TJ/PR decide pela destituição do pai biológico e adoção pelo padrasto

A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) confirmou a adoção de uma menina de 11 anos pelo padrasto e destituiu o poder familiar do pai biológico. Para o relator do acórdão, desembargador Eduardo Cambi, a adoção trará estabilidade emocional e jurídica para a criança, que não convivia com o pai biológico desde os 4 anos. “Não houve o exercício positivo e responsável da paternidade desde 2015, com a perda de vínculos familiares, que caracterizou abandono afetivo da criança, desde os primeiros anos de sua vida, pela ocorrência de vício do pai registral em substâncias entorpecentes e pela circunstância de ser condenado (e ter cumprido) pena privativa de liberdade”, explicou o desembargador.

Durante o processo, a menina expressou claramente que não quer ver o pai biológico e já tem estabelecida relação socioafetiva sólida com o padrasto, que desempenha as funções paternas. Ela disse também que não criou laços de afinidade e afetividade com o pai biológico e se sente mais segura e feliz com o padrasto. “O tempo da infância é muito curto para ser desperdiçado com adultos que não se importam com o devido cuidado, criação e educação dos filhos”, argumentou o desembargador.

Melhor interesse infantojuvenil

No julgamento envolvendo direitos de crianças e adolescentes, deve prevalecer – como vetor hermenêutico da tutela jurisdicional – o princípio da superioridade e do melhor interesse infantojuvenil. A decisão se fundamentou nos artigos 227, caput, da Constituição Federal, 4º e 100, par. Ún., inc. IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente, 3.1 da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, 2º da Declaração Universal dos Direitos das Crianças, 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos e Observação Geral nº 14/2013 do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU).

A defesa do pai biológico tinha solicitado o reconhecimento da multiparentalidade e a reintegração da menina com o pai e a família paterna. Mas o recurso foi negado pela 12ª Câmara Cível do TJPR, seguindo o entendimento de Maria Berenice Dias: “O poder familiar é um dever dos pais a ser exercido no interesse do filho. O Estado moderno sente-se legitimado a entrar no recesso da família, a fim de defender os menores que aí vivem. Assim, reserva-se o direito de fiscalizar o adimplemento de tal encargo, podendo suspender e até excluir o poder familiar.”

Parentalidade positiva

O relator do acórdão concluiu que “nas hipóteses em que for constatada a violação da ética do cuidado e dos deveres jurídicos inerentes ao poder familiar, compete ao Estado-juiz adotar a(s) medida(s) mais adequada (s) para garantir a segurança e bem-estar dos filhos menores de dezoito anos, porque as violências, negligências e falta de afeto interferem na formação da personalidade e comprometem o desenvolvimento integral (físico, mental, moral, espiritual e social), livre e digno das crianças e adolescentes”. A decisão também cita a parentalidade positiva, a educação com respeito, acolhimento e não-violência, com manutenção da vida digna.

Processo 0015520-47.2022.8.16.0021

TRT/PR: Clube de Curitiba deve pagar indenização à auxiliar técnico após falsificar contrato

Um clube de futebol de Curitiba foi condenado pela 2ª Turma de desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR) a quitar os valores acordados, em caráter de indenização, ao demitir um auxiliar técnico antes do prazo definido em contrato. O clube chegou a apresentar um contrato de trabalho falso para tentar fugir da responsabilidade legal, mas não obteve êxito em ludibriar a Justiça do Trabalho. Assim, o trabalhador deverá receber a metade dos salários dos meses faltantes, cerca de R$ 150 mil à época, além de pagar multa de 5% sobre o valor da causa por litigância de má-fé. Da decisão, cabe recurso.

O auxiliar técnico foi admitido em janeiro de 2020. O contrato, que era por prazo determinado, terminaria em dezembro de 2021. Em outubro de 2020, o clube de futebol demitiu a comissão técnica, inclusive o auxiliar. O empregado ajuizou ação trabalhista para cobrar os valores referentes aos 16 meses que ainda trabalharia no clube, segundo pactuado em contrato. O artigo 479 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que trata sobre o pagamento da remuneração no caso de despedida sem justa causa em contratos por tempo estipulado, estipula que o trabalhador deverá receber, a título de indenização, a metade dos salários dos meses faltantes.

