TRT/MG reconhece relação de emprego entre motorista e plataforma de aplicativo

O juiz Bruno Alves Rodrigues, titular da 2ª Vara do Trabalho de Divinópolis, reconheceu a relação de emprego entre um motorista e uma empresa de aplicativo de transporte, pelo período de julho de 2020 a setembro de 2021, sob a modalidade de contrato de trabalho intermitente. Na sentença, a empresa foi condenada a pagar ao trabalhador 13º salários, férias, FGTS do período do contratual, como também as verbas rescisórias decorrentes da dispensa sem justa causa (como aviso-prévio e multa de 40% do FGTS), além da multa pelo atraso no acerto rescisório, na forma do artigo 477 da CLT.

Em sua decisão, o julgador expôs os fundamentos que o levaram à conclusão sobre a existência dos pressupostos do vínculo de emprego na relação de trabalho que se desenvolveu entre o motorista e a empresa de tecnologia de transportes urbanos. Como forma de propiciar uma compreensão profunda do tema discutido, situou o caso dentro de um contexto histórico na era contemporânea, retratando as fases da revolução tecnológica moderna e seus efeitos na exploração e organização do trabalho humano: “Efetivamente, esta potente tecnologia preditiva acaba por marcar o advento de um novo modo de conjugação da relação entre capital e trabalho humano, e para melhor ilustrar as profundas mudanças na organização do trabalho e da economia a partir da mudança de paradigma tecnológico prevalente, imperativo se torna a compreensão dos quatro momentos que marcaram as fases tecnológicas da revolução industrial”, pontuou.

A terceira fase da revolução industrial – Revolução tecnológica digital – Aprendizagem profunda da máquina

Nas palavras do magistrado:

“Vivenciamos, na era moderna, uma revolução industrial que pode ser dividida em três fases, a última delas marcada pela chegada da era da informática, com a migração dos sistemas analógicos para os digitais (iniciada na segunda metade do século XX).

A revolução tecnológica digital, que marca a terceira fase da revolução industrial, acaba por ensejar, contraditoriamente, um grande enxugamento da própria presença do setor industrial na condução da forma de organização da vida em sociedade. Se, nas duas primeiras fases da revolução industrial, tanto o processo de formação do tecido social de coletivos urbanos quanto o desenho do modelo econômico de geração e distribuição de renda estavam diretamente ligados à atividade industrial, a partir da terceira fase da revolução industrial passa-se a verificar uma acentuada redução do papel da indústria na organização da vida em sociedade.

[…]

Consideramos equivocado, assim, associar apenas à indústria a fase revolucionária que se inicia com o advento da aprendizagem profunda da máquina, a partir de 2012. O potencial revolucionário da aprendizagem profunda da máquina reside exatamente na sua capacidade transformadora em relação ao setor de serviços, no qual se insere o ramo de atividade da reclamada, cuja carência de habilidades flexíveis quanto às quais até então não se mostrava viável a automação, e que hoje ocupa mais de 70% da mão de obra nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A revolução do aprendizado profundo atinge notadamente os trabalhadores expurgados do ambiente fabril em razão dos fenômenos da robotização, da terceirização e do outsourcing, e que passaram a cumprir rotinas flexíveis relegadas a um setor de serviços que crescia à proporção que se reduzia o tamanho da indústria submetida ao modelo de learn manufacturing.

A revolução da aprendizagem profunda, assim, ocorre dentro da revolução tecnológica digital (terceira fase da revolução industrial), mas já trazendo profundos efeitos que lhe são próprios no que diz respeito ao desencadeamento de uma reformulação no desenho organizacional da atividade econômica e da organização social”.

As três fases da revolução industrial – As mudanças estruturais na forma de trabalho, na figura do empregador e na operacionalização do controle exercido sobre o empregado.

“As três fases da revolução industrial se apresentam vinculadas a diferentes paradigmas tecnológicos da era moderna, e a estes se soma um quarto paradigma, também revolucionário, com o advento da aprendizagem profunda da máquina”, destacou o juiz.

A primeira fase – O magistrado explicou que a primeira fase da revolução tecnológica moderna (1760 a 1850), mais conhecida como revolução industrial, é desencadeada pela concentração física da maquinaria em fábricas. Tratava-se de um modelo de produção totalmente dependente do emprego do trabalho humano, inclusive no que diz respeito à matriz energética:

“O funcionamento das máquinas nas fábricas dependia do emprego direto da força humana, como se verificava na operação de vários teares, ou mostrava-se dependente da alimentação humana de carvão em fornalhas de caldeiras geradoras de força motriz a vapor. Assim, na interação homem-máquina situava-se a dependência tanto da geração da força motriz quanto da operacionalização da maquinaria. A subordinação da figura do trabalhador ao modelo produtivo era efetivada de forma direta, com controle da produção exercido pela figura do proprietário, dos proprietários (sociedades pessoais) ou de seus prepostos na gestão de um modelo de trabalho radicado na força e remunerado pelo tempo de eficiência na motricidade da maquinaria (relação subordinativa homem-homem na operação da máquina)”.

A segunda fase – De acordo com o juiz, a segunda fase dessa revolução (1850-1945) marca a passagem do modelo de fábrica para o modelo de indústria:

“Se primeiramente importava a concentração geográfica de trabalhadores e máquinas para melhor gestão da força de trabalho, inclusive no manejo humano de uma matriz energética localizada, nesta segunda fase houve ampliação exponencial da disponibilidade, acessibilidade e usabilidade da matriz energética, que passa do vapor para a energia elétrica e o petróleo. A eficiência destas novas matrizes energéticas permitiu nova modelagem da maquinaria, cujo funcionamento deixou de depender do emprego direto da força humana para passar a se vincular, automaticamente, a uma matriz energética externa. Nesta segunda fase, apesar da maquinaria já poder ser colocada em funcionamento de forma automática, ainda não havia tecnologia para programação de rotinas de tarefas a serem executadas exclusivamente pela máquina. Carecia-se da presença do homem na linha de produção, como eternizado no filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, de 1936. Em termos práticos, a execução do movimento de uma prensa deixou de depender do emprego da força humana, mas a eficiência do movimento desta prensa, para se alcançar a produção almejada, continuava a depender intrinsecamente da ação humana para se efetivar posicionamento de uma chapa metálica no local correto da prensa, com oportuno acionamento e ulterior retirada da peça para prosseguimento do seu tratamento em linha de produção. (…) As plantas industriais passam a ser estruturadas a partir do desenho de uma cadeia produtiva, cuja motricidade passa a ser automatizada, mas cuja eficiência operacional estará totalmente associada ao emprego da habilidade humana. (…) A verificação de um controle da força de trabalho ínsito a um processo ampliado de cadeia produtiva estruturada fez com que a subordinação do trabalhador migrasse da figura do proprietário para figuras interpostas e descentralizadas de chefias operacionais, que verticalmente se responsabilizavam por etapas da cadeia produtiva. A estruturação de empresas, assim, passa a estar mais focada no objetivo comercial do processo industrial, do que propriamente na condição pessoal dos sócios, o que fez com que a estruturação jurídica das sociedades empresariais migrasse acentuadamente do modelo de sociedades pessoais para o de sociedade de capitais, notadamente as sociedades anônimas”.

