STJ: Em caso de erro na execução, agente responde como se tivesse atingido a pessoa visada

Nos casos de erro na execução (aberratio ictus) com unidade simples, o agente responde pelo crime contra aqueles que efetivamente pretendia atingir, não incidindo nessa hipótese a regra do concurso formal, prevista no artigo 70 do Código Penal.

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) em caso no qual um grupo atirou contra policiais e acabou atingindo uma outra pessoa. Os membros do grupo foram denunciados pela tentativa de homicídio contra os três policiais que eram os alvos dos disparos.

No recurso ao STJ, o MPRS pediu a pronúncia por uma quarta tentativa de homicídio. Para o órgão, os acusados agiram com dolo eventual, pois assumiram o risco de atingir qualquer pessoa presente no local dos fatos, razão pela qual também deveriam responder pela quarta tentativa de homicídio.

Ordenamento jurídico adota a teoria da equivalência nos casos de erro na execução
O relator, desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, explicou que o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria da equivalência na hipótese de erro na execução. Determina-se, assim, que o agente responda como se tivesse atingido a pessoa originalmente visada, segundo o artigo 73 do Código Penal.

O relator explicou que essa ficção jurídica busca equiparar, para fins penais, o resultado produzido àquele inicialmente pretendido, preservando a tipificação do delito conforme a intenção do autor da ação. Contudo, o desembargador ressaltou que, nos casos em que esse erro também resulte na ofensa simultânea tanto à vítima pretendida quanto a terceiro, aplica-se a regra do artigo 70 do Código Penal, que prevê o concurso formal de crimes, impondo a responsabilização por cada um dos eventos lesivos produzidos.

“O dispositivo, portanto, opera como um critério de imputação penal, assegurando que a configuração típica da conduta não seja alterada pelo erro na execução, salvo nas hipóteses em que se verifique o concurso efetivo de crimes”, afirmou.

Tipificação deve considerar o número de vítimas visadas, não o resultado concreto
No caso em julgamento, o relator verificou que a quarta vítima foi atingida por erro na execução, enquanto os três policiais civis visados não foram atingidos. A tipificação do delito, destacou, deve considerar o número de vítimas visadas, e não o resultado concreto, razão pela qual a denúncia imputou aos acusados a prática de três tentativas de homicídio qualificado contra os policiais.

Na sua avaliação, não havendo duplo resultado, não é possível imputar uma quarta tentativa de homicídio por dolo eventual, sob pena de bis in idem, uma vez que, pelo mesmo contexto fático, o grupo já responde por três homicídios tentados contra as vítimas efetivamente visadas.

“O atingimento da vítima decorreu de erro na execução, hipótese em que a norma penal estabelece que o agente deve responder como se tivesse atingido aqueles que pretendia ofender, não se configurando crime autônomo em relação ao terceiro atingido”, concluiu.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2.167.600.

TST: Farmácia deverá indenizar balconista vítima de três assaltos

Pelas circunstâncias, a 1ª Turma entendeu caracterizado o risco da atividade.


Resumo:

  • Uma balconista de uma farmácia em Florianópolis (SC) pediu indenização por danos morais após ser vítima de três assaltos.
  • A indenização foi negada pela 2ª instância, que atribuiu os assaltos à insegurança pública.
  • A 1ª Turma, porém, concluiu que havia risco superior ao ordinário, pois farmácias são estabelecimentos visados por assaltantes.

A Cia. Latino Americana de Medicamentos, de Florianópolis (SC), foi condenada a pagar uma indenização de R$ 20 mil a uma balconista em razão de assaltos sofridos no ambiente de trabalho. A decisão é da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que concluiu que a atividade da trabalhadora é de risco e, por isso, não se exige comprovação de culpa da empresa.

Risco era maior no horário de fechamento
A balconista disse na ação trabalhista que a farmácia foi alvo de três assaltos com arma de fogo e que, em um deles, teve uma arma apontada para sua cabeça. Diagnosticada com crise de pânico em decorrência do assalto, ela contou que passou a tomar remédios para ansiedade. Ela atribuiu os assaltos ao fato de o estabelecimento ser o único na região a funcionar até as 19 horas.

