STJ: Na rescisão de plano de saúde coletivo, CDC impõe que beneficiários tenham alternativa para manter assistência

​Ao analisar ação de anulação de rescisão de contrato de plano de saúde coletivo empresarial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a operadora que optar pela não renovação do contrato com a pessoa jurídica a que estão vinculados os beneficiários não tem a obrigação de mantê-los em plano individual ou familiar quando não existir essa opção em sua carteira de serviços.

No entanto, acrescentou o colegiado, deve ser oferecida ao beneficiário a possibilidade de contratar novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária, e sem custo adicional pelo exercício do direito.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a resolução da controvérsia exige a análise conjunta das regras contidas no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 9.656/1998, com a regulamentação dada pela Resolução Consu 19/1999.

“De um lado, a Lei 9.656/1998 e seus regulamentos autorizam a operadora do seguro de saúde coletivo empresarial a não renovar o contrato; de outro lado, o CDC impõe que os respectivos beneficiários, que contribuíram para o plano, não fiquem absolutamente desamparados, sem que lhes seja dada qualquer outra alternativa para manter a assistência a sua saúde e de seu grupo familiar”, afirmou a relatora.

Plano coletivo
O caso teve origem em ação de anulação de rescisão de contrato ajuizada por usuários do plano de saúde em face da Unimed Seguros Saúde S/A, na qual se pretendeu a manutenção do contrato de saúde coletivo empresarial ou a migração para plano familiar ou individual, sem carências e nas mesmas condições do plano anterior.

A sentença julgou procedente o pedido, para determinar que a operadora assegurasse a continuidade da prestação dos serviços de assistência à saúde discutida nos autos, mediante migração do plano coletivo anterior/rescindido para a modalidade individual e/ou família.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerias confirmou a sentença sob o argumento de que, embora a não renovação do contrato seja um direito da operadora de saúde, mediante notificação prévia (artigo 13, parágrafo único, inciso II da Lei 9.656/1998), ao beneficiário deve ser oportunizada a migração para um plano de natureza individual ou familiar oferecido pela estipulante, nos termos do artigo 1º da Resolução CONSU 19/1999.

No recurso especial apresentado ao STJ, a Unimed defendeu a legalidade da rescisão do contrato coletivo e a inexistência de obrigatoriedade de migração dos beneficiários para contrato individual ou familiar, em razão de não comercializar essa modalidade, devido à suspensão da Agência Nacional de Saúde (ANS).

Vulnerabilidade do consumidor
Segundo a ministra Nancy Andrighi, no âmbito jurisdicional, a edição da Súmula 608 pelo STJ confirmou que a ANS, no exercício de seu poder normativo e regulamentar acerca dos planos de saúde coletivos (ressalvados os de autogestão, apenas), deve observar as regras do CDC.

A relatora acrescentou que a interpretação literal do artigo 3º da Resolução CONSU 19/1999 agrava ainda mais a situação de vulnerabilidade do consumidor, além de favorecer o “exercício arbitrário”, pelas operadoras de seguro de saúde coletivo, do direito de não renovar o contrato celebrado – o que não é tolerado pelo CDC, ao qual as empresas também estão subordinadas.

“O diálogo das fontes entre o CDC e a Lei 9.656/1998, com a regulamentação dada pela Resolução CONSU 19/1999, exige uma interpretação que atenda a ambos os interesses: ao direito da operadora, que pretende se desvincular legitimamente das obrigações assumidas no contrato celebrado com a estipulante, corresponde o dever de proteção dos consumidores (beneficiários), que contribuíram para o seguro de saúde e cujo interesse é na continuidade do serviço”, destacou.

Portabilidade
Para Nancy Andrighi, na ausência de norma legal expressa que resguarde o consumidor na hipótese de resilição unilateral do contrato coletivo pela operadora, deve ser reconhecido o direito à portabilidade de carências – permitindo, assim, que os beneficiários possam contratar um novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária, e sem custo adicional pelo exercício do direito.

