Os Três Poderes do Estado e suas mazelas

Ricardo Rodrigues Gama

OS TRÊS PODERES DO ESTADO E SUAS MAZELAS

RICARDO RODRIGUES GAMA
Professor da Faculdade de Direito de Bauru(ITE). Professor da Faculdade de Direito de Marília. Professor da Faculdade de Direito de Pinhal. Professor da Faculdade de Direito de Jundiaí. Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Advogado.

1. Introdução. 2. Poder Legislativo. 3. Poder Executivo. 4. Poder Judiciário. 5. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

Na sua ideal da formação, acentuando a proteção contra a invasão externa e a manutenção da ordem interna como escopo coletivo, o Estado tem como principal objetivo individual suprir as necessidades que o homem não poderia alcançar sem a ajuda dos demais súditos que vivem na mesma sociedade.
A estrutura atual dos Estados tem apresentado deficiências de larga dimensão e de variado jaez. O propósito de suprir as necessidades humanas de seus sócios afasta-se a cada dia de seu originário objetivo. Na direção do Estado, estão pessoas nascidas para serem servidas e, se a História seguisse a sua trajetória normal e fosse bem orientada pela Filosofia, eles jamais poderiam assumir qualquer um dos poderes do Estado. Persiste a idéia do público servir o privado e, sob qualquer ângulo, isso distancia-se de qualquer lógica. Em tom de piora, a sociedade tornou-se conivente com essa prática, chegando até a apoiá-la. O jogo de palavras, bem utilizadas pelos sofistas, confunde e torna-os manipuladores do Poder estatal. Ao invés de avançar, os governados comportam-se de forma desesperadora, facilitando a ação dos homens ditos públicos que, na verdade, são privados em demasia. Sem receber qualquer tipo de educação e formação, os governados vão agindo com descaso e de forma inacreditável, possibilitando o exercício do Poder por pessoas que não representam a sua real vontade.
Analisando a relação do governado com os três poderes, considerando as suas bases, ver-se-á a desastrosa conseqüência da forma de ser e de agir dos súditos. Como exigir respeito popular sem, ao menos, agir conforme o bom senso ou a visão da maioria dos governados? O quadro que se apresenta é instável e perigoso.
No Brasil, assume-se uma inversão de valores que vem prejudicando várias gerações e, com mais intensidade, as gerações futuras sofrerão todas as conseqüências. Quando o homem torna-se público, ele deveria servir os sócios do Estado, dando mais atenção às vontades populares. O nosso processo foi invertido, ou seja, o homem público persegue a conversão da coisa pública em particular. Esse é um dos maiores absurdos já vistos na História. Na Filosofia, num pensamento sadio, ele nunca foi concebido. Poderia questionar-se da influência da referida ocorrência nos lares brasileiros e, antes de mais nada, constatar-se-ia a maior degradação da educação familiar. A simples lenda do êxito da fanfarrice e da liderança do ladrão torna-se uma realidade. A valentia passa a ser encarada como atos pusilânimes, os quais não seriam dignos de um abominável medroso. Com a covardia veiculada como ato de coragem, os valores sofrem uma nova escalação e tendem a dar uma falsa idéia da real dimensão dos conceitos básicos para a vida honesta. Estamos vendo que a improbidade do administrador serve de bandeira para novas conquistas, isso é absurdo e vergonhoso. Isso tudo cria a confusão de valores, passando a não haver distinção entre o bem e o mal; situação complicada, pois eles são os contrários mais conhecidos.
Nesse panorama, algumas questões surgem, como se a recuperação dos valores autênticos seria possível?

2. PODER LEGISLATIVO

A verdadeira função do legislador é expressar a vontade popular através de leis e, igualmente, por meio dessa, garantir a permanência da estrutura administrativa e política do Estado.
Na verdade, como nosso sistema é bicameral, os Deputados representam o povo e os Senadores fazem o Estado-membro e o Distrito Federal representados no Poder Legislativo. Pelas propostas dos exercentes dos cargos que, quase-sempre é nenhuma, é possível detectar a amplitude do problema que cincunda as relações entre o indivíduo e o Poder. A influência do poder econômico sobre os ocupantes do poder legiferante torna-se visível a cada dia e, por esse motivo, os seus votos tranformam-se em cifras. É claro que não estamos generalizando, pois, além de desprestigiar os poucos homens sérios deste País, estaríamos cometendo injustiças irreparáveis.
Diante do descrédito popular e dos fatos que motivaram tal incredulidade, parece-nos que o momento é oportuno para rever o posicionamento de alguns parlamentares. A mudança deve ter origem no Poder Legislativo, porque a elaboração legislativa é o impulso de toda transformação democrática. Não é transformação da ditadura para a democracia, senão as alterações realizadas dentro desta.
A conduta pessoal do parlamentar sempre é notícia negativa. A imunidade parlamentar, direito que defendemos com moderação, evita que muitos Deputados e Senadores sejam afastados do exercício de seus cargos para serem processados por crimes comuns, como roubo de automóveis, falsificação de documentos, estelionato… No Senado, que conta com oitenta e um Senadores, quinze deles tem pedidos de supensão da imunidade para serem processados. Com um percentual de mais de dezoito por cento, esta Casa deve contribuir para as alterações da Constituição Federal acerca desse tema. Tratando-se de moralização, acreditamos que a intensificação na fiscalização das atividades dos parlamentares e a aplicação de punições exemplares são bem vindas para a consolidação de um Poder Legislativo legítimo e respeitável.
A idéia de regalia que o povo faz da vida do parlamentar assusta qualquer pessoa que não esteja envolvida na discussão. Basta comparar o subsídio do parlamentar com o salário mínimo para evidenciar a desconformidade popular com a sua atual conjuntura.