A terceira fase – Quanto à terceira fase da revolução tecnológica da era moderna (1945-2012), o julgador explicou que esta foi marcada pelo fenômeno da digitalização da informação, associada à capacidade computacional por programação apta à predição de rotinas de trabalho fixas, até então dependentes da habilidade humana:

“Nesta terceira fase, a automação se estendeu da força motriz para as tarefas operacionais dependentes de habilidades humanas afetas a rotinas plenamente previsíveis, eis que fixas e repetitivas. Da máquina automatizada passa-se à máquina automatizada e programável. As cadeias produtivas foram escrutinadas, separando-se, para assimilação da robótica, as habilidades programáveis. Já em relação aos serviços não programáveis/robotizáveis (por dependerem da plasticidade e da flexibilidade próprias à habilidade humana), estes passaram a ser separados entre essenciais ou não essenciais para descentralização do trabalho tido como não essencial, assim classificado aquele não associado, intrinsecamente, à atividade fim (a exemplo de serviços de asseio e conservação, marketing, call center, etc.). A disseminação de meios telemáticos de comunicação e, portanto, de uma forma de controle remoto, passou a permitir controle indireto sobre serviços descentralizados através da terceirização ou do outsourcing, além de se viabilizar um controle menos hierarquizado e mais horizontalizado da produção, eis que centrado muito mais na capacidade computacional de verificação e fiscalização de resultados atingidos pelo trabalhador do que propriamente na fiscalização por parte de uma chefia imediata (subordinação estrutural homem-empreendimento econômico). Se, na primeira fase da revolução, o enfoque da gestão estava centrado na operação da fábrica e, na segunda fase, o enfoque da gestão passou a estar focado no processo da cadeia produtiva, nesta terceira fase, a gestão passou a ter condições de se importar tão somente com a aferição do resultado da atividade de produção. A educação passou a estimular formação flexível da mão de obra para adaptação às diversas demandas localizadas de tarefas não automatizáveis. A segurança de contar com recursos de controle telemático de uma produção descentralizada, somada à predição computadorizada de resultados afetos a rotinas fixas, acabou por exponenciar o uso de estruturas jurídicas empresariais centradas muito mais no objetivo comercial das empresas do que na condição pessoal dos proprietários. Neste momento, mais do que sociedades anônimas focadas na cadeia produtiva, passa-se a se destacar a atuação de entes jurídicos desguarnecidos de objetivo empresarial próprio, eis que estruturados apenas para aportar investimentos e receber resultados de diversas empresas descentralizadas, notadamente a partir da conformação de holdings e da estruturação de fundos de investimento que visavam assentos em conselhos de administração empresariais. Os grandes centros urbanos estruturados no modelo de trabalho e renda definidos pelas primeiras fases da revolução industrial passam a conviver com crescentes taxas de desemprego e evasão, decorrentes da automação e do outsourcing. (…) Acentua-se a concentração de riquezas nas mãos dos gestores das holdings e dos fundos de investimento frente a pauperização da população progressivamente desempregada ou sujeitada a subempregos progressivamente precarizados em ambiência de concorrência instada em uma massa crescente de excluídos”.

A quarta onda revolucionária

Conforme destacou o juiz na decisão, é neste contexto socioeconômico e social que surge uma quarta onda revolucionária, a partir de 2012, com o advento da aprendizagem profunda da máquina. Ele chamou a atenção para o fato de que, nesta fase da revolução tecnológica, a subordinação do trabalhador ao empreendimento que lucra com a mão de obra deixa de ser estrutural e passa a ser algorítmica:

“A partir de então, rompe-se com a barreira protetora de postos de trabalho humano atrelada à capacidade preditiva ínsita à inteligência humana, substanciada exclusivamente no maior conhecimento de dados ou no desempenho de tarefas de rotinas flexíveis (grifos originais). A máquina passa a conceber soluções técnicas com eficiência supra-humana, ocupando nichos até então reservados tanto a profissionais dotados de maior qualificação profissional (diagnóstico médico, com exames de imagem submetidas à classificação por padrões; etc.), bem como postos de trabalho afetos a tarefas que, embora flexíveis, também permitem predição técnica de soluções (gestão logística e de transporte por geolocalização; atendimento automatizado de call center com reconhecimento de voz etc.).

[…]

A gestão destes processos de trabalho autoadaptáveis é feita por um algoritmo, que promove controle ubíquo do comportamento de cada trabalhador. Plataformas digitais fazem gestão geolocalizada da mão de obra, com predição supra-humana da mais eficiente relação de exploração do trabalho, numa equação algoritmizada a tratar do preço de serviço x disponibilidade de mão de obra. Além disso, o algoritmo é também dotado de objetivos referentes à indução comportamental (uso de redes sociais para adesão à ferramenta, associação da disponibilidade de trabalho a mecanismos de avaliação, outorga de premiações e outros estímulos remuneratórios, etc.). Assim, nesta fase da revolução tecnológica, a subordinação do trabalhador ao empreendimento que rentabiliza com a mão de obra deixa de ser estrutural e passa a ser algorítmica. O uso destes algoritmos de controle preditivo individual, em uma sociedade já marcada pelo desemprego e pelo subemprego, acaba por instigar uma concorrência à sujeição entre os trabalhadores vinculados às plataformas, concorrência essa muito bem manejada e estimulada por um algoritmo programado para a obtenção do maior lucro, independentemente da preservação de patamares mínimos civilizatórios.

O resultado deste cenário de exponenciação do processo de automação e de uberização de um trabalho humano que já vinha sacrificado pela conjuntura de automação, terceirização e ‘outsourcing’ tem sido catastrófico.

A ocupação de novos nichos de trabalho por máquinas dotadas de capacidade sobre-humana de predizer e atingir resultados implica não apenas aumento exponencial do desemprego e do subemprego, mas determina também uma nova modelagem na estruturação empresarial, bem como novo perfil de gestão dos negócios. A já verificada migração progressiva do modelo de estrutura empresarial por sociedade pessoal para outro de sociedades de capitais acaba por alcançar seu ápice. Rompe-se, definitivamente, com o residual verniz de vínculo interpessoal ainda existente em organizações estruturadas para gestão do capital (como as holdings). O anseio capitalista de acúmulo de capital passa a prescindir de estruturas jurídicas mais elaboradas, antes necessárias ao controle e à fiscalização de resultados dos empreendimentos em que investiam. Tais estruturas jurídicas de controle e fiscalização foram substituídas por algoritmos operados diretamente por fundos de investimento.”

As especificações do caso concreto – Após situar a forma de exploração do trabalho humano na era contemporânea, a sentença passou a tratar das especificações do caso. Foram citadas as fontes de informações e a bibliografia. Confira outros trechos da sentença:

No Brasil, cerca 32,4 milhões de pessoas utilizam algum tipo de “app” para trabalhar: “Do outro lado da relação jurídica identificamos dezenas de milhões de trabalhadores em condição de subemprego. Conforme veiculado pela CNN, um fenômeno incentivado pela elevação das taxas de desemprego e pela necessidade de isolamento social, que obrigou milhares de restaurantes e estabelecimentos comerciais a manter as portas fechadas ou a funcionar com restrição ao atendimento aos clientes, obrigou um contingente adicional de 11,4 milhões de brasileiros a recorrer aos aplicativos para garantir uma parcela ou a totalidade de sua renda, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva obtida com exclusividade pelo Estadão. Segundo o levantamento, com esse crescimento durante o último ano, o Brasil tem hoje aproximadamente 20% de sua população adulta – o equivalente a 32,4 milhões de pessoas – que utilizam algum tipo de app para trabalhar”. https://www.cnnbrasil.com.br/business/cerca-de-11-4-milhoes-de-brasileiros-dependem-de-aplicativos-para-teruma-renda/ (acesso em 23.09.2021)

“Lógica do maior ganho, a partir da maior precarização do valor trabalho”:“O surgimento de plataformas ou aplicativos eletrônicos, que instrumentalizam a conectividade virtual, para promover a intermediação mercantilizante da mão de obra, apresenta-se, na verdade, a exemplo a terceirização, como mais um fenômeno de inserção de um intermediário na relação laboral, a figurar como um especulador sobre o trabalho alheio. Nas palavras de Delgado, trata-se da instituição do capitalismo sem reciprocidade (DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. 2 ed. São Paulo: LTr, 2015.), fundado na exclusiva acumulação de riquezas, na medida em que o mercador de mão de obra está orientado pela lógica do maior ganho, a partir da maior precarização do valor trabalho.