Na hipótese julgada, a Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial para determinar que os beneficiários do plano de saúde coletivo sejam devidamente comunicados da data efetiva da extinção do vínculo contratual, a fim de que possam exercer o direito de requerer a portabilidade de carência – salvo se houver a contratação de novo plano de saúde pelo empregador.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.895.321 – MG (2020/0063900-1)

TRT/MG acolhe nulidade de contrato de trabalho intermitente para trabalhador que presta serviços de forma contínua

A Justiça do Trabalho de Minas acolheu a nulidade do contrato de trabalho, na modalidade intermitente, conforme celebrado por uma empresa do ramo de engenharia elétrica com trabalhador. Por cerca de três meses, ele exerceu na empresa a função de ajudante, sem interrupção na prestação de serviços, que se deu de forma contínua. Nesse quadro, foi reconhecido que existiu entre as partes contrato de emprego, ajustado por prazo indeterminado.

A sentença é do juiz Valmir Inácio Vieira, titular da Vara do Trabalho de Itaúna-MG, que instruiu e julgou a ação ajuizada pelo trabalhador. A empresa foi condenada a proceder a devida retificação na CTPS, para fazer constar a modalidade contratual por prazo indeterminado. Apesar disso, foram rejeitados os pedidos de pagamento de aviso-prévio indenizado e suas projeções, inclusive de retificação da CTPS quanto à data de saída (projeção do aviso-prévio). É que ficou demonstrado que o trabalhador pediu demissão, tendo redigido e colocado sua assinatura em documento no qual requereu a extinção do contrato, sem prova de vício de consentimento.

“As principais características do contrato intermitente são a descontinuidade na atividade do trabalhador (alternância entre períodos de prestação de serviços e de inatividade) e a realização de acertos (remuneração, férias proporcionais acrescidas de 1/3, décimo-terceiro salário proporcional e repouso semanal remunerado) a cada final de período de convocação”, ressaltou o magistrado.

No caso, ficou demonstrado que o autor foi convocado pela empresa para prestar serviços nos períodos de 23/10/2019 a 22/11/2019, de 23/11/2019 a 20/12/2019 e de 21/12/2019 a 15/1/2019, ou seja, sem qualquer interrupção ou solução de continuidade. Além disso, segundo observou o magistrado, ao término de cada período, foram quitados pela empregadora somente o salário, descanso semanal remunerado, horas extras e salário-família. “Note-se, por exemplo, que as férias proporcionais referentes a todo o pacto laboral foram quitadas por oportunidade da rescisão contratual e não ao término de cada período de convocação”, destacou.

Segundo o pontuado na sentença, a existência formal de contrato de trabalho intermitente torna-se irrelevante, em face do princípio da prevalência da realidade sobre a forma, o qual relega a segundo plano os aspectos formais que envolveram as partes, para fazer prevalecer a realidade vivenciada entre elas. Frisou o magistrado que, no caso, das circunstâncias apuradas emergiu realidade fática diversa do trabalhador intermitente, demonstrando que o contrato de trabalho era, de fato, por prazo indeterminado.

“Portanto, impõe-se declarar a nulidade do contrato de trabalho intermitente formalmente firmado, a teor do que dispõe o artigo 9º da CLT e, em consequência, declara-se a existência da relação de emprego por prazo indeterminado”, concluiu na sentença. Houve recurso, mas os julgadores da Oitava Turma do TRT-MG confirmaram a sentença nesse aspecto.

Processo n° 0010191-11.2020.5.03.0062

TRT/MG concede indenização por dano moral a trabalhadora após reconhecer que empresa de telemarketing praticava ‘straining’

“O assédio moral coletivo organizacional, antes de tudo, é improdutivo e pouco inteligente. Sacrifica todos os empregados. É uma equação de perde-perde. O Estado-Juiz não pode, ao verificar uma agressão moral, por mínima que ela possa parecer a alguns, como natural, legitimar uma situação que deve ser coibida.”

Com esse entendimento, os julgadores da Oitava Turma do TRT de Minas, por unanimidade, modificaram a sentença e condenaram uma empresa de telemarketing e informática a pagar indenização por dano moral a uma ex-empregada submetida a cobrança de metas com uso inadequado do poder diretivo do empregador.