O time, porém, alegou que o contrato era por prazo indeterminado. O documento, apresentado no processo pelo clube, confirmava a alegação. A agremiação destacou ainda que demitiu o auxiliar, sem justa causa, pagando as verbas trabalhistas devidas. O trabalhador alegou, então, que o contrato de trabalho apresentado nos autos pelo clube era falso. Diante da acusação, o Juízo de 1º Grau determinou uma perícia grafodocumentoscópica. A análise especializada concluiu que as páginas 2 e 5 haviam sido substituídas. O laudo apontou inconsistências nas marcas de grampos, decalques ausentes nas páginas 2 e 5, inconsistências de rubricas, ausência de rubrica do trabalhador nas duas folhas, entre outras incoerências. Em razão disso, a decisão de 1º Grau, na 10ª Vara do Trabalho de Curitiba, é que cópia do processo fosse enviado ao Ministério Público para apurar a responsabilidade pela falsificação.

O clube de futebol insistiu em argumentar pela validade do contrato de trabalho adulterado, insinuando que o trabalhador teria concordado com a alteração contratual. Também alegou comportamento contraditório do auxiliar, uma vez que ele aceitou as verbas trabalhistas quando foi demitido. “Ao alegar comportamento contraditório pelo reclamante, o reclamado busca se desvencilhar das obrigações assumidas, alegando pretensa quitação pelo trabalhador ao receber o valor que lhe ofertaram”, sustentou o relator do acórdão, desembargador Luiz Alves.

O magistrado salientou que a falsificação do contrato de trabalho demonstra que o clube não apenas descumpriu sua obrigação, “mas deliberadamente adulterou o documento para reduzir ilicitamente os valores devidos ao reclamante, buscando enriquecimento indevido. Diante desse cenário, não se pode cogitar que o reclamante tenha aceitado qualquer modificação contratual, pois sequer houve manifestação de vontade do trabalhador em aderir a suposta alteração do contrato. Além disso, a aceitação de pagamento a menor, considerando o comportamento ardiloso do reclamado, em um contexto de evidente coação econômica, não configura concordância legítima, pois negar-se a receber os valores ofertados poderia implicar prejuízo maior ao trabalhador, que ficaria sem nenhuma parcela da verba alimentar”.

Portanto, a tentativa do clube de futebol de invocar uma suposta concordância tácita ou de alegar comportamento contraditório do trabalhador, continuou o magistrado, é desprovida de fundamento. “Ao invés de um inadimplemento recíproco, o que se verifica é um descumprimento unilateral doloso, que invalida qualquer pretensão de sustentar quitação, ou exceção de contrato não cumprido em seu favor, ou ainda qualquer efeito de pretenso venire contra factum proprium”, sentenciou.

STJ anula provas contra médica acusada de antecipar mortes em UTI, mas mantém ações penais

​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a nulidade da busca e apreensão dos prontuários médicos que embasaram a acusação contra uma médica acusada de antecipar a morte de pacientes internados na unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital em Curitiba. Para o colegiado, a apreensão dos prontuários foi realizada com base em mandado genérico, sem delimitação precisa e sem a individualização dos fatos investigados.

Como a votação no colegiado terminou empatada, aplicou-se o entendimento mais favorável à ré, conforme previsto na Lei 14.836/2024. Prevaleceu, assim, o voto do ministro Joel Ilan Paciornik, que reconheceu a nulidade das provas obtidas, mas afastou o pedido de trancamento generalizado das ações penais. Segundo ele, essa medida seria excessiva e desproporcional, já que a nulidade reconhecida exige reavaliação da justa causa em cada processo, não sendo possível o encerramento automático e coletivo das persecuções, pois outros elementos podem embasar sua continuidade.

“O simples fato de os processos compartilharem um elemento probatório comum não significa que todos compartilham da mesma fragilidade probatória”, explicou. A determinação é para que as provas declaradas nulas sejam desconsideradas e novas decisões sejam proferidas pelos juízos competentes.

A médica responde atualmente a mais de 80 investigações e ações penais por homicídio doloso qualificado, sob a acusação de ter antecipado a morte de pacientes enquanto atuava como intensivista na UTI do Hospital Evangélico de Curitiba, entre 2006 e 2013. Segundo os autos, todos os processos tiveram origem em uma única decisão judicial que autorizou a apreensão de 1.670 prontuários médicos de pacientes que faleceram no período.