Fenômeno da “uberização” e exploração do trabalho alheio – “Subordinação estrutural ou até mesmo algorítimica”: “A prevalência do discurso niilista na modernidade, somada à chegada daquilo que Delgado descreve como terceira revolução tecnológica do capitalismo (conquistas da microeletrônica, da robotização, da microinformática e das telecomunicações (DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. 2 ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 38.), acabou por tornar extremamente dinâmico o surgimento de técnicas de exploração do trabalho humano, retirando proveito do rompimento processado em relação às barreiras físicas de espaço e de tempo, no campo comunicacional e de conexões empresariais, para impor, contraditoriamente, fronteiras e obstáculos na conexão humana efetivamente colaborativa (e não meramente explorativa). Adota-se o discurso pelo qual sobreleva-se a importância da rede de comunicação virtual (naquilo que hoje se denomina fenômeno da uberização) ou de conexão empresarial (fenômenos da terceirização e outsourcing) como algo a ser protegido para além do trabalho humano por estas redes instrumentalizado. Pelo fenômeno denominado uberização, diversas empresas sustentam ter como objetivo a manutenção de uma plataforma de conectividade virtual, mas na verdade fazem uso de um algoritmo por meio do qual exercitam o real objeto social, qual seja, a exploração do trabalho alheio. São empresas cuja performance não está atrelada à simples disponibilização de aplicativos eletrônicos, mas sim que, essencialmente, figuram como credoras do fruto do trabalho alheio, integrando as atividades dos colaboradores à sua própria atividade – o que perfaz aquilo que hodiernamente resta consagrado na doutrina e na jurisprudência como subordinação estrutural ou até mesmo algorítmica. Simplificando: a empresa não precifica o uso da plataforma digital (ou seja, cobraria o valor “x” para acessar a sua plataforma); ela precifica sim o valor do serviço de transporte, e é sobre isto que extrai seu faturamento. Assim, são intermediadores de mão de obra, processando algoritmos que definem o preço do serviço alheio, a forma de pagamento deste serviço, o padrão de atendimento do usuário e a forma de acionamento do colaborador. Reitere-se, então: trata-se de empresário da exploração de serviços, e não, primariamente, da exploração tecnológica, porquanto retém participação cobrada diretamente com referência ao valor do trabalho alheio, detendo o empreendimento com todo o ‘modus operandi’ da intermediação virtual do serviço.

São empresas que se distanciam da essência da economia colaborativa, que promove a alteração da dinâmica do consumismo clássico e individualista por outro de padrão comunitário, na medida em que transforma todos em seus consumidores ou em seus prestadores de serviços, centralizando faturamentos milionários ou até mesmo bilionários. São responsáveis por práticas que esvaziam o dogma do trabalho valorizado enquanto “importante instrumento de afirmação individual, social e econômica da larga maioria das pessoas na sociedade capitalista (DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego. 2 ed. São Paulo: LTr, 2015.).”

Desafio para o Poder Judiciário: Prosseguindo em sua análise, o juiz destacou que:

“É sobre essa realidade que o Poder Judiciário está a ser demandado, como no caso sub judice, a trazer resposta que preserve a paz e a própria sustentabilidade do tecido social. (grifos originais). Ao tratarmos de processos de negócio substanciados em aprendizagem profunda da máquina, estamos a tratar de uma ferramenta de vocação monopolista extremamente potente no propósito de concentração de renda nas mãos de quem detém a tecnologia”.

“Os dados são o novo petróleo”: “Um jargão passa a representar lugar comum na era da IA: “os dados são o novo petróleo” (LOUREIRO, R. Os dados são o novo petróleo. Istoé Dinheiro, 2018.) Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/os-dados-sao-o-novo-petroleo/ Acesso em: 01 jul. 2020.

A geração de riqueza passa a estar intimamente vinculada à capacidade de gerir dados, pois as empresas mais eficientes em tal gestão tenderão ao domínio monopolístico do mercado. “Com dados abundantes, a predição da máquina pode funcionar bem. A máquina conhece a situação, no sentido que fornece uma boa predição” (AGRAWAL, A.; GANS, J.; GOLDFARB, A. Máquinas Preditivas. A Simples Economia da Inteligência Artificial. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019, p. 59.). Assim, a acessibilidade aos dados e o domínio de algoritmos fortes representa a tônica do capitalismo contemporâneo. Como pontua Harari, “a riqueza e o poder poderão se concentrar nas mãos da minúscula elite que é proprietária desses algoritmos todo-poderosos, criando uma desigualdade social e política jamais vista (HARARI, Y. N. Homo Deus. Uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 326.)”.

Máquinas cada vez mais potentes e distanciamento da centralidade da figura humana:

“Essa é a conjuntura desenhada em um mundo dotado de máquinas cada vez mais potentes e, por outro lado, infelizmente, composto de seres humanos cada vez menos providos de capacidade crítica para filtrar informações pela ótica de valores e parâmetros cognitivos, societários e éticos, o que amplifica o desafio das instituições voltadas à pacificação social, como o Poder Judiciário. A tecnologia deve representar mero meio a serviço do homem que trabalha e exerce a cidadania, e não instrumento de exponenciação progressiva de injustiça social. Quando nos distanciamos da centralidade da figura humana, quando admitimos a conversão do homem em apêndice da máquina, a tecnologia se transforma em tecnocracia. Adota-se o discurso pelo qual sobreleva-se a importância da rede de comunicação virtual ou de conexão empresarial como algo a ser protegido para além do trabalho e da dignidade humana por estas redes instrumentalizado. (…)

“Nova hermenêutica constitucional, numa releitura das condições de efetividade dos valores igualdade, liberdade e trabalho”:

“A escorreita compreensão da tecnologia explorada por empresas como a reclamada representa suposto para uma nova hermenêutica constitucional, numa releitura das condições de efetividade dos valores igualdade, liberdade e trabalho, na missão das Instituições de Estado de mantença do compromisso constitucional cuja práxis passa a se sujeitar ao uso indiscriminado da eficiência tecnicista da IA. (grifos originais). Há que se reconfigurar, neste contexto, nossos parâmetros de compreensão acerca da validade da manifestação da vontade nos atos e negócios jurídicos celebrados sob efeito da capacidade indutiva e preditiva da aprendizagem profunda da máquina. Exemplificativamente, há que se compreender o fenômeno da IA para: a) se decidir sobre responsabilidades civis e criminais de atuais gestores de fundos de investimento; b) se compreender a influência do uso desta tecnologia nos processos eleitorais e na preservação da democracia, inclusive no que diz respeito à disseminação de fake news; c) se subsumir um serviço, prestado por intermédio de plataforma eletrônica, ao arcabouço normativo de regulação de relações comerciais, de trabalho, de consumo, tributárias, administrativas, entre outras (a exemplo da verificação de fato gerador tributário na gestão de hospedagem mediada por plataformas, ou da configuração do vínculo de emprego no transporte mediado por plataformas eletrônicas).

Reafirmação da jurisprudência de que cabe à empresa comprovar os fatos impeditivos da relação de emprego:

“Estas as premissas que nos remeterão à resposta ao dissenso estabelecido na litiscontestação e que fora expressamente pré-questionado pela ré em relação à interpretação dos arts. 1º e 170, da CF/88: como regra geral, qual seria a catalogação jurídica da relação estabelecida entre dezenas de milhares de pessoas físicas que dedicam tempo de trabalho à prestação pessoal e onerosa de serviços, no anseio de aferição de verba alimentar essencial à subsistência pessoal e familiar, quando se vincula a uma empresa que detém a modelagem algorítmica que gere a plataforma eletrônica que concentra o cadastro de clientes e de prestadores de serviços, define o valor dos serviços e sobre estes e na proporção destes retira seu faturamento em prol de um conglomerado avaliado em dezenas de bilhões de reais? (grifos originais). Aqui a nossa resposta perpassa pela reafirmação da jurisprudência que vem a presumir que, sempre que admitida a verificação de trabalho humano, e mais concretamente no caso em tela, uma vez admitido que determinado trabalhador efetivamente esteve cadastrado como motorista à plataforma eletrônica gerida por empresa que recebe percentual e lucra a partir de cada serviço de transporte realizado, representará ônus da empresa comprovar algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante (art. 818, II, da CLT) de ver reconhecido o vínculo de emprego. Não se trata de inversão do ônus da prova, mas sim de aplicação de jurisprudência mansa e pacífica no sentido de que, “alegando fato impeditivo do direito da empregada, cabia à reclamada o ônus probatório sobre a natureza da relação de trabalho, especialmente comprovar que não houve caracterização de vínculo de emprego na forma do art. 2.º e 3.º da CLT.