Atuando como relator, o juiz convocado Vicente de Paula Maciel Júnior identificou no caso a modalidade coletiva de assédio moral organizacional, chamada também de straining ou de gestão por estresse. A indenização foi fixada no valor total de R$ 7 mil, levando em conta também a aplicação de justa causa de forma indevida.

Gestão por estresse – Uma testemunha afirmou que os superiores hierárquicos tratavam os empregados de forma ríspida, com o uso de expressões pejorativas, como “burra”. Eles cobravam atingimento de metas dizendo que a produtividade do empregado “não pagava nem a água” da empresa. Segundo o relato, o tratamento era dispensado a diversos atendentes, incluindo a autora, e por mais de um superior hierárquico.

Para o relator, ficou demonstrado que o ambiente era administrado sob estresse, com exploração e exposição do trabalhador, o que, segundo ele, “representa ofensa à honra e imagem, pois atinge o ser e todo o acervo extrapatrimonial que o acompanha, constitucionalmente protegido”.

Responsabilidade objetiva – No voto condutor, o relator explicou que a responsabilidade do empregador por ato de seus prepostos é objetiva, vale dizer que há obrigação de indenizar mesmo sem prova de culpa. Destacou que a empregadora era conivente com a conduta adotada por representantes, cenário inclusive observado em outros feitos. Como exemplo, citou o processo nº 0010910-05.2019.5.03.0037 RORSum, Décima Primeira Turma, DEJT 24/1/2020.

Assédio moral – straining – O relator esclareceu que a conduta abusiva se exterioriza por meio do assédio moral no ambiente de trabalho que, segundo a doutrina, configura-se como a reiterada perseguição a alguém, com o ânimo de depreciar a imagem e o conceito do empregado perante si próprio e seus pares, fazendo diminuir a sua autoestima, transgredindo seu patrimônio moral. Modernamente, surgiu uma nova espécie, chamada de “assédio moral organizacional”, que se caracteriza por abuso das metas de produção, que vem a ser exatamente o caso dos autos.

Recorrendo aos ensinamentos de Adriane Reis de Araújo, registrou que esse tipo de assédio moral “compreende o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e/ou psíquicos”. (in O assédio moral organizacional. São Paulo: LTr, 2012., p. p. 7).

Ele ressaltou que, no assédio organizacional, a conduta não é individualizada contra um determinado empregado, mas dirige-se a toda a comunidade produtiva.

Justa causa – reversão – Para o relator, a justa causa aplicada à trabalhadora se deu em desconformidade com a lei. É que as provas não elucidaram os fatos e a conduta imputada à empregada ocorreu em apenas um dia, não se dando de forma reiterada e contumaz de modo a se falar em “desídia”.

O magistrado reconheceu o dano de ordem moral. “A aplicação indevida da pena máxima ao trabalhador, de forma injusta, igualmente afeta a sua honra e a imagem, atinge a pessoa também no meio familiar e no mercado de trabalho, gera angústia e transtornos”, pontuou.

Indenização – Por tudo isso, a empresa de telemarketing foi condenada a pagar indenização por danos morais no valor total de R$ 7 mil, sendo o valor de R$ 2 mil relativo ao assédio moral e R$ 5 mil pela reversão da justa causa, considerada indevida.

TRT/MG: Loja Magazine Luiza deve indenizar em R$ 50 mil trabalhadora com nanismo por ser obrigada a ocupar posto de trabalho inadequado

Uma trabalhadora com nanismo receberá de uma rede de varejo, com loja em Uberaba, indenização de R$ 50 mil por danos morais. Ela exercia a função de caixa e, segundo informou na ação trabalhista, foi obrigada a trabalhar em posto inadequado para sua condição física, o que tornou as doenças adquiridas incapacitantes. A decisão é do juiz Lucas Furiati Camargo, na 2ª Vara do Trabalho de Uberaba.

A profissional foi admitida em dezembro de 2007 e percebeu auxílio-doença previdenciário a partir de novembro de 2013, que foi convertido em aposentadoria por invalidez em julho de 2015. De acordo com a trabalhadora, por possuir nanismo, teria que haver adaptação do meio ambiente de trabalho.

