Sobre a sentença e a coisa julgada

Consideração geral sobre os conceitos, evolução histórica e o posicionamento da atual doutrina e jurisprudência

Gisele Leite

O surgimento do interesse público é ativado pelo processo entendido como instrumento estatal de exercício da tutela jurisdicional e, ainda pela iniciativa das partes que no ato da propositura da competente ação, corrompe e retira a inércia da jurisdição que se notabiliza por ser um poder provocado e provisório, pois que oficialmente comprometido com o fim de compor os litígios e, ipso facto, por fim à lide, e, assim finalmente promover e assegurar a paz social.

O processo desenvolve-se através de uma relação complexa de atos seriados, muito embora seja uma relação jurídica unitária, formada pela integração de seus sujeitos e visando sempre a extinção, pois sua natureza é completamente incompatível com a perpetuação temporal.

É óbvio que a eternidade do interesse público é incompatível até com a sua função primordial que deve ser garantir a paz e a segurança social.

O processo é, sobretudo uma ferramenta de operação do direito. Somente a manifestação judicial é dotada de certeza, pois apenas esta se reveste da coisa julgada.

Como bem asseverou Büllow, o processo não é um fim em si mesmo e está a serviço do direito material.

Ainda que se no plano científico haja um mar de verdades provisórias, há de se trabalhar com um mínimo ético e seguro capaz de resolver litígios de forma permanente enquanto tal decisão se dê com respeito ao direito processual, ao modus, e à substância de direito, ou seja, ao direito positivo aplicável ao caso concreto.

A jurisdição já se assentou e possui caráter substitutivo, com a finalidade de solucionar os conflitos interindividuais verificados (lides, litígios) para dar cumprimento ao que já está reconhecido como direito, em situação devidamente acertada por sentença, pelo processo de conhecimento.

O processo de conhecimento visa, essencialmente, à composição da lide, que se verifica no processo, pela sentença de mérito, correspondente a matéria de fundo sobre a qual deve recair o julgamento final e definitivo com a conseqüente extinção do processo.

Porém, o processo pode via a ser extinto sem que haja o julgamento do mérito, quando ocorrerá questão procedimental referente quer ao processo ou a ação, mas ainda assim, por ato terminativo denominado sentença, expressando uma manifestação final do poder jurisdicional na relação processual.

Tração uma breve visão histórica, nos deparamos que no Direito romano, o objetivo do processo era a atuação da vontade da lei em relação a denominado bem da vida (res in iudicium deducta).

A partir do período formulário, o Direito romano separa, o processo em dois estágios, in iure (cuja figura principal era o pretor) e in iudicio (em que o principal era o judex), em que se evidencia a finalidade do processo como especialização da lei: a lei formulada para casos concretos que era aplicada aos fatos, ou seja, na sententia consagrava a condenatio ou a absolutio, em ato.

Todo o processo romano gravitava em torno da sentença, ato de vontade estatal, no qual se sacramentava a vontade concreta da lei.

Daí o porquê o conceito romano de coisa julgada, que era a res in iudicium deducta, o bem jurídico disputado pelos litigantes, depois que a res (coisa) foi iudicata, isto é, reconhecida ou negada ao autor.

O termo romano destinado à sentença significava o ato final do processo, no qual se verificava a absolvição ou a condenação (ou seja, a rejeição ou o acolhimento da demanda).

Era a sentença bem distinta dos demais pronunciamentos indispensáveis ao curso processual que eram denominados interlocutiones, pois desconheciam os romanos o termo sententia interlocutória, surgido bem mais tarde no direito intermediário.

Os romanos acreditavam que somente a sentença poderia pôr fim a contestabilidade de um bem jurídico, por isso, poder-se-ia opor em subseqüente processo em que fosse contestado o mesmo bem, a res judicata.

Somente a sententia era apelável, nunca as interlocuções.

O direito intermediário (também conhecido como romano-canônico), perto do séc. XII, o conceito de sentença sofreu sensíveis modificações, e, passou a abranger, também a resolução de questões, quando eram denominadas sententiae interlocutoriae em oposição a sententia definitiva. Porém com disciplina análoga a desta quanto ao nome, forma, recorribilidade e efeitos.

Assim, na evolução a clareza inicial da sentença passou a obscurecer, pois além de definir questão de fundo (de mérito) passou também a esclarecer questões processuais incidentes.

