Justiça pós Covid-19 e comitê de tecnologia judicial

Por André Parente é advogado especialista em Direito Digital , sócio do escritório Abreu & Parente Advogados Associados e entusiasta de tecnologias disruptivas. Formado pela Universidade de Fortaleza cursando MBA em Fintechs pela Hong Kong (HKU)

“O poder judiciário precisa entender as lições das plataformas de ODR (online dispute resolution). Essas plataformas são fáceis, descomplicadas que podem ser usadas em quase todo dispositivo”, destaca André Parente.


As artérias econômicas do mundo foram atingidas, ninguém poderia imaginar que em questão de meses o consumo mudaria tanto. Organismos multilaterais com recursos bilionários pareciam frágeis e mal equipados para lidar com o problema. Instituições seculares não conseguiram paralisar os efeitos da COVID 19. Após o medo, o pacto social mostrou-se fragilizado, movimentos de rua ganham pautas globais de forma quase instantâneas.

Nas nuvens negras deste novo cenário, um estudo realizado em Harvard afirma que o isolamento social deverá se estender ate 2022, caso não apareça nenhuma vacina. Os serviços públicos, em especial o Poder Judiciário, esta preparado para esse nova realidade?

De acordo com a Scientific Americans, A pandemia de coronavírus é uma crise terrível, mas também apresenta uma oportunidade para mudar a maneira como os dados são conduzidos e compartilhados, para que as instituições possam se tornar mais abertas, mais eficientes e mais colaborativas. De forma resumida, podemos classificar algumas grandes mudanças que refletem diretamente no imaginário coletivo.

A primeira é que organismos multilaterais, criados no pós guerra, são cheios de interesses subterfúgios quando deveriam manter-se abertos e imparciais a geopolíticas. A segunda é que as pessoas precisam de governos eficientes com solida base cientifica. Por ultimo, a terceira é como a tecnologia consegue funcionar com normalidade em meio ao distanciamento social. Portanto, instituições que investiram em aplicação massiva de técnicas, ferramentas e recursos tecnológicos apresentaram resultados e ganhos significativos de produtividade, celeridade, acessibilidade e transparência.

O Brasil é vanguarda no processo de modernização da Justiça, inobstante a isso, percebemos um abissal desigualdade tecnológica entre os Tribunais. Em meio a Covid-19, a grande preocupação do Judiciário foi preservar vidas, como ficou claro na inúmeras decisões proferidas, assim como na reversão do arrecadado com penas pecuniárias para o enfrentamento ao coronavírus. Apenas as Justiças Estadual e do Trabalho, em todo o país, já reverteram mais de R$ 220 milhões para essa finalidade.

No meio a incertezas, o CNJ publicou a Res. nº 313 que orientava os Tribunais entre outras medidas, a suspenderem alguns prazos processuais, implementarem o home office e adotarem, extraordinariamente, o regime de plantões judiciais. Apesar da lei 11.419/06, lei de   informatização do Poder Judiciário, já ter previsto boa parte dessas medidas adotas na Res. CNJ 313/20, foi nessa pandemia que a justiça foi obrigado a usa-las se não paravam, como de fato aconteceu em alguns lugares.

O acesso à justiça deve ser visto como um direito fundamental e meio de satisfação das pretensões jurídicas de todos, portanto a prestação jurisdicional não sobrevive exclusivamente de causas sanitárias relacionadas ao novo coronavírus, o serviço deve ser contínuo para que as demais questões possam ser analisadas.  Nesses 14 anos de informatização da justiça e com um orçamento anual próprio em torno de R$ 50 bilhões, o poder judiciário mostrou que precisa de uma força tarefa para adequar analisar as praticas que foram usadas de forma excepcional possam virar permanentes.

O processo de digitalização da Justiça brasileira quando criada foi divida em quatro grandes fases. A primeira é a mudança de mídia zero papel, a troca do papel por bits. Depois a automatização de procedimentos para eliminar tarefas burocráticas no intuito de criar rotinas de operações em bloco. A terceira fase é integração entre plataformas institucionais, visando facilitar a comunicação e garantir a agilidade da tramitação dos dados e processos. Por fim, depois de tudo as outras fases, a modernização e apoio à tomada de decisões, por meio de aplicações da ciência de dados, Inteligência artificial, com análises preditivas, computação cognitiva e processamento de linguagem natural.

Na realidade, a justiça brasileira usa plataformas independentes que não são integralizadas, nem todas as comarcas foram digitalizadas e o corpo técnico, de modo geral, não sabe lidar com problemas básicos de TI, como uma simples atualização de algum programa. A titulo de ilustração, temos as plataformas do PJE, E-proc, E-saj, Creta entre outras. Então, algumas plataformas só exigem senha, outros precisam de certificados digitais e os sistemas não são compatíveis.

Por outro lado, o STF já o robô Victor que teve inicialmente como sua função ler todos os recursos extraordinários e identificar quais estão ligados a temas de repercussão geral. Em maio de 2018, quando o projeto do robô foi divulgado, os pesquisadores e o próprio Tribunal comentaram que esperavam que todos os tribunais do Brasil adotassem tecnologias similares. Entretanto, nessa pandemia percebemos que essa iniciativa de 2018, ainda, não estava implementada nos Tribunais.

No continente europeu, a Espanha já vivencia a experiência na integração entre instituições, permitindo que os órgãos judiciais façam o intercâmbio de informações entre si a partir de padrões de comunicação. Na china já assistimos ao tribunais virtuais, um aplicativo governamental que presta um serviço totalmente inovador, podendo resolver uma lide em dias, colhendo as informações da parte, cruzando com seu banco de dados, e através da própria plataforma construir, através de chamadas de vídeo e mediadores, uma saída ao problema com segurança jurídica.

O poder judiciário precisa entender as lições das plataformas de ODR (online dispute resolution). Essas plataformas são fáceis, descomplicadas que podem ser usadas em quase todo dispositivo. Ressaltando que transformação digital sem planejamento, geralmente entrega uma experiência bem inferior ao que o cidadão está acostumado a receber.

Segundo o presidente da associação dos magistrados brasileiros, as comunicações digitais e sessões virtuais foram um grande avanço. Muitas arestas, no entanto, precisarão ser aparadas, como definir as situações em que a interação digital é desejável, por qual sistema informático essas comunicações devem ocorrer e qual é o escopo do que poderá ser objeto de deliberações virtuais. Todas essas iniciativas inovadoras adotadas durante a crise precisarão ser estudadas com a finalidade de aprimorar o sistema.

Como profissional que estuda o contexto da tecnologia aplicada à Justiça, foi uma experiência muito enriquecedora perceber como alguns tribunais conseguiram uma produção bem maior do que o normal. As câmaras do TJCE julgaram 573 ações em sessões virtuais durante a um única semana, fato inédito. Os desembargadores utilizaram o “Voto Provisório”, um sistema que possibilita os operadores conheçam o conteúdo das decisões de forma antecipada, podendo ou não votar pelo provimento das ações. A ferramenta dispensa a leitura na íntegra dos votos, imprimindo maior celeridade aos julgamentos.

Por fim, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Dias Toffoli, declarou que “os novos tempos demandam celeridade processual. Somente conseguiremos alcançar o pleno acesso à Justiça quando somarmos todas as forças disponíveis. E um ator relevante é, sem dúvida, a ferramenta tecnológica”. Portanto, os Tribunais, CNJ, sociedade civil e os operadores do direito devem implementar, com urgência, um comitê de permanente de inovações tecnológicas com o debate aberto sobre como a conseguirá voltar ao “normal” de forma eficiente.


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