Entretanto, segundo a ex-empregada, a empresa adotou postura omissiva culposa, ao não implementar as adaptações necessárias para proporcionar meio ambiente laboral seguro e evitar surgimento e agravamento das doenças. Por isso, ingressou com a reclamação trabalhista pedindo o pagamento de indenização por danos materiais e danos morais.

Em sua defesa, a empresa alegou que sempre forneceu a todos os seus empregados um ambiente de trabalho sadio e mecanismos que auxiliassem o desempenho das atividades. Afirmou que a autora não desenvolveu doença ocupacional e que a suposta enfermidade apresentada não tem relação com o serviço, decorrendo de fatores genéticos e processos degenerativos.

Contudo, conforme entendimento do juiz, a versão da trabalhadora ficou comprovada pela perícia médica. Pelo laudo pericial, o posto de trabalho não tinha, por exemplo, acessórios ergonômicos, tais como apoio para antebraço, apoio para punho e suporte regulável para pés, considerando a estatura da trabalhadora. A cadeira de trabalho dela também não tinha, segundo o documento, regulagem de apoio para as costas, que atendesse às medidas antropométricas da empregada.

De acordo com a perícia médica, as atividades desenvolvidas pela autora, na função de operadora de caixa, apresentavam alto risco ergonômico. Para o perito, “deveriam ser introduzidas mudanças imediatas seguindo as recomendações do método analisado”. O laudo concluiu que “a profissional apresentou quadro de lombociatalgia com o agravamento de deficiência física já apresentada anteriormente na forma de nanismo acondroplásico”.

Na visão do juiz Lucas Furiati Camargo, o empregador tem o dever de observar e fazer observar as normas de segurança e medicina do trabalho, com vistas a proteger a saúde e a integridade física de seus empregados. A própria Constituição Federal, segundo o magistrado, alçou a preceito fundamental o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Nesse sentido, o juiz citou o artigo 157 da CLT, que estabelece a obrigação da empresa de adotar medidas destinadas à prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho.

Para o julgador, ficou provado que o posto de trabalho da operadora de caixa era evidentemente inadequado. “A culpa emerge da violação do dever legal, de uma regra de conduta estabelecida, configurando o ato ilícito. Na hipótese de doença ocupacional, a culpa do empregador resta caracterizada quando não forem observadas as normas legais, convencionais, contratuais ou técnicas de segurança, higiene e saúde no trabalho. É dever legal da empresa, por seus proprietários, gerentes e prepostos, orientar o empregado quanto ao equipamento utilizado na prestação laboral e aos riscos da operação, informando-o a respeito das precauções a tomar, no sentido de evitar adoecimento”, pontuou o magistrado.

Assim, diante dos fatos, o juiz entendeu que ficaram caracterizados dano, nexo de concausalidade e culpa empresarial no caso. E concluiu que, na prática, a trabalhadora não tem mais condições físicas de realizar as atividades laborativas pertinentes à função de caixa.

“É indiscutível que a autora terá consideráveis prejuízos em sua vida profissional, pois não mais poderá exercer essa atividade. Suas chances de recolocação no mercado de trabalho serão menores, sendo possível que tenha que buscar oportunidades de trabalho que ofereçam remuneração menos vantajosa”, ponderou.

Por isso, o magistrado fixou, por arbitramento, que a trabalhadora sofreu redução definitiva da capacidade para o trabalho que desenvolvia anteriormente, em razão das atribuições exercidas (nexo concausal), no importe de 50%. E determinou o pagamento de indenização por danos morais de R$ 50 mil, levando em consideração a idade da operadora de caixa, o tempo de serviço prestado, o grau da lesão sofrida, a intensidade da culpa da empregadora, o caráter pedagógico da reparação e, por fim, a capacidade financeira da empregadora.