3. PODER EXECUTIVO

Concentrado numa só pessoa, o Poder Executivo tem se mostrado um dos mais problemáticos influenciadores da sociedade brasileira.
A demonstração de força e o desconhecimento da lei faz parte do perfil da maioria dos governantes brasileiros. Nesse ritmo, a afronta à lei não se justifica pelo despreparo. Mas, contando com a ignorância popular, o governante extrapola as suas atribuições e acaba conquistando adeptos com a falsa idéia do justo. Com a ação da administração, sem medo de errar, a vida dos governados pode tomar novas direção. A melhoria das condições de vida é um dos desafios do governante, o qual tem a obrigação de carriar bem os recursos do povo que administra. Ao ser beneficiado, o governado exerce um direito e, em nenhum momento, tem obrigações para com a pessoa do governante. O bom emprego do dinheiro público é fundamental em qualquer Executivo que se preze. Infelizmente, a adequação dos recursos públicos não é matéria que mereça aplauso para os administradores brasileiros. Na verdade, as verbas públicas confundem-se com o patrimônio de muitos governantes, tornando-se arbitrária a sua destinação. A corrupção é assunto atual em quase todas as administrações e, em muitas delas, é facilmente constatável. Na História brasileira, poucos são os registros de condenações de maus políticos. No caso do impeachment de Fernando Collor de Mello, o mérito foi todo de seu irmão Pedro, o qual sofreu processos por calúnia, difamação e injúria, saindo-se vitorioso com a condenação do Presidente da República. Com todas as considerações entre os poderes, pela execução das obras e serviços a frente do Poder Executivo, o governante é o que mais conquista destaque.
As convicções políticas é assunto que merece respeito entre todos os brasileiros; agora, a mentalidade sobre o possível perdão acerca de questões de mau emprego do dinheiro público e as opiniões sobre a condução da administração são graves e merecem muita reflexão.