Provas foram obtidas mediante violação a princípios fundamentais do processo penal
Ao STJ, a defesa da médica sustentou que todas as investigações e ações penais em curso se fundamentam em uma medida de busca e apreensão nula. Segundo a defesa, a decisão judicial permitiu a apreensão indiscriminada de prontuários médicos de todos os pacientes que morreram na UTI do hospital ao longo de sete anos, configurando uma indevida pescaria probatória (fishing expedition). Os advogados também apontaram violação ao princípio do non bis in idem, já que a médica teria sido sumariamente absolvida em uma das ações derivadas da mesma investigação – o que, na visão da defesa, deveria impedir a repetição de acusações.

O ministro Joel Ilan Paciornik destacou que, embora as acusações contra a médica sejam de extrema gravidade e exijam investigação rigorosa, o ordenamento jurídico brasileiro não admite diligências investigativas que ultrapassem os limites constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.

De acordo com o magistrado, a prática conhecida como fishing expedition é caracterizada pela busca indiscriminada de provas, sem um objetivo definido e sem justa causa, violando frontalmente o devido processo legal. Para ele, esse instrumento compromete garantias fundamentais dos investigados ao inverter a lógica processual, transformando a investigação em um mecanismo arbitrário de produção de provas.

Paciornik ressaltou que a vedação a esse tipo de conduta encontra respaldo direto na Constituição Federal. “Essa amplitude desproporcional e a ausência de delimitação concreta indicam que a diligência não se destinava a investigar fatos específicos e individualizados, mas, isto sim, a vasculhar uma grande quantidade de informações na esperança de encontrar evidências incriminatórias, ou de uma hipótese acusatória posterior, o que caracteriza fishing expedition, prática vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro”, declarou.

Absolvição em um processo específico não impede a tramitação de outras ações
Por outro lado, Joel Ilan Paciornik rejeitou o argumento de que a absolvição da médica em uma das ações impediria a tramitação das demais. Segundo ele, o princípio do contraditório exige que cada acusação seja analisada com base em suas próprias provas e fundamentos, sendo inadequado utilizar o habeas corpus para barrar em bloco processos decorrentes de contextos distintos.

“A alegação de bis in idem não se sustenta, pois, as absolvições anteriores não ostentam a qualidade de coisa julgada material, podendo ser revistas em instâncias superiores e não vinculando, necessariamente, o desfecho de outras ações criminais”, concluiu ao determinar o desentranhamento das provas consideradas nulas e orientar os juízos de primeira instância a reavaliarem a existência de justa causa para a continuidade das persecuções penais.

Processo: RHC 195496

TJ/PR: Companhia aérea deve embarcar animal de suporte emocional

O cão fêmea Amora, de 17 kg, foi autorizada a acompanhar viagem na cabine.


A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) negou recurso de companhia aérea e expediu um mandado de intimação autorizando o embarque do cão fêmea Amora, de 5 anos, com a sua tutora, para uma viagem internacional. Amora, de 17 kg, não foi autorizada a viajar na cabine, de acordo com as regras da companhia aérea, que limita em 10 kg a presença de animais de estimação. A tutora apresentou laudos médicos que comprovaram que o animal exerce o papel de assistência emocional para as crises de ansiedade, e o certificado de adestramento, que a identificou com comportamento dócil e de fácil manejo.

O magistrado Anderson Ricardo Fogaça, da 5ª Câmara Cível, explicou que “o reconhecimento jurídico do papel terapêutico desempenhado por animais como Amora insere-se no conceito de animal de suporte emocional (Emotional Support Animal – ESA). Diferentemente de um pet comum, o ESA exerce função auxiliar ao tratamento de transtornos psíquicos e emocionais, com respaldo técnico de profissionais da saúde, devendo, portanto, ser enquadrado dentro de uma lógica protetiva e inclusiva.”

Dimensão relacional e terapêutica

Ainda segundo a decisão, na doutrina e na jurisprudência contemporânea, essa categoria de animais não pode ser tratada sob uma ótica meramente patrimonial ou utilitária, como simples objeto de propriedade. “Ao contrário, reconhece-se a estes seres uma dimensão relacional e terapêutica, sendo-lhes atribuída, ainda que de forma indireta, uma função social e assistencial, análoga à dos cães-guia”, frisou o magistrado, que relembrou decisão da 10ª Câmara Cível do TJPR (0049087- 35.2022.8.16.0000), equiparando os cães de suporte emocional aos cães-guia nas regras de transporte de animais nas cabines de aviões, e da 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A decisão foi fundamentada na Constituição Federal, em seu artigo 225, §1º, inciso VII, ao estabelecer que o Estado e a coletividade têm o dever de proteger a fauna e a flora, vedando as práticas que submetam os animais à crueldade, o que inclui situações de sofrimento psíquico, estresse extremo e privação de vínculos afetivos relevantes para sua estabilidade emocional. A legislação infraconstitucional, como a Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/1998) e decisões judiciais recentes têm se alinhado ao entendimento de que os animais não são coisas, mas sujeitos de consideração moral e jurídica, reconhecendo sua capacidade de sentir dor, angústia, afeto e medo. Portanto, a separação de Amora da sua tutora também configuraria “violação à integridade psíquica” do animal.