A manutenção da jurisprudência que faz presumir a existência de relação de emprego sempre que incontroversamente existente o trabalho humano representa reafirmação do compromisso constitucional alicerçado no próprio princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), em conjugação com a preservação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF/88), mirando-se na busca do pleno emprego, da preservação da função social da propriedade, bem como do compromisso constitucional de redução das desigualdades regionais e sociais e de tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (art. 170, incisos III, VII, VIII e IX da CF/88), enquanto bússolas das quais não pode se desapegar os caminhos da livre concorrência (art. 170, IV, da CF/88) e da livre iniciativa. Efetivamente, a consolidação de uma justiça social está umbilicalmente atrelada à efetivação do valor trabalho e de seus princípios protetivos. (…) Se por um lado chegamos à era informacional, a um novo estágio de cooperação cognitiva entre os membros da sociedade, por outro lado vivenciamos uma acentuada concentração das riquezas geradas a partir deste próprio conhecimento, o que tem se processado a partir de uma visão utilitarista que mercantiliza o trabalho e instrumentaliza o ser humano.”

Motoristas e empresas de aplicativo de transporte – “Relação moderna de subordinação” – “Consenso no mundo civilizado”

“Pondere-se que a presunção de que o trabalho mediado por empresas que exploram plataformas eletrônicas não representa forma de trabalho autônomo, mas sim modalidade de trabalho prestado por hipossuficiente, a atrair aplicação de normas heterônomas protetivas (a exemplo das normas afetas ao vínculo de emprego), já representa praticamente um consenso do mundo civilizado. Recentemente, em 13 de setembro de 2021, o Tribunal Distrital de Amsterdã decidiu ação coletiva ajuizada pela Federação Nacional de Trabalhadores da Holanda (Federatie Nederlandse Vakbeweging – FNV) no sentido de que “na era tecnológica atual, o critério de “subordinação” tem sido interpretado de uma forma que se desvia do modelo clássico, de um modo de controle mais indireto (muitas vezes digital). Os empregados se tornaram mais independentes e realizam seu trabalho em momentos mais variados (auto-selecionados). Considera-se que, na relação entre a empresa e seus motoristas, existe esta “relação moderna de subordinação”.

https://uitspraken.rechtspraak.nl/inziendocument?id=ECLI:NL:RBAMS:2021:5029&showbutton=true (acesso em 23.09.2021).

Acrescentou que a decisão do Tribunal Distrital de Amsterdã está de acordo com o que decidiu outras Cortes Europeias, a exemplo da França, da Espanha, da Suíça. Registrou, enfim, que apesar de a reclamada não ter apresentado cópia do seu contrato de adesão, como lhe cabia, esse documento foi disponibilizado pela própria empresa em seu site na internet, pelo que se trata de informação notabilizada pela ré para conhecimento de todos, nos termos do artigo 374, inciso I, do CPC, razão pela qual o documento público foi considerado no julgamento da matéria de fundo.

Sobre a natureza da relação jurídica – Presença dos requisitos do vínculo de emprego.

Na sentença, o magistrado concluiu que a relação jurídica entre as partes se desenvolveu com a presença dos requisitos do vínculo de emprego, os quais foram analisados, um a um, pelo juiz. Confira:

Onerosidade – Segundo o prolator da decisão, para a aferição da existência desse pressuposto, torna-se preciso investigar se o objeto comercial da reclamada (faturamento) está restrito à exploração da tecnologia de aproximação virtual entre interessados em estabelecer uma relação bilateral (motorista e passageiro), ou se esta tecnologia passou a se mostrar acessória a um outro objetivo central, qual seja, o da exploração da mão de obra alheia. No primeiro caso, haveria uma relação de consumo, no segundo, a empresa operaria como uma verdadeira intermediadora de mão de obra que utiliza como técnica um aplicativo de smartphone, no estabelecimento de uma relação tripartite.

“Determinante para aferição desta realidade, assim, verificar a forma da empresa estabelecer preço e cobrar pelo uso do seu aplicativo. Caso a empresa efetivamente empreenda estritamente sobre o aplicativo, fazendo do mesmo uma ferramenta de preço estabelecido exclusivamente de acordo com seu uso (exemplo, caso cobre mensalidade do usuário para acessar o aplicativo), e não precificando o serviço de acordo com o uso do trabalho alheio, não haveria dúvida quanto à natureza consumerista da relação. Por outro lado, contudo, se a receita decorrente do uso do aplicativo estiver estabelecida diretamente de acordo e na proporção ao valor agregado a partir do exercício de trabalho humano alheio, fica nítido o escopo de lucrar a partir da intermediação de mão de obra, e não primariamente pela exploração da tecnologia. O valor da cessão de uso da ferramenta não pode estar atrelado diretamente ao valor agregado pelo exercício de trabalho alheio, pois este não pode ser coisificado, mercantilizado, e acaso o seja, impõe-se a incidência de uma rede de normas imperativas, ditadas pelo direito do trabalho.”, registrou o julgador.

Para o juiz, a verdade acerca da onerosidade transparece dos próprios termos da defesa. No aspecto, ressaltou na sentença:

“Ora, na medida em que se reconhece, em defesa, que é a “sistemática tecnológica que aumenta ou diminui o valor da corrida”, e não havendo nenhuma controvérsia nos autos quanto à circunstância da empresa reclamada ser a proprietária e controladora desta “sistemática tecnológica”, resta claro e evidente que o serviço de corrida viabilizado a partir da atividade do autor como motorista representa um trabalho cujo preço é integralmente gerido pela reclamada, sem qualquer possibilidade de intervenção por parte do autor, que não tem, assim, qualquer autonomia para definir o valor do serviço que executa”.

Na decisão, houve também referência ao contrato de adesão da empresa, o qual estabelece que os serviços por ela prestados “consistem na intermediação de corridas e facilitação de pagamento (“Intermediação”), mediante licenciamento e uso de software”. Foi também citado item que dispõe sobre o “Pagamento pelos serviços”, mencionando que “Licenciamento é feito a título gratuito, sendo que a Intermediação é prestada de maneira onerosa (“Remuneração pela Intermediação”)”.

“A empresa tem como objetivo comercial a intermediação de corridas, extraindo seu faturamento a partir da intermediação do pagamento deste serviço, figurando o software como mero meio para atingir este escopo comercial”, destacou o juiz.

“Resta evidente, assim, que software representa meio de consecução do objeto comercial, e não o objeto comercial em si, pelo que reconhecendo a ré que faz intermediação de serviço e de correlato pagamento ao trabalhador, inquestionavelmente se faz presente o elemento fático jurídico da onerosidade”, concluiu.

Quanto ao valor médio do ganho mensal, foi reconhecida a importância informada pelo motorista (R$ 2 mil mensais), tendo em vista que reclamada não cuidou de apresentar aos autos os comprovantes de pagamento, ou mesmo os relatórios indicativos dos valores das corridas com a discriminação da comissão atribuída ao motorista.

