por Elio Gaspari
Coluna publicada na edição deste domingo (17/2) dos jornais O Globo e Folha de S. Paulo
O Superior Tribunal de Justiça rebarbou uma lista de seis nomes enviados pela Ordem dos Advogados do Brasil para o preenchimento de uma vaga aberta na corte. Fez isso com astúcia, dando a impressão de que nenhum doutor do plantel conseguiu o quórum de 17 votos. Foi mais diplomático que o Tribunal de Justiça de São Paulo. No ano passado ele devolveu, por inepta, uma lista da OAB local. Um de seus candidatos a desembargador havia sido reprovado nove vezes em concursos para juiz de primeira instância. No Rio, há alguns anos, um dos nomes oferecidos pela Ordem anexara documentos falsos ao seu processo.
O que parece ser uma crise institucional entre um tribunal superior e a OAB é mais um episódio de desgaste de uma instituição coberta por glórias de outrora. Houve a Ordem dos Advogados de Vitor Nunes Leal, Miguel Seabra Fagundes e Raymundo Faoro. Sua história confundiu-se com a defesa das instituições, das prerrogativas dos advogados e os direitos dos indivíduos. E só. Seu mérito esteve na militância restrita.
Passou o tempo, e a Ordem acumulou atividades. Tornou-se administradora de imóveis, colônias de férias e mesmo parceira em programas de geração de emprego. Sustentada por contribuições compulsórias dos advogados, ela movimenta mais de R$ 100 milhões por ano e blinda suas contas ao exame externo.
Até aí, sorte do advogados, pois são eles quem elegem os dirigentes da OAB nos Estados e nos municípios. O que fazem com os mandatos que recebem é outra questão.
No ano passado, a OAB de São Paulo tornou-se carro-chefe do movimento “Cansei”. Em Foz do Iguaçu, o presidente da Ordem local classificou de “violação dos direitos humanos” as filas provocadas pela fiscalização da Receita Federal sobre os muambeiros do pedaço.
Valendo-se do santo nome da Ordem, há doutores que condenam a transposição do rio São Francisco. Podem ter toda razão, mas certamente há muitos outros inscritos na OAB que pensam diferente. O mesmo aconteceu quando a instituição associou seu nome a projetos de reforma política, flertando com os plebiscitos que seriam celebrizados pelo chavismo.
Nos anos 70, Raymundo Faoro reergueu a Ordem centralizando sua ação na defesa do restabelecimento do habeas-corpus. Soube, como ninguém, dispensar a toga de Catão de Geladeira, aquele que começa a discursar quando a luzinha se acende.
Em 2005, depois da absolvição do deputado cearense José Nobre Guimarães pela Assembléia Legislativa, o presidente da OAB federal classificou a decisão de “escárnio”. Tudo bem, pois um assessor de Nobre havia sido apanhado com US$ 100 mil na cueca. Contudo, o companheiro fora defendido pelo presidente da Ordem do Estado. Havia duas OABs, a escarnecida e a escarnecedora.
Uma Ordem de Advogados não é tribunal de última instância para grandes (e pequenos) itens da agenda nacional. Quando uma guilda assume esse papel, deformam-se os poderes republicanos e acaba-se mal. A marca da OAB transformou-se numa franquia desconexa. Diluiu sua autoridade, indo a um varejo no qual muitas vezes é confundida com os projetos dos profissionais no exercício de mandatos recebidos de seus pares. Há advogados comprometidos com a democracia e o bem público mas, como em qualquer profissão, há os que nada têm a ver com eles. Francisco Campos, autor da carta ditatorial de 1937, e Luis Antonio da Gama e Silva, pai do texto do Ato Institucional nº 5, eram grandes advogados, convencidos de que tinham o melhor a dar ao Brasil. “Gaminha” chegara a dirigir a Faculdade de Direito de São Paulo.
Se a Ordem não conseguiu fazer uma lista aceitável pelo Superior Tribunal de Justiça, que contrate bons advogados. Até lá, o melhor que se poderia fazer seria anunciar uma recomendação expressa aos titulares de cargos na OAB para que evitem misturar certezas, causas e objetivos individuais com o mandato que a guilda lhes deu. Se a Ordem não fala em nome de toda (ou quase toda) a comunidade de advogados, ouvi-la é perda de tempo.
Revista Consultor Jurídico