por Priscyla Costa
Qualquer conteúdo intelectual, em tese, pertence a seu autor. Entretanto, segundo a legislação autoral, o conteúdo ou a obra podem ser cedidos, total ou parcialmente. E é nessa hora que autor e interessado entram em choque. A relação é conflitante porque a legislação é complexa e a disputa só acaba depois que as partes pedem socorro à Justiça.
Foi assim quando o iG demitiu o jornalista Paulo Henrique Amorim, no mês de março e bloqueou seu acesso aos arquivos do blog Conversa Afiada que estavam nos computadores do portal. Paulo Henrique Amorim entrou com uma ação de busca e apreensão e conseguiu liminar para ter acesso aos computadores e copiar seu conteúdo.
A situação criada no caso do Conversa Afiada é paradigmática. O que chama a atenção é que os problemas com direito autoral saíram dos impressos e foram transferidos para a internet. Para o advogado Omar Kaminski, especialista em Direito Informático, o problema não está na falta de legislação. “A lei de 1998 é plenamente aplicável aos blogs. O que existe é uma displicência quanto aos direitos autorais na Internet como um todo — daí aquela noção equivocada de ‘domínio público’ ou ‘terra sem lei’”, diz. Para Kaminski, o que muda substancialmente é que “à época da lei não existia a Internet comercial, então a ocorrência de violações autorais hoje em dia, na Internet, é bem mais comum, mas não mais banal”.
A explicação é que o autor é soberano em relação às suas obras, desde que não as tenha cedido por contrato a terceiros. A cessão é só dos direitos patrimoniais — os que têm valor econômico. Os direitos morais não podem ser cedidos. Isso garante que o autor reivindique a qualquer tempo a autoria da obra. Garante também o direito de ter seu nome ou pseudônimo indicado ou anunciado como sendo o do autor ou o de retirar de circulação a obra ou ainda o de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, entre outras situações.
O que vai ser cedido em parte, ou totalmente, precisa estar previsto em contrato, para evitar problemas judiciais. O advogado Nehemias Gueiros, especialista em propriedade intelectual, explica que se não houver contrato entre empresa e o autor, o conteúdo pertence integralmente ao autor. É por isso que grandes empresas de comunicação (editoras, emissoras de TV, sites) firmam termos para a cessão de direitos de utilização das obras que seus contratados produzem. O contrato tem de especificar as modalidades de utilização para as quais os direitos foram cedidos. As modalidades que não constarem no documento, não foram cedidas e continuam pertencendo ao autor.
“Se o contrato contiver cláusula que ceda os direitos, também é preciso ver a natureza da cessão. Se for universal, ela é integral, o autor cede a totalidade dos seus direitos patrimoniais, devendo a empresa apenas dar o crédito de autoria. Mas não precisa mais pagar ao autor além do primeiro pagamento pactuado. Se a cessão for parcial, ela pode ter prazo no tempo e estabelecer uma remuneração regular ao autor”, explica Gueiros.
Sônia Maria D´Elboux, também especialista em Direito Autoral, afirma que em termos de direitos autorais, o que vale é o que foi contratado entre as partes. Se o autor da obra (exemplo: uma foto jornalística) ceder total e definitivamentemente seus direitos autorais de natureza patrimonial, nem mesmo ele (autor da foto) poderá utilizar sua obra, salvo se autorizado pelo jornal.
No caso de contratos de trabalho de profissionais criativos (como os jornalistas, fotógrafos, escritores, desenhistas.), normalmente há uma cláusula no contrato de trabalho que prevê que os direitos patrimoniais sobre as obras criadas em decorrência da função desempenhada pelo empregado pertencem ao empregador e já está embutido no seu salário a remuneração pela cessão dos direitos autorais.
“Tudo vai depender do que foi contratado. Há vários blogs de jornalistas que são feitos no contexto do contrato de trabalho com o órgão de imprensa e o conteúdo é cedido total e definitivamente pelo jornalista ao empregador”, diz.
No caso do Conversa Afiada, o diretor presidente do IG, Caio Túlio Costa, explicou, em nota à Imprensa, que a decisão do autor do blog em recorrer à Justiça era desnecessária. Segundo ele, o portal facultou ao jornalista e à sua equipe copiar e levar embora todos seus pertences antes de deixar a empresa. O uso futuro do material produzido por Amorim enquanto esteve no IG é incerto e depende dos termos do contrato que regeu a convivência das partes enquanto ela durou.
Revista Consultor Jurídico