Cassada liminar que determinava à Câmara disponibilizar dados sobre gastos com verba indenizatória por deputados

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) cassou, nesta quarta-feira (30), liminar concedida há 42 dias pelo ministro Marco Aurélio à Empresa Folha da Manhã, editora do jornal Folha de S. Paulo, que determinou à Câmara dos Deputados a disponibilização de todos os documentos comprobatórios referentes aos gastos efetuados pelos deputados, entre setembro e dezembro de 2008, com a verba indenizatória instituída pelo Ato 62/2001 da Mesa da Câmara.

A decisão foi tomada no julgamento de recurso de agravo regimental interposto pelo presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), contra a liminar, deferida no Mandado de Segurança (MS) 28177. No recurso, Temer argumentou que a liminar implicaria a busca, cópia e disponibilização de 69 mil documentos e que a Câmara não estaria equipada para prestar esse serviço. Além disso, segundo ele, a disponibilização dos dados poderia invadir a privacidade dos parlamentares, mormente ao entrar em detalhes sobre seus gastos com ligações telefônicas.

Liminar antecipa decisão final

A corrente vencedora, a que se filiaram seis ministros, entendeu que a liminar tinha caráter satisfativo e, portanto, caso confirmada, tornaria inócuo o julgamento de mérito do MS, por se revestir de irreversibilidade.

Entretanto, houve unanimidade entre os ministros sobre a obrigatoriedade de aplicação do princípio da publicidade aos gastos públicos. É o caso da verba indenizatória, criada para ressarcir os deputados de gastos com aluguel, manutenção de escritórios, viagens e outras despesas exclusivamente destinadas ao exercício do mandato parlamentar.

O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, manifestou sua expectativa de que a Suprema Corte possa julgar o mérito do mandado ainda este ano.

Divergência prevaleceu

O ministro Ricardo Lewandowski abriu a divergência em relação à liminar e ao voto em defesa dela, proferido no julgamento de hoje pelo relator do MS, ministro Marco Aurélio. Ao dar provimento ao agravo, Lewandowski argumentou justamente que a liminar tinha caráter satisfativo irreversível, tornando inócuo o seu julgamento de mérito.

Além disso, segundo ele, a liminar poderia por em risco a privacidade dos deputados. Por fim, segundo ele, a Folha da Manhã não demonstrou urgência em seu pleito. Por isso, não haveria periculum in mora (risco da demora) a justificar uma decisão liminar.

Ao também votar pela cassação da liminar, o ministro Cezar Peluso reportou-se ao artigo 273, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC) para afirmar que não se concede tutela antecipada quando ela tem caráter irreversível. “Se mantida a liminar, que é irreversível, a eventual denegação do Mandado de Segurança é inútil para aniquilar os efeitos da liminar”, sustentou.

Ao votar também pelo provimento do agravo, a ministra Ellen Gracie endossou os argumentos de Lewandowski e Peluso e ainda observou que pôde constatar que o site de transparência da Câmara disponibiliza dados sobre o uso das verbas indenizatórias, mesmo sobre o período anterior a abril de 2009, ao contrário do que sustentou a Folha da Manhã no seu mandado.

O ministro Marco Aurélio, no entanto, objetou que tais dados só dão valores globais, não fornecendo o detalhamento dos gastos dos parlamentares. A advogada da Folha, presente ao julgamento, disse que somente a partir de abril de 2009 consta neles o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) dos fornecedores de serviços aos parlamentares, o que não ocorria antes. Assim, não era possível identificar onde foram feitos os gastos.

Também pelo deferimento do agravo à Câmara votaram o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, e os ministros Joaquim Barbosa e Eros Grau. Com o relator votaram os ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Carlos Ayres Britto.

Relator

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio considerou litigância de má-fe o argumento da Câmara de evocar a privacidade dos deputados em relação a uma verba de caráter público e ao classificar de “mero capricho da impetrante” (a Folha) o pedido de acesso aos dados, sob alegação de que eles estariam acessíveis para consulta no portal de transparência da Câmara, quando na verdade isso somente passou a ocorrer a partir de abril de 2009.

Ele insistiu em que “a coisa pública está sujeita ao princípio da publicidade”. E citou, neste contexto, o jurista, jornalista e senador Rui Barbosa (1848-1923), segundo o qual “a imprensa é a vista da Nação e por ela a Nação acompanha o que lhe passa”, defendendo a importância da imprensa também na fiscalização do Poder Público.

Também citou o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), segundo o qual “a publicidade é por si só uma forma de controle dos gastos públicos”.

Ele concluiu seu voto afirmando que se trata de “um caso emblemático para sabermos o estágio do atual estado democrático do país”.

Decano

O decano da Corte, ministro Celso de Mello, que, ao relatar um mandado de segurança semelhante, também impetrado pela Folha de S. Paulo (MS 24725), igualmente concedeu liminar, foi enfático ao ressaltar que “elementos de informação de caráter público não representam interferência inaceitável na privacidade dos parlamentares, vez que se referem a recursos públicos estritamente vinculadas ao mandato parlamentar”.

Ele criticou duramente o que chamou de “desconsideração do presidente da Câmara em relação a um pleito legitimamente formulado, baseado em preceito fundamental” – o direito à informação.

Também criticou o descumprimento da liminar. “É tão grave a transgressão a uma ordem judicial, a consequência resultante da deliberada intenção (de descumpri-la), que hoje a nova lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009) tipifica como crime de desobediência a não efetivação da ordem judicial dada em sede mandamental”, sustentou o ministro Celso de Mello.

Ele estranhou, também, que até hoje persista a resistência, por parte de certos órgãos públicos, ao cumprimento da determinação constitucional sobre a divulgação de dados de interesse público. Reportou-se, neste contexto, ao artigo 5º, inciso XXXIII, segundo o qual ‘todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Ao término do julgamento, o ministro Marco Aurélio fez votos de que, mesmo cassada a liminar, a Câmara dos Deputados acabe fornecendo à Folha os dados por ela pretendidos.

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