Celeridade no STJ – Lei de recursos repetitivos deve eliminar 120 mil processos

A aplicação da Lei 11.672, que trata dos recursos repetitivos, em vigor desde agosto deste ano, já surte efeitos positivos. A constatação é do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Cesar Asfor Rocha. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, ele afirmou que a escolha inicial de dez temas repetitivos poderá significar a eliminação de 120 mil recursos que tramitam na Corte.

O presidente do STJ acredita que o novo mecanismo pode, a longo prazo, resultar no que denomina de “número ideal de processos por ministro”, que seria algo em torno de 100 a serem julgados por ano.

Embora a nova lei não obrigue as demais instâncias a adotarem o entendimento do STJ, o ministro diz que há uma grande tendência de os tribunais de segunda instância seguirem o STJ. “Pode até ter algum renitente, mas em princípio esses processos não chegarão à Corte e, se chegarem, serão decididos sumariamente pela presidência do STJ. Não precisam sequer ser distribuídos para o relator se o tema já tiver um entendimento firmado”.

O ministro diz que a nova lei além de reduzir o número de ações também vai fortalecer a jurisprudência do STJ. “O que se busca hoje em todos os países do mundo é segurança jurídica. Com a globalização da economia, não existem mais empresas absolutamente nacionais. A segurança jurídica é necessária. E os dois elementos formadores da segurança jurídica são a celeridade e a previsibilidade. Os investidores precisam saber como o Judiciário de um país decide sobre determinado tema”.

Leia a entrevista concedida ao Valor Econômico

Qual a importância da lei de recursos repetitivos para o STJ?

Asfor Rocha — No primeiro ano de vida o STJ recebeu cerca de 3,5 mil processos. Com o tempo passou a merecer a confiança da classe jurídica pelas atitudes que tomou ao longo do tempo – prestigiou o Código de Defesa do Consumidor, teve uma maior ponderação em relação à quantificação do dano moral, analisou questões relativas a contratos bancários e imobiliários. E com isso passou a receber processos em progressão geométrica. Ao mesmo tempo a Constituição trouxe novos direitos para a cidadania que antes não eram reconhecidos, e os que existiam não eram percebidos pelos cidadãos: o contribuinte deixou de ter medo de brigar com o fisco, o devedor com o credor, o trabalhador com o empregador. Isso fez com que o STJ fosse cada vez mais procurado, ao ponto de hoje termos 360 mil processos a serem julgados e uma imperiosa necessidade de criarmos mecanismos para dar vazão sobretudo aos recursos repetitivos. São processos de massa, só mudam o nome do autor, tudo mais é igual. Para esse processo de massa deveríamos encontrar fórmula para também dar decisões de massa. Seria impossível dar aos processos de massa decisões manufaturadas. Aí veio a lei dos recursos repetitivos: com o julgamento de dez temas, vamos eliminar cerca de 120 mil processos no STJ. E aí iremos atrás de outras dez teses.

Isso institui uma divisão de trabalho para que a disputa de massa fique na primeira instância?

Asfor Rocha — Eu sou partidário de que certos temas devem ficar na primeira instância. Mas não é essa a questão que coloco agora. Os processos chegam aqui porque é o STJ que efetivamente vai estabelecer a tese sobre o tema, que, uma vez estabelecida, deverá ser obedecida pelos tribunais.

Mas a lei dos recursos repetitivos não prevê a obrigatoriedade de as instâncias inferiores seguirem o mesmo entendimento dado pelo STJ aos casos. Ainda assim o sr. acha que ela vai evitar que os processos cheguem ao tribunal?

Asfor Rocha — Evita por várias razões. Há uma grande tendência de os tribunais de segunda instância seguirem o STJ. Pode até ter algum renitente, mas em princípio esses processos não chegarão à corte e, se chegarem, serão decididos sumariamente pela presidência do STJ. Não precisam sequer ser distribuídos para o relator se o tema já tiver um entendimento firmado.