Em contestação, a empresa disse que também é vítima da falta de segurança pública e, portanto, não poderia ser responsável pelos eventuais danos decorrentes de assaltos, uma vez que seriam atos praticados por terceiros.

Empresa adotou medidas de segurança
Para o Tribunal Regional do Trabalho, o argumento da balconista sobre o horário de fechamento não é suficiente para responsabilizar a empresa. A decisão lembra que a farmácia comprovou ter implantado medidas de segurança após o primeiro assalto, como câmeras de vigilância, e que a empregadora não é instituição financeira, onde é possível checar o acesso das pessoas ao estabelecimento.

Para relator, situação revela risco da atividade
O ministro Hugo Carlos Scheuermann, relator do recurso da balconista, assinalou que o simples atendimento em balcão de estabelecimento comercial não configura, por si só, o risco da atividade. Contudo, farmácias, postos de gasolina e lotéricas são alvos preferidos por criminosos, em razão da significativa movimentação de dinheiro.

Scheuermann lembrou que a farmácia era a única na região que funcionava até as 19 horas, “circunstância que certamente atrai criminosos e impõe aos trabalhadores risco superior ao ordinário”. Em seu voto, o ministro citou reportagem publicada no site do Conselho Federal de Farmácia que informa o aumento da criminalidade nesse tipo de comércio em razão dos medicamentos caros para emagrecimento.

O relator observou ainda que a medida de segurança adotada pela farmácia não inibiu outros dois assaltos. Dessa forma, concluiu que deve ser reconhecida a culpa da empresa, que negligenciou condições de segurança adequadas no local de trabalho.

Processo: RR-0000887-15.2022.5.12.0014

 

STJ não vê abuso em artigo científico que reproduziu acusação criminal não comprovada

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a reprodução, em artigos científicos, de acusação criminal feita por terceiro em rede social, ainda que não comprovada posteriormente, não configura abuso de direito nem gera direito a indenização, desde que configuradas a boa-fé e a finalidade acadêmica.

O caso analisado teve início quando um professor universitário ingressou com ação judicial contra duas pesquisadoras acadêmicas. Além de indenização, ele requereu que fosse excluída, de dois artigos de autoria da dupla, qualquer referência direta ou indireta ao episódio em que uma ex-aluna e estagiária sua cometeu suicídio após acusá-lo de violência de gênero em rede social. O professor alegou que as acusações não foram comprovadas e que a reprodução do conteúdo configuraria abuso de direito e teria causado danos à sua honra.

A Terceira Turma considerou proporcional a medida adotada pelo tribunal de segunda instância, que apenas determinou a supressão do nome do professor do trecho que reproduzia literalmente a postagem original.

Liberdade de informação encontra limites nos direitos de personalidade
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, observou que a jurisprudência do STJ considera que a liberdade de informação, de expressão e de imprensa, embora seja uma garantia essencial ao regime democrático, não autoriza o abuso.

“A proteção ao direito de informação não é absoluta, pois encontra limites no ordenamento civil, especialmente quando seu exercício ultrapassa a função social que lhe é inerente e resulta em violação aos direitos da personalidade de terceiro”, afirmou. No entanto, ela entendeu que, nos artigos científicos em questão, não houve qualquer tipo de externalização de ideias, opiniões, juízos de valor, comentários ou acusações a respeito da conduta ou da pessoa do recorrente.

Interesse público se intensifica quando a divulgação tem fins educativos
Outra questão abordada pela ministra foi a distinção entre atividade jornalística e produção científica. Segundo ela, enquanto a imprensa está submetida a dinâmicas comerciais e equipes profissionais, a produção acadêmica é voltada ao desenvolvimento intelectual e à livre circulação de ideias.

“Nesse sentido, a liberdade acadêmica protege não apenas a livre manifestação de pensamento, mas também o exercício do direito à informação, da crítica teórica e da investigação científica, mesmo quando isso implique questionamentos a instituições, doutrinas ou pessoas”, ponderou a relatora. Ela ressaltou que o interesse público é ainda mais presente quando a divulgação ocorre com fins intelectuais, didáticos e não lucrativos.

