Dever paternal – A responsabilidade dos pais pelos filhos menores

por Sílvio de Salvo Venosa

Como regra geral, os pais são responsáveis pela reparação civil decorrente de atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia. O atual Código Civil menciona os filhos que estiverem sob a “autoridade” dos pais, o que não muda o sentido da legislação anterior, dando-lhe melhor compreensão.

Não se trata de aquilatar se os filhos estavam sob a guarda ou poder material e direto dos pais, mas sob sua autoridade, o que nem sempre implica proximidade física. Entretanto, se sob a guarda exclusiva de um dos cônjuges se encontra o menor por força de separação, divórcio ou regulamentação de guarda, responderá apenas o pai ou a mãe que tem o filho em sua companhia. A regra, porém, não é inexorável e admite o detido exame do caso concreto: o menor pode ter cometido o ato ilícito, por exemplo, quando na companhia do genitor, em dia regulamentado de visita.

A responsabilidade dos pais deriva, em princípio, da guarda do menor e não exatamente do poder familiar. Quando, porém, o menor é empregado de outrem, e pratica o ato ilícito em razão do emprego, a responsabilidade é do empregador. Da mesma forma, se o filho está internado em estabelecimento de ensino, este será o responsável.

Essa responsabilidade tem como base o exercício do poder familiar que impõe aos pais um feixe enorme de deveres. Não se trata, destarte, exata-mente de um poder. Trata-se de aspecto complementar do dever de educar os filhos e sobre eles manter vigilância. Essa responsabilidade sustenta-se em uma presunção relativa, ou numa modalidade de responsabilidade objetiva, no vigente Código, o que vem a dar quase no mesmo. Há dois fatores que se conjugam nessa modalidade de responsabilidade: a menoridade e o fato de os filhos estarem sob o poder ou autoridade e companhia dos pais.

O antigo Código de Menores de 1927, no artigo 68, § 4º, complementava esse dispositivo, responsabilizando os pais ou a pessoa a quem incumbia legalmente a vigilância, salvo se provassem que, de sua parte, não tivesse havido culpa ou negligência. O Código de Menores de 1979 (Lei 6.697/79) revogou esse diploma anterior, não contendo dispositivo idêntico ao do artigo 68. O Estatuto da Criança e do Adolescente, ora vigente, não trouxe disposição nesse aspecto. O antigo Código de Menores apenas explicitara o dispositivo do Código Civil. A farta jurisprudência sobre o tema, sob a égide do antigo Código Civil, espancou qualquer dúvida quanto à responsabilidade paterna presumida. Desse modo, será negligente, por exemplo, o pai que permitir que o filho menor dirija veículo sem a devida habilitação.

Assim também o pai que não exerça sobre ele a vigilância, permitindo que venha furtar ou roubar. Somente estará isento do dever de indenizar se provar rigorosamente que não agiu com culpa, ou melhor, a nosso ver, provando que não há nexo algum de causalidade. A jurisprudência é rigorosa na inculpação dos pais. Segundo ficou totalmente assente pelos tribunais, há inversão de prova: incumbia ao pai, ao ser demandado, provar que não agiu com culpa no sistema de 1916.

O sistema persiste. No entanto, a liberalização dos costumes e o fato social de os filhos cada vez mais se distanciarem dos olhos e da guarda dos pais nas últimas décadas devem permitir um abrandamento da jurisprudência. É muito comum que as crianças e adolescentes vivam hoje grande parte de seu tempo em escolas, clubes e associações, sob a vigilância de outras pessoas que não os pais. Desse modo, há de se verificar no caso concreto, no momento do dano, de quem era efetivamente o dever de vigilância.

Por outro lado, há que se levar em conta a posição da vítima, o prejuízo a ser reparado e que raramente os menores terão patrimônio próprio para responder. Desse modo, a regra geral será a responsabilização dos pais pelos atos danosos dos filhos menores de qualquer idade; sua isenção deve ser vista como exceção. Nesse diapasão, deixa de ser relevante o exame da vontade do incapaz: se um menor de 3 anos ou de 17 anos de idade danifica o patrimônio alheio, o pai será o responsável, salvo, em síntese, se provar caso fortuito ou força maior.

A responsabilidade dos pais não pode ser afastada porque o menor ainda não tem capacidade de discernimento. Mais rigorosa deve ser a vigilância dos pais, quando os filhos não possuem ainda o mínimo discernimento.

Portanto, nessa relação de responsabilidade envolvendo pais e filhos, prepondera a teoria do risco, que atende melhor aos interesses de Justiça e de proteção à dignidade da pessoa. Aponte-se que existe solidariedade entre o filho menor e o pai ou mãe pela reparação do ato ilícito. Desse modo, o patrimônio do menor também responde pela reparação.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a emancipação do menor não elide a responsabilidade dos pais (RTJ 62/108, RT 494/92). A emancipação é ato voluntário em benefício do menor; não tem o condão de obliterar a responsabilidade dos pais. Na doutrina, existem, porém, manifestações frontalmente contrárias a esse entendimento. A nosso ver, desaparece a responsabilidade dos pais quando a emancipação decorre de outras causas relacionadas no artigo 5º, parágrafo único, que não da iniciativa do pai ou tutor, como casamento, por exemplo.

Nesse campo da responsabilidade do menor, é importante que se acentue a guinada de posição tomada pelo vigente Código, pois em seu artigo 928 dispõe que o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de o fazer ou não dispuserem de meios suficientes. Desse modo, na lei atual não mais se aplica o princípio do artigo 156 do Código antigo. Os pais respondem primeiramente com seu patrimônio; se não tiverem patrimônio suficiente, poderá ser atingido o patrimônio do menor.

Entretanto, a atual lei menciona que nesse caso a indenização será eqüitativa e não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem (artigo 928, parágrafo único). No entanto, a redação deveria ser mais clara a esse respeito. O atual Código relega para o juiz o exame da conveniência da condenação e o montante desta. O princípio pode jogar por terra toda a construção jurisprudencial anterior e, a nosso ver, deve ser repensado, pois o risco de situações sem ressarcimento será grande.

Revista Consultor Jurídico

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