Processo 0033351-69.2025.8.16.0000

TRT/PR: Para realizar tratamento de filho autista, pai tem reconhecido o direito ao teletrabalho no exterior

O pai de um adolescente autista teve reconhecido pela 5ª Turma de desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR) o direito de desempenhar suas atividades em teletrabalho para poder realizar o tratamento de saúde de seu filho no exterior. A Justiça do Trabalho paranaense reconheceu o direito paterno embora o estatuto da empresa onde o engenheiro eletricista trabalha não tenha regulamentação sobre trabalho remoto. Para isso, o Poder Judiciário aplicou o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). O processo corre em segredo de Justiça, por envolver a situação de saúde de uma pessoa menor de idade.

No dia 2 de abril, é celebrado anualmente o Dia Mundial do Autismo. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 2007 para a conscientização. Coincidentemente, em junho deste mesmo ano iniciou o contrato de trabalho do engenheiro, autor do processo em questão, com uma empresa do ramo energético, que atua em Foz do Iguaçu. Em 2015, ainda em Foz, ao perceber que o desenvolvimento de seu filho era diferente do que seria considerado regular para a idade, especialmente em relação à parte de comunicação, a família resolveu investigar. Em 2016, após uma série de testes, a criança recebeu diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A fim de proporcionar um melhor desenvolvimento para seu filho, a família toda teve que se adaptar. Entre 2016 e 2022, a família residia em Curitiba, mas o pai passava a semana em Foz do Iguaçu, onde continuava o trabalho de engenheiro elétrico. Nos fins de semana, o trabalhador voltava para casa.

Conforme a documentação trazida ao processo, o filho do trabalhador não se adaptou à cidade e aos tratamentos realizados em Curitiba. O TEA possui essa característica: não existem soluções genéricas, pois a singularidade de cada pessoa é extremamente acentuada. Em 2022, a família chegou a um ponto crítico, pois o filho estava entrando na adolescência e o tratamento realizado em Curitiba não trazia resultados. A família toda sofria com as crises de ansiedade e pânico do rapaz. Diante do sofrimento do filho, a família novamente buscou e encontrou uma nova possibilidade de tratamento, agora nos Estados Unidos da América (EUA).

Em janeiro de 2023 mudaram-se para os EUA. O engenheiro estabeleceu com seus antigos superiores hierárquicos um ‘plano de ação transitório’, para o desempenho das atividades a partir do exterior. Entretanto, a direção da empresa mudou em junho de 2023 e considerou que a situação de seu funcionário realizando teletrabalho a partir do exterior era irregular. Em uma reunião com o autor da ação, seus superiores hierárquicos informaram que ele teria duas opções: ou retornava para o desempenho de suas atividades regulares de forma presencial ou então deveria comparecer ao RH para solicitar sua demissão.

O trabalhador ajuizou ação trabalhista perante a 1ª Vara do Trabalho (VT) de Foz do Iguaçu, onde buscava reconhecer a regularidade de sua situação de teletrabalho, dentre outros pedidos, pois era insustentável o conflito de interesses entre o posicionamento da nova diretoria da empresa e a saúde de seu filho mais a preservação de sua família.

O juízo de 1ª Instância reconheceu o direito ao teletrabalho e indeferiu um pedido da empresa de que fosse realizada perícia para comprovar a condição de pessoa com TEA do filho do reclamante. “Acolho em parte as pretensões da inicial para determinar que a reclamada mantenha o reclamante, de forma integral, em trabalho remoto, com todos os acessos aos sistemas necessários à execução do trabalho, mediante ausência de qualquer desconto salarial, punição ou prejuízo em sua ficha funcional, até que haja alteração substancial nas condições do menor, a ponto de não mais ser necessário o tratamento”, determinou a sentença.

