DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE

1. Natureza jurídica
O cônjuge é herdeiro, sendo o terceiro na ordem da vocação hereditária, seguindo-se aos descendentes e ascendentes (art. 1.603 do CC).
Passou a herdar antes dos colaterais já em período anterior à vigência do Código Civil, por força da Lei Feliciano Pena, de 1907, que o elevou de quarto da linha da vocação hereditária para terceiro.
O direito sucessório do cônjuge encontra sede no art. 1.611 do CC.
Da leitura do art. 1.611 do CC, verifica-se que o direito sucessório do cônjuge possui naturezas jurídicas diversas.
Realmente, no sistema jurídico brasileiro, o cônjuge herda a título de propriedade, de usufruto ou de direito real de habitação.

2. Direito de propriedade
O cônjuge herda a título de propriedade, na falta de descendentes ou ascendentes, se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.
São, portanto, requisitos para a sucessão do cônjuge a título de propriedade:
a) que não existam descendentes ou ascendentes;
b) que não esteja dissolvida a sociedade conjugal;
c) que não haja testamento excluindo-o da sucessão.
Logo, para que o cônjuge herde a título de propriedade, pouco importa o regime matrimonial de bens.

3. Usufruto vidual
Segundo o § 1º do art. 1.611 do CC, o cônjuge herda a título de usufruto, conhecido na doutrina como usufruto vidual, desde que o regime de bens do casamento não seja o da comunhão universal. Este direito perdura enquanto durar a viuvez. Sua extensão varia conforme haja ou não descendentes.
Está ele condicionado, também, à permanência do estado de viuvez, isto é, casando-se, extingue-se o direito ao usufruto conferido pelo § 1º do art. 1.611 do CC.

4. Direito real de habitação
Finalmente, o cônjuge herda a título de direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar, se casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo. Esse direito será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança (§ 2º do art. 1.611 do CC).
O direito de habitação, tal qual o direito de usufruto, cessa para o cônjuge por sua morte ou pela cessação do estado de viuvez.

5. A união estável como causa de extinção do usufruto
Visto em breves linhas o direito sucessório do cônjuge, cabe indagar se o direito de usufruto também se extingue, na hipótese de o cônjuge sobrevivente passar a viver em união estável.
Parece-nos que a primeira interpretação levaria à conclusão de que a união estável não constitui causa para a perda do direito de usufruto. Primeiro, argumentar-se-ia com o fato de o § 1º do art. 1.611 do CC referir-se ao estado de viuvez, e aquele que vive em união estável não perderia, por este motivo, o estado de viúvo. Segundo, porque o dispositivo contém norma restritiva de direito, que, portanto, deveria ser interpretada restritivamente.
Apesar disso, somos que a melhor interpretação do dispositivo em questão é considerar a união estável como causa de extinção do usufruto vidual do cônjuge sobrevivente.
A uma, porque o instituto do usufruto vidual tem evidente caráter protetivo do cônjuge sobrevivente, e este caráter já foi proclamado pela jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça.
De fato, veja-se ementa da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 28.152-4, entendendo que, na hipótese de o cônjuge sobrevivente, “que fora casada com o de cujus em regime de separação de bens (art. 258, parágrafo único, inciso II do CC), não tem direito ao usufruto legal (art. 1.611, § 1º, do CC) se contemplada no testamento com bens igual ou superior àqueles sobre os quais recairia o usufruto”. O relator, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em seu voto justifica tal posicionamento em face do caráter protetivo do usufruto vidual, esclarecendo que a “regra se justifica porque o direito é concedido para permitir ao cônjuge conservar, depois da morte do outro, meios suficientes para a sua subsistência” (Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 63, de novembro de 1994).
No mesmo sentido pronunciou-se a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 34.714-6, em acórdão assim ementado: “Inventário. Usufruto vidual. Regime de comunhão parcial. Viúva meeira nos aqüestos.
Reconhecida a comunhão dos aqüestos, não tem a viúva meeira, ainda que casada sob regime diverso do da comunhão universal de bens, direito ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, § 1º , do Código Civil. Precedente do STF” (Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 64, de dezembro de 1994).
Além disso, essa interpretação atende mais aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º da LICC), pois dentro do atual sistema constitucional do direito de família, temos a união estável como uma das espécies de entidade familiar ao lado do casamento e da comunidade de um dos pais com seus filhos (§§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 226 da CF).
Por fim, vale lembrar que a Lei nº 8.971/94 estabeleceu direito de usufruto ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir nova união. Sua extensão também varia conforme existam ou não descendentes (incisos I e II do art. 2º). Ora, adquirindo com a união estável novo direito de usufruto, não se justifica a manutenção do direito ao usufruto vidual.

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J. M. Leoni Lopes de Oliveira
Procurador de Justiça e Professor do Curso Preparatório
da AMPERJ e da Escola da Magistratura-EMERJ

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