A coisa julgada passa não mais traduzir segurança e certeza no usufruir os bens jurídicos, mas a representar uma presunção de verdade do que foi declarado pelo juiz e aplicava-se indistintamente tanto à decisão última quanto às decisões incidentes no processo.

Assim, a equiparação das decisões interlocutórias à sentença, quanto à sistemática aplicada, tornando imutável a decisão irrecorrida, afronta o ideal romano que era, originalmente de ser a garantia e a segurança das decisões.

A necessidade da finalização do processo veio a esboçar na sistemática processual moderna uma valorização especial à coisa julgada, como expressão da própria soberania do estado, em última análise, uma to administrativo e de atendimento ao interesse publicado dotado de presumida validade e eficácia pela necessidade de estabilidade do poder estatal na expressão judiciária.

Quanto à natureza jurídica, a sentença como atividade tipicamente jurisdicional, exercida pelos órgãos da jurisdição, rendo por escopo ou a solução da lide ou o reconhecimento da questão processual que a impeça.

Até a prolação da sentença, questiona-se em doutrina, se é um ato de inteligência ou de vontade magistrado.

A sentença, na opinião de Arruda Alvim é ato intelectual de índole ou estrutura predominantemente lógica, que pressupõe apuração dos fatos e identificação das normas aplicáveis, através da qual o Estado-juiz se manifesta, concretizando a vontade do legislador, traduzida ou expressa pela lei. Sendo de qualquer forma, indispensável à hermenêutica jurídica.

Enxerga-se no ato interpretativo da norma também além da mera lógica, um ato de inteligência do magistrado.

José Monteiro citando Rocco defende ser a sentença, um simples ato de inteligência do juiz, sem lhe caber qualquer emanação de vontade, reduzindo-se o trabalho judicial em lógica de aplicação da norma legal e geral ao caso concreto.

A sentença, grosso modo, declara sempre à vontade da lei e não poderá ser modificada nem pela vontade do juiz.

Outras correntes, dentre as quais Büllow, Degenkolb, Chiovenda, Carnelutti, Amaral dos Santos, Goldschmidt, sustenta que, a sentença além do juízo lógico de inteligência para a aplicação da vontade da lei, comporta também um ato de vontade do juiz como órgão do estado que se concretiza num comando.

Sem dúvida, a natureza da sentença escapa a lógica reta e matemática, conforme nos ensina Ricardo de Oliveira Silva, posto que o investigador do direito não tem como reproduzir em laboratório os fatos da vida para que, através de uma atenta observação in loco, venha depois se pronunciar se daqueles fatos decorre ou não o direito afirmado.

A sentença traduz uma lógica do razoável segundo as palavras de Recassen Siches e aplicada dentro dos limites da razoabilidade exigidos pelo direito e de forma a produzir
o direito (a emanação do geral para o particular).

Deve o juiz pautar-se em critérios de valor que inspiraram o legislador e pelos objetivos propostos ao veicular a norma, mas sempre tendo em vista o contexto social.

Neste sentido, Ihering chega a afirma de que o “fim é criador de todo o Direito, não havendo norma que não deva sua origem a um fim, a um propósito, isto é, a um motivo prático”, e, neste sentido o art. 5 da Lei de Introdução ao Código Civil determina que a aplicação da lei atenda aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Dentro da sistemática brasileira, a sentença é ato do juiz, na forma do art. 162 do CPC. Dentre os pronunciamentos judiciais. a sentença é uma espécie.

Moacyr Amaral dos Santos define sentença como ato processual culminante do processo, proferindo-a o juiz dá cumprimento à obrigação jurisdicional do Estado. Por ela se esgota a função do juiz.

Para Ovídio Baptista da Silva, a idéia de que a sentença seja o ato processual de encerramento da relação processual é aceita no direito moderno.

Para Humberto Theodoro Junior, a sentença é ato processual que finda a função perante a qual fluía o processo.

Para Vicente Greco Filho assevera que a definição legal conceitua sentença como decisão terminativa, ou seja, aquela que põe fim ao processo, com ou sem julgamento de mérito. Na concepção doutrinária, sentença, em princípio, é a decisão de mérito, ou seja, a que define ou resolve a lide, principal ou incidental. É o ato-fim do processo.

Sentença é ato decisório que põe fim ao processo, entendido como a totalidade das relações processuais. O provimento que extinga algumas das relações processuais, mas deixe intacto o processo – igual a procedimento – respeitante a outra que subsistem, será decisão interlocutória (JTA, 47:76).Tem sido este o posicionamento jurisprudencial dominante.