Diante da negativa quanto ao pedido de perícia, a empresa interpôs recurso ordinário alegando ‘cerceamento de defesa’ e pedindo modificação da decisão que permitiu ao engenheiro trabalhar dos EUA. O recurso foi julgado pela 5ª Turma de desembargadores e teve a relatoria da desembargadora Ilse Marcelina Bernardino Lora, que confirmou a decisão da 1ª VT de Foz do Iguaçu e também reconheceu o direito do autor da ação de permanecer em teletrabalho a partir do exterior, já que existem os meios possíveis para permitir essa adaptação, sem que o pai tenha que deixar de cuidar de seu filho.

A 5ª Turma também considerou que não houve cerceamento de defesa em razão de a 1ª VT de Foz do Iguaçu haver indeferido o pedido de perícia, já que os laudos trazidos ao processo comprovam suficientemente a condição de saúde do filho do engenheiro. “Ainda que ausente mútuo acordo para se conceder o teletrabalho ao reclamante, tal regime se mostra o meio adequado e necessário para viabilizar ao autor acompanhar sua família nos Estados Unidos, e a continuidade do acompanhamento multidisciplinar que seu filho, na condição de PCD, tem acesso naquele país. Irrelevante, dadas as peculiaridades do caso em concreto, a formalização da entrada e permanência do reclamante no país estrangeiro (modalidade do visto), pois o que se discute é a sua permanência junto ao filho”, declarou a relatora.

Na mesma fundamentação, a relatora observa que não é um exame pericial comum que permite o diagnóstico de TEA, salientando que sua identificação vem a partir de uma série de testes feitos por uma equipe multidisciplinar e que examinam questões físicas, sociais e psicológicas da pessoa, antes de chegar a qualquer parecer. A desembargadora Ilse considera que o garoto já possui um laudo conclusivo, e seria, portanto, desnecessário ter que provar o que já estava comprovado pela documentação trazida ao processo. “Sob esse viés, sendo a deficiência resultante da totalidade dos impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais que caracterizam determinada pessoa, devem ser eliminadas todas as barreiras opostas em sociedade, de modo ao exercício pleno da cidadania. O julgamento se direciona de modo a privilegiar a solução que mais favorece a efetivação dos direitos fundamentais”, observou a relatora.

Por unanimidade, a 5ª turma considerou que a deficiência do filho do trabalhador foi devidamente comprovada, que o engenheiro tem direito ao regime de teletrabalho para cuidar de seu filho e que a empresa está obrigada a manter tal regime, mesmo sem previsão expressa no regulamento interno. Neste caso, o regime de teletrabalho é amparado pela própria legislação vigente.

Protocolo antidiscriminatório

A 5ª Turma decidiu com base no Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva (clique aqui para acessaar), do CSJT. O Protocolo traz orientações para magistrados(as), servidores(as), partes e advogados(as), com o objetivo de promover a equanimidade entre as partes, levando em conta o contexto biopsicossocial em relação a gênero, raça, orientação da sexualidade ou em relação a deficiências físicas ou mentais (caso do TEA, segundo a legislação).

O Protocolo recomenda a aplicação da norma mais favorável ao reclamante, incluindo os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como por exemplo a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, base da Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146 de 2015).

Para saber mais

Embora não seja uma doença, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma classificação que consta na 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID 11), pois auxilia os profissionais de saúde a identificar e auxiliar pessoas e famílias a lidarem melhor com esta condição.

Anteriormente havia a percepção de que se tratavam de diferentes síndromes, mas com as pesquisas, a divulgação científica e a própria organização do Movimento da Pessoa Autista, percebeu-se que estas diferentes manifestações possuem características em comum. Por isso o que antes era chamado de ‘autismo infantil’, ‘o autismo atípico’ ou ‘síndrome de Asperger’, hoje é enquadrado dentro do gênero TEA.

Na classificação mais atual, o TEA se subdivide em condições em que o desenvolvimento ou a capacidade da linguagem são prejudicados ou não. De acordo com o nível de assistência necessária, o TEA pode ser de nível 1 (moderado), nível 2 (intermediário), ou nível 3 (maior necessidade de assistência). Com o reconhecimento recente da neurodivergência como um fenômeno biológico humano, atualmente muitas crianças e mesmo adultos têm sido diagnosticados com TEA. O diagnóstico é realizado por meio de uma bateria de testes e avaliações psicológicas, aplicados por equipes multidisciplinares.

STJ: Beneficiário de seguro de vida que matou a mãe durante surto pode receber indenização

Em razão da inimputabilidade do beneficiário do seguro de vida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o pagamento de indenização a um filho que, durante um surto, matou a mãe, segurada do contrato.

