O ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, presidente do Superior Tribunal de Justiça, foi recebido com homenagens na Paraíba nesta quinta-feira (28/2). Ele foi convidado para discursar no estado. Recebeu o título de Cidadão Paraibano e a medalha do mérito jurídico Tarcísio de Miranda Burity.
Em seu discurso, intitulado “O Poder Judiciário no contexto do novo século”, o ministro ressaltou os constantes desrespeitos aos direitos fundamentais dos cidadãos e conclamou os três poderes a lutarem contra isso. “O mundo, que parece trafegar na contramão da dignidade humana, está exigindo nova postura dos Poderes constituídos e das instituições públicas; está clamando por soluções adequadas à nova realidade social.”
O convite para que Barros Monteiro fosse à Paraíba partiu do Tribunal de Justiça e da Assembléia Legislativa do estado.
Leia o discurso
O Poder Judiciário no Contexto do Novo Século
Com grande satisfação, compareço à bela e histórica João Pessoa para receber dupla honraria da Casa de Epitácio Pessoa, a que se associam este Tribunal de Justiça e o Governo do Estado.
Minhas palavras iniciais são, portanto, de agradecimento ao Deputado João Gonçalves, autor da propositura, ao Deputado Arthur Paredes Cunha Lima, Presidente da Assembléia Legislativa, e a todos os Deputados, bem como ao Doutor Cássio Cunha Lima, Governador do Estado, e ao Desembargador Antônio de Pádua Lima Montenegro, Presidente deste Pretório. Meus agradecimentos também às demais autoridades locais e ao simpático povo pessoense.
Senhoras e Senhores, este momento festivo, em que os Poderes estaduais se irmanam para laurear o Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal, inspira-me a refletir sobre o papel do Poder Judiciário no contexto do novo século.
É inquestionável que a vida em sociedade hoje difere, diametralmente, daquela experimentada nos séculos anteriores. Germinaram, após a Revolução Industrial, profundas transformações sociais em escala mundial, exigindo dos estudiosos e legisladores nova análise dos problemas sociais, vistos, desde então, sob a ótica da garantia dos direitos fundamentais, das liberdades públicas e da eqüidade.
Com o conseqüente surgimento de relações complexas e plurais, as constituições modernas – tal como a Carta Magna brasileira de 1988, considerada uma das mais avançadas do mundo – passaram a disciplinar matérias antes exclusivas do Direito Privado, a demarcar os limites da autonomia privada, da propriedade, do controle de bens, da proteção de núcleos familiares e outros.
Além disso, está ocorrendo, nos albores do século XXI, a aceleração vertiginosa de um fenômeno iniciado décadas atrás: a velocidade da informação parece ter diminuído o mundo. Estamos vivendo a era da globalização, que é, também, a era dos direitos. A soberania nacional não se põe mais como conceito absoluto. As demandas sobre direitos humanos se universalizam. Há uma crescente adaptação das legislações nacionais às comunitárias. É impossível isolar-se: o que é aplicável a um indivíduo igualmente o é a cada país e ao conjunto de todos os povos.
A propósito, cumpre destacar que, há quase sessenta anos, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Desde então, numerosos são os acordos internacionais assinados, incontáveis os programas direcionados à salvaguarda dos direitos da pessoa, de que tem participado o Brasil.
Contudo, em sã consciência, não se pode afirmar que existe, de fato, aqui e em outras nações, uma substancial promoção dos direitos ético-jurídicos fundamentais insculpidos na Declaração, isto é, paz e solidariedade universal, igualdade e fraternidade, liberdade e dignidade da pessoa humana, proteção legal dos direitos, justiça, democracia e dignificação do trabalho. É flagrante, nos dias que correm, o desrespeito aos direitos basilares, já preconizados nas leis e constituições dos países.
Os resultados desse quadro são estampados na mídia, diariamente, através de imagens dos crimes perpetrados contra o que há de mais sagrado para o homem: a dignidade. Causam perplexidade a exploração sexual de crianças e adolescentes; o tráfico de seres humanos para fins de prostituição; a violência contra a mulher; o extermínio de civis indefesos a qualquer ou a nenhum pretexto; as atrocidades cometidas no interior das penitenciárias; a violência urbana; o trabalho escravo; o crime organizado; a degradação ambiental. Como se isso não bastasse, são freqüentes os desvios éticos de homens públicos.
Tais males extrapolam e entrelaçam fronteiras nacionais, gerando um apocalipse global. E o mundo, que parece trafegar na contramão da dignidade humana, está exigindo nova postura dos Poderes constituídos e das instituições públicas; está clamando por soluções adequadas à nova realidade social.
Esse é o combate para o qual nós, integrantes e dirigentes dos Poderes da Nação brasileira, fomos convocados.
Nessa luta, alguns passos já foram dados, todavia longo ainda é o caminho rumo à consolidação da real democracia, a qual, em seu bojo, traz a efetivação dos direitos humanos e, em decorrência, a cidadania sem exclusão. Para o percorrermos vitoriosos, é imprescindível promover o fortalecimento e a credibilidade das instituições, mediante o esforço conjunto dos Poderes em todos os níveis, dos diversos segmentos sociais e dos cidadãos. Sim, porque, quando um órgão público é vilipendiado, perde a própria instituição, perde a democracia e perde, desesperadamente, o povo – o mesmo povo que coloca seus representantes no Executivo e no Legislativo e depõe a esperança de concretização de seus direitos nas mãos do Judiciário.