Além disso, Nancy Andrighi afirmou que os artigos publicados se limitaram a divulgar um acontecimento real e tiveram o intuito acadêmico de discorrer sobre a violência de gênero. “Mais que presumido, o interesse público é manifesto, porquanto a menção ao suicídio da estudante é realizada em um contexto de obra científica que visa a debater as mais diversas formas de violência contra a mulher”, finalizou.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

STJ rejeita recurso e mantém pena de Robinho, condenado por estupro coletivo na Itália

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou, por unanimidade, o recurso apresentado pela defesa do ex-jogador Robson de Souza, o Robinho, que buscava alterar o regime de cumprimento e a dosimetria da pena pelo crime de estupro cometido na Itália, em 2013. O ex-atleta foi condenado em 2017 a nove anos de prisão, em regime inicial fechado, pela participação no estupro coletivo de uma jovem de 23 anos, ocorrido em uma boate de Milão.

O pedido da defesa foi formulado em embargos de declaração contra o acórdão em que o STJ validou a sentença estrangeira e confirmou a possibilidade de transferência da execução da pena para o Brasil, estabelecendo o regime inicial fechado para cumprimento da condenação. O colegiado também rejeitou os embargos apresentados pela defesa de Ricardo Falco, amigo de Robinho condenado pelo mesmo crime.

A defesa do ex-jogador argumentou que, na fixação da pena, deveriam ser observadas as normas brasileiras, não sendo possível adotar automaticamente o cálculo feito conforme a legislação italiana. Sustentou que, como Robinho é réu primário, tem bons antecedentes e não se enquadra nas circunstâncias previstas nos artigos 59 e 62 do Código Penal, a pena deveria ser reduzida para seis anos, em regime inicial semiaberto. Por fim, argumentou que, por não ter sido classificado como hediondo na Itália, o crime não poderia receber essa qualificação no Brasil, já que não caberia ao Judiciário brasileiro reavaliar a decisão estrangeira.

Poder Judiciário brasileiro não é instância revisora de decisões estrangeiras
Em seu voto, o relator, ministro Francisco Falcão, ressaltou que não cabe comparar a sanção aplicada pela Justiça italiana com as regras do direito penal nacional, pois o artigo 101, parágrafo 1º, da Lei 13.445/2017 limita a atuação do STJ à homologação do pedido de transferência de pena, sem análise de mérito da condenação estrangeira.

“A sentença italiana transitou em julgado perante a jurisdição estrangeira, e não cabe ao Poder Judiciário brasileiro atuar como revisor das decisões proferidas pelo Poder Judiciário italiano”, disse.

Falcão também observou que, no âmbito da cooperação jurídica internacional, especialmente quanto à transferência de execução penal, o Estado brasileiro não pode reapreciar o caso com base em sua própria legislação. Qualquer reexame, afirmou, extrapolaria a competência delimitada pelos artigos 100 a 102 da Lei 13.445/2017, motivo pelo qual o pleito da defesa não poderia prosperar.

Qualquer condenado por estupro está sujeito ao regime de crimes hediondos
O relator ainda acrescentou que, embora muitos países não reconheçam a categoria de crime hediondo, esse conceito integra a ordem pública brasileira por força do artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal, e deve ser aplicado em casos de transferência de pena.

Segundo o magistrado, o legislador ordinário, ao cumprir a determinação constitucional, definiu expressamente que o crime de estupro, inclusive em sua forma simples, é hediondo (artigo 1º da Lei 8.072/1990). Assim, o ministro apontou que aceitar a tese defensiva de homologação da transferência sem a observância dessa regra significaria violar a ordem pública e conceder ao réu um benefício incompatível com o ordenamento nacional.

Falcão enfatizou que, no Brasil, qualquer condenado por estupro está sujeito ao regime mais rigoroso aplicável aos crimes hediondos. Para ele, se adotada, a tese da defesa criaria a figura do “estupro transnacional privilegiado”, concedendo ao condenado tratamento mais brando apenas pelo fato de o crime ter ocorrido no exterior.

“À execução da pena imposta ao réu não podem ser agregadas condições mais gravosas do que à execução de outro apenado no Brasil, mas também não se pode, apenas pelo fato de o crime ter sido praticado na Itália, contra uma vítima de outra nacionalidade, garantir-lhe benefícios no âmbito da execução penal. Tal fato violaria frontalmente o princípio da isonomia, pois o colocaria em posição de absoluto benefício em relação a qualquer outro apenado pelo mesmo delito no Brasil”, concluiu.