“O beneficiário inimputável que agrava factualmente o risco no contrato de seguro não o faz de modo intencional (com dolo), pois é, ontologicamente, incapaz de manifestar vontade civilmente relevante”, disse a autora do voto que prevaleceu no julgamento, ministra Nancy Andrighi.

Segundo o processo, em 2013, a mãe contratou um seguro de vida no valor de aproximadamente R$ 113 mil, indiciando o filho como único beneficiário. No final daquele mesmo ano, o rapaz, durante um surto esquizofrênico, matou a mãe atropelada. Ele foi denunciado por homicídio, mas o juízo criminal proferiu sentença de absolvição imprópria, em razão de o acusado, por causa da doença, ter sido considerado inimputável.

Na esfera cível, o beneficiário ajuizou ação contra a seguradora para cobrar a indenização, mas o juízo de primeiro grau considerou que a morte da segurada, ocasionada pela prática de ato doloso do beneficiário, impediria o recebimento do valor contratado. Contudo, o Tribunal de Justiça do Paraná reformou a sentença sob o entendimento de que o autor não possuía discernimento no momento do crime, sendo incapaz de agir dolosamente.

Beneficiário perde direito à garantia quando agrava intencionalmente o risco do seguro
Em análise do recurso da seguradora, a ministra Nancy Andrighi comentou que, à época dos fatos, havia lacuna legislativa sobre os casos de ato ilícito do beneficiário do seguro no momento do sinistro – o tema está atualmente regulado na Lei 15.040/2024, com vacatio legis até dezembro de 2025.

Em razão da omissão legislativa anterior, a ministra entendeu ser possível aplicar, por analogia, o artigo 768 do Código Civil, segundo o qual perde o direito ao recebimento do seguro o beneficiário que agravar intencionalmente o risco objeto do contrato segurado.

Na avaliação da magistrada, a expressão “intencionalmente” deve ser examinada também nas hipóteses de inimputabilidade e incapacidade civil. Segundo ela, no direito civil, o ato praticado pelo absolutamente incapaz, mesmo que contrário a algum direito, não é considerado ilícito exatamente em virtude da inimputabilidade do incapaz, embora a legislação preveja a possibilidade de reparação do terceiro prejudicado pelo dano.

Inimputável não possui capacidade de manifestar sua vontade
“Se o beneficiário, consciente e intencionalmente, agrava o risco, aplica-se a sanção legal (perda do direito ao benefício assegurado). Se, por outro lado, houve o agravamento do risco – sem que seja possível identificar a manifestação de vontade, dada a inimputabilidade do beneficiário – não é possível aplicar o artigo 768 do Código Civil. Não há vontade civilmente relevante em sua conduta e, como tal, não há intenção dolosa apta a afastar o direito à indenização”, afirmou.

Nancy Andrighi ponderou que esse raciocínio preserva a coerência do sistema jurídico, pois, se o inimputável não possui livre vontade para realizar atos negociais, conforme previsto nos artigos 166, inciso I, e 181, ambos do CC/2002, também não poderá manifestá-la em outras circunstâncias, como para agravar propositalmente o risco contratado (artigo 768 do CC).

O número do processo não é divulgado para preservação da intimidade das partes.

TST: Sem prova de desvio, banco não consegue reverter reintegração de empregado dispensado por justa causa

Empresa queria apenas pagar as verbas rescisórias.


Resumo:

  • Um bancário conseguiu reverter na Justiça sua dispensa por justa causa e ser reintegrado, depois que o banco não conseguiu provar que ele teria desviado dinheiro.
  • Na ação rescisória, o BB sustentava que deveria apenas pagar as parcelas devidas em caso de dispensa imotivada, e não reintegrar o empregado.
  • Para a SDI-2 do TST, uma vez que a justa causa foi considerada inválida, a reintegração é a medida correta.

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso do Banco do Brasil S.A. para anular decisão que determinou a reintegração de um empregado que teve a justa causa revertida por falta de provas suficientes do ato que motivou a dispensa. O banco pretendia apenas converter a justa causa em dispensa imotivada, sem obrigação de reintegrar o bancário. Mas, para o colegiado, uma vez afastado o motivo da justa causa, não é possível desvincular o empregador do seu ato ilegal.

Bancário foi acusado de desviar R$ 100 mil
O empregado, que exercia a função de caixa, foi dispensado em 2007 por improbidade, por supostamente estar envolvido no desvio de uma diferença de R$ 100 mil detectada no ano anterior. O relatório do inquérito aberto pelo banco concluiu que os argumentos apresentados por ele não eram condizentes com o que mostravam as imagens do circuito fechado de TV.

