por Maria Fernanda Erdelyi e Lilian Matsuura
A Advocacia-Geral da União completa 15 anos com conquistas na atuação de seus advogados como a economia de R$ 30 bilhões aos cofres públicos somente em ações que corriam no Supremo Tribunal Federal, em 2007. Na contramão dos bons resultados alcançados, dentro de casa a situação é desanimadora. O índice de evasão dos advogados do Estado é alto. Há quase um mês em greve, os que permanecem no cargo prometem continuar de braços cruzados. Eles querem reajuste salarial, criação de prerrogativas para a função e benefícios indiretos, como aqueles pagos às outras carreiras jurídicas.
No comando de José Antônio Dias Toffoli, a jovem instituição luta para aproximar-se da sociedade e limpar a imagem de recorrente campeã no Judiciário. Defender o Estado, suas fundações e autarquias é trabalho pesado. Afinal, ele ainda é o maior cliente do Judiciário do país, com disputas inclusive entre os próprios órgãos da administração. Somente no Superior Tribunal de Justiça há, atualmente, 400 litígios entre órgãos do governo federal. Para domar este tipo de conflito, a AGU investe na estrutura das câmaras de conciliação e arbitragem. Elas já proporcionaram a solução de 25 conflitos internos, que envolviam R$ 1 bilhão.
Formada por mais de 13 mil servidores atuantes espalhados por todo país, a AGU tem procurado evitar litígios e reduzir recursos, orientando a sua equipe a não recorrer mais em temas pacificados nos tribunais superiores. Apenas em 2007, a AGU deixou de recorrer em, aproximadamente, 19 mil processos.
O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que chefiou a AGU por dois anos, diz que a instituição está consolidada. “A Advocacia-Geral da União cumpre um papel importante na defesa do Estado e deixou de ser um órgão que perde sistematicamente as causas”, afirma. Ele considera, no entanto, que ainda há muita repetição de demanda e o Estado continua a ser o maior litigante. “O grande repetidor de demandas é o INSS por conta de suas múltiplas relações”, explica.
Quanto ao alto índice de conflitos internos entre órgãos do governo, o ministro recomenda o uso de recursos mais adequados como Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Isso para que seja possível pacificar o entendimento. “Se ganhar, ótimo. Se não, deve obedecer a decisão”, ensina. Segundo Gilmar Mendes, a AGU precisa se engajar no processo de racionalização.
Cálculos da vitória
Toffoli comemora os 15 anos de atuação da entidade com mais de R$ 30 bilhões economizados aos cofres públicos com as sucessivas vitórias, somente no Supremo. Em apenas um caso, a União evitou o desembolso de R$ 20 bilhões.
O ministro também contabiliza os R$ 13 bilhões em impostos inscritos na dívida ativa recuperados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, ele afirmou que esse contencioso tende a reduzir “com a atuação preventiva de advogados da União, procuradores federais e da Fazenda Nacional na administração direta do governo, em autarquias e fundações”.
Ainda no Supremo, a AGU também evitou o pagamento de precatórios que estavam fora da ordem cronológica, exigência básica para que sejam cumpridos. Também impediu o pagamento de outros que já haviam sido autorizados pelo Judiciário, mesmo com valores e perícias ainda em juízo. Estes casos representaram uma economia de R$ 2 bilhões aos cofres públicos.
Algumas pendências que se arrastavam por décadas estão perto da solução. Em 2007, a AGU elaborou parecer jurídico que permitirá a aplicação segura e uniforme da Lei de Anistia para assegurar resposta os servidores demitidos no Plano Collor por motivações políticas. Estes servidores já estavam há 15 anos sem respaldo do Poder Público.
Segundo José Wanderley Kozima, presidente da Associação Nacional dos Advogados da União, a gestão de Toffoli tem sido boa para a classe. Ele diz que a atual administração busca modernizar e valorizar os membros da carreira e as atividades desenvolvidas. Kozima chama atenção para a criação de cargos comissionados, que proporcionaram maior profissionalização dos setores em que isso aconteceu. “A escolha de chefes pelas qualificações auxilia na eficiência”, ressalta.
Greve no caminho
Nem tudo vai bem na AGU. A greve deflagrada pelos advogados públicos no dia 17 de janeiro persiste e não há previsão para o seu fim. Cerca de seis mil advogados públicos estão parados por conta do descumprimento do acordo fechado entre governo e a classe, que prevê ajuste salarial de 30% até 2009. Os advogados públicos esperam, ainda, uma proposta de reajuste salarial do Ministério do Planejamento. Com o fim da CPMF, o reajuste foi cancelado.
Kozima quer a valorização do trabalho dos advogados públicos. Segundo ele, o salário inicial é de pouco mais de R$ 10 mil, enquanto de um membro do Ministério Público começa com a remuneração de R$ 20 mil. Essa diferença traz um grande problema para a profissão, na opinião do presidente da associação. Ele conta que o índice de evasão é muito alto. E que a advocacia pública se resume a um trampolim “para galgar uma profissão mais valorizada”. Até 2006, menos de 30% dos aprovados no concurso permaneciam mais de um ano na instituição.
