STJ reitera impossibilidade de colaboração premiada de advogado contra cliente

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou o entendimento de que o advogado não pode firmar colaboração premiada para delatar fatos contra o cliente, sob pena de comprometer o direito de defesa e o sigilo profissional. A exceção ocorre nos casos de simulação da relação advogado-cliente – situação que, segundo o colegiado, deve ser provada, não podendo ser presumida.

O caso teve origem em habeas corpus no qual o réu de uma ação penal defendeu a ilicitude de colaboração premiada firmada por advogado anteriormente contratado por ele, por envolver fatos supostamente cobertos pelo sigilo profissional.

Por maioria de votos, o habeas corpus foi negado em segundo grau, mas o recurso foi provido pelo relator no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Contra a decisão monocrática, o Ministério Público Federal (MPF) interpôs agravo regimental e apontou haver indícios de que os serviços advocatícios prestados eram simulados, colocando em dúvida a relação entre advogado e cliente.

Presunção de boa-fé na relação advogado-cliente
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca apontou que o STJ, em mais de uma oportunidade, já se posicionou sobre a impossibilidade de o advogado delatar fatos cobertos pelo sigilo profissional, tendo em vista que o sigilo é premissa fundamental para o exercício de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente.

O relator também citou precedentes no sentido de que a boa-fé na relação advogado-cliente é presumida, ao passo que a alegação de simulação deve ser concretamente demonstrada.

De acordo com o ministro, os elementos dos autos indicam que houve efetiva atuação do advogado em relação à pessoa que se tornaria ré na ação penal, havendo inclusive comprovação do pagamento de honorários, não sendo possível inverter a presunção a respeito de sua atuação em favor do cliente.

“Não havendo provas de se tratar de mera relação simulada, prevalece a impossibilidade de o advogado delatar seu cliente, sob pena de se fragilizar o direito de defesa. Assim, deve ser considerada ilícita a colaboração premiada, na parte em que se refere ao paciente, bem como as provas dela derivadas”, concluiu Reynaldo Soares da Fonseca.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

TJ/DFT: Policial expulso da corporação não tem direito de cumprir pena em unidade prisional militar

A 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) manteve decisão da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal (VEP/DF), que havia negado o pedido de transferência de um ex-policial militar, condenado pelo crime de tráfico de drogas, para uma unidade prisional militar.

A decisão da VEP/DF se baseou no entendimento de que as garantias previstas no artigo 18 da Lei nº 14.751/2023 não alcançam o sentenciado e, mesmo que o alcançassem, não há, no Distrito Federal, unidade prisional militar com condições de acolhê-lo.

Na análise do recurso, os magistrados afirmaram que militar desligado da corporação não possui direito subjetivo ao cumprimento de pena em unidade prisional militar, uma vez que as prerrogativas e garantias previstas na Lei 14.751/2023 alcançam apenas os militares ativos, os da reserva remunerada e os reformados.

Os Desembargadores sustentaram que, ao militar que perdeu o posto, a patente ou a graduação, aplica-se o artigo 62 do Código Penal Militar, que prevê ao civil condenado pela Justiça Militar o cumprimento de sua pena em estabelecimento civil.

Ressaltaram, também, que a Lei de Execução Penal, no artigo 84, § 2º, assegura que o “preso que, ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal ficará em dependência separada”, o que significa “o recolhimento em local distinto da prisão comum e, não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este deve ser recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento”.

A 2ª Turma acrescentou que o Núcleo de Custódia da Polícia Militar (NCPM) não dispõe de estrutura física adequada para o cumprimento da pena de ex-militares, e que o recorrente se encontra em unidade prisional especial, separado dos demais presos do sistema penitenciário comum. Dessa forma, o colegiado confirmou o entendimento de 1ª instância e negou provimento ao recurso.

Processo: 0734315-07.2024.8.07.0000

STJ: Dona de clínica estética presa após morte de paciente tem pedido de soltura negado

Uma biomédica presa em flagrante após a morte de uma paciente em clínica estética de Goiânia teve pedido de soltura negado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin. A prisão foi realizada pela suposta prática de crimes como o exercício ilegal da medicina e a utilização de produtos em condições impróprias para consumo.

De acordo com os autos, a paciente teria sofrido uma parada cardíaca durante um procedimento estético e veio a óbito. Após a morte, policiais foram até a clínica para acompanhar perícia realizada pela Vigilância Sanitária. Além da interdição do local, a biomédica foi presa em flagrante – a custódia foi posteriormente convertida para preventiva.

