Culpa da burocracia – Não sou preguiçoso, diz juiz que não sentencia há dois anos

Por Marcelo Auler, especial para o ConJur

“O terrível é agora aparecer como preguiçoso. Há mais de dois anos não tenho juiz substituto, faço audiências de segunda a quinta e tenho as sextas-feiras para dar sentença. São 19 horas de uma sexta e ainda estou aqui trabalhando”, desabafou o juiz Lafredo Lisboa, titular da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, ao comentar a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que lhe deu 90 dias para sentenciar o processo 2004.51.01.514915-0, conhecido como Propinoduto IV.

No processo, com seus 300 volumes, 13 auditores da Secretaria da Receita do Brasil foram acusados de causar prejuízo aos cofres públicos deixando de cobrar tributos das empresas que fiscalizaram. Toda a fase de instrução dos autos já terminou e as partes apresentaram as suas alegações finais. Ainda assim, o processo encontra-se paralisado desde dezembro de 2005 porque o juiz Lisboa recusava-se a dar a sentença. Agora, o TRF-3 mandou que a decisão fosse dada em, no máximo, 90 dias.

Lisboa considerou justa a decisão. “Era isso que eu queria, desde o afastamento do juiz substituto. Eu pedia isto quando foram feitas inspeções na Vara, que a corregedoria cancelasse a conclusão do processo ao outro juiz para que eu pudesse falar nos autos sem criar uma nulidade.”

Pela sua tese, como o processo estava concluso ao seu antigo juiz substituto, Flávio Roberto de Souza – promovido, em dezembro de 2005, a juiz titular da 2ª Vara Federal de Cachoeiro de Itapemirim (ES) – ele, mesmo ocupando a titularidade da Vara, não poderia dar uma decisão, sob pena de provocar uma nulidade processual. Como o processo do Propinoduto há outros 13, conclusos desde 2005, nos quais Lisboa não quis se manifestar. Ele diz que em todas as inspeções solicitou da corregedoria um ato cancelando aquela conclusão do processo, sem sucesso.

Para o juiz, havendo dois juizes em uma Vara e uma distribuição de trabalho “disciplinada”, não é possível sentenciar em um processo que foi concluso para o substituto. “Agora o tribunal decidiu que devo julgar e eu vou julgar. Se conseguir ler os 300 volumes em 20 dias, neste prazo darei a sentença”, prometeu.

Mas o que o chateou foi a versão de que está acumulando processos sem sentença. Pelo relato do corregedor, desembargador Sérgio Feltrin, durante sessão secreta de quinta-feira, Lisboa tem em sua vara 52 autos conclusos aguardando decisão, em 14 deles a conclusão foi feita em 2005.

Respaldado em estatísticas da própria corregedoria, Lisboa afirma ser o juiz quem mais sentenciou no Fórum Criminal Federal do Rio. Segundo suas explicações, entre os 52 processos que estão para serem sentenciados, além dos 14 nos quais a conclusão era para o antigo substituto, “os demais estavam com outros juízes que passaram pela 3ª Vara para me ajudar e não tiveram tempo para dar sentença”.

Em seguida, fez o desabafo: “O terrível é agora aparecer como preguiçoso. Me sinto ofendido. Há mais de dois anos não tenho juiz substituto, faço audiências de segunda à quinta e tenho as sextas-feiras para dar sentença. São 19 horas de uma sexta e ainda estou aqui trabalhando”.

Revista Consultor Jurídico

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