Habitualidade – Segundo observou o magistrado, a prestação de serviços do autor ocorria de forma não eventual, ou seja, com habitualidade. Sobre esse pressuposto, pontuou o julgador:

“Efetivamente, assim, como reconhece a ré, o ambiente propício para a fertilização desta prática de rentismo incidente sobre a intermediação de mão de obra por plataforma eletrônica tira proveito do próprio contexto de enfraquecimento de direitos sociais, na medida em que, como bem observa Supiot, a insegurança econômica dos trabalhadores e sua exposição ao risco são os motores de sua produtividade e de sua criatividade41. Tira-se proveito da realidade de desemprego e de miséria gerada a partir da própria premissa de mercantilização do valor trabalho. O desemprego e a sobre oferta de mão de obra garantem, no plano coletivo, aquilo que anteriormente era objeto dos contratos de trabalho, enquanto obrigação individual do trabalhador, ou seja, a manutenção habitual de mão de obra à disposição daquele que a explora. A condição de coletivo de trabalhadores que se fortaleceria em rede de solidariedade perde espaço para o coletivo de desempregados que concorrem, entre si, na sujeição à precariedade, para conseguirem obter a oportunidade de trabalho que lhes permita, quando muito, a sobrevivência, mas não uma vida digna.

Trabalho representa fonte de subsistência, o que relativiza a noção de “liberdade para o trabalho”, enquanto idealidade suposta pela ré, em defesa, ao sustentar que quanto ao requisito da habitualidade, este igualmente não está presente vez que o Reclamante poderia administrar seu tempo da forma que lhe fosse interessante, utilizar ou não a plataforma, utilizar outros aplicativos como o Uber, por exemplo ou, ainda, trabalhar em outro local e utilizar a plataforma para complementar seus rendimentos, ou seja, as possibilidades são infinitas, dependendo do interesse do contratante, aqui no caso o Reclamante.

Dentro do sistema capitalista, a necessidade de trabalhar sempre representará um imperativo que antecede a liberdade para o trabalho, e a gestão algorítmica viabilizada pela plataforma dotada de IA representa ferramenta de potente indução comportamental para manter o motorista logado em jornadas até mesmo superiores aos limites celetistas, fazendo-se uso de recursos similares aos estímulos de redes sociais e de tantas outras ferramentas substanciadas no aprendizado de máquina.”

Há que se registrar, ainda, que a circunstância das partes ajustarem a possibilidade de recusa de serviços por empregado não representa, por si só, circunstância obstativa da existência de vínculo de emprego, seja porque o artigo 444 da CLT estabelece que “as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho”, seja porque a própria modalidade legal de contrato de emprego intermitente, prevista no artigo 443 parágrafo 3o da CLT prevê que considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses.

[…]

“No mesmo sentido, o documento juntado demonstra que a ré conta com relatórios gerenciais indicativos de todas as corridas realizadas pelo autor, com indicação de horário de início e término de cada viagem, além de local de embarque e desembarque, pelo que competia à ré carrear todos os mencionados relatórios aos autos, de forma a demonstrar a alegada ausência de habitualidade nos serviços prestados pelo autor (fato impeditivo), ônus do qual não se desincumbiu.

Enfim, há que se ressaltar que o contrato de adesão colocado em notoriedade pela ré em seu site (artigo 374, I, do CPC) traz previsão no sentido de que a empresa poderá aplicar multa, suspender ou cancelar a utilização de serviços na hipótese, dentre outras, de se verificar “inatividade da conta por um longo período de tempo.”

Pessoalidade – O julgador não teve dúvida de que havia pessoalidade na prestação de serviços pelo reclamante. Ressaltou que a empresa reconhece que efetua cadastramento pessoal de seus motoristas, alegando, inclusive, que o cadastro individual é obrigatório para todas as empresas de tecnologia, de forma a garantir a segurança e a confiabilidade de todos os usuários.

Citou o contrato de adesão disponibilizado pela reclamada em seu site na internet e que prevê que a empresa pode aceitar ou recursar a solicitação de cadastro do motorista, realizar checagem de seus antecedentes criminais e ainda que o perfil do “motorista parceiro é exclusivo e intransferível” e que ele não pode compartilhar sua conta com terceiros ou transferi-la, sob pena de cancelamento imediato da conta” (itens 3.2 e 3.3 do contrato de adesão).

Subordinação – Na análise do magistrado, o trabalho prestado pelo autor estava plenamente integrado à dinâmica empresarial, a caracterizar modalidade de subordinação estrutural, e mais especificamente, no presente caso, uma subordinação algorítmica.

Conforme constatou o juiz, a reclamada conta com recursos próprios à “deep lerning” (aprendizagem profunda), tendo reconhecido, em defesa, que a plataforma promove “conjugação de fatores como a oferta e a procura do mercado em determinados horários e ocasiões, que levam à fixação de valores de acordo com a demanda perpetrada pelos passageiros”.

“O grande diferencial do algoritmo de aprendizagem profunda processado pela reclamada está na sua capacidade preditiva, predição esta decorrente da identificação de padrões em dados digitais com emprego de técnica de generalização”, frisou o magistrado. Explicou que a ré estabelece padrões a partir de dados disponibilizados pela totalidade dos usuários , o fazendo em diversas frentes, o que lhe permite promover a predição: 1) do valor ideal para cada corrida solicitada, considerando-se como ideal aquele mais apto a ser aceito pelo cliente e pelo motorista e que mais rentabiliza para a ré; 2) da melhor rota a ser utilizado pelo motorista; 3) do sistema de incentivo (premiação, bônus, etc.) mais eficiente para que o motorista permaneça habitualmente logado à plataforma.

Acrescentou que, dentro desse modelo de plataforma da ré, “sobressai a modelagem que trata da atribuição de notas em decorrência da qualidade de serviços, avaliação feita tanto por motoristas quanto pela própria empresa, na medida em que o item 6.3 do contrato de adesão prevê que o Motorista Parceiro aceita que a empresa manterá registros internos acerca da prestação de Serviços de Transporte, tais como a taxa de aceitação e cancelamento de corridas, podendo utilizar esses dados para realizar sua própria avaliação sobre o Motorista Parceiro”.

Para o juiz, desta “’gamificação’ por atribuição de pontos e recompensas”, exsurge grande poder disciplinar a configurar a subordinação do motorista ao empreendimento. Citou, como exemplo, item do contrato de adesão, onde está previsto que: “ o Motorista Parceiro reconhece e aceita que a empresa poderá”: suspender por tempo indeterminado o Licenciamento (e, consequentemente, a Conta do Motorista Parceiro); exigir a realização de curso de reciclagem, caso o Motorista Parceiro apresente avaliações semanais reiteradamente ruins, a exclusivo critério da empresa; e aplicar multa ao motorista.

Além disso, no caso, não houve discussão quanto ao fato de que a reclamada fez uso do seu poder diretivo para fazer o desligamento do reclamante de sua plataforma eletrônica, inclusive justificando que isso decorreria de problema de conduta do motorista, o que, de acordo com o julgador, vem a materializar o exercício do poder disciplinar.

A empresa terá que registrar o contrato na carteira de trabalho do autor, na função de motorista e com salário mensal estimado em R$ 2 mil. Por identificar hipótese de fraude trabalhista com repercussão coletiva, o magistrado determinou a expedição de ofícios ao MPT e à Superintendência Regional de Trabalho e Emprego com cópia da sentença.

Em grau de recurso, os julgadores da 11ª Turma do TRT-MG mantiveram a sentença.

TRT/RN: Justiça do Trabalho mantém justa causa por insubordinação e fraude de ex-empregado

A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT-RN) manteve demissão por justa causa de ex-empregado da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) que agrediu por e-mail o superior e fraudou informações de seu interesse.

De acordo com o desembargador Carlos Newton Pinto, redator do processo no TRT-RN, a justa causa se configura, no caso, porque houve “comprovação de atos de improbidade e de insubordinação cometidos pelo empregado”.

No recurso ao TRT-RN, contra decisão da 3ª Vara do Trabalho de Mossoró (RN), que confirmou sua demissão por justa causa, o trabalhador alegou que não eram verdadeiras as acusações de fraude e insubordinação atribuídas a ele pela Infraero.

No entanto, o desembargador Carlos Newton apontou em sua decisão que a comprovação da insubordinação estaria no uso de “expressões injuriosas e ameaças contra seu superior hierárquico” em e-mail enviado ao chefe. Isso após o superior ter se negado a assinar documentação que viabilizaria a emissão do Certificado de Habilitação Técnica (CHT), pretendido pelo trabalhador por tornar possível sua transferência do local de trabalho. Além de ter se recusado a apresentar ordens de serviço que comprovavam a quantidade de horas trabalhadas, necessárias para a emissão do CHT.

