Boa-fé – Produz prova quem tem melhores condições para tal

por Fábio Korenblum

Ônus, do latim ônus, significa, em caráter principal, carga ou peso. Saliente-se que no linguajar rotineiro, tal termo por muitas vezes pode vir a ser confundido com a definição de obrigação. Porém, em termos jurídicos, ônus significa dizer escolher entre satisfazer ou não ter a tutela do próprio interesse.

Saber o significado da expressão ‘ônus da prova’ permite, objetivamente, dar conhecimento de quem assumirá a responsabilidade pela ausência de prova de determinado fato. Assim, servem as regras de distribuição do ônus da prova como ferramenta ao julgador para quando, no momento de prolatar a sua decisão, não houver prova do fato que está sendo examinado.

O Código de Processo Civil pátrio, nesse sentido, estipula em seu artigo 333, que ao autor compete demonstrar o fato constitutivo de seu direito, enquanto que ao réu compete demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo desse direito suscitado. Tal regra se baseia na lógica de que o autor deverá provar os fatos que constituem o seu direito, por si afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou sua extinção. A linha de raciocínio então esposada implica na teoria de que a parte que pretende se ver beneficiada por determinados efeitos de uma norma deve provar os pressupostos fáticos para a sua aplicação.

Não obstante tal regramento, ainda se denota necessário consignar que pode o juiz, de ofício, determinar a realização de provas, determinação esta que deve obedecer as regras sobre o ônus de sua produção. Tal assertiva demonstra que, para a hipótese de ter a parte deixado de produzir determinada prova imprescindível para o deslinde da questão e cuja produção lhe incumbia, pode o juiz determinar ainda que esta seja realizada no curso dos autos, apenas e tão somente para a hipótese em que o mesmo se encontre em estado de dúvida, fulcrado no artigo 130 do Código de Processo Civil.

Todavia, é cediço que, hodiernamente, a visão estática da distribuição do onus probandi tal qual prevista pelo legislador do Diploma Processual de 1973 vem sendo alvo de críticas e discussões dos doutrinadores mais modernos, devendo-se destacar, inclusive, que tal teoria vem sido enfraquecida, face à impossibilidade de adequação do regime da prova ao caso sob análise.

Minimizando-se a rigidez da carga de distribuição de provas, torna-se possível permitir ao julgador que, ao se ver em situação com desequilíbrio de condições probatórias entre as partes, motivadamente (artigo 93, IX CF/88), decida por alterar a regra de distribuição do ônus da prova ao caso concreto, e, por via de conseqüência, determinar que tal ônus recaia sobre a parte que dispuser das melhores condições de provar os fatos submetidos a julgamento.

A título de exemplificação de flexibilização, é necessário destacar que o Diploma Consumerista, implementado no ano de 1990, é muito mais recente e moderno que nosso Código de Processo Civil, datado de 1973, o qual vem lentamente sofrendo atualizações com o escopo de adequá-lo ao dinamismo do mundo atual e a verdadeira realidade.

Já observando a natureza das relações consumeristas, percebeu o legislador que não poderia ser imputado encargo ao consumidor de monta que o mesmo não pudesse suportar. Exemplo clássico de tal afirmativa que pode ser destacado é o ônus de provar defeito de produtos e/ou de serviços, eventuais danos advindos de tais defeitos e, ainda, a demonstração do nexo de causalidade entre todos estes.

Pretendemos, assim, elucidar que a norma contida no artigo 6º, inciso VIII da Lei 8.078/90, muito embora específica para os casos que versam sobre relações consumeristas, não implica dizer ser a única possibilidade de alteração da carga de distribuição de ônus processuais. Esta decorrerá, na realidade, do direito material, quando constatadas determinadas ocasiões em que o tratamento a ser dado deverá ser diferenciado, em razão da ausência de uniformidade das relações de direito material.

Tal assertiva ganha mais força ainda se observado que, em interpretação a contrario sensu do artigo 333, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que afirma ser nula a convenção que distribui maneira diversa o ônus da prova quando recair sobre direito indisponível ou ainda tornar excessivamente difícil a uma das partes o exercício do direito, é possível às partes alterarem a regra geral sobre a distribuição do ônus probatório, não havendo que se falar, portanto, em impossibilidade de igual sorte ao magistrado, objetivando efetivamente aplicar a justiça no caso concreto.

Com o passar do tempo, passou a se verificar que não é sempre que tal rígido encargo probatório pode ser suportado pelas partes, muitas vezes se deparando com situações de fazer prova tipicamente denominada de diabólica, a qual vem a ser aquela impossível, ou então muito difícil de ser produzida. São casos, portanto, em que o juiz acabará por prolatar sentença desfavorável àquele que não se desincumbiu do encargo de provar.

De uma perfunctória leitura da exposição acima realizada, percebe-se que a teoria dinâmica de distribuição do ônus da prova nasceu com o objetivo de evitar a existência de julgamentos injustos, atribuindo tal ônus àquele que possui melhores condições de produzir a prova de acordo com o caso concreto.

Observa-se que a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova objetiva, portanto, flexibilizar a doutrina tradicional, justamente em homenagem ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional, já que a mesma se funda na garantia de direito a quem realmente seja seu possuidor.

Ressalte-se, ainda, que a terminologia “dinâmica” utilizada para nomear tal teoria se funda na concepção de que ela visa se adequar aos casos particulares, com o fito de opô-la a uma idéia estática igual para todas as hipóteses, sem observância às circunstâncias especiais.

Note-se, pois, que enquanto o ponto nodal que circunda a Teoria Dinâmica da Distribuição do Ônus Probatório está justamente em conceder ao magistrado a flexibilização das regras de ônus probatório em consonância com o seu convencimento e de acordo com o caso em concreto, na sistemática da Lei Consumerista praticamente não existe a discricionariedade do juiz, que simplesmente vem aplicar critérios anteriormente definidos na lei.

Certo é, obviamente, que toda atuação do juiz deve ser abarcada pelos princípios processuais da legalidade, motivação, igualdade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, cooperação, adequação e efetividade. O juiz não apenas poderá, como deverá, modificar a regra geral para ajustá-la ao caso concreto reduzindo, à luz dos princípios acima elencados, as desigualdades das partes e, por via de conseqüência, evitar a perda da parte que possivelmente tem o melhor direito, mas que não está em melhores condições de prová-lo.

Verificamos então que não apenas a doutrina, mas também a própria jurisprudência já vem se inclinando para a aceitação da Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova, uma vez que esta pretende tão-somente a estrita observância do Princípio da Boa-Fé no campo probatório, em que caberá a produção da prova a quem tiver condições melhores para tal, não se permitindo mais que este deixe de produzir tal prova, em razão de espertezas procedimentais com tentativas de aplicação estática da regra do artigo 333 do Código Processual.

Revista Consultor Jurídico

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