A Ação de alimentos do filho adulterino

Ernane Fidélis dos Santos

A Lei nº 6.515, de 26.12.77 (Lei do Divórcio), acrescentou um parágrafo ao art. 4º, da Lei nº 883, de 21.10.49, assim ficando a redação completa: ‘Art. 4°. Para efeito de prestação de alimentos, o filho ilegítimo poderá acionar o pai em segredo de justiça, ressalvado ao interessado o direito à certidão de todos os termos do respectivo processo.

‘Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal do que foi condenado a prestar alimentos, quem os obteve não precisa propor ação de investigação para ser reconhecido, cabendo, porém, aos interessados o direito de impugnar a filiação’.

O acréscimo do parágrafo serve, em primeiro lugar, para o consagramento da tese jurisprudencial, segundo a qual o filho adulterino, embora lhe seja vedada a investigação de paternidade, antes da dissolução da sociedade conjugal (art. 358, do CC, c/c o art. 1º, da Lei nº 883/49), pode acionar o pretenso pai, para exclusivos fins alimentares. E, neste caso, já que a obrigação alimentar vai decorrer da relação de parentesco, a prova da paternidade se torna necessária, mas como questão incidente, simples prejudicial, sobre o que a sentença não incide.

Parece também que outra questão processual importante ficou decidida. Em razão da relevância que, agora, adquire a investigação de paternidade, mesmo como questão prejudicial, afaste-se toda e qualquer afirmativa no sentido de se aceitar o procedimento sumaríssimo da Lei nº 5.478/68, quando a ação de alimentos tem a paternidade adulterina como pressuposto (1).

À primeira vista, tem-se a impressão de que a lei quis determinar a extensão da coisa julgada à questão prejudicial, entendimento, aliás, que já recebe algum beneplácito da doutrina (2) . Neste caso, teríamos de admitir, então, logicamente, que, por disposição de lei, a questão seria acobertada pela res iudicata, para fora dos limites da lide, com efeitos suspensos até a dissolução da sociedade conjugal.

No entanto, tal não ocorre, pois a regra geral do art. 468 não sofre, no caso, nenhuma derrogação, exatamente pelos princípios que orientam a coisa julgada.

A coisa julgada é ou não é. Neste caso, a admitir-se sua extensão à questão prejudicial, teríamos de considerá-la com a mesma força, em decisão contrária. Ou seja, tanto faria coisa julgada a decisão que reconhecesse, como a que não reconhecesse a paternidade. Mas, como o autor, com seu pedido, estabelece os limites da lide na pretensão a alimentos, não pode ele sofrer incidência de coisa julgada em questão sobre que não pediu nenhum provimento; daí a coisa julgada poder ser extensiva apenas à questão prejudicial, quando a paternidade fosse nela reconhecida, como motivação da sentença. Isto, porém, peca contra o próprio instituto, já que, por ter uma eficácia única, não existe coisa julgada secundum eventum litis.

Na verdade, o que a lei pretendeu criar não foi uma extensão da coisa julgada à questão prejudicial e sim uma presunção de paternidade, a favorecer o alimentando, como efeito secundário da condenação em alimentos, quando o elemento causal da sentença for a prejudicial de paternidade.

A presunção, como efeito secundário da sentença, passa a ter sua fluência após a dissolução da sociedade conjugal, quando, então, nasce também para os interessados o direito de destruí-la, através de simples ação ordinária de impugnação, sem que haja necessidade de se socorrerem da ação rescisória.

Enquanto, porém, não existir sentença de impugnação, julgada procedente e transitada em julgado, há presunção de paternidade, com todos seus efeitos, a partir da dissolução da sociedade conjugal.

O novo parágrafo do art. 4º, da Lei nº 883/49, fala em ‘dissolução de sociedade conjugal’ e, ao mesmo tempo, em ‘interessados’, o que parece ser referência exclusiva à dissolução por morte do obrigado a alimentos. No entanto, tal não ocorre, pois, sendo o efeito secundário da sentença apenas presunção que prevalece até decisão contrária, não está nenhum interessado impedido de, no momento certo, promover a ação impugnatória de filiação. E, dissolvida que seja a sociedade conjugal, por separação, divórcio, ação anulatória de casamento, ou morte do outro cônjuge, o único interessado na impugnação é aquele que, como pai, foi condenado em alimentos, interesse que lhe dá legitimidade exclusiva para a ação.

Dissolvida a sociedade por morte do devedor de alimentos, a legitimidade para a impugnação da paternidade nasce para seus herdeiros, ou para aqueles que seriam herdeiros, caso não houvesse a presunção de paternidade.

Qualquer interessado, porém, é legitimado para a ação e a coisa julgada da sentença de improcedência aos outros não afeta, podendo cada qual propor sua ação, embora, no caso de procedência da impugnação, sejam todos os demais interessados favorecidos, em razão da própria natureza da declaração de inexistência da paternidade.

Conforme se disse, porém, nos demais casos de dissolução da sociedade conjugal que não importa em morte do devedor de alimentos, o único legitimado para a ação só pode ser ele. Em outras palavras, apenas o pai vivo tem legitimidade para impugnar a filiação presumida.

Em se tratando de filiação legítima, a ação para contestar a paternidade cabe privativamente ao marido da mãe que é o pai presumido (art. 344, do CC). Já que a lei firmou presunção de filiação ilegítima, por efeito secundário de sentença em pedido de alimentos do filho adulterino julgado procedente, pergunta-se se ação que o próprio pai presumido deixou de propor, no momento próprio, é transmissível a seus herdeiros. A resposta, naturalmente, só pode ser negativa, pelo caráter personalíssimo da ação. Se o próprio pai não se propõe a afastar a presunção de paternidade, instituída pela lei em seu desfavor, jamais poderão seus herdeiros pretender tal direito. O mesmo princípio que orienta a regra do art. 344, do CC, e a segunda parte do art. 472, do CPC, veda a transmissibilidade da impugnação aos herdeiros do falecido, quando este, podendo fazê-lo, deixou de exercitar a ação no momento apropriado.

Retirado de Revista Consulex.

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