Processos: HDE 7986 e HDE 8016

STJ: Governador do Tocantins é afastado por 180 dias por suspeita de corrupção

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, confirmou nesta quarta-feira (3) a decisão do relator, ministro Mauro Campbell Marques, que determinou o afastamento cautelar do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa, pelo prazo mínimo de 180 dias. A primeira-dama, Karynne Sotero Campos, que é secretária extraordinária de Participações Sociais, também foi afastada.

Barbosa é investigado por suspeita de participação em organização criminosa que teria desviado recursos destinados à compra de cestas básicas durante a pandemia da Covid-19. Na operação da Polícia Federal, são apurados os crimes de frustração ao caráter competitivo de licitação, peculato, corrupção passiva, formação de organização criminosa e lavagem de capitais.

As medidas cautelares do relator incluíram mandados de busca e apreensão contra 29 investigados, entre eles o governador e outros agentes políticos, servidores públicos e empresários suspeitos de envolvimento no esquema, com a determinação de que fossem recolhidos dinheiro, carros, embarcações e aeronaves para uma eventual reparação ao erário. Ao referendar as medidas, a Corte Especial considerou que os indícios de continuidade delitiva e os sinais de lavagem de dinheiro justificavam a urgência da intervenção judicial.

Para a Corte Especial, embora haja indicações de que o esquema se iniciou na gestão anterior, quando Wanderlei Barbosa ocupava o cargo de vice-governador, foi após sua chegada ao comando do Executivo estadual que se verificou a expansão do esquema criminoso. “Os elementos de convicção colhidos comprovaram que Wanderlei Barbosa Castro transformou o governo do Estado em um verdadeiro balcão de negócios, recebendo montantes em espécie a título de vantagem indevida pelos contratos de fornecimento de bens e serviços conduzidos durante a sua gestão”, afirmou o ministro Campbell.

Valores foram distribuídos entre os envolvidos em detrimento da população
De acordo com a Polícia Federal, entre 2020 e 2021, os investigados teriam se aproveitado da situação de emergência provocada pela pandemia para desviar recursos de compras sem licitação. Segundo as investigações, foram desembolsados mais de R$ 97 milhões em contratos para a compra de cestas básicas e frango congelado, e o prejuízo aos cofres públicos foi estimado em mais de R$ 73 milhões. Os valores desviados teriam sido ocultados por meio da construção de empreendimentos de luxo, do custeio de despesas pessoais do governador e de investimentos em atividades agropecuárias.

Ao apresentar o seu voto à Corte Especial, Mauro Campbell Marques indicou que Barbosa teria se valido de empresários próximos e de assessores especiais para montar uma estrutura sistemática e bem organizada de desvio de recursos públicos, a qual, segundo o ministro, gerou intensa movimentação de dinheiro em espécie, distribuído entre os envolvidos em detrimento da população tocantinense.

O magistrado destacou que as medidas cautelares tiveram como base as muitas provas reunidas pela investigação policial, como comprovantes de pagamentos e de depósitos, arquivos extraídos de celulares, conversas interceptadas, depoimentos e imagens dos operadores do esquema com grandes quantidades de dinheiro em espécie.

Entre esse acervo probatório – apontou o ministro –, foi encontrado dinheiro em espécie tanto na residência do governador (US$ 1,1 mil e R$ 35,5 mil) quanto em seu gabinete (R$ 32,2 mil). Mauro Campbell Marques mencionou também informações dos investigadores segundo as quais Wanderlei Barbosa teria recebido pelo menos R$ 550 mil em espécie como propina decorrente do contrato para fornecimento de proteína animal.

Ele ainda ressaltou que parte significativa dos valores desviados, sempre de acordo com as investigações, teria sido destinada à construção da Pousada Pedra Canga, empreendimento de luxo cujas obras já alcançam investimento estimado em mais de R$ 6,3 milhões, colocada em nome dos filhos do governador, “em uma clara situação de lavagem de capitais na modalidade dissimulação”.

