Instância justiceira – PCC cria “tribunal” para resolver conflitos de membros

A organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que atua dentro dos presídios paulistas, criou um tribunal para resolver litígios entre seus membros e familiares. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça e feitas pela Polícia Civil de São Paulo mostram que, além de resolver disputas entre presos, agora são os comerciantes e moradores de bairros dominados pelo tráfico que recorrem aos tribunais do PCC. O grupo ‘julga’ pequenas dívidas, furtos de bairros e até briga entre marido e mulher.

De acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, assinada por Chico Siqueira, as pessoas que procuram o tribunal são as que não acreditam ou não tiveram problemas solucionados pela Polícia ou pela Justiça.

As escutas revelaram episódios como o da doméstica Simone, que vivia se queixando do marido às amigas e admitiu que teve um caso. O marido, do PCC, recorreu ao tribunal. Foi autorizado a dar uma surra em Simone, que passou dois dias no hospital, em Penápolis, a 491 quilômetros de São Paulo.

A primeira causa acompanhada por escutas revelou o julgamento do agricultor Everardo Roque de Lima. No Natal de 2006, ele saiu de um forró com uma mulher. Os dois beberam, ela passou mal e ele a levou para casa. Acusado de estupro, foi condenado e morto em Limeira, a 151 quilômetros de São Paulo. Antes, Lima teve o antebraço decepado e os olhos arrancados.

Segundo o Estadão, casos como o de Lima ainda são decididos pelos tribunais de presídios. Mas, para ganhar a simpatia dos vizinhos, traficantes da facção organizam tribunais paralelos para julgar e punir culpados. O credor ou a vítima é que estabelece a punição ao infrator, que também é ouvido. Um exemplo ocorreu em Presidente Prudente, a 530 quilômetros de São Paulo, quando ladrões atacaram um bar. “Nem precisei ir à Polícia. Um menino que vem aqui disse que poderia recuperar o prejuízo e aceitei”, conta o dono do bar. “Três dias depois, devolveram tudo. Até dez pacotes de cigarro, intactos.”

Os dois últimos julgamentos dos tribunais paralelos do Primeiro Comando da Capital relatados pela Polícia ocorreram em dezembro em Guaianases, zona leste de São Paulo, e Araçatuba, a 530 quilômetros da capital. No primeiro caso, o tribunal terminou com o assassinato de cinco jovens, de 18 e 19 anos, condenados pela morte de um adolescente de 15, sobrinho de um membro do PCC. O adolescente foi morto a pedradas e pauladas porque teria mexido com a namorada de um dos rapazes.

Em represália, os cinco jovens foram seqüestrados, julgados e condenados à morte com crueldade. Segundo a Polícia, eles tiveram pernas e braços quebrados antes de serem mortos a tiros. O julgamento ocorreu em 13 de dezembro em um terreno baldio do Jardim São Carlos, Guaianases, mas os corpos foram espalhados por cinco lugares diferentes para dificultar as investigações. A Polícia ainda não sabe se a sentença saiu de dentro ou de fora da prisão.

Mandantes

No mês passado, a Secretaria de Segurança Pública distribuiu comunicado às delegacias do estado avisando sobre a suposta decisão do PCC de liberar bandidos para praticar crimes sem autorização de chefes. Nele, o Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol) avisa que a facção determinou que assassinatos de policiais, “talaricos” (homens que assediam mulheres de membros da facção), estupradores e alcagüetes não precisam de autorização. O objetivo, segundo o serviço de inteligência da Polícia Civil, é evitar que líderes sejam condenados como mandantes do crime.

Líder do PCC numa cidade de 30 mil habitantes do Oeste do Estado, C.M.O., de 26 anos, atua como “disciplina da quebrada”, espécie de coordenador regional. Conta que, pelas regras do “partido”, “crime de vida se paga com vida”, mas estupro e “traição” ao comando (delação) também podem ser motivos para morte. “Todos eles precisam de autorização dos superiores, mas damos chance de o acusado se defender”, disse o preso à reportagem do Estadão.

E que casos não dependem de autorização? “Pequenas dívidas, furtos e outras distorções pequenas podem ser resolvidas pelo disciplina da quebrada. Mas tem outros que precisam ser fechados com disciplinas regionais e sintonias e, se for o caso, levado a sintonias de outras áreas e gerais e até ao comando fora e dentro do sistema (das penitenciárias).”

Como “disciplina da quebrada”, ele decidiu há pouco tempo o caso de uma mulher que teve a casa assaltada. “Primeiro ela chamou a polícia, que não achou nada. Então avisou a gente e fomos lá e recuperamos os pertences dela.” E o que aconteceu com o ladrão? “A gente avisou o moleque para não dar bobeira. Da próxima vez, leva corretivo. Podemos dar um pau nele. Esse tipo de vacilo não precisa de autorização de cima.”

Diretor regional do Departamento de Polícia Judiciária do Interior, Antonio Mestre Filho admite que traficantes podem assumir o papel de “justiceiros” para manter a polícia longe e atrair a simpatia de moradores. Mas diz que isso ocorre até mesmo com bandidos não ligados ao PCC. Experiente no combate ao crime, ele afirma que o PCC se enfraqueceu após os ataques e agora tenta se reorganizar. “Não podemos ver esses quadrilheiros como entidade. É isso que eles querem.”

Revista Consultor Jurídico

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