Tese que vincula crime à pobreza é ingênua e reducionista

José Renato Nalini*

Dentre as inúmeras explicações oferecidas para o aumento da criminalidade, uma delas vincula o crime à pobreza. A falta de condições ideais de subsistência gera a necessidade de se praticar delito penal para sobreviver.

Associar o crime às condições econômicas do agente é tendência de muitas análises. Elas parecem legitimar a atuação do infrator, como se este fora sempre um pobre, despossuído dos bens da vida acessíveis aos demais, oprimido e injustiçado. Não se desconsidera a influência do ambiente, condições sócio-econômicas e outros fatores externos, como predisponentes à criminalidade. Nada obstante, insistir na tese tem um componente de ingenuidade. Essa tese é reducionista.

Examine-se o exemplo norte-americano. Uma sociedade hegemônica, notável por se considerar a detentora da ética mundial, por auto-atribuir-se a função de asseguradora da paz universal, caracteriza-se por uma satisfatória distribuição da renda. O cidadão americano do norte é aquele com a maior renda per capita, aquele a quem o Estado do welfare assegurou o maior e mais qualificado rol dos ambicionados bens da vida, praticamente inalcançáveis para dois terços da população do planeta.

Mesmo assim, os Estados Unidos não eliminaram a delinqüência. Esta ocorre em todas as escalas e não são os miseráveis os mais cruéis dentre os vulneradores dos bens da vida. Ao contrário, os crimes mais dramáticos, impregnados de tragédia e perplexidade, são os praticados por jovens de boa família, providos de todos os bens materiais disponíveis e submetidos a um excelente – ou presumivelmente excelente – processo educacional.

Essa vertente da criminalidade também ocorre em países periféricos como o Brasil. Os delitos que mais comoveram as grandes cidades nestes últimos meses são praticados por jovens da alta classe média.

Está-se a falar em crime na vertente tradicional de lesão a bem da vida de um indivíduo, causada por outro. Não se está a contemplar a macro-criminalidade, nem o crime de colarinho branco, ou a lavagem de dinheiro, ou a alta corrupção. Esta não poderia ser praticada pelo excluído, pelo mero fato de que o miserável não tem acesso às situações propiciadoras desse tipo de infrações.

O crime que se poderia denominar comum, no Brasil, aquele crime típico – homicídio, lesões corporais, roubo, furto entre outros – não é fato de pobre, nem de excluído. Infelizmente, o crime é fato da juventude.

A massa enorme daqueles que atuam criminosamente e lesam bens da vida de determinadas vítimas é constituída por rapazes dos 15 aos 24 anos. Esse o foco a ser contemplado em qualquer ação preventiva. Tivéssemos a fórmula de concentrar esforços nessa faixa da juventude e os índices da delinqüência reduzir-se-iam significativamente.

A sociedade materialista, hedonista e egoísta não tem conseguido despertar o jovem para uma vida digna, nem mostrar o valor da honestidade. Nem estimular para prazeres mais duradouros do que a “viagem” da droga. É desalentador constatar que em quase todos os crimes praticados contra o patrimônio há um ingrediente obrigatório: o entorpecente.

Rouba-se sob o efeito da droga ou para conseguir dinheiro para comprar droga ou para satisfazer débitos ou obedecer ao traficante. A batalha contra a droga precisa ser permanente e envolver toda a sociedade. É tarefa sobre-humana e não pode ser relegada à atuação exclusiva da autoridade pública. Banir a droga da infância – cada vez mais cedo se inicia no consumo – e da mocidade brasileira é uma cruzada para a qual todos são conclamados.

Os jovens aparentemente saudáveis que surpreendem seus pais e amigos na prática de uma infração penal com requintes de crueldade, já estavam há tempos na senda do consumo da droga. A família preferia ignorar a conduta estranha, as ausências, a necessidade de mais e mais dinheiro. Prevenir é sempre melhor do que remediar. Atentemos para essa realidade que é a de nossos lares, ou dos grupos familiares os mais insuspeitos.

Estar desperto para isso é mais saudável do que perfilhar ao lado de quem proclama, até de boa fé, mas inconscientemente, que o crime é coisa de pobre e não merece a atenção dos bem nascidos.

José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo

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