Organização utilizou estratégia para reduzir riscos de ser descoberta
Em seu voto, o ministro também afirmou que a decisão da organização criminosa de utilizar contratos de fornecimento de cestas básicas como meio para desviar recursos públicos foi motivada pela dificuldade de fiscalização posterior sobre a efetiva entrega dos bens à população. Para o ministro, essa estratégia não foi casual, mas calculada para reduzir os riscos de detecção das irregularidades.

“Diversamente de uma obra pública em que a divergência entre o projeto orçado e o contratado é facilmente aferível a partir do cotejo com o que foi concretamente executado, em contratos de fornecimento de cestas básicas o produto da contratação resulta em bens de caráter perecível e consumível, que simplesmente desaparecem após serem ‘entregues’ para a população”, disse.

Suspeitas contra deputado Ricardo Ayres são de antes do mandato federal
Em relação ao deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO), alvo de mandado de busca e apreensão cumprido na manhã desta quarta (3), o ministro explicou que os fatos investigados remontam ao período em que ele ainda exercia o cargo de deputado estadual. Segundo o relator, as condutas atribuídas ao parlamentar teriam ocorrido durante a pandemia e, portanto, são anteriores à sua posse como deputado federal, em 2023.

O ministro lembrou que, em março de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o HC 232.627 e a questão de ordem no Inquérito 4.787, consolidou o entendimento de que o foro por prerrogativa de função deve ser preservado mesmo após o término do mandato, desde que os delitos investigados tenham sido praticados no exercício do cargo e em razão da função pública exercida.

“No caso em apreço, considerada a conexão dos eventos investigados com a conduta do atual governador do estado do Tocantins, em linha de princípio, não haveria hipótese capaz de infirmar a competência do STJ para processar e julgar o caso, notadamente quando observado que os fatos ora investigados se referem ao tempo em que Ricardo Ayres ainda exercia o cargo de deputado estadual”, concluiu.

Processo: Caut Inom Crim 139 PBAC 79

TRT/MT: Transportadora é condenada por ameaçar de morte adolescente que queria pedir demissão

Ao manifestar a intenção de deixar o emprego, um jovem de 17 anos foi ameaçado de levar um tiro pelo próprio empregador. O caso, ocorrido em uma empresa de transporte no interior de Mato Grosso, terminou com a condenação da empresa ao pagamento de R$ 7 mil de indenização por dano moral e de todas as verbas da rescisão do contrato.

O adolescente trabalhou de janeiro a abril de 2025 na função de serviços gerais e, posteriormente, como lavador de veículos. Ao procurar a Justiça, ele relatou que deixou o emprego devido às jornadas exaustivas, atrasos salariais e ofensas sofridas em grupo de WhatsApp. Disse ainda que, ao manifestar a intenção de sair, foi alvo de ameaças.

Como prova, apresentou áudios enviados pelo aplicativo de mensagens, nos quais o empregador fez diversas intimidações. “O dia que ocê pedir as contas pra mim, cara, que ocê sair desse lavador, eu vou mandar um tiro no cê. Se ocê sai daí, tá bom?” e “Então ocê pensa duas vezes antes do cê pedir as contas. Loguinho ocê vai ficar num lugar melhor. Ocê tem fé? Eu tenho muita fé, cara”.

A empresa foi notificada, mas não compareceu à audiência nem apresentou defesa. Por isso, foi declarada revel e confessa, o que levou o juiz a presumir os fatos narrados pelo trabalhador como verdadeiros.

O magistrado ressaltou que a ameaça é agravada por ter como alvo um adolescente, contrariando a legislação trabalhista e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante aos jovens direito à profissionalização e à proteção no trabalho. “Inquestionável que a ameaça à vida e/ou integridade física do adolescente, tão somente por pretender pedir demissão, mostra claramente que o empregador passava longe de velar pela decência pública e pela segurança do menor”, afirmou.

Cultura do faroeste

A conduta, destacou o juiz, é “repugnante e inaceitável”, típica de uma “cultura do faroeste”, em que conflitos são resolvidos “na bala”. “Isso não se amolda mais com o Estado Democrático de Direito e, muito menos, com o que espera e deseja a República Federativa do Brasil e o Estado de Mato Grosso”, enfatizou.

Além de ser incompatível com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, a prática de ameaças descumpre o compromisso internacional assumido pelo Brasil de promover trabalho decente, previsto na Agenda 2030 da ONU.