Na ação trabalhista, ele alegou que as provas apresentadas (gravações do circuito fechado de TV e inquérito administrativo) não comprovaram sua culpa. Segundo ele, o representante da empresa confirmou que várias pessoas trabalhavam no mesmo local e também tiveram acesso à casa forte. Além disso, na saída do trabalho naquele dia sua bolsa foi revistada pelo segurança, que nada constatou.

Acusação não foi comprovada
Em 2010, o juízo de primeiro grau manteve a justa causa, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), reexaminando as provas, concluiu que o bancário foi acusado injustamente. De acordo com o TRT, não houve, em nenhum momento, confirmação visual de que ele tenha se apropriado dos valores desaparecidos da casa forte. Com isso, condenou o banco a reintegrá-lo e a pagar indenização de R$ 100 mil.

Reintegração é mantida
A ação rescisória do banco, visando anular a condenação, foi julgada improcedente pelo TRT. O banco recorreu, então, ao TST, sustentando que, de acordo com a jurisprudência em vigor na época, não estava obrigado a motivar sua dispensa. Esse entendimento só foi alterado em 2024 pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 1.022 da repercussão geral). Portanto, para o banco, não haveria a obrigação de reintegrar o empregado, mas apenas de pagar as parcelas devidas.

Contudo, para a relatora do recurso, ministra Liana Chaib, o caso do bancário é diferente porque houve uma motivação expressa – o suposto ato de improbidade, que, porém, não foi demonstrado. Ao serem afastados os motivos da justa causa, aos quais o banco se vinculou, não há possibilidade de simples e puramente converter o desligamento para imotivado, desvinculando o empregador da própria ilicitude de atribuir indevidamente o ato de improbidade ao empregado. Assim, a reintegração é devida.

Veja o acórdão.
Processo: RO-5426-65.2013.5.09.0000

TRF4: Mãe de gêmeos com diabetes consegue horário especial de trabalho para cuidar dos filhos

Uma professora universitária de Curitiba conseguiu ter a carga horária flexibilizada para cuidar dos filhos gêmeos de 5 anos, diagnosticados com Diabetes Mellitus tipo 1, doença sem cura e que gera acúmulo permanente de glicose no sangue. A decisão é da juíza federal Giovanna Mayer, da 5.ª Vara Federal de Curitiba.

A autora da ação afirma, em sua inicial, que conseguia conciliar as aulas presenciais e os cuidados de casa até descobrir a doença dos filhos, em 2019. A partir disso, o tratamento e as medições da glicemia tomaram conta da rotina da professora, dificultando os horários fixos de aula presencial.

A juíza federal destacou o direito à saúde dos filhos da autora e considerou a necessidade de se atentar ao cuidado das crianças.

Com isso, a juíza federal Giovanna Mayer definiu o modelo home office com horários de aulas flexibilizados, de acordo com o melhor modelo para a realização das lições e dos cuidados aos filhos. “Evidentemente, o horário especial exige do servidor a compensação, principalmente em tempos em que são estabelecidos mecanismos para teletrabalho como forma de contenção de despesas e incremento de produtividade.”

A instituição universitária alegou que o pai poderia prestar cuidados aos filhos durante o expediente da professora. Porém, a autora tem a guarda unilateral das crianças.

Assim, a magistrada deferiu o pedido da autora, mas deixou aberto os horários de trabalho e modalidade para que as partes se conciliem da melhor maneira, já que podem haver constantes mudanças na rotina da mãe. “Não é possível ao Juízo traçar, de modo peremptório e com caráter de definitividade, como será estruturado o exercício funcional da autora”, finalizou.

TJ/PR: Pai deve pagar plano de saúde de filho com TEA

A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) decidiu que o pai de uma criança de 4 anos, com Transtorno do Espectro Autista (TEA), tem a obrigação de pagar o plano de saúde do filho. O pai pediu, no recurso, a suspensão do pagamento em uma ação de revisão de pensão alimentícia, alegando que tinha reduzido a sua capacidade financeira. O relator do acórdão, desembargador Eduardo Augusto Salomão Cambi, confirmou a necessidade de manutenção financeira, com base no princípio da parentalidade responsável e na efetividade da tutela jurisdicional, ressaltando a proteção especial assegurada às pessoas com deficiência pela legislação nacional e internacional.