Determinou, ainda, o pagamento de pensão mensal desde a data da concessão da aposentadoria por invalidez, em 10/7/2015, até a trabalhadora completar 75 anos de idade, no valor equivalente a 50% da importância mensal que ela recebia antes de se aposentar por invalidez. E reconheceu, por fim, a rescisão indireta do contrato de trabalho, com o pagamento das verbas rescisórias decorrentes. Para o julgador, “a reclamada submeteu a reclamante a esforços físicos exagerados, superiores às suas forças, tanto que resultou em aposentadoria por invalidez, bem como não realizou as adaptações necessárias no sentido de proporcionar adaptação no meio ambiente de trabalho”. Há recursos aguardando julgamento no TRT-MG.

Processo n° 0012083-54.2016.5.03.0042

TRT/MG: Rede de farmácias é condenada a pagar adicional de insalubridade a empregada que fazia aplicações diárias de injeções em clientes

A Justiça do Trabalho condenou uma rede de farmácias que atua no mercado mineiro a pagar adicional de insalubridade a uma trabalhadora que fazia aplicação de medicamentos injetáveis. A decisão é dos julgadores da 11ª Turma do TRT-MG, que mantiveram, por unanimidade, sentença do juízo da 32ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

No recurso, a empregadora insistiu que a trabalhadora não tinha direito à percepção do adicional de insalubridade, afirmando que ela não exercia atividade em local destinado aos cuidados da saúde humana e não se expunha ao contato com agentes biológicos noviços à saúde, na forma prevista na Norma Regulamentar nº 15 da Portaria Ministerial 3.214/78. Mas não foi essa a conclusão dos julgadores, que, acolhendo o voto da relatora, desembargadora Juliana Vignoli Cordeiro, negaram provimento ao recurso da empresa.

Embora a prova pericial tenha descaracterizado a insalubridade no caso, a relatora ressaltou que juízo não está adstrito ao laudo pericial, podendo se afastar das conclusões do perito, baseando-se em outros elementos de prova contundentes.

E o próprio perito constatou que a empregada realizava cerca de 10 aplicações mensais de medicamentos injetáveis. Além disso, testemunha relatou que não era possível saber se o paciente tem doença infectocontagiosa, que não eram utilizadas máscaras antes da pandemia e que já houve acidente na aplicação de injetáveis na empresa, inclusive com a própria testemunha.

De acordo com a desembargadora, as circunstâncias apuradas provaram que a autora realizava a aplicação de medicamentos injetáveis de forma não eventual, levando à aplicação da Tese Prevalecente nº 19 do TRT-MG, segundo a qual: “Empregado de farmácia ou drogaria. Aplicação de medicamentos injetáveis. Adicional de insalubridade. Farmácia ou drogaria que disponibiliza o serviço de aplicação de medicamentos injetáveis enquadra-se no conceito de estabelecimento destinado aos cuidados da saúde humana, nos termos do Anexo 14 da NR-15 da Portaria n. 3.214, de 1978, do MTE, para fins de concessão de adicional de insalubridade aos empregados que apliquem medicamentos injetáveis. (RA 259/2017, disponibilização: DEJT/TRT-MG/Cad. Jud. 18 e 19/12/2017, 8, 23 e 24/01/2018)”.

Segundo pontuou a relatora, não há dúvida de que a empresa se equivale a outros estabelecimentos destinados ao cuidado da saúde humana, razão pela qual não se pode falar em inaplicabilidade do Anexo 14 da NR-15. A norma regulamentar determina o pagamento do adicional de insalubridade, no grau médio, em atividades que exigem contato permanente com pacientes ou com material infectocontagiante em estabelecimentos destinados aos cuidados com a saúde humana.

“Embora a ré tenha como atividade preponderante a comercialização de remédios e similares, ela disponibiliza aos seus clientes (que aqui se equiparam a pacientes) o serviço de aplicação de medicamentos injetáveis, exercendo assim atividades relacionadas à assistência à saúde humana em outros estabelecimentos, conforme norma regulamentadora”, ressaltou o voto condutor. Acrescentou a relatora que, ao realizar a aplicação de injetáveis nos clientes do estabelecimento, a empregada submetia-se ao contato com material infectocontagiante, expondo a risco sua saúde, tendo em vista que entre os clientes atendidos poderia haver pessoas portadoras de doenças passíveis de transmissão no ato da aplicação.

