por Marina Ito
A medição de barulho deve ser feita no local onde está a pessoa que dele reclama e não apenas onde ocorre o show. Esse foi um dos argumentos do desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para suspender uma liminar que impedia o Riocentro de promover Chemical Music, evento de música eletrônica, na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio.
O desembargador entendeu que o laudo apresentado pelo Ministério Público só trouxe a medição do barulho realizada na via publica próxima ao centro de convenções. Segundo Corrêa de Andrade, a medição também deve ser feita na parte externa da casa de alguma pessoa que seja afetada pelo barulho. O desembargador levou em conta o croqui apresentado pela defesa do Riocentro, que mostra a distância de cerca de 750 metros entre o local do show e as residências mais próximas.
O desembargador também considerou que a suspensão de um show, às vésperas de sua realização, poderia causar tumulto, já que eram esperadas 17 mil pessoas para o evento.
“Ressalte-se que vários eventos têm sido realizados na cidade do Rio de Janeiro, alguns até em espaço público, como o realizado recentemente nas areias da Praia de Copacabana, com residências muito próximas do local, com permissão do Poder Público. Assim, seria, de certo modo, um contrasenso proibir a realização de eventos musicais no Riocentro, espaço privado e cercado, já tradicionalmente destinado à realização de eventos variados”, completou.
Em primeira instância, o juiz Luiz Ferraz de Oliveira Lima, da 8ª Vara de Fazenda Pública do Rio, havia concedido a liminar para o Ministério Público do Rio, fixando multa de R$ 500 mil para cada evento no local que seja realizado em desacordo com a decisão.
Segundo o advogado Jacques Malka, que representa a GL Events, administradora do Riocentro, a empresa não foi informada de nenhum procedimento inquisitório aberto pelo Ministério Público. “O laudo utilizado pelo MP não foi produzido segundo o procedimento constante da NBR 10.151:1987 e nem realizado à luz do contraditório”, acrescentou.
O advogado também explicou que os shows acontecem no gramado da área externa do Riocentro e, portanto, não é possível fazer tratamento acústico no local como pretende o MP.
Procurada pela reportagem, a promotora Ana Paula Petra, autora da ação, não foi encontrada para comentar a ação.
Leia a decisão
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO 2008.002.06265
AGRAVANTE: GL EVENTS CENTRO DE CONVENÇÕES LTDA.
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR: DES. ANDRÉ GUSTAVO CORRÊA DE ANDRADE
DECISÃO
Insurge-se a agravante contra decisão que, em ação civil pública, concedeu antecipação de tutela para proibir, em caráter geral, a realização de eventos musicais nas áreas a céu aberto do RIOCENTRO, sob pena de multa diária de R$500.000,00 (fls. 218).
Pelo que se extrai das razões de agravo e dos documentos que a instruem, a decisão agravada se afigura precipitada e excessiva. Com efeito, a decisão, proferida inaudita altera pars, foi baseada em laudo unilateral apresentado pelo Ministério Público, no qual, em uma única medição, realizada em evento realizado em dezembro de 2007, constatou a produção de ruído (79 decibéis) em nível superior ao permitido por lei (55 decibéis) para o período noturno.
Pela leitura do laudo, percebe-se que a medição de ruído foi feita na via pública, próxima ao RIOCENTRO. Com efeito, diz o laudo, a fls. 154, que: “O valor medido pelo GATE às 00:30 na entrada do RIOCENTRO parte externa Av. Salvador Allende foi 79 Db (A); indicando claramente valor acima do permitido para a região conforme lei municipal em vigência, ou seja, 55 dB (A) para o período noturno. Ressalta-se que este mesmo valor foi medido pelo Perito Criminal do Instituto Carlos Éboli Sr. Wellington Silva Filho.” Ao que parece, o laudo não realizou a medição de ruído observando inteiramente os critérios técnicos, em especial o que determina a realização de medição a partir do exterior da habitação de algum reclamante (fls. 107, item 5.2.2), vale dizer a partir da residência de alguma pessoa que pudesse ser afetada pelo ruído. Não há, pois, evidência concreta de que o som propagado do RIOCENTRO, durante a realização de evento musical, esteja a afetar os moradores mais próximos do local – que, segundo o croquis juntado pela agravante, dista cerca de 750 metros.
Verifica-se, portanto, que a decisão agravada, para suspender genericamente a realização de eventos musicais no RIOCENTRO, baseou-se em prova unilateral, produzida sem a observância do contraditório, que considerou o resultado de um único evento e, ao que tudo indica, sem observância precisa das normas técnicas, porque não considerou o nível do ruído junto às residências mais próximas. Ou seja, não se sabe se o ruído produzido nos eventos musicais no RIOCENTRO provoca transtornos efetivos ou concretos aos moradores da região.
Por outro lado, a suspensão geral da realização de eventos musicais no local trará prejuízos concretos à agravante, que assumiu obrigações contratuais perante terceiros.
Além disso, a suspensão determinada pelo Juízo a quo já trará, como conseqüência imediata, a não realização de evento musical marcado, com grande antecedência, para o dia de amanhã, no qual são esperadas cerca de 17.000 pessoas. Não é preciso maiores exercícios de futurologia para concluir que a suspensão do evento musical na sua véspera trará enormes transtornos, não apenas para a agravante, mas, principalmente, para o público (formado, em sua maioria, por jovens), que somente será avisado do fato no próprio local. O tumulto que tal suspensão poderá causar é previsível.
Há, pois, evidente periculum in mora inverso.
Ressalte-se que vários eventos têm sido realizados na cidade do Rio de Janeiro, alguns até em espaço público, como o realizado recentemente nas areias da Praia de Copacabana, com residências muito próximas do local, com permissão do Poder Público. Assim, seria, de certo modo, um contrasenso proibir a realização de eventos musicais no RIOCENTRO, espaço privado e cercado, já tradicionalmente destinado à realização de eventos variados.
1 – Por tais razões, com fundamento no art. 528, III, do CPC, atribuo efeito suspensivo ao recurso.
2 – Solicitem-se informações ao Juízo, a quem deve ser comunicada a presente decisão.
3 – Ao agravado para contra-razões.
Rio de Janeiro, 29 de fevereiro de 2008.
DES. ANDRÉ GUSTAVO CORRÊA DE ANDRADE
Revista Consultor Jurídico