Discrepando do estatuído no diploma legal brasileira, vem Alexandre Freitas Câmara, definir sentença como ato pelo qual o juiz põe fim ao seu ofício de julgar, resolvendo ou não o mérito da causa. O motivo de encara como falha a definição do legislador pátrio é que sentença não pões termo ao processo, o qual só se extingue quando da formação da coisa julgada formal.

Chama-se coisa julgada formal quando decorre a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, ou seja, não cabe contra esta mais qualquer recurso. É o momento do trânsito em julgado. Tenha ela resolvido ou não o mérito da causa.

Com efeito, Barbosa Moreira, na classificação legal das decisões, se o ato decisório é proferido no curso do processo e se limita a decidir uma das chamadas questões incidentes, ele se denominará decisão interlocutória.

E se ele puser termo ao processo, ou melhor, ainda, ao procedimento em primeiro grau – porque é claro que o processo pode eventualmente prosseguir – então cairá dentro da classe das sentenças, pouco importando o conteúdo desse ato.

No entanto, segundo Teresa Arruda Alvim Pinto, o conceito de sentença deve ser extraído da própria lei processual, mas não do art. 163, parágrafo primeiro do CPC, mas, exclusivamente dos arts. 267 e 268 do Código de Processo Civil, o ato judicial que se distingue dos demais pelos conteúdos dos citados dispositivos.

Refere-se a sentença formal e substancialmente de mérito, aquela pela o juiz acolhe ou não o pedido do autor, retornando-se aos primórdios da conceituação romana de sententia.

Nem mesmo do diploma legal adjetivo se mantém fiel a definição provida em seu art. 162, tomemos como exemplo, o procedimento de prestação de contas pelo credor.

Aliás, alguns doutrinadores só identificam o fenômeno jurídico propriamente dito no momento de sua aplicação ao caso concreto, dizem eles que antes disto é tudo muito hipotético e abstrato.

Antes de tudo, é conveniente discernir recurso à sentença, de rescindibilidade à sentença, pois além de serem distintos os conceitos, o segundo de forma alguma reavalia a questão julgada.

Quando se cogitar em rescisória, fala-se prioritariamente em anulabilidade de sentença por esta se aplicar ao caso diverso do que há na realidade. É praticamente uma novação processual.

Outra questão igualmente relevante é se o interesse público se perpetua, a órbita individual se compadece e mingua e, fatalmente, teremos um perfil inadequado de Estado, em versão autoritária e até se houver excessos arbitrária. Tal ponto de vista é inclusive endossado por Carnelutti.

A forma de extinção do processo sem julgamento de mérito é proferida por sentença terminativa (art.267CPC), é meramente declaratória da inexistência do direito do autor a uma sentença de mérito, pois há a carência dos requisitos capazes de estruturar quer a relação jurídica de direito material quer ainda das condições da ação, ou seja, seus pressupostos processuais.

É aquela história quem tem que pedir tem que saber como!!! E ainda fundamentar o pedido em direito sólido. Não se aplica o direito ao caso concreto, pois não há a adequada estruturação quer material ou formal da lide.

Não se compõe o litígio e nem galga a tão pretendida e sonhada paz social.

A segunda forma de extinção processual é devida a autocomposição das partes, quer pela renúncia, o reconhecimento jurídico do pedido ou transação (art. 269, II, II e V do CPC), porém cabe ressaltar que tal modalidade extintiva não é aplicável indistintamente a todos os direitos. E sim, aos chamados direitos patrimoniais. E o direito à filiação não se insere entre estes.

Não é exercida pela jurisdição tal forma de extinção, pois neste caso, atua-se como homologador revestindo a sentença do caráter de título executivo judicial, capaz de habilitar a parte prejudicada a compelir à outra parte inadimplente ao cumprimento do acordado.

Por esta razão, a homologação é para alguns, entendida como equiparável à sentença de mérito propriamente dita, pois o caráter homologatório via se é possível à transação e, se as partes e o objeto da transação preenchem os requisitos de existência e de validade para a transação lograr efeitos de extinguir a lide.

Igualmente extingue-se o processo quando há o reconhecimento da prescrição e da decadência e tal decisão também pelo legislador é equiparada à sentença de mérito, tal forma extintiva deve-se à força fulminante da decadência (onde em verdade se extingue o direito material alegado pela parte) e pela prescrição (onde se modifica a pretensão, o direito de ação e que atinge indiretamente o direito material).