Como é sabido, sem instituições políticas sólidas e confiáveis, não há sustentação ao Estado democrático de direito. Perenes e fortes, como devem ser, constituem elas a garantia da liberdade individual e da tutela dos direitos humanos. Mormente o Poder Judiciário, guardião da democracia, agente político de transformação e coesão social, a que incumbe grande parcela de responsabilidade – talvez a maior – no processo de promoção e manutenção da paz social, sem a qual é impossível conceber-se o Estado democrático de direito. Na verdade, como pontificou o imortal Rui Barbosa, de nada aproveitam leis se não houver quem as ampare contra os abusos; e o amparo sobre todos essencial é o de uma Justiça tão alta em seu poder quanto em sua missão.
Soma-se a tudo a premência de modificar-se a cultura existente no País que tolhe a celeridade processual e empece a pronta solução dos litígios. Ao compromisso com a ética, em verdade, devem concorrer todos os que participam da administração da Justiça: os Juízes, os representantes do Ministério Público e os Advogados.
É consenso que a maior dificuldade na rápida tramitação dos feitos está na primeira instância. Para ela devem dirigir-se os olhos da Nação, que está sempre a clamar contra a demora na solução das lides. Há necessidade não só do incremento das tecnologias modernas; mais que isso, penso que o Magistrado deve residir na comarca da qual é titular. Somente assim terá condições de conduzir, orientar e fiscalizar os serviços prestados pelos auxiliares da Justiça, nem sempre qualificados e em número suficiente.
Também de maneira urgente, é preciso que o legislador defina, além de outros pontos relevantes, os casos em que o recurso especial deve ser admitido e processado. É imperioso que haja um filtro seletivo adequado, a fim de que o Superior Tribunal de Justiça não se perca no universo de causas de somenos importância.
Em tão íngreme escalada, assoma, como um dos propulsores da celeridade processual, a modernização. Não mais engessado, porém dinâmico e atento à nova ordem social, o Judiciário brasileiro está lançando mão dos mais modernos instrumentos tecnológicos e entrando na era do processo digital. Com razão, pois, o País é reconhecido, em âmbito mundial, por seu vanguardismo em termos de justiça eletrônica e ocupa o primeiro lugar, no ranking ibero-americano, nos quesitos qualidade e modernização tecnológica.
A todos os aspectos mencionados sobrepõe-se um, que urge priorizar: vontade política, traduzida num engajamento consciente e incisivo, na intensificação de parcerias entre os órgãos judiciais de todo o território nacional, bem como entre nosso Poder Judiciário e os de outros países. Tal postura implica determinação para emitir propostas inteligentes, exeqüíveis, dotadas de conteúdo ético, humano, capaz de exceder os interesses unilaterais. Implica, acima de tudo, sair do plano das idéias e partir para o das ações.
Particularmente, o Superior Tribunal de Justiça, embora vergado sob o peso de uma demanda que cresce exponencialmente, tem dado grandes passos em prol da Justiça do futuro. Destacam-se a petição eletrônica certificada, o Diário da Justiça eletrônico, a integração de dados com diversos tribunais, bem como iniciativas voltadas para a implantação, em breve, da intimação eletrônica de órgãos públicos.
Reconhecida, há anos, como o Tribunal da Cidadania por seu comprometimento com os jurisdicionados, aquela Corte Superior julgou, em 2007, mais de 330 mil processos, marca nunca antes alcançada. Isso representa uma média anual de 11.900 decisões por Ministro e um aumento na produção de 42%, comparando-se a média dos últimos cinco anos. Não obstante a sobre-humana produtividade, há, hoje, 215 mil feitos pendentes de julgamento.
Ademais, a Corte máxima infraconstitucional tem-se empenhado no intercâmbio jurídico e cooperação multilateral com os sistemas judiciais da Comunidade Ibero-Americana de Nações e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Como Secretaria Pro Tempore da XIV Cúpula Judicial Ibero-Americana, ultima os preparativos para sediar, de 4 a 6 de março, o magno evento.
Senhoras e Senhores, em meio à conturbada realidade social do novo século, uma centelha de esperança nos acalenta: a certeza de que o Poder Judiciário, mesmo remando contra a maré das circunstâncias, não se detém a lastimar os descaminhos do Brasil. Ao contrário, com destemor, paixão e muito trabalho, está tentando mudar o rumo do País, para dar-lhe a direção do acerto e a cor da democracia; enfim, para levar aos jurisdicionados a justiça por que anseiam: célere, acessível, transparente e eficaz.
E o fará quando, segundo o dizer de Ihering, souber “brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança”.
O momento é de luta, Colegas paraibanos, e exemplo de bravura é o que não falta à pequenina e heróica Paraíba – terra que legou à Nação vultos históricos como o aguerrido André Vidal de Negreiros, expoente na fundação da nacionalidade brasileira; como o estadista Presidente Epitácio Pessoa; como o destemido João Pessoa, cujo denodo ainda ecoa no NEGO da bandeira rubro-negra. Terra de Pedro Américo, de Augusto dos Anjos, de José Américo de Almeida, de José Lins do Rego, de Ariano Suassuna. Volvamos, pois, os olhos ao passado e palmilhemos as pegadas da imensa galeria paraibana de heróis e gigantes das artes e da política, certos de que no caminho de volta ninguém se perde.
Por fim, reitero os agradecimentos, ressaltando a principesca acolhida, a distinção outorgada e o privilégio de tornar-me cidadão paraibano, de irmanar-me com o povo da pequenina Paraíba, imortalizada nestes versos de Francisco Aurélio de Figueiredo Melo:
“Salve, ó berço do heroísmo,
Paraíba, terra amada,
Via-Láctea do civismo
Sob o Céu do Amor traçada!”
Revista Consultor Jurídico