Rescisão indireta

A decisão também alterou a forma de encerramento do contrato de trabalho. Para o juiz, as provas demonstraram que a ameaça viciou a vontade do trabalhador ao pedir demissão, justificando a reversão para a rescisão indireta. A empresa foi condenada a fazer o registro da Carteira de Trabalho, além de pagar aviso prévio, férias e 13º proporcionais, FGTS com multa de 40%, além das penalidades por atraso na quitação das verbas rescisórias.

O juiz também determinou a expedição de ofícios à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, INSS, Caixa Econômica Federal, Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público do Trabalho, com cópia da sentença e de todo o processo, em razão da gravidade das acusações.

TJ/SC reconhece citação por hora certa em caso de ocultação e mantém condenação criminal

Tribunal entendeu que comerciante evitou receber intimação judicial.


“Não só a denunciada não atendeu ou respondeu às chamadas de voz e mensagens escritas da Oficiala de Justiça, como se comportou como quem pretende ocultar-se à citação judicial.”

A afirmação é do relator do processo julgado pelo 2º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), ao rejeitar pedido de revisão criminal apresentado por uma comerciante do litoral norte do Estado. A defesa alegava que a citação por hora certa é inválida no processo penal e que as certificações do oficial de justiça eram insuficientes.

O colegiado, no entanto, considerou que a acusada buscou se ocultar deliberadamente, conforme prevê o artigo 362 do Código de Processo Penal. Esse tipo de citação ocorre quando o réu evita receber a intimação judicial, mesmo após diversas diligências realizadas em endereços residenciais e comerciais e tentativas de contato telefônico.

Segundo o relator, a conduta da comerciante comprometeu o devido processo legal e o acesso à Justiça. “O procedimento adotado, além de possuir respaldo legal, observou os ditames necessários à sua validação, inexistindo qualquer mácula capaz de invalidá-lo”, afirmou.

O voto também ressaltou que a citação por hora certa já foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 613). Assim, a ausência da acusada no processo foi atribuída exclusivamente ao seu comportamento e não a falha do Judiciário. A decisão foi unânime.

Revisão Criminal – Grupo Criminal n. 5044005-08.2025.8.24.0000/SC

STJ: Decisão de pronúncia não pode se basear apenas em testemunhos indiretos de policiais

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que os testemunhos judiciais de policiais, quando veiculam relatos de terceiros obtidos durante o inquérito, não são suficientes para comprovar os indícios de autoria exigidos para a pronúncia do réu. Em tal situação, o colegiado entendeu não ser cabível a invocação do princípio segundo o qual, havendo dúvidas no momento da pronúncia, deve prevalecer o interesse da sociedade na apuração do crime (in dubio pro societate).

No caso analisado, o réu foi acusado de matar uma mulher que ele supostamente vinha ameaçando. A motivação seria o fato de ela ter prestado depoimento contra ele como testemunha ocular de outro homicídio. No momento do crime, a vítima estava acompanhada do marido, que sobreviveu.

O suspeito foi pronunciado pelo juízo de primeiro grau exclusivamente com base nos depoimentos do delegado que presidiu o inquérito e dos policiais que atenderam a ocorrência e investigaram o caso. A vítima sobrevivente não foi capaz de identificar o autor do crime. Ouvidos como testemunhas durante a instrução probatória, os agentes relataram o que ouviram de outras pessoas na fase do inquérito.

Testemunho indireto só serve para indicar fonte original da informação
Inicialmente, em decisão monocrática, a ministra Daniela Teixeira, relatora, concedeu habeas corpus para anular a pronúncia.

Ao analisar o recurso apresentado à Quinta Turma pelo Ministério Público Federal, a ministra destacou que o testemunho de um policial ou de qualquer outra pessoa que apenas relata, mesmo em juízo, aquilo que ouviu de outra pessoa é um testemunho indireto e, portanto, não serve para fundamentar a pronúncia ou a condenação. A única finalidade desse tipo de testemunho – continuou – “é indicar a fonte original da informação para que ela seja ouvida em juízo, segundo o artigo 209, parágrafo primeiro, do Código de Processo Penal (CPP)”.

