Formação humanística – Juízes não estão preparados para administrar tribunais

por Rubens Approbato Machado

[Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, desta segunda-feira, 10 de março].

Estamos assistindo, passivamente, a um crônico emperramento do Poder Judiciário, causando-lhe o seu maior mal, que é a morosidade. Esse fato, a cada dia que passa, se torna mais grave e se alastra, em todos os graus e esferas de jurisdição, em todo o país, sem que haja uma sinalização que aponte caminho menos traumático para a necessária aplicação da Justiça.

Apontam-se várias causas para essa situação, entre elas, a falta de juiz em algum rincão qualquer; o desvio de comportamento de alguns agentes envolvidos; a falta de condições financeiras, de recursos humanos e/ou de recursos tecnológicos. Há, porém, um fator fundamental para esse cenário caótico: o problema de gestão.

Em verdade, os chamados “operadores do direito” (juízes, promotores, advogados), que cuidam da alma humana, costumam ter aversão a números, a assuntos de natureza administrativa. E, em determinados momentos, assumem a direção de uma entidade como a Ordem dos Advogados do Brasil, com milhares de funcionários, de associados, de inúmeras subsecções.

De igual modo, se vêem à frente de um Poder Judiciário com um gigantesco Tribunal de Justiça como o de São Paulo, tendo a obrigação de administrar de forma a prestar um serviço de qualidade, transparente e digno. Não é fácil. Elege-se um desembargador, que passou toda a sua vida a julgar todos os tipos de litígios, envolvendo os interesses e as relações humanas, para comandar esse complexo por um período determinado. Por sua exclusiva formação humanística, não está preparado para lidar com a administração.

Em decorrência desses fatores, torna-se necessária a busca de uma gestão profissional, altamente qualificada, nos tribunais, para que possam conquistar maior eficácia. A gestão profissional, para ter êxito, precisa se amparar no conhecimento da mecânica processual, que deverá, aí sim, ser orientada, pelos magistrados. Hoje, 43 milhões de processos se encontram na fila aguardando julgamento da Justiça. Desse estoque de processos que dormitam nas prateleiras do Judiciário, 32 milhões estão emperrados ainda no primeiro grau de jurisdição. Ou seja, todos eles poderão se tornar passíveis de receber os recursos cabíveis, como determinam os códigos processuais. Temos, assim, cerca de 32 milhões de processos que aguardam decisão dos magistrados de primeiro grau das unidades federativas e que irão desembocar nos Tribunais de Justiça e de lá para os Tribunais Superiores, aumentando, a cada dia, o caos.

O gargalo mais apertado do sistema judiciário está no primeiro grau da Justiça Estadual, onde a via-crúcis processual tem início e pouca solução ágil. Com um estoque de processos carregados de muitos anos, da ordem estimada de 29,5 milhões de autos e com mais de 10 milhões de novos casos ajuizados em 2007, os tribunais estaduais só conseguiram julgar 8 milhões de causas, exibindo uma taxa de congestionamento que beira os 80%.

Dos 32 milhões de processos que estão empoeirando os tribunais estaduais, 12 milhões se encontram em São Paulo, o estado mais rico do país. Pior: a Justiça paulista inicia 2008 tendo que administrar um orçamento com um corte de cerca de 40% na proposta inicial encaminhada pelo Tribunal de Justiça ao governo estadual.

O caos poderia ser, pelo menos, minimizado, se a Constituição Federal fosse cumprida e respeitada. A arrecadação da taxa judiciária, permanecendo com quem é de direito, tornaria o Judiciário de São Paulo auto-suficiente em recursos. Em alguns lugares, como no Rio de Janeiro, o sistema é modelo. Um dos motivos é que o Poder Judiciário do Rio recebe dinheiro das custas judiciais. Mas, por que os outros estados não recebem? Por que não usam a mesma sistemática?

Urge rever esse cenário. A crise de gestão é tão antiga quanto o Judiciário, um Poder que tem de ser exercido e respeitado. Conheço o expediente forense desde quando se costuravam os processos com barbante e alfinetões enormes. Fiz muitas dessas costuras. O controle dos processos era feito ou pela memória do escrevente ou por fichinhas nem sempre bem elaboradas ou atualizadas. É incrível constatar que, após mais de meio século, ainda usamos esses métodos.

O acesso à Justiça é condição “sine qua non” para se fomentar a cidadania e fortalecer a democracia e só se torna efetivo quando há resposta em tempo razoável. É hora de mudar, enquanto for possível curar o doente. O Judiciário está à espera de um choque de gestão.

Revista Consultor Jurídico

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