Crimes e provas – Seguradora deve ter estrutura para desvendar fraudes

por Ernesto Tzirulnik

Muitos usam o lema dos Três Mosqueteiros, “um por todos, todos por um”, para simbolizar o seguro. Como se sabe, o seguro é a técnica pela qual uma grande coletividade contribui para a formação de um fundo comum, administrado por uma ou mais seguradoras com o objetivo de que aqueles que venham a ter seus interesses prejudicados por um sinistro, como o incêndio, possam ser indenizados. Isso é fundamental para a continuidade das atividades econômicas, sejam individuais ou empresariais.

Cada saque indevido feito contra esse fundo, além de constituir um enriquecimento ilícito, acaba onerando a coletividade de segurados, pois estes acabarão tendo de arcar com valores de prêmios de seguro mais altos, com o objetivo de capacitar o fundo comum para a garantia de todos.

Tanto a lei penal (que tipifica o crime de fraude contra o seguro e o de estelionato) quanto a lei civil condenam esse comportamento. O Código Civil, por exemplo, considera nulo o seguro para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou do outro (artigo 762), assim como obriga as partes a guardarem quando da contratação do seguro e durante toda a execução do contrato a mais estrita boa fé (artigo 765).

O difícil é fazer a prova da fraude. Quase nunca é possível a prova direta, isto é, mostrar o segurado com o isqueiro ateando fogo. Para a prova da fraude é necessário utilizar-se de indícios os mais diversos, de circunstâncias que, somadas, acabam formando um todo capaz de levar à segura conclusão de que houve fraude.

Essa tarefa, especialmente considerando que os fraudadores estão sempre muito dispostos a se proteger, é árdua, mas nem por isso impossível. Para que se obtenha sucesso, além de um grande esforço dos responsáveis pela regulação do sinistro e da parte dos advogados, é necessário que as seguradoras façam esforços continuados e pesados investimentos.

Se não forem disponibilizados meios e feitos esforços superiores aos normais, é praticamente impossível livrar uma seguradora da fraude cometida pelo seu segurado. Às vezes esses esforços e emprego de meios de combate devem persistir por muitos anos. De nada adianta começar quente a luta e esfriar o combate com o passar do tempo, já que as batalhas judiciais podem se prolongar por mais de uma década.

Para demonstrar a fraude usa-se o apoio de criminalistas, peritos sérios, recursos audiovisuais e até sofisticadas maquetes. Em geral acaba consegue-se provar a fraude quando se participa desde o início de todo o processo, ou seja, desde o surgimento das primeiras dúvidas quanto à legitimidade de um sinistro ou de uma reclamação.

Os incêndios fraudulentos são exemplos clássicos. Na década de 1980, uma confecção com sede em Açaí (PR) teve seu estabelecimento consumido por gigantesco incêndio. Os sócios-controladores reclamaram prejuízos decorrentes, fundamentalmente, da destruição dos estoques e da conseqüente paralisação das atividades (lucros cessantes).

Através de prova pericial desenvolvida no processo, ficou comprovado que o local havia sido preparado para o incêndio. Foi descoberto, por exemplo, que onde o segurado afirmava estar seu estoque de camisas havia apenas caixas repletas de retalhos e mangas de camisa. O volume de bens apontado como sinistrado, segundo apurações feitas também na fase pericial, não caberia no galpão incendiado. Como habitual nessas ocasiões, a situação econômico-financeira da empresa antes do incêndio era desastrosa, estando à beira da quebra – fato omitido dos seguradores.

Um caso recente de fraude refere-se a um falido, que contratou seguro de incêndio após o imóvel industrial ter sido lacrado pelo juiz, por motivo de quebra. O caso ainda não foi a juízo. Para efetuar o lacre, o juiz nomeou perito de sua confiança que relacionou as mercadorias existentes, juntando amplo registro fotográfico.

Aconteceu um incêndio criminoso (ação humana deliberada) e a massa falida reclamou a indenização. Para demonstrar que a relação de mercadorias feita pelo perito judicial não corresponde à realidade do conteúdo do imóvel lacrado, a reguladora de sinistros contratada pelo escritório de advocacia que defende a seguradora desenvolveu uma maquete, a partir das fotografias que ilustram o laudo do perito oficial.

Centenas de itens e milhares de unidades foram milimetricamente reconstituídos, revelando a maquete que mais de 70% dos valores reclamados pelo segurado correspondem a mercadorias que não teriam como estar no local.

Revista Consultor Jurídico

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