Resta então pacificados os conflitos de interesses entre as partes.

Por fim, a forma normal ou natural de extinção processual que corresponde à sentença de mérito quando há real produção do direito saído da égide abstrata e genérica da norma jurídica para incidir direta e particularmente ao caso concreto.

Pela definição do direito positivo ex vi art. 162, primeiro parágrafo do CPC: “é o ato do juiz mediante o qual põe ele fim ao processo, julgando ou não o mérito da demanda”.

Uma vez proferida, publicada a sentença, está esgotada a atividade jurisdicional no processo, só podendo altera-la com o fito de corrigi-la, de ofício, por erro de cálculo ou alguma inexatidão material através de embargos declaratórios.

A sentença é ato formal e lógico e se submete a certos pressupostos elencados nos art. 458 CPC produz a dialética processual onde a síntese deve estar demonstrada na fundamentação expondo os motivos de fato e de direito que a jurisdição colheu e por fim dirigiu a sua conclusão.

É certo que as sentenças terminativas e as definitivas previstas no art. 269 II a V do CPC dispensam tal estrutura, sendo, todavia indispensável que expressamente declare se acolhe ou rejeita o pedido do autor.

A sentença se prende ao pedido do autor, não se admite que a jurisdição atue mais do que lhe foi requisitado, sob pena de se julgar ultra petita, ou ainda, que deixe de decidir sobre o que foi requerido (o que enseja a indeclinabilidade da jurisdição). Nada impede que diante de algumas circunstâncias fáticas comprometedoras da imparcialidade e da isenção, o juiz se declare impedido par atuar e, decline de sua competência, ou mesmo que as partes no momentum da contestatória arguam a exceção de incompetência.

Não pode haver dissociação entre a pretensão do autor e a sentença.

A moderna doutrina conceitua a coisa julgada como qualidade da imutabilidade dos seus efeitos. Trata-se então da permanência dos efeitos materiais e formais da sentença, tal coisa julgada criada pelo trânsito em julgado da sentença.

A coisa julgada termina e arremata o corte epistemológico iniciado com a prolação da sentença, pois que visa estabelecer uma última verdade através do julgamento.

Já coisa julgada material é o fruto próprio da sentença de mérito uma vez transitada em julgado tem força de lei, nas questões decididas tornando imutáveis seus efeitos materiais e projetáveis para fora do processo.

A desconstituição da imutabilidade dos efeitos materiais da sentença é promovida pela ação rescisória, também há de se lembrar que o caso concreto julgado nesta ocasião não correspondia à real lide que deveria ser julgada.

E quanto aos direitos de família ditos puros? Ao direito à filiação numa investigatória de paternidade?

Bem, já não se admite a transação negocial sobre estes, logo se houver fortes indícios neste sentido o MP deve continuar o processo, sem embargos doutrinários e nem técnicos.

Aliás, a tutela de tal direito não se identifica com nenhum tipo de renúncia negocial e nem mesmo desistência pactuada.

A desistência processual não deslegitimiza à parte e nem esta perde esta o direito à filiação, muito embora, o reflexo do reconhecimento forçado da paternidade quer no âmbito sucessório ou no de alimentos possam ser retirados por prescrição e decadência.

Outra questão interessante é a rescisória em virtude de sentença prolata em investigatória, há de se observar s o ato novo não resta fulminado pela preclusão prevista pela omissão ex vi os termos do art. 474 do CPC, pois poderia e deveria ter sido oportunamente articulado em contestatória.

A prioridade de valores na aplicação da tutela jurisdicional nos faz pender por uma proteção insofismavelmente favorável à figura do investigante, e, notadamente na base de prova que servirá o exame do DNA que elide em muito as falsas polêmicas sobre o tema.

Alguns bons doutrinadores como Humberto Theodoro Junior, já não defendem a imutabilidade da coisa julgada tão radicalmente como dantes, assim, admitindo até sua inexistência se for anticonstitucional. Mas sem dúvida nenhuma violação à norma fundamental não daria esteio a uma decisão neste sentido.

Mas a necessidade do corte epistemológico proferido pela coisa julgada material é em nome do princípio de segurança e de paz social que é um referencial mínimo da justiça.

Gisele Leite é professora universitária no Rio de Janeiro, mestre e doutora de direito civil

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