O senhor acredita que essa lei, somada à repercussão geral — mecanismo semelhante do Supremo Tribunal Federal, dará fim à prática dos advogados de recorrerem aos dois tribunais ao mesmo tempo, com argumentos constitucionais e infraconstitucionais?

Asfor Rocha — No caso de processos cujas teses iniciarem-se hoje não. Isso continuará a acontecer porque esses processos poderão ser os formadores das teses. Mas no caso dos processos cujas teses estão estabelecidas isto é um ato meramente inócuo, porque já se sabe previamente a decisão que o tribunal dará.

Advogados criticam justamente o fato de que, mesmo que as teses sejam iguais, os processos podem ter peculiaridades…

Asfor Rocha — Sim, mas quando se questiona um determinado dispositivo de uma lei, ele pode ser visto de várias formas. É por isso que em um mesmo colegiado, um mesmo dispositivo legal pode ter diferentes interpretações. É como se fosse um caleidoscópio: de cada ângulo que você vê, há algo diferente. O dispositivo é o mesmo, mas o argumento usado é diferente. Mas a lei dos recursos repetitivos permite o amplo debate. O tribunal, quando vai decidir um recurso repetitivo, auscuta todas as instituições necessárias. Em tese, esgota todos os argumentos que se pode ter, contra e a favor. Por isso o recurso repetitivo tem um rito processual específico. Nem todos os segmentos têm interesse em uma solução como essa. Pode o poder público querer postegar a solução de determinado tema, enquanto podem não querer o mesmo alguns segmentos da advocacia.

A lei vai apenas reduzir o número de ações ou também fortalecer a palavra do STJ?

Asfor Rocha — O que se busca hoje em todos os países do mundo é segurança jurídica. Com a globalização da economia, não existem mais empresas absolutamente nacionais. A segurança jurídica é necessária. E os dois elementos formadores da segurança jurídica são a celeridade e a previsibilidade. Os investidores precisam saber como o Judiciário de um país decide sobre determinado tema.

O senhor está falando em segurança jurídica, mas o STJ é extremamente criticado por ser um tribunal que não promove segurança jurídica. Como o sr. avalia essas críticas?

Asfor Rocha — O STJ passou por esses instantes, mas agora sua orientação está mais pacificada. Alguns anos atrás víamos advogados que levavam à tribuna precedentes recentes com orientações diferentes, às vezes até do mesmo relator. Por quê isso ocorreu? É o volume de serviço que é muito grande. Hoje não temos como nos preparar com todo o tempo que precisaríamos dispor para refletir, discutir mais alguns temas. Com isso, às vezes se toma alguma decisão que posteriormente, com novos argumentos, se perceba que se cometeu algum equívoco. E isso não é difícil de acontecer. Vamos admitir que algum tema extremamente relevante seja trazido para o tribunal e as partes não apresentem memorial. Esse é um processo a mais dentre os muitos que julgamos. Quando é espalhada essa decisão, aí se percebe que é um tema de relevância, de repercussão política, social e econômica muito grande. Aí nós somos alimentados por um mundo de informações que não tínhamos antes. Nós desconhecíamos a extensão daquela nossa decisão e, com isso, podemos modificá-la. O STJ está consciente que isso ocorreu e que somos um tribunal da pacificação da jurisprudência. Não podemos abrir mão disso. Essas vacilações geram insegurança jurídica, descredenciam muito o tribunal.

O que pode ser feito para que isso não ocorra?

Asfor Rocha — O novo instrumento dos recursos repetitivos vai servir para as questões de massa e para as ações recorrentes e pacificar o entendimento nesses casos. Há também uma consciência cada vez maior de que nós cometemos esses equívocos. Além disso, o STJ está entrando em uma fase de estabilização de sua composição, e isso vai contribuir muito. Houve um período em que o STJ mudou muita gente ao mesmo tempo.