De acordo com Daniela Teixeira, o entendimento do STJ evoluiu nos últimos anos e passou a considerar que a exigência probatória mínima para a pronúncia deve ser superior à do recebimento da denúncia, e que não devem ser aceitos testemunhos indiretos, ou “de ouvir dizer”. Assim – esclareceu a relatora –, sem indícios robustos de autoria, a pronúncia não pode ser justificada com o argumento de que a sociedade tem o direito de decidir sobre a culpa ou a inocência do réu.

Pronúncia exige um suporte probatório mínimo
“O princípio in dubio pro societate não pode ser utilizado para suprir a insuficiência probatória, sendo imprescindível a preponderância de provas que indiquem autoria ou participação do acusado. A pronúncia, enquanto decisão intermediária, não pode prescindir de um suporte probatório mínimo, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência”, declarou.

Ao rejeitar o recurso do Ministério Público, Daniela Teixeira enfatizou que “o STJ não aceita a utilização do princípio in dubio pro societate e, em consonância com a doutrina, reafirma a necessidade de uma preponderância de provas acerca dos indícios de autoria delitiva exigidos para encaminhar os acusados para julgamento perante os jurados e de acordo com o artigo 155 do CPP”.

Veja a decisão.
Processo: HC 887003

TJ/PE mantém condenação de influenciador que chamou criança de traficante em vídeo publicado no Instagram

A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) manteve, de forma unânime, a condenação do influenciador Leonardo Picon Froes por ter exposto a imagem de uma criança, chamando-a de “traficante do Recife” em vídeo publicado na rede social Instagram. O órgão colegiado negou provimento à apelação do influenciador contra a sentença da 11ª Vara Cível da Capital – Seção B. A Câmara também deu provimento ao recurso da família do menor e aumentou o valor indenizatório por danos morais de R$ 60 mil para R$ 100 mil. O relator do recurso é o desembargador Marcelo Russell Wanderley. O julgamento dos recursos ocorreu na tarde do dia 26 de agosto, na semana passada.

As imagens da criança foram gravadas sem autorização de seus responsáveis no bairro do Pina, no Recife, e divulgadas sem filtro algum na modalidade Story no perfil público do próprio influenciador no Instagram para milhões de pessoas no dia 30 de agosto de 2021. No vídeo, Leonardo Picon Froes avisa que iria falar com um “traficante do Recife” e se aproxima do menor, expondo-o para pedir a informação sobre a localização de um clube de festas.

Em função da repercussão negativa do vídeo na comunidade em que vivia, o menor de idade desenvolveu “transtorno do estresse pós-traumático”. A família registrou boletim de ocorrência em delegacia e ingressou com ação judicial na justiça pernambucana. Perícia judicial atestou o transtorno sofrido pela criança. No início do processo, a 11ª Vara Cível da Capital – Seção B concedeu liminar na qual obrigou o réu a arcar com os custos do tratamento psicológico do menor.

No dia 13 de junho de 2024, a sentença da 11ª Vara Cível da Capital – Seção B, assinada pela juíza de direito Margarida Amélia Bento Barros, condenou o influenciador a pagar a indenização de R$ 60 mil a título de danos morais e manteve a tutela sobre a necessidade de custear o tratamento psicológico da criança. A decisão também impôs multa por ato atentatório à dignidade da justiça ao réu no percentual de 2% sobre o valor atribuído à causa na inicial, porque o réu nomeou com a descrição “Parece brincadeira” o comprovante de pagamento via Pix destinado ao tratamento psicológico da criança, em inequívoca manifestação de ironia, discordância e relutância com relação ao cumprimento da ordem judicial.

RECURSO – Na apelação cível e nos autos do processo na primeira instância, o influenciador alegou que havia gravado o conteúdo com objetivo humorístico e sem a intenção de ofender a criança.

Em seu voto, o relator esclareceu que a liberdade de expressão não é absoluta e não pode ser exercida em detrimento da honra e da imagem de terceiros, especialmente de crianças e adolescentes, que merecem proteção integral, conforme estabelece o artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

“No caso em tela, a liberdade de expressão do recorrente não pode ser exercida de forma a violar os direitos fundamentais da criança, que merecem proteção integral (art. 227 da CF). O ambiente digital, com seu alcance global e instantâneo, amplifica o potencial lesivo de condutas como a do recorrente. A viralização do vídeo nas redes sociais e na imprensa tornou o dano ainda mais grave e duradouro. Assim, a responsabilidade civil na internet exige cautela e respeito aos direitos da personalidade, especialmente em se tratando de crianças e adolescentes, que são mais vulneráveis aos efeitos nocivos do cyberbullying”, analisou o magistrado.