Mas nenhum argumento é suficiente para o ex-chefe da AGU, Gilmar Mendes. O ministro é contra a greve. Para ele, a paralisação diminui a nobreza da instituição. “A atividade é tão essencial que não pode parar. Os advogados deveriam encontrar outra forma de protesto”, sugere.
Toffoli, atual comandante da AGU, também não gosta da idéia de greve. Ele é contra a paralisação das atividades para qualquer servidor público. Mas, já que a Constituição Federal prevê o direito de greve, ele está desenvolvendo um projeto de lei para regulamentá-la no serviço público. Por enquanto, só os trabalhadores da iniciativa privada têm regulamentado este direito. A proposta está sendo discutida em todas as esferas do governo. Por conta da omissão legislativa, o STF já se manifestou sobre o assunto. Os ministros decidiram que as mesmas regras válidas na iniciativa privada valem também no serviço público.
Capítulos da história
A AGU foi criada de forma circunstancial. Não houve um projeto que levasse em conta a dimensão da tarefa de defender e orientar o Estado, oferecer segurança jurídica aos atos de governo e garantir a execução de políticas públicas. Foi como “consertar um avião no meio da batalha aérea” nas palavras do ex-advogado-geral da União, Álvaro Augusto Ribeiro Costa.
Em 1988, o constituinte definiu que o Ministério Público Federal não poderia mais exercer o papel de agente duplo — defensor do Estado e da sociedade ao mesmo tempo. O atendimento era disperso em diversos órgãos do governo. Por isso, concluiu-se pela criação de um órgão centralizador de todas as questões em que a União deveria se defender ou atacar. A AGU saiu do papel cinco anos depois para representação judicial e extrajudicial da União e as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
Na ocasião, lembra Jovita Wolney Valente, secretária-geral de Consultoria da AGU, na instituição desde a sua criação, não havia qualquer previsão orçamentária para implantar a AGU. Além disso, o quadro de pessoal era reduzidíssimo, mais ou menos 16 cargos efetivos e outros poucos cargos em comissão.
Órgãos pulverizados passaram a compor o sistema complexo da Advocacia-Geral da União. Mas a situação não era lá a mais propícia para uma boa atuação em favor do bem público. O número de servidores e as instalações eram insuficientes. Até o primeiro concurso, que foi desastroso, com apenas 30 aprovados, a AGU era tocada por funcionários emprestados de outros órgãos do governo, muitas vezes sem qualificação para o cargo. O número mais expressivo de advogados da União (mais de 300) ingressou na AGU somente no início do ano 2000, mediante outro concurso público.
“A demanda era muito grande. A estrutura não era adequada. O Estado perdia com muita facilidade em juízo”, lembra o presidente da Associação Nacional dos Advogados da União. Ele conta que quando assumiu a Procuradoria Regional do Espírito Santo, em 2000, tinha que levar o próprio computador. O espaço era apertado para os poucos servidores desqualificados.
Foi neste ano que Gilmar Mendes, atual vice-presidente do STF, assumiu como advogado-geral da União. A sua passagem proporcionou mudanças profundas na organização da AGU. Ao perceber a confusão ocorrida com os diferentes entendimentos dos defensores de cada uma das autarquias, fundações e outros órgãos, Gilmar Mendes decidiu criar a Procuradoria-Geral Federal.
“A criação da Procuradoria-Geral Federal representa mais uma ação em busca da racionalidade, economia e otimização das atividades constitucionais da Advocacia-Geral da União, retirando da subordinação dos dirigentes de autarquias e fundações decisões importantíssimas de representação judicial da União, bem como de consultoria e assessoramento jurídicos, atividades que devem ser orientadas pelo Advogado-Geral da União”, elogia Jovita Valente.
A inovação trouxe avanços na atuação da AGU, que conserva até hoje a estrutura desenhada por Gilmar Mendes. Também houve uma visão aprofundada sobre os problemas de atuação das Procuradorias. A partir daí, os entendimentos foram uniformizados e passaram a servir para os casos semelhantes em todo país. A defesa de uma universidade da região Norte tem de atuar da mesma forma que a defesa de uma universidade do Sul do país, por exemplo. Houve uma unificação de pensamento.
Nesta época, 20 súmulas foram editadas para nortear a atuação dos advogados públicos. A contratação de 300 advogados da União, por concurso público em 2000, também ajudou a arrumar a casa.
A controvérsia em relação ao índice do reajuste do FGTS, por conta dos diversos planos econômicos, foi vencida pela instituição nesse período. A União corria o risco de ter de desembolsar mais de R$ 100 bilhões. A defesa foi atuante e o Supremo Tribunal Federal decidiu por um índice que reduziu a dívida do Estado em um terço. Essa foi uma das vitórias que entraram para a história da AGU.
Para Toffoli, ainda há muito que fazer pela AGU como conquistar a sua autonomia financeira e melhorar os rendimentos dos servidores. A idéia é aproximar cada vez mais os cidadãos da advocacia pública e consolidar a AGU como órgão sistêmico de Estado, atuante e independente junto aos três Poderes.
Revista Consultor Jurídico