Hoje os gabinetes dos ministros funcionam como unidades de produção em série de decisões. A médio prazo, eles mudarão também o método de trabalho?

Asfor Rocha — Os ministros vão decidir menos em termos de quantidade e mais em termos de qualidade e importância de julgamento, pois só vão ficar as questões onde há necessidade de estabelecimento de teses, de elaboração de um voto mais jurídico, com reflexões mais demoradas. É isso que nos empolga. Eu já tive orgulho de dizer que o STJ julgava 100 mil processos. Hoje tenho vergonha de dizer que julga 360 mil. Até porque não julga. Decide 360 mil processos por ano. Mas julgar não julga. É evidente, é humanamente impossível. Nós temos que priorizar o seguinte: ou julgamos refletidamente, por exemplo, três mil processos por ano, ou julgamos com o risco de sofrer críticas pela qualidade de julgamento desses 360 mil processos. É um questionamento terrível, temos que optar entre a segurança jurídica e a celeridade, dois princípios antagônicos que não se misturam. Água e azeite. Quanto mais se prestigia a segurança jurídica, mais se sacrifica a celeridade, e quanto mais se dá celeridade, mais se sacrifica a segurança jurídica.

Mas esse foi um critério que os próprios ministros adotavam para avaliar a produtividade: o volume de processos nos gabinetes…

Asfor Rocha — Por várias razões. Primeiro por uma cobrança externa, porque evidentemente nós seremos muito mais criticados se dissermos que durante o ano julgamos 35 processos, mas que cada processo refere-se a um tema relevante, do que se dissermos que julgamos seis mil processos. Qual é o ministro que tem a coragem de chegar ao fim do ano com 35 processos julgados, ainda que fossem temas relevantes? Ele iria ser massacrado, a começar pelos próprios colegas do tribunal.

O STJ voltará a ter o perfil para o qual foi criado?

Asfor Rocha — Sem dúvida. É o meu grande objetivo como presidente do STJ. Claro que não terei condições de fazer isso em dois anos, mas seguramente algumas medidas serão tomadas para que o STJ seja o tribunal meramente uniformizador da jurisprudência.

Qual é o número razoável de julgamentos por ministro?

Asfor Rocha — Seria extremamente razoável se cada ministro julgasse 100 processos relevantes por ano.

Há estimativa de quanto tempo deve levar para que haja uma redução de processos no STJ?

Asfor Rocha — A distribuição de processos do mês de setembro já foi 10% menor do que a do mês de agosto. Os processos chegaram aqui, mas como já estão escolhidos temas repetitivos, sobrestei o andamento dos recursos relacionados ao tema.

O senhor ficou pouco mais de um ano à frente da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como foi essa experiência?

Asfor Rocha — Fiquei absolutamente convencido de que foi auspiciosa a criação do CNJ. Eu mesmo tinha dúvidas quanto à necessidade de sua criação, se seria bom para a magistratura, se poderia haver interferência na atividade jurisdicional – o que seria drástico. Em um primeiro momento, o CNJ teve dois viéses de atuação: um disciplinar e outro de gestão. A primeira composição do CNJ atuou somente na questão disciplinar: acabou com o nepotismo – e acabou mesmo -, com certos exageros de penduricalhos nos vencimentos dos magistrados, alguns abusivos, que ganhavam mais do que os ministros do Supremo, deu mais racionalidade para os gastos do Judiciário com obras suntuosas e desperdícios. Já a segunda composição começou a preocupar-se mais com gestão, com a uniformização na informatização dos tribunais. Fizemos um diagnóstico sobre a Justiça estadual, pois não sabíamos com exatidão quantos processos havia em andamento no Brasil.

O que o senhor acha da Justiça brasileira após passar pelo CNJ?

Asfor Rocha — O Poder Judiciário brasileiro é um dos melhores do mundo.

Revista Consultor Jurídico

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