Em decisão liminar, a prisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), sob o argumento de que a medida era necessária para impedir que a biomédica seguisse realizando os procedimentos estéticos de forma irregular. O TJGO também apontou que a Vigilância Sanitária teria identificado diversas irregularidades na clínica, como produtos farmacêuticos vencidos e falta de higiene no ambiente.

TJGO ainda deve analisar o mérito do habeas corpus

No novo pedido de habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa da biomédica alegou que a prisão foi baseada apenas na afirmação dos policiais de que foram apreendidos na clínica materiais farmacêuticos inadequados para consumo, sem que houvesse a realização de perícia nesses produtos. A defesa sugeriu que medidas cautelares mais leves que a prisão seriam suficientes.

O ministro Herman Benjamin destacou que, como o TJGO analisou o caso apenas por meio de decisão liminar – estando em aberto, portanto, o julgamento do mérito do habeas corpus –, ainda não é possível que o STJ examine o caso, sob pena de violação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com o indeferimento liminar do habeas corpus, a ação não terá seguimento no STJ.

Processos: HC 971681

TJ/SP condena homem que decepou mão de vítima por dívida de R$ 20

Crime de lesão corporal de natureza grave.


A 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 2ª Vara de Guararapes, proferida pela juíza Danielle Caldas Nery Soares, que condenou, pelo crime de lesão corporal de natureza grave, réu que decepou a mão de um homem motivado por dívida de R$ 20. A pena foi fixada em dois anos, nove meses e 18 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto.
Consta nos autos que o acusado foi até o local de trabalho da vítima exigindo o pagamento do débito. Durante a briga, desferiu golpe de facão que decepou a mão direita do ofendido. Apesar de o homem ter sido submetido a uma cirurgia de reimplante, foi necessária a amputação do membro.

Em seu voto, o relator do recurso, desembargador Roberto Porto, asseverou que a versão de legítima defesa apresentada pelo acusado não encontra respaldo em nenhum elemento contido nos autos. “Não há que se falar em legítima defesa sem a prova de que a ação do acusado decorreu de agressão injusta, atual ou iminente, para proteger direito próprio ou de terceiros, mediante uso dos meios moderados. O reconhecimento de legítima defesa exige prova segura, não podendo ser acolhida tão somente pela palavra do réu”, escreveu o magistrado.
Participaram do julgamento os desembargadores Luis Soares de Mello e Euvaldo Chaib. A decisão foi unânime.

Apelação nº 0001090-78.2017.8.26.0218

TJ/SP: Frentista que desviou verba pública em esquema de abastecimento de veículos é condenado

Prejuízo de R$ 187 mil ao erário.


A 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 5ª Vara Criminal de Santos, proferida pelo juiz Fernando Cesar do Nascimento, que condenou, por peculato, frentista que desviou, com auxílio de funcionário público (réu não apelante), recursos do Município em esquema ilícito de abastecimento de veículos. A pena foi fixada em três anos e 10 meses de reclusão, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período e entrega de cestas básicas, além da reparação dos danos ao erário, cujo valor foi fixado em R$ 187 mil.

Segundo os autos, o servidor responsável pela condução de ambulâncias entregava cartões funcionais ao frentista, que os utilizava em atendimentos pagos com dinheiro. Em seguida, os réus dividiam os recursos desviados. O esquema funcionou por meses até ser descoberto por uma auditoria que identificou divergências nos registros de consumo de combustível.

Em que pese a retratação judicial adotada pelo réu, o relator do recurso, desembargador Edison Brandão, destacou a impossibilidade da absolvição do acusado diante da análise das provas contidas nos autos. “As penas, dosadas com critério e justificação, não merecem modificação alguma. O enorme prejuízo causado à Prefeitura não pode ser desprezado como circunstância judicial desfavorável ao apelante”, escreveu o magistrado.

Participaram do julgamento os desembargadores Roberto Porto e Luis Soares de Mello. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1503662-75.2019.8.26.0536

STF estabelece regras para uso obrigatório de câmeras corporais por PMs em São Paulo

Decisão do presidente do Tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, determina que obrigatoriedade deve conciliar limitações materiais com proteção à população.


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, estabeleceu nesta quinta-feira (26) regras para o uso de câmeras corporais por policiais militares do Estado de São Paulo. A decisão esclarece que as câmeras devem ser obrigatórias em alguns tipos de operações que envolvem maior risco e propensão ao uso da força, desde que realizadas em regiões em que haja disponibilidade dos equipamentos.