O aumento do valor de indenização moral foi aplicado para se adequar à capacidade econômica do réu e alcançar o caráter pedagógico e desestimulador de novos ilícitos. “Trata-se de um influenciador digital com grande poder aquisitivo, que aufere lucro com suas publicações, inclusive com as que geram polêmica, e seus atos possuem resultados instantâneos. Só há um remédio para quem sofre o desgosto de ter sua imagem e personalidade danificados pelo ato: a reparação do dano. Neste caso, é necessário que o valor seja suficientemente expressivo a ponto de inibir a prática de novos ilícitos e demonstrar a reprovabilidade da conduta”, fundamentou o desembargador, citando jurisprudência de diversos tribunais que atestam o aumento do valor indenizatório em casos semelhantes.

Em relação ao questionamento da defesa do réu sobre a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, o relator enfatizou que a sentença da 11ª Vara Cível da Capital – Seção B está correta. “Deve-se levar em consideração, ainda, a conduta do recorrente Leonardo Picon Froes que mesmo após decisão judicial em seu desfavor, faz uma ironia (ou sarcasmo), ao incluir a observação “parece brincadeira” no comprovante de pagamento do tratamento do menor. Em virtude do fato, o juízo sentenciante, acertadamente, aplicou ao apelante Leonardo Picon Froes multa em virtude de ato atentatório à dignidade da justiça”, concluiu o magistrado.

Também participaram do julgamento da apelação cível no 1º andar do Palácio da Justiça, no Recife, os desembargadores Frederico Ricardo de Almeida Neves e Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima.

Em respeito ao direito à privacidade e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o nome da criança foi omitido neste texto.

STF rejeita recurso de Robinho contra cumprimento da pena no Brasil

Defesa alegava que lei que permite transferência da pena não poderia ser aplicada retroativamente.


Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou recurso da defesa de Robson de Sousa, o Robinho, contra a decisão que havia confirmado determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que o ex-jogador de futebol passasse a cumprir no Brasil a pena imposta a ele pelo crime de estupro. A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada na sexta-feira (29).

Transferência da pena
Robinho foi condenado pela Justiça italiana a nove anos de prisão pelo crime, ocorrido em 2013. Em março de 2024, o STJ homologou a sentença estrangeira, autorizou a transferência do cumprimento da pena para o Brasil e determinou seu início imediato.

Em novembro, ao analisar dois Habeas Corpus (HCs), o STF confirmou a decisão por maioria de votos. O entendimento foi de que os requisitos para o cumprimento da pena exigidos pela legislação brasileira foram atendidos, pois desde 2022 já não havia mais possibilidade de recursos na Justiça italiana contra a condenação.

Contra a decisão no HC 239162, a defesa de Robinho apresentou embargos de declaração, recurso destinado a esclarecer as decisões colegiadas. A alegação era de que o colegiado não teria levado em consideração o voto divergente do ministro Gilmar Mendes, para quem a norma da Lei de Migração (artigo 100 da Lei 13.445/2017) que autoriza a transferência de execução da pena não poderia ser aplicada para um fato anterior à sua edição.

Embargos incabíveis
Em seu voto, o relator dos embargos, ministro Luiz Fux, observou que o ponto alegado pela defesa sobre a retroatividade da norma foi analisado no julgamento do HC 239162. Na ocasião, prevaleceu o entendimento de que a regra da Lei de Migração não é de natureza penal, mas procedimental, e isso impossibilitaria sua aplicação retroativa.

Fux destacou que o pedido é incabível porque se trata de uma tentativa de reverter o resultado do julgamento, e não de esclarecer eventuais omissões, contradições, ambiguidade ou obscuridades na decisão. O ministro também explicou que o STF tem entendimento pacificado sobre a impossibilidade da apresentação de embargos de declaração para rediscutir questões anteriormente analisadas no julgamento.

Ficou vencido o ministro Gilmar Mendes, que reiterou a posição apresentada no julgamento de mérito.


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