Para o desembargador, a fraude praticada pelo ex-empregado ficou evidente quando ele prestou informações errôneas ao chefe, alegando a realização de trabalho quando se encontrava em gozo de licença médica. “De onde se conclui, à luz do acervo probatório, que o autor (do processo) objetivava induzir seu superior hierárquico a erro para indevidamente fruir de benesses em dissonância com as normas de regência aplicáveis ao caso”, afirmou Carlos Newton Pinto.

A decisão da Segunda Turma do TRT-RN foi por maioria. Vencido o desembargador Ronaldo Medeiros de Souza, relator do processo, que dava provimento ao recurso do ex-empregado para reverter a justa causa aplicada.

TST: Marcação britânica retira validade dos cartões de ponto apresentados por construtora

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso da Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A. contra a condenação ao pagamento de diferenças de horas extras para um carpinteiro de Porto Velho (RO). A construtora tentava comprovar que a sobrejornada não existiu, apresentando os controles de ponto, mas os documentos foram invalidados por mostrarem marcações uniformes dos horários de entrada e saída do empregado.

Controle

O carpinteiro disse, na reclamação trabalhista, que, apesar de a empresa ter anexado ao processo os controles de ponto, ele apenas os assinava, “as horas eram anotadas pelo encarregado”, explicou. Na ação, ele pediu o pagamento como extras das horas superiores à 8ª diária e à 44ª semanal, em relação aos quatro meses de contrato.

Por sua vez, a Camargo Corrêa garantiu que o trabalho em sobrejornada foi devidamente registrado e pago ao carpinteiro. Quanto à anotação uniforme dos horários de entrada e saída do trabalhador, a construtora argumentou que a constatação da regularidade não poderia servir para pressupor uma ilegalidade, sob pena de violação do princípio da boa-fé.

“Inteligentemente britânicas”

A 2ª Vara do Trabalho de Abaetetuba (PA) invalidou os documentos apresentados pela construtora. “As anotações são inteligentemente britânicas, sempre ocorrendo nos exatos minutos redondos, seja na entrada, seja na saída”, diz a sentença, que observa ainda que seria “pouco crível que, no curso de quase quatro meses de contrato, o empregado tivesse anotado tal jornada com tamanha precisão”. A sentença foi mantida pelo TRT da 8ª Região (PA/AP), o que fez a empresa recorrer ao TST.

Meio de provas

Todavia, o relator do recurso de revista da construtora, ministro Evandro Valadão, lembrou que, pela Súmula 338/TST, consideram-se inválidos, como meio de provas, cartões de ponto com horários de entrada e saída uniformes em relação às horas extras. Nesse caso, cabe à empresa comprovar a veracidade dos controles, o que, segundo ele, não foi feito pela construtora. Diante disso, acrescentou, vale a jornada apresentada pelo empregado na petição inicial.

Veja o acórdão.
Processo: RR-1337-73.2012.5.08.0125

TST: Dispensa indevida de empregado com deficiência gera pagamento de indenização

A demissão do empregado com deficiência física foi efetuada sem a devida contratação de outro na mesma condição.


A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou à Suzano Papel e Celulose S.A. reintegrar no emprego um operador de rádio com deficiência física que foi dispensando sem a contratação de substituto em condição semelhante, conforme estabelece o sistema de cotas e condicionamento à dispensa (art. 93 da Lei 8.213/91). No processo, a empresa ainda foi condenada a pagar R$ 5 mil como indenização por danos morais ao trabalhador.

Discriminação

Na inicial, o operador relatou que foi contratado em 2010 na condição de pessoa com deficiência física, conforme avaliação médica, e que foi dispensado sem justa causa em 2014. À Justiça pediu a nulidade da dispensa, sob o argumento de que a empresa não providenciou a contratação imediata de outro trabalhador reabilitado ou com deficiência física, de forma que sua demissão teria sido efetuada de forma discriminatória.

Garantia

A sentença de primeiro grau lhe foi favorável. O juízo anulou a dispensa, considerando que a empresa não cumpriu a exigência legal prevista no artigo 93 da Lei 8.213/1991. Porém, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA), ao julgar recurso, decidiu pela regularidade da dispensa e reformou a decisão, por entender que a previsão legal não confere garantia individual de emprego ao empregado reabilitado ou deficiente. O trabalhador recorreu ao TST.

Reintegração

Ao examinar o recurso, o ministro Mauricio Godinho Delgado, relator, afirmou, entre outros fundamentos, que a legislação previdenciária, visando garantir a máxima efetividade à cota de inclusão social, determinou que o empregado na condição de deficiente ou beneficiário reabilitado somente poderia ser dispensado mediante a correlata contratação de outro trabalhador em situação semelhante.

Segundo o ministro, trata-se de norma auto aplicável, que limita o poder potestativo do empregador, de modo que, se a exigência legal não for cumprida, é devida a reintegração no emprego, “sob pena de se esvaziar o conteúdo constitucional a que visa dar efetividade”.

Dignidade

Ele ressaltou que a “conquista e a afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à liberdade e à intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e a afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego”.

Indenização

Assim, levando-se em consideração a gravidade do dano, o caráter pedagógico da medida, o grau de culpa do ofensor e a sua condição econômica, o ministro manteve a sentença, que condenara a empresa ao pagamento de R$ 5 mil a título de indenização por danos morais. O relator observou que o empregado não questionou o valor indenizatório fixado no primeiro grau, no momento oportuno, motivo por que não comporta adequações.

Contra a decisão, a Suzano apresentou embargos de declaração, aos quais a Terceira Turma negou provimento.

Veja o acórdão.
Processo: RR-221-20.2016.5.05.0531

TRT/RJ: Mãe de filho com transtorno do espectro autista tem sua jornada de trabalho reduzida sem prejuízo de salário

A ausência de norma expressa que assegure horário especial ao trabalhador que tenha filho dependente com deficiência, sem a redução do seu salário e sem a compensação de horário, não impede que esse direito seja assegurado. Assim decidiu a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), com a relatoria do desembargador Mário Sérgio M. Pinheiro, ao reformar a sentença que indeferiu a redução da jornada, sem prejuízo de salário, a uma funcionária da Caixa Econômica Federal cujo filho é autista.

A trabalhadora requereu, em sua petição inicial, a redução de sua jornada diária de seis para quatro horas, sem prejuízo de sua atual remuneração. Alegou a inadiável necessidade de se fazer presente no acompanhamento diário multidisciplinar a que deve se submeter seu filho, que nasceu com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Em sua defesa, a Caixa Econômica Federal alegou que inexiste previsão legal que a obrigue a reduzir a jornada da trabalhadora, que tem seu contrato regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O pedido da bancária foi indeferido em primeiro grau. O juízo entendeu que inexiste no ordenamento jurídico lei em sentido estrito que imponha o direito postulado e que não verificou nenhuma ação ou omissão da ré que viole os direitos e a dignidade da trabalhadora ou do menor. Inconformada, a empregada recorreu da decisão.

No segundo grau, o caso foi analisado pelo desembargador Mário Sérgio M. Pinheiro. Inicialmente, o magistrado observou que ao contrário do disposto no Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8112/90) a CLT não dispõe sobre a redução de jornada para acompanhamento de familiares com deficiência. Entretanto, esse fato não deve ser um óbice ao deferimento do direito pleiteado pela trabalhadora. “A ausência de legislação pátria expressa, que assegure horário especial ao trabalhador que tenha filho dependente com deficiência, sem redução de salário e independentemente de compensação de horário, não impede, no entanto, o direito vindicado”, assinalou o magistrado em seu voto.

O relator, diante da análise dos laudos médicos acostados nos autos, concluiu ser incontroverso que o filho da bancária é portador de TEA – Transtorno do Espectro Autista – CID 10 F84.0 (autismo) e que necessita de tratamento contínuo com fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, entre outros profissionais.