“Cumpre ressaltar que no processo de aplicação das injeções, há o contato direto com o paciente, com risco de contaminação, pelas secreções e líquidos presentes, como sangue, suor, etc. Há o iminente risco de contaminação, tanto por perfurocortantes (agulhas manuseadas), quanto pela exposição com o sangue, às vezes espirrado dos pacientes”, ponderou a desembargadora.

Na decisão, a relatora ainda registrou que o contato da trabalhadora com pacientes na aplicação de injeções, embora em caráter intermitente, era habitual (em média 10 aplicações mensais), o que lhe assegura o direito ao adicional de insalubridade, nos termos da Súmula 47 do TST, cuja redação é a seguinte: “O trabalho executado em condições insalubres, em caráter intermitente, não afasta, só por essa circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional”.

Em relação aos equipamentos de proteção individuais utilizados para a prevenção de riscos biológicos, ressaltou a julgadora que, como informado no próprio laudo pericial, eles não são capazes neutralizar os agentes agressores, mesmo porque a insalubridade por agentes biológicos é inerente à atividade, isto é, não há eliminação com medidas aplicadas ao ambiente, nem neutralização com o uso de EPI.

Processo n° 0010419-04.2018.5.03.0111

TST: Rede de lanchonete não terá de pagar indenização a balconista acidentado ao voltar para casa

Para a 4ª Turma, a atividade de atendente de balcão não pode ser considerada de risco.


A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho FCD reformou decisão que condenou a FCD Hamburgueres Comércio de Alimentos Ltda. (Rede Bob’s) ao pagamento de indenização a um balconista de Belo Horizonte (MG) que sofreu acidente de moto no trajeto do trabalho para casa. Segundo o colegiado, não ficou configurada a atividade de risco.

Paraplegia completa
O acidente ocorreu na Rodovia MG-10, em maio de 2015, por volta da 6h20, depois que o empregado deixou a loja da empresa, no Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins). Ele voltava para casa em sua motocicleta e, segundo o processo, teria dormido ao volante. O acidente resultou em politraumatismo, cirurgias e paraplegia. Na ação trabalhista, ele disse que oito empregados haviam faltado naquele dia, o que o teria levado à exaustão, por exceder a jornada de trabalho.

A empresa, em sua defesa, argumentou que a equipe do balconista estava completa no dia do acidente, que ele havia trabalhado normalmente durante a jornada e que os atendimentos à noite são reduzidos.

Equipe desfalcada
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido de indenização, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) reformou a sentença e condenou o Bob’s a pagar R$ 280 mil por danos morais e materiais. Segundo o TRT, depoimentos colhidos no processo comprovaram que a equipe estava desfalcada em um empregado, o que teria gerado esforço extraordinário ao balconista e levado ao acidente no percurso empresa-casa.

Atividade de risco
O relator do recurso de revista da rede de lanchonetes, ministro Alexandre Ramos, considerou ter ficado claro que o balconista sofreu um acidente de trajeto após cumprir sua jornada de trabalho. Ponderou, contudo, que, com base nas regras da experiência e nas condições de normalidade, não se poderia concluir que as atividades de atendente de balcão possam se enquadrar no conceito de atividade de risco, na acepção do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.

Em seu voto, o ministro observa que, ao contrário do afirmado pelo atendente, não houve falta significativa de empregados naquele turno, e a ausência de uma pessoa não poderia gerar sobrecarga significativa de trabalho a ponto de atrair a responsabilidade da empresa pelo acidente. O relator observa, ainda, que a equipe era composta de 12 a 13 empregados, não houve aumento da jornada na data do acidente e que o turno noturno era o de menor movimento. “Não há como condenar a FCD sem a comprovação de dolo ou culpa da empregadora”, concluiu.

A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo n° R-10535-68.2016.5.03.0179

TRF1 garante a aluno com deficit de atenção o direito fundamental a curso superior

A sentença sob reexame necessário deferiu a segurança “para declarar a ilegalidade do ato de desligamento do impetrante do corpo discente da Universidade Federal de Lavras (Ufla) – MG, visto que não lhe foram proporcionados o atendimento e a execução de plano de desenvolvimento de educação inclusiva, para eliminar as barreiras que impedem seu aprendizado, violando o direito fundamental à educação”.