Fica determinado o uso de câmeras em operações de grande porte e naquelas que incluam incursões em comunidades vulneráveis, quando se destinem à restauração da ordem pública. A decisão também determina o uso obrigatório das câmeras em operações que sejam deflagradas para responder a ataques praticados contra policiais militares.

O ministro atendeu pedido do Estado de São Paulo de que fosse definido o alcance da decisão do próprio presidente do STF, tomada no dia 9 de dezembro, na Suspensão de Liminar (SL) 1696 que determinou uso obrigatório de câmeras por policiais militares do estado.

Na ação, o Estado alega que a adoção de um conceito amplo de operações policiais, incluindo ações de rotina, tornaria material e operacionalmente inviável o cumprimento integral da decisão. Informa ainda que o estado possui quantitativo de 10.125 câmeras corporais, para um efetivo de cerca de 80 mil policiais militares.

Limitações
O ministro afirmou que a delimitação do alcance da decisão deve conciliar as limitações materiais e operacionais do Estado de São Paulo com os objetivos da política pública de uso de câmeras corporais, de promover proteção, controle e transparência, especialmente em operações de maior risco e mais suscetíveis ao uso da força.

Pela decisão, as câmeras deverão ser estrategicamente distribuídas para regiões com maior índice de letalidade policial, garantindo também que unidades responsáveis por patrulhamento preventivo e ostensivo sejam contempladas, quando possível. Segundo o Estado de São Paulo, as câmeras estão distribuídas em parte do território estadual, em especial na capital e região metropolitana, e contemplam cerca de 52% das Unidades da Polícia Militar.

O ministro pontuou que, embora a obrigatoriedade esteja limitada, por ora, a essas regiões, em operações nas quais seja necessária a mobilização de batalhões de regiões distintas deve-se priorizar o deslocamento de policiais capacitados e equipados com câmeras corporais.

Operação Verão
Ainda de acordo com a decisão, na Operação Verão 2024/2025 as atividades policiais deverão priorizar o deslocamento de policiais dotados de câmeras corporais portáteis. “As decisões de uso obrigatório de câmeras corporais não devem ser interpretadas de modo a inviabilizar a execução de ações de segurança pública fundamentais para a proteção da população, desde que realizadas em conformidade com a Constituição”, afirma o ministro na decisão.

Barroso também reitera, na decisão, o Estado de São Paulo deve apresentar matriz de risco detalhada para subsidiar a alocação prioritária desses equipamentos e, também, relatório mensal com o andamento das medidas.

Veja a decisão.
Suspensão de Liminar nº 1.696 /SP

STF mantém validade das normas que autorizam Ministérios Públicos estaduais a investigar

Decisão abrange regulamentos do MP em Minas Gerais e no Paraná e reforça entendimento sobre autonomia investigativa.


O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o poder concorrente do Ministério Público de Minas Gerais e do Paraná para realizar investigações criminais. A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada em 13/12, no julgamento das Ações Direta de Inconstitucionalidade (ADIs) 7175 e 7176, propostas pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol).

Em relação a Minas Gerais, o questionamento era sobre a Resolução 2 da Procuradoria-Geral de Justiça do estado, que regulamenta o Procedimento Investigatório Criminal (PIC). No caso do Paraná, o objeto era o Decreto 10.296/2014 e as Resoluções 1.801/2007 e 1.541/2009, que organizam os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Segundo a Adepol, as normas criariam um regime paralelo de investigação, comprometendo a função constitucional das polícias.

O relator das ações, ministro Edson Fachin, rejeitou os argumentos da Adepol e reafirmou o entendimento de que o poder investigatório do Ministério Público é constitucional e sua atuação não se limita à requisição de inquérito policial. Segundo o ministro, o Procedimento Investigatório Criminal (PIC), previsto na Resolução 2 da Procuradoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, é instrumento legítimo e complementar às investigações policiais.

Em relação às normas do Paraná, o relator considerou que são compatíveis com a autonomia do Ministério Público e visam fortalecer a persecução penal e o combate ao crime organizado. Fachin ressaltou que elas são adequadas ao entendimento do STF que reconheceu ao Ministério Público o poder concorrente para realizar investigações, que deve ser registrada perante órgão do Poder Judiciário e observar os mesmos prazos e os mesmos parâmetros previstos em lei para a condução dos inquéritos policiais (ADIs 2943, 3309 e 3318).