Assim, o desembargador defendeu a aplicação analógica do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei 8112/90) “para garantir a redução da jornada sem a proporcional diminuição dos vencimentos de trabalhadora que é mãe de criança com Transtorno do Espectro Autista (F84), com base na interpretação de normas constitucionais e internacionais que visam dar efetividade aos princípios fundamentais do nosso Estado Democrático de Direito, tendo por fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV, da CF/88)”.

Entre as normas internacionais aplicáveis, citou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário, que, segundo o magistrado, “realça a importância que deve ser dada para a efetiva integração da pessoa com deficiência à sociedade”, e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

Portanto, o colegiado deu provimento ao recurso da trabalhadora para condenar o banco a reduzir de imediato a carga horária da trabalhadora de seis para quatro horas diárias, enquanto houver a necessidade de acompanhamento do filho com deficiência, sem prejuízo salarial e sem necessidade de compensação de horário. A decisão dada pela 1ª Turma independe do trânsito em julgado, haja vista que aguardar pelo trânsito poderia inviabilizar o resultado útil do processo.

Nas decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, são admissíveis os recursos enumerados no art. 893 da CLT.

PROCESSO nº 0100623-72.2019.5.01.0028

TRT/SP: Enfermeiros de hospital de São Paulo poderão fazer testes PCR com ou sem sintomas de covid-19

Enquanto durar a pandemia, os enfermeiros do Hospital Albert Einstein poderão realizar o teste PCR para covid-19, apresentando ou não sintomas da doença. A medida se tornou válida graças a um acordo homologado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) entre o Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo e a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein. Pelo acordo, o fornecimento e os testes ficam a cargo do hospital.

A audiência telepresencial ocorreu no último dia 7 no Cejusc de 2ª Instância, e foi conduzida pelo juiz do trabalho Jorge Batalha Leite, que mediou a negociação entre as partes. A composição pôs fim a um conflito iniciado em 2020 durante o início da pandemia do coronavírus, e permitiu que trabalhadores e empregador saíssem satisfeitos com a conciliação.

Pelo acordo, a reclamada se compromete, enquanto perdurar a pandemia, a garantir o direito aos enfermeiros da instituição ao recebimento e à realização de teste PCR, seja por ser do seu simples interesse, mesmo assintomático, seja por qualquer sintoma, inclusive da covid-19 e suas variantes, a qualquer momento.

Histórico do processo

O caso chegou à 2ª Região após o sindicato ajuizar ação com pedido de urgência para testagem em massa de enfermeiros, afastamento de profissionais com resultado positivo para covid-19 e disponibilização de local para cumprimento de quarentena. Em defesa, o hospital alegava que os pedidos já eram atendidos, pois o PCR é feito rotineiramente, os trabalhadores “positivados” são afastados, além de serem disponibilizados quartos de hotéis para os que não se sintam confortáveis em retornar para suas residências.

No curso do processo, várias medidas ocorreram (como concessão e revogação de liminar, recursos para o 2º grau, além de pedido de correição), até que um pedido de tentativa de conciliação foi feito pelo sindicato, atendido pelo TRT-2 e aceito pela reclamada.

Teste PCR

O teste PCR é um exame que detecta o material genético do vírus nos primeiros dias da doença. Apresenta resultados confiáveis e é indicado para doentes que estejam com sintomas compatíveis com covid-19. A coleta é feita a partir da coleta da mucosa do nariz e da garganta.

Processo nº 1000556-39.2020.5.02.0022

TST: Instrutores de motoescola receberão adicional de periculosidade

Para a 7ª Turma, eles estavam expostos de forma habitual a riscos.


A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho deferiu o pagamento do adicional de periculosidade a instrutores de motocicleta de uma autoescola de Campinas (SP). Para o colegiado, o tempo de exposição habitual ao risco na condução do veículo em vias públicas não pode ser considerado como extremamente reduzido.

Percurso
A ação foi ajuizada pelo sindicato dos trabalhadores da categoria contra a autoescola, visando ao pagamento do adicional de 30% aos instrutores práticos de motocicleta da empresa. O argumento era que eles se deslocam em via pública por tempo considerável.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) afastou o pagamento da parcela, que fora deferido no primeiro grau. A decisão levou em conta que a distância percorrida pelos instrutores entre a autoescola e o local onde eram ministradas as aulas era de apenas 2,3 km, com percurso estimado em sete minutos, sendo que suas idas diárias ao local variavam entre duas e sete vezes.

Habitualidade do risco
O relator do recurso de revista do sindicato, ministro Renato de Lacerda Paiva, explicou que a discussão, no caso, diz respeito a saber se o tempo de deslocamento em vias públicas pelos instrutores de motocicleta é ou não considerado extremamente reduzido. Para o ministro, não parece crível, no caso, considerar dessa forma, para fins de percepção de adicional de periculosidade, a distância de 2,3 km percorrida diariamente pelos instrutores, no tempo de sete minutos, e mais de uma vez ao dia, entre a autoescola e o local onde são ministradas as aulas, em percurso de ida e volta.

Assim, restando caracterizada a habitualidade de exposição ao risco, o ministro considerou devido o adicional de periculosidade requerido. A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo: RR-10605-72.2018.5.15.0085

TST: Sócio consegue anular penhora da casa em que mora mesmo não se tratando do único imóvel da família

A ausência de prova de que seja seu único imóvel não afasta a impenhorabilidade.


A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho anulou o leilão de uma casa em Guarulhos (SP) que serve de residência para um dos sócios da Mamonas Serviços Automotivos Ltda., penhorada para pagamento de dívida trabalhista a um caixa da empresa. A decisão segue o entendimento do TST que considera bem de família o imóvel utilizado como residência pela entidade familiar, sendo irrelevante o fato de não se tratar do único imóvel do devedor.

Entenda o caso
Na reclamação trabalhista, ajuizada pelo caixa em 2004, a oficina foi condenada ao pagamento de diversas parcelas, como aviso-prévio, férias proporcionais e vencidas, totalizando cerca de R$ 15 mil. Na fase de execução, os valores não foram pagos espontaneamente e, após tentativas infrutíferas de bloqueios de bens e de contas bancárias, o processo chegou a ser arquivado. Em 2016, foi localizado o imóvel de um dos ex-sócios, avaliado em R$ 359 mil, e sua penhora foi determinada pelo juízo da 6ª Vara do Trabalho de Guarulhos.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), embora tenha registrado que o ex-sócio havia comprovado que residia no imóvel, não reconheceu a impenhorabilidade do bem. Segundo o TRT, não houve prova de que a casa seria o único bem do devedor, para que pudesse ser considerada como bem de família.

Residência impenhorável
O relator do recurso de revista do proprietário, desembargador convocado Marcelo Pertence, observou que a jurisprudência do Tribunal é firme no sentido de considerar bem de família o imóvel utilizado como residência pela entidade familiar, sendo irrelevante o fato de não ser o único imóvel do executado. Para o colegiado, ao manter a penhora, o Tribunal Regional violou o artigo 5º, inciso XXII, da Constituição da República, que trata do direito de propriedade.

Por unanimidade, a Turma anulou a penhora e, por conseguinte, a hasta pública e a arrematação do imóvel, determinando o retorno dos autos à Vara do Trabalho a fim de que prossiga a execução, nos termos da lei.

Veja o acórdão.
Processo: Ag-AIRR-63400-92.2004.5.02.0316

TRT/MG: Controladora de acesso que não dispunha de assento no local de trabalho e não fazia pausas será indenizada

A Justiça do Trabalho deferiu indenização por danos morais de R$ 2 mil a uma trabalhadora que atuava como “controladora de acesso” em um shopping localizado na região sul da capital mineira. Ela fazia o monitoramento das pessoas que entravam no shopping, como, por exemplo, medição de temperatura e fiscalização sobre o uso de máscaras, conforme exigências das normas sanitárias vigentes no período da pandemia da Covid-19. No entanto, ficou provado que a estrutura de trabalho era precária e não oferecia à ex-empregada condições de fazer pausas para descanso, alimentação ou mesmo ir ao banheiro.