O relator, desembargador federal João Batista Moreira, assinalou que o impetrante, diagnosticado com Distúrbio de Deficit de Atenção (DDA) e Hiperatividade, foi desligado do Programa de Apoio a Discentes com Necessidades Especiais (PADNEE ) da UFLA, “sem que esta avaliasse qual impacto o acompanhamento pelo PADNEE produziu no seu desempenho acadêmico”.

O processo chegou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) por meio de remessa oficial, instituto do art. 496 do Código de Processo Civil (CPC), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige que o juiz encaminhe o processo ao tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.

Constatou ainda o magistrado que, no ato do desligamento, o aluno não foi informado sobre a possibilidade de receber tratamentos diferenciados em razão de sua deficiência, contrariando o disposto no processo administrativo que sugeriu que o “discente seja informado dos possíveis tratamentos diferenciados oferecidos pela Instituição”.

Concluiu o relator que, “não poderia a UFLA desligar o aluno sem antes proporcionar-lhe as adaptações necessárias para garantir sua permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena do estudante com deficiência”.

O Colegiado, por unanimidade, negou provimento à remessa necessária, nos termos do voto do relator.

Processo n° 1000634-35.2020.4.01.3808

TRT/MG: Município é condenado por descumprir legislação de segurança e medicina do trabalho

A condenação incluiu indenização por danos morais coletivos.


O município mineiro de Mata Verde, no Vale do Jequitinhonha, foi condenado a cumprir medidas para garantir a segurança de seus trabalhadores/servidores. A decisão, proferida pelo juiz Walace Heleno Miranda de Alvarenga, em sua atuação na Vara do Trabalho de Almenara, determinou também o pagamento de R$ 20 mil de indenização por dano moral coletivo. A quantia será destinada a entidade filantrópica da região.

Na ação civil pública ajuizada, o Ministério Público do Trabalho alegou que o município não vem cumprindo normas imperativas concernentes ao meio ambiente de trabalho e saúde dos trabalhadores (estatutários e contratados), deixando de observar exigências das normas regulamentadoras sobre a matéria. Segundo o MPT, muitos dos trabalhadores executam tarefas com acentuado grau de exposição a agentes insalubres, como limpeza urbana, esgotamento sanitário, áreas de enfermaria ou hospitalares, cemitério, entre outros.

Ao decidir o caso, o magistrado reconheceu a veracidade das alegações. É que, embora devidamente notificado, o réu não compareceu à audiência, levando o juiz a decretar a revelia (OJ 52 da SBDI-I do TST) e aplicar a confissão quanto à matéria de fato, conforme artigo 844 da CLT. Como resultado, os fatos alegados na inicial foram presumidos verdadeiros. O julgador esclareceu que os elementos existentes nos autos também seriam analisados, de acordo com o princípio da liberdade de convicção do magistrado.

Para o julgador, ficou evidente a inércia do município no que se refere ao cumprimento das obrigações descritas na inicial. Ficou demonstrado, inclusive, que o município havia admitido expressamente em procedimento investigativo ministerial, que não mantinha os programas e laudos técnicos requisitados pelo MPT, os quais são exigidos pelas Normas Regulamentares NR-07 e NR-09.

Diante desse cenário, o magistrado julgou procedentes os pedidos para condenar o réu a elaborar e implementar, no prazo de 30 dias, Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA e, futuramente, o PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos, com Inventário de Riscos e Plano de Ação, de acordo com a estrutura determinada na NR-9, Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, conforme a estrutura determinada na NR-7, Laudos Técnicos de Condições Ambientais do Trabalho – LTCAT, expedidos por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, nos termos da legislação vigente.

Também determinou que forneça, gratuitamente, no prazo de 45 dias, os equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados ao risco a que estão sujeitos todos os seus trabalhadores/servidores, e exija a sua utilização, substituindo-os sempre que necessário, conforme as disposições contidas na NR-6