STJ Mantém prisão preventiva do ex-governador do Tocantins Mauro Carlesse, suspeito de planejar fuga para o exterior

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin, negou habeas corpus apresentado pelo ex-governador do Tocantins Mauro Carlesse. Investigado por crimes como fraudes em licitações e desvio de recursos públicos, o político foi preso preventivamente sob suspeita de planejar fuga do Brasil.

Com o indeferimento liminar do habeas corpus, o caso não seguirá em tramitação no STJ.

De acordo com as investigações, Carlesse teria tomado uma série de providências para viabilizar sua fuga do território nacional, incluindo a obtenção de um documento de identidade do Uruguai, autorização para residência fixa no país e abertura de conta bancária uruguaia. O político também teria alugado imóvel na Itália e obtido um passaporte europeu. Ele foi detido a caminho de uma fazenda de sua propriedade, localizada na zona rural do sul do Tocantins.

Em decisão liminar, o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) rejeitou pedido de revogação da prisão apresentado pela defesa do ex-governador, sob o entendimento de que havia provas suficientes do planejamento da fuga. O TJTO também levou em consideração a complexidade da atuação da organização criminosa e a existência de diversos procedimentos investigativos em curso contra Carlesse.

Ao STJ, a defesa do ex-governador argumentou que não há qualquer prova concreta da suposta tentativa de saída do Brasil. Sustentou que o imóvel alugado na Itália foi utilizado apenas como estadia em fevereiro de 2023, e que o pedido de residência no Uruguai teve o objetivo de cumprir exigência da instituição financeira para abertura da conta bancária.

TJTO ainda precisa analisar mérito do habeas corpus
Ao manter a prisão do ex-governador, o ministro Herman Benjamin destacou que a pretensão não pode ser acolhida pelo STJ, tendo em vista que o TJTO ainda não julgou o mérito do habeas corpus originário.

O ministro destacou que, no caso em questão, aplica-se a jurisprudência consolidada do STJ, a qual veda a impetração de habeas corpus contra decisão que apenas indefere liminar em instância inferior. Segundo o ministro, essa orientação segue o entendimento da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal (STF), utilizada por analogia pelo STJ.

“No caso, a situação dos autos não justifica a prematura intervenção desta corte superior. Deve-se, por ora, aguardar o esgotamento da jurisdição do tribunal de origem”, concluiu.

Processo: HC 971193

CNJ: Saída temporária – Polícias não podem reconduzir sentenciados ao presídio antes de decisão judicial

Por unanimidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) julgou procedente pedido formulado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para declarar ilegal trecho de normativo editado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Portaria da corte paulista permite que as polícias civil e militar, antes de decisão judicial, façam a condução de sentenciados a presídios, caso constatado descumprimento de condições determinadas em saída temporária.

O Procedimento de Controle Administrativo 0007808-46.2024.2.00.0000, examinado durante a 9.ª Sessão Virtual Extraordinária de 2024, encerrada na última quinta-feira (19/12) , discutiu a legalidade da Portaria Conjunta TJSP n° 2/2019, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).

O normativo regulamenta, especificamente no artigo 7.º, parágrafo 2.º, o processamento das autorizações de saídas temporárias de presos, estabelecendo que a Polícia Civil e a Polícia Militar devem fiscalizar a obediência às condições de saída e, em caso de descumprimento, conduzir o sentenciado de volta ao presídio, como medida cautelar em proteção à sociedade.

Já os argumentos utilizados para questionar a legalidade da portaria se baseiam na necessidade de decisão judicial, exceto em casos de flagrante delito. O relator do procedimento, conselheiro José Rotondano, destacou que a portaria, ao permitir a ação direta das polícias, poderia violar garantias legais e processuais dos sentenciados.

“A ‘custódia’ promovida no estado de São Paulo, como medida acautelatória em proteção à sociedade, daquele que, segundo as Polícias Civil e Militar, teria descumprido as condições de saída temporária, se distancia das normas de regência, notadamente pelo aspecto de que essa restrição de liberdade ser exercida à revelia de decisão judicial”, descreve o voto do relator.