A sentença é da juíza Silene Cunha de Oliveira, titular da 26ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. A magistrada constatou a negligência da empregadora quanto ao fornecimento de assento aos controladores de acesso, além da falta de substituição por colega quando se fizesse necessário.

Na ação que ajuizou contra a empregadora e o shopping center, a controladora de acesso afirmou que era constantemente humilhada em seu local de trabalho, dizendo que era obrigada a ficar de pé por mais de nove horas diárias e não lhe era permitido ir ao banheiro ou tomar água, sendo obrigada a aguardar horas para que alguém a substituísse para que pudesse fazer uma pausa. Os réus se defenderam afirmando que sempre havia banheiros disponíveis e boas condições de trabalho para os empregados.

Conversas por aplicativo de mensagens e a dificuldade de “rendição” para as pausas – Mas, em conversas via aplicativo de mensagens, foi confirmado que, de fato, não havia cadeira no posto de trabalho. Chamou a atenção da magistrada conversa ocorrida entre a autora e os colegas, em que ela relata que está “passando mal” e os colegas falam que reivindicaram do supervisor, sem sucesso, uma cadeira no posto de trabalho.

Com relação à substituição para que os controladores de acesso pudessem ir ao banheiro e beber água, a julgadora observou que havia uma certa distribuição, “ainda que precária”, quanto ao posto que cada “controlador” iria assumir, existindo um que ficava “no rendimento”.

Prova testemunhal: “Não podia sair para beber água ou ir ao banheiro”; “algumas passavam mal” – Entretanto, a prova testemunhal demonstrou que a substituição dos controladores deveria ser feita por alguém da equipe e, como não havia pessoal suficiente, poderia ser realizada por bombeiro do shopping, o qual, por ter outras funções, muitas vezes, não podia parar para render o controlador. Testemunha ouvida chegou a relatar: “que não podia sair para beber água ou ir ao banheiro; que podiam pedir ao segurança, mas ele não podia ficar, e quando não tinha quem substituísse não podiam sair”. Contou ainda que “a maioria da equipe passou mal por falta de alimentação e de água, que não podiam assentar, que não tinham comunicação com a empresa, mandavam mensagens umas paras as outras no celular e o supervisor não ficava no shopping”.

Precariedade nas condições de trabalho – Danos morais – De acordo com a juíza, a precariedade das condições de trabalho ofertadas pelas empresas caracteriza conduta ilícita, em ofensa ao direito à saúde, à higiene e à segurança do trabalhador, garantias fundamentais asseguradas na Constituição Federal. Na visão da julgadora, ficou evidente que a reclamante trabalhou em condições inadequadas, com afronta ao mínimo exigido para satisfação da dignidade da pessoa humana. (artigo 1º, inciso III, da Constituição).

A magistrada identificou, no caso, os pressupostos para estabelecer o dever de indenizar, tendo em vista a prova do ato injurídico decorrente de dolo/culpa por parte da empregadora, do qual se conclui pelos danos morais sofridos pela reclamante.

Valor da indenização – Ao fixar a indenização no valor de R$ 2 mil, a magistrada levou em conta diversos aspectos envolvendo o caso concreto, como a natureza do bem jurídico tutelado, a intensidade do sofrimento e a possibilidade de superação física/psicológica da trabalhadora, os reflexos pessoais e sociais da ação/omissão das empresas, a extensão e a duração dos efeitos da ofensa, as condições em que ocorreram as ofensas, o grau de dolo ou culpa dos réus, a ausência de ocorrência de retratação espontânea ou de comprovação de esforço efetivo para minimizar a ofensa, a ausência de perdão, tácito ou expresso, a situação social e econômica das partes envolvidas, bem como o grau de publicidade da ofensa. Tudo na forma do artigo 223-G, da CLT, incluído pela Lei nº 13.467, de 2017.

Responsabilidade subsidiária do shopping – A autora era empregada de uma empresa que prestava serviços ao centro comercial. Na qualidade de tomador dos serviços, o shopping foi condenado de forma subsidiária, sendo a empregadora de forma principal, pelo pagamento da indenização por danos morais e também por direitos trabalhistas descumpridos. Entre estes, horas extras decorrentes da jornada das 12h às 22 horas, de terça a domingo, remuneração dobrada pelo trabalho em domingos e feriados e, ainda, a remuneração pelo tempo de intervalo intrajornada não respeitado. Em grau de recurso, os julgadores da Sexta Turma do TRT-MG mantiveram a sentença nesse aspecto.

Processo n° 0010087-50.2021.5.03.0105

TRT/SC: Correios devem indenizar carteiro que sofreu acidente com moto

Trabalhador caiu de veículo quando retornava do trabalho e precisou fazer cirurgia no ombro


O trabalho do carteiro que utiliza motocicleta pode ser considerado uma atividade de risco acentuado, condição que amplia o grau de responsabilidade do empregador em eventual acidente. Com esse entendimento, a 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) condenou os Correios a pagarem uma indenização de R$ 20 mil a um carteiro de Florianópolis (SC).

O acidente aconteceu em maio de 2017, quando o carteiro já havia encerrado sua jornada e retornava para casa. Após passar por um trecho com areia na pista, ele caiu da moto e sofreu uma lesão no ombro esquerdo. O empregado precisou fazer uma cirurgia no ombro e ficou afastado do trabalho por dois anos.

Ao pleitear uma indenização de R$ 80 mil, a defesa do trabalhador argumentou que ele teve uma série de despesas com medicamentos, consultas e tratamento fisioterápico, além de ficar impossibilitado de executar movimentos repetitivos e erguer pesos — a perícia médica estimou que o empregado teve 10% da sua capacidade motora reduzida.

Na contestação, a defesa dos Correios alegou que a queda não teria relação direta com o trabalho desempenhado, afastando a responsabilidade do empregador. A empresa ressaltou que promove treinamentos e exames periódicos com os entregadores e destacou que o carteiro não transportava objetos com mais de dez quilos.

Atividade de risco

O caso foi julgado na 2ª Vara do Trabalho de Florianópolis, que acolheu o pedido do empregado e condenou a empresa a pagar uma indenização de R$ 9 mil, além de uma indenização mensal de 10% do salário até o empregado completar 75 anos.

Ao fundamentar sua decisão, o juiz Valter Túlio Ribeiro explicou que, em regra, a indenização por acidente de trabalho exige a demonstração de dolo ou culpa do empregador. Porém, em caráter excepcional, a exigência não prevalece quando a atividade profissional é considerada de risco.

“O acolhimento da responsabilidade objetiva atende a maior proteção do trabalhador e abranda o rigorismo do estabelecimento da culpa como pressuposto para a indenização”, afirmou o magistrado, acrescentando que o conjunto de provas deixou claro o nexo causal entre o acidente e os problemas de saúde do empregado.

A decisão foi mantida por maioria de votos na 4ª Câmara do Regional, que aumentou o valor da indenização para R$ 20 mil, valor considerado adequado ao porte da companhia. O desembargador Garibaldi Tadeu Pereira Ferreira, relator do acórdão, defendeu que, presente o risco acentuado à integridade física do trabalhador, a responsabilidade civil pelo acidente independe da análise de culpa da empresa.

“É notório que o uso de motocicleta expõe o condutor a elevado risco de acidente”, afirmou o relator. “Tal fato, inclusive, foi reconhecido recentemente pelo legislador ordinário ao acrescer o §4º ao art. 193 da CLT, estendendo o pagamento do adicional de periculosidade às atividades de trabalhador em motocicleta”, completou.

O relator concluiu afirmando que o entendimento é pacífico junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) e ponderou ainda que, segundo a legislação, o risco da atividade econômica deve ser suportado pelo empregador, e não pelo empregado (artigo 2º da CLT).

A ECT ainda pode interpor recurso para o TST.


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