O Direito Antidiscriminatório das Famílias, abordando a divisão desigual do trabalho de cuidado, a desigualdade de gênero e a necessidade de proteção especial às pessoas com deficiência, fundamentou a decisão. A base da argumentação foi o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documentos que estabelecem o direito à saúde e à assistência como prerrogativas fundamentais para a dignidade e autonomia das pessoas com deficiência.

O pai da criança, apesar de ter alegado ter tido uma redução de renda, não apresentou provas consistentes. A mãe não tem atividade remunerada, dedicando-se exclusivamente ao trabalho de cuidado da criança com TEA, que necessita de acompanhamento constante e tratamentos especializados como psicologia, fonoaudiologia e o método ABA (Análise do Comportamento Aplicada).

Conscientização sobre autismo e trabalho de cuidado

A decisão da 12ª Câmara Cível foi baseada na presunção da necessidade no caso de crianças e adolescentes, considerando a vulnerabilidade e a responsabilidade parental. O Tribunal aplicou o trinômio alimentar (necessidade-possibilidade-proporcionalidade) e ressaltou a obrigação do pai de demonstrar a impossibilidade de arcar com os custos do cuidado com o filho. O relator destacou também a importância da conscientização sobre o autismo e os direitos humanos das pessoas com deficiência, destacando que a garantia de acesso a tratamentos adequados é essencial para assegurar o pleno desenvolvimento e a inclusão social das pessoas com TEA.

A decisão do TJPR se encontra alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente ao ODS 3 (Saúde e Bem-Estar), ODS 5 (Igualdade de Gênero) e ODS 10 (Redução das Desigualdades), reafirmando a necessidade de decisões judiciais que garantam condições de vida dignas para pessoas com deficiência, além de promover maior conscientização sobre o autismo e a inclusão social desse grupo.

O caso analisado está registrado sob a Numeração Processual Unificada (NPU) 0002503-96.2023.8.16.0056, na classe processual de Ação Revisional de Alimentos, e trata do direito à assistência financeira a menor com TEA.

TJ/PR: Pais são condenados por praticarem ensino domiciliar

A 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) condenou os pais de três crianças de Curitiba (PR) a pagar uma multa porque não cumpriram a obrigação de matricular seus filhos em uma escola regular, como exige a lei, e porque as crianças não foram imunizadas contra a COVID-19. Apesar de terem feito a matrícula na escola, após decisão judicial na Vara da Infância e da Juventude e Adoção de Curitiba, as crianças não frequentaram as aulas.

O relator do acórdão, desembargador Ruy Muggiati, explicou que a prática do homeschooling, ensino domiciliar, que foi regulamentada pela Lei Estadual n° 20.739/2021, foi considerada inconstitucional, como se observa na decisão do Órgão Especial do TJPR, com relatoria do desembargador Rogério Luis Nielsen Kanayama.

A tese do julgamento é sobre o dever dos pais ou responsáveis de matricular seus filhos na rede regular de ensino, não sendo permitido substituir essa obrigação pelo ensino domiciliar, que carece de regulamentação legal específica no Brasil, assim como promover a imunização obrigatória das crianças.

Os dispositivos citados na decisão foram o Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 14, §1°, e a Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Estadual n° 20.739/2021 no Paraná, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), considerando que “por afronta ao art. 22, XXIV, da Constituição Federal, é de se declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 20.739/2021, que institui as diretrizes do ensino domiciliar (homeschooling) no âmbito da educação do Estado do Paraná.”.

A família argumentou no processo que os três filhos estudam os conteúdos regulares de ensino, com uso de livros didáticos, de português, matemática, história, geografia e ciências, com inclusão em sua rotina de inglês, fazendo visita semanal à biblioteca, experiências no jardim, contemplação do belo, leitura em voz alta, jogos e atividades físicas. Os pais também relataram que visitam museus, galerias de artes, frequentam o Largo da Ordem, são ciclistas e praticantes de esporte ao ar livre, levando as crianças em parques e espaços culturais de Curitiba. Mas o Conselho Tutelar, em visita domiciliar, alertou os genitores sobre a necessidade de os filhos frequentarem instituição de ensino, afirmando que não “há amparo legal para ancorar a didática acadêmica escolhida pela família”.

A jurisprudência citada é: TJPR, ADI nº 065253-79.2021.8.16.0000, Rel. Des. Rogério Luis Nielsen Kanayama, Órgão Especial, j. 21.03.2022; STF, RE 888.815, Rel. Min. Roberto Barroso, Plenário, j. 12.09.2018; Tema 1103 do STF.

Processo n° 0007856-46.2022.8.16.0188


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