TRF4: Vereador é condenado por incitar discriminação contra nordestinos durante sessão

A 5ª Vara Federal de Caxias do Sul condenou um vereador de Caxias do Sul a três anos de reclusão, à perda do cargo público e ao pagamento de R$ 50 mil de indenização, pelo crime de induzir e incitar a discriminação e o preconceito de procedência nacional, no caso, contra o povo baiano. A sentença foi proferida pelo juiz federal substituto Julio Cesar Souza dos Santos, no dia 17/12.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o vereador teria gerado humilhação, constrangimento e vergonha ao povo nordestino, ao proferir discurso na Câmara de Vereadores, durante sessão ordinária, com transmissão ao vivo pela TV Câmara (canal próprio com alcance mundial na internet pelo Youtube), bem como no site camaracaxias.rs.gov.br, tendo alcançado grande repercussão também nas redes sociais. Segundo a denúncia, o vereador teria sugerido contratar argentinos, em detrimento daqueles a quem referiu-se como “aquela gente lá de cima ”, além de afirmar sobre os baianos que a “única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor”, e acrescentado “deixem de lado, aquele povo que é acostumado com carnaval e festa pra vocês não se incomodar”.

A defesa argumentou que haveria excesso de acusação (na medida em que a denúncia teria deixado de especificar o verbo nuclear da conduta que teria sido praticada pelo réu, se preconceito ou discriminação). Alegou também que a fala do acusado estaria abarcada pela imunidade parlamentar e que ele se dirigiu a seus eleitores agricultores, produtores e empresas agrícolas, para agradá-los. Defendeu que não haveria dolo, uma vez que a intenção do réu não foi a de ofender, sendo pessoa de pouca instrução e que não dominaria o uso de figuras de linguagem. Por fim, salientou que o réu se retratou e desculpou-se pelo ocorrido e, ainda assim, sofreu um massacre digital e social e foi alvo de ameaças.

Preliminarmente, o juiz Julio Cesar dos Santos afastou a tese de imunidade parlamentar, explicando que já consta em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que a imunidade prevista na Constituição Federal se limita à circunscrição do município; entretanto, no caso, as declarações tiveram grande repercussão nacional. Além disso, as afirmações não tinham nenhuma relação com projeto de lei ou função parlamentar, tendo sido “lançadas na forma de discurso avulso, eivado de conteúdo discriminatório. Tais declarações desbordam até mesmo do regular direito à liberdade de expressão”, esclareceu o magistrado.

Ao analisar o mérito, Santos concluiu que o parlamentar estava incitando diretamente a diferença de tratamento em razão da procedência nacional, que agricultores e empresas agrícolas gaúchas deixassem de contratar trabalhadores provenientes da região nordeste do Brasil, notadamente do estado da Bahia. A contraposição entre argentinos (limpos, trabalhadores e corretos) e baianos (por consequência, sujos, preguiçosos e incorretos), teria o nítido intuito de menosprezar as pessoas nascidas naquela região.

Além da discriminação em razão da procedência nacional, o magistrado observou que o réu também incitou a discriminação de religião e raça ao falar que “a única cultura que eles tem é viver na praia tocando tambor”. “O tambor é um símbolo da diáspora negra no Brasil e tem papel sagrado no exercício de religiões de matriz africana” explicou.

O magistrado reconheceu a ocorrência de discriminação múltipla, pois a fala do acusado seria “dolosamente dirigida para induzir e incitar a discriminação e o preconceito em razão da procedência nacional, da raça e da religião”.

Santos considerou tratar-se o caso de discurso de ódio, que surge quando o pensamento se materializa na palavra publicada e se espalha de maneira rápida e abrangente, pois, nas redes sociais, “uma informação pode atingir milhares de pessoas em questão de minutos, ecoando falas discriminatórias que, não raro, inflamam radicais que encontram uma falsa legitimidade em figuras públicas – muitas vezes detentoras de mandatos eletivos. (…) Como todo direito fundamental, a liberdade de expressão não é absoluta e ilimitada, encontrando limites na proteção de outros direitos também fundamentais, no caso, da dignidade humana”, acrescentou o juiz.

No que se refere ao dolo, no caso, Santos concluiu estar comprovado, tendo sido o discurso do acusado realizado de forma consciente e espontânea. E, com relação ao suposto excesso de acusação argumentado pela defesa, o magistrado observou no discurso proferido pelo acusado expressões e falas que configuram a prática de preconceito, e também a incitação de práticas discriminatórias contra pessoas originárias dos estados do nordeste do Brasil.

O vereador foi condenado à pena de três anos e 20 dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 30 salários mínimos, mais 86 dias-multa. Também foi decretada a perda do cargo público e fixada em R$ 50 mil a indenização pelos danos morais coletivos.


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