4. PODER JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário brasileiro não vive somente uma crise, senão várias condições adversas que prejudicam a prestação jurisdicional, tornando frágil a realização da Justiça. Somado ao problema da péssima estrutura, o Judiciário conta com questões pessoais depreciativas dos magistrados.
Na sua estruturação, o Judiciário conta com poucos juízes e leis processuais que contribuem para a morosidade na realização da Justiça. É cediço que o número de processos para cada magistrado supera a expectativa de uma decisão razoável. Com as tantas reformas das leis processuais, a contratação de mais juízes é inevitável. Na seleção para o cargo de juiz, a meta do concurso é conhecer a formação legalista do candidato, sem a qual ele jamais será aprovado. Inexiste preocupação com os conhecimentos filosóficos e sociais e, para agravar, as falhas no exame psicológico são freqüentes. Sem querer polemizar, não são as exigências que devem aumentar, senão a melhoria da forma de seleção atual utilizada por muitas bancas concursais nos Estados Federados. Depois de passar em todas as provas, o candidato pode passar a rejeitar o cargo e, para isso, é preciso criar um meio de avaliação. Não servindo para o cargo, a destituição de juízes é, por demais, complicada e morosa.
A máfia dos serventuários da Justiça, como existe na polícia judiciária, prejudica a imagem do próprio Poder Judiciário. Para cumprir com o seu trabalho, a título e exemplo, de forma vergonhosa, alguns oficiais de justiça exigem o pagamento de uma determinada quantia. As deficiências são muitas, contudo, citemos algumas: a) os oficiais de justiça e os escreventes não são punidos exemplarmente; b) as custas judiciais afastam pessoas que pretendiam ver o seu direito assegurado pelo Judiciário; c) a morosidade; d) o mau atendimento pelos serventuários; e) o mau atendimento pelo magistrado; f) o despreparo de alguns magistrados. É difícil conviver com esses percalços e desenvolver uma advocacia séria. Como já afirmava Carnelutti, as pessoas pensam que o advogado é somente aquela pessoa que pode conseguir o que elas não conseguiriam sozinhas, sem uma formação em Direito. Não obtendo a liberdade, determinado valor ou a entrega da coisa o cliente passa a criticar o advogado, pensando ser ele o empecilho, porém, com um pouco de habilidade, é possível assinalar os verdadeiros óbices na realização da justiça.
A todo momento, nega-se o exercício de direito no Brasil. Não apreciando o relaxamento de prisão ou o habeas corpus, o magistrado estará descumprindo a Constituição Federal e, assim sendo, maculando o direito de liberdade de todo ser humano. A comunicação da prisão ao juiz deve ser imediata; agora, se ele não aprecia a sua legalidade, a Constituição Federal estará sendo violada mais uma vez. Com as observações acerca do descaso com a liberdade, a qual é o direito de maior relevância depois da vida, é possível imaginar o trato com os direitos patrimoniais.
Entre os problemas pessoais, podemos citar a falta de equilíbrio de alguns magistrados. Para o exercício do cargo, existe um padrão legal e o bom senso. Na condução do processo, a série de atos não pode ser desvirtuada, mas, isso não é tudo. Com a prática dos atos, o magistrado vai mostrando a sua habilidade e modéstia de espírito, não deixando passar a sensação de exercício de Poder, salvo se for exigido. É difícil para muitos agir sem um modo todo especial de impor. Entre os familiares dos próprios magistrados, isso é patente e, em decorrência, os conflitos são indefinidos. No meio social, a prática de crimes comuns por magistrados tem um índice considerável. Sem a pretensão de agredir, muitos juízes precisam ser modestos e ter muita personalidade para não serem tomados pelo Poder.
Para o governado, existe uma estabilidade falsa. Ou seja, dependendo do que ele precisar do Judiciário, o atendimento pode ou não ser possível. Indubitavelmente, esse modo de operar prejudica a formação das novas gerações, porque as pessoas sem estrutura já estão corrompidas.

5. CONCLUSÃO

Infelizmente, é degradante a atuação dos políticos nacionais. Muitos fazem da política uma profissão, deixando de lado as suas habilidades e a forma digna de ganhar a vida. Outros, por desilusões profissionais, amorosas e familiares, entre outras, lançam-se na vida pública como uma esperança de realização. A falta de opção entre os que se propõe a politicar transforma alguns covardes em heróis.
No caso dos parlamentares, a falsa democracia pode ter os seus dias contados. Agindo com maus exemplos, infelizmente, o caminho a ser tomado é o da regressão. O Poder Executivo deve ser exercido com honestidade e, acima de tudo, pensamento no bem comum. No Poder Judiciário, para a surpresa de poucos, não é diferente. A idéia de um bom salário basta aos pobres de espírito. A Justiça sofre vários ataques. Esses ataques são praticados pelos maus juízes, pelos corrompidos servidores públicos e por aqueles que exercem com desdém as funções essenciais à justiça. Tristemente, faltam o equilíbrio e a ponderação, exigidos em muitos casos, e vidas são atiradas ao nada, famílias são exterminadas por decisões inúteis, convertendo a solução de um litígio na maior das injustiças.
Fere até a alma de alguns governados conscientes saber que o exercício do poder tem sido um meio para impor o desiquilíbrio de parlamentares, governantes e magistrados. Para resgatar os valores autênticos, a pureza da alma é indispensável. Partindo desse ponto, possibilita-se uma nova reestruturação de intensidade e contrariedade. Os representantes do povo, aqui entendidos os membros do Legislativo, Executivo e Judiciário, devem ter por base o julgamento de seus atos pela população e buscar aí a inspiração para praticar novos atos. O sentimento do homem é o início de tudo e é assim que deve ser. O certo e o errado devem ser avaliados entre outros conceitos puros, distante de qualquer espécie de perversão.
A politicagem é capaz de produzir um herói em poucos dias e destruí-lo em poucas horas. Para nascer um herói, além de apadrinamento, o candidato deve contar com alguns fatos de repercussão. Aqui, infelizmente, não se analisa a vida íntegra da pessoa, mas, tão-somente um fato isolado. Em contrapartida, a falta de substância do herói ou o conluio da aristocracia, sem dúvida, o converterá no mais miserável dos seres viventes. Falta consistência na vida política nacional. Esse fenômeno é desesperador se analisada a sua influência sobre a educação dos nossos jovens. Daqui, influenciados por tudo que os rodeia, esses jovens, como se fosse possível, querem conquistar o mundo sem o mínimo de esforço.
A situação é crítica e, por esse motivo, resolvemos dar a nossa parca contribuição, incentivando mudanças para melhorar a forma do exercício do Poder e da representação popular.

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