra, quando da Lei 8.883, de 8 de junho de 1994. E, como se sabe, para os convênios, a Instrução Normativa STN 1, de 15 de janeiro de 1997, em seu artigo 8,º também veda a “taxa de administração, de gerência ou similar”. Esse, alías, é o mesmo entendimento manifestado em várias decisões do Tribunal de Contas da União (exemplo: Acórdão 1.100/2007 — Plenário).

Nesse contexto, já foi dito que a “taxa de administração” se diferencia muito da “comissão” do agente de viagens (porque essa última não constitui um “plus” indicado no preço final apresentado à Administração) e que, atualmente, instituir a taxa de administração nos contratos de agências de viagens com a Administração Pública, implicaria em “acréscimo” ao preço padrão ou à tarifa do bilhete.

A situação narrada, evidentemente, traria sérios problemas com as auditorias internas e com o Tribunal de Contas da União, além dos outros congêneres, inclusive com punições em atuais contratos e prejuízos para a participação das agências em licitações futuras.

Dessa forma, a conclusão preliminar é de que, pela lei, não existe respaldo para tanto. É preciso observar também o princípio da economicidade, previsto no artigo 70 da Constituição Federal.

Para exemplificar a situação, em um mesmo bilhete de apenas R$ 129,50 de tarifa, de Brasília para Goiânia, haverá a “taxa por transação” fixa de R$ 50, mas se o mesmo for remarcado outra “taxa por transação” de R$ 50 incidirá, e, se for cancelado, mais uma vez incidirá a “taxa por transação” no valor de R$ 50, totalizando-se R$ 150 a serem pagos pela Administração à agência de viagens.

Além disso, ainda no exemplo acima, essas taxas por transações das agências sequer se confundem com a taxa de R$ 70 eventualmente devida à companhia aérea pela reitineração ou o cancelamento do bilhete.

Em resumo, no exemplo narrado, pode-se chegar ao absurdo de R$ 210 de taxas por um bilhete de R$ 129,50 não utilizado, lembrando-se que as taxas da agência de viagens e da própria companhia aérea aparecem como valores “não reembolsáveis”.

Sob outra ótica, os defensores dessa nova sistemática dizem que, de todo modo, o Estado terá sempre a previsão de valores fixos por menor “taxa por transação”, e isso seria bom porque, independentemente do valor do bilhete, poderá ser trazida razoável economia, por exemplo, em um bilhete internacional de ida e volta de Brasília para Frankfurt, no valor de R$ 2.548,65, para o qual seria paga a mesma taxa de administração (prometida como fixa na licitação) de R$ 50.

Mas não é bem isso o que acontece. No contexto geral de 12 meses o contrato feito com essa nova sistemática causaria prejuízo à Administração Pública.

Observe-se o caso de um edital de R$ 6,2 milhões estimados em 7,6 mil bilhetes a serem emitidos, com preço médio do bilhete a R$ 815

Se for mantida a atual regra de que a Administração paga apenas a tarifa do bilhete da companhia e a agência de viagens recebe 7% de comissão da companhia aérea, retirada internamente do valor da tarifa, o resultado seria que os R$ 6,2 milhões estariam gastos integralmente com passagens, sendo que a agência de viagens receberia R$ 434 mil diretamente da companhia aérea.

Por outro lado, se for alterada a licitação para o contrato por “taxa por transação”, para os mesmos 7,6 mil bilhetes, mantendo o valor médio do bilhete em R$ 815, a Administração pagaria, além do valor das tarifas para as companhia aéreas, totalizando a verba de R$ 6,2 milhões, ainda, mais R$ 380 mil, separadamente, à agência de viagens (sem considerar as ocorrências de taxas por inúmeras remarcações, reitinerações e cancelamentos de bilhetes). E isso seria um contrato altamente prejudicial ao Erário.

Feita essa análise, pode-se concluir que, juridicamente, a sistemáticamente é incabível porque não mais subsistiu com o advento da Lei 8.666/893 a figura da “taxa de administração” (um “plus” ou adicional sobre o preço do serviço), e, comercialmente, seria muito desvantajoso para a Administração Pública.

Portanto, somente com uma alteração legislativa muito bem estudada seria possível trazer essa inovação internacional para o cenário brasileiro, onde as distorções exemplificadas pudessem ser sanadas, o que significa que, por enquanto, não se pode fazer licitações para passagens aéreas com julgamento pela “menor taxa por transação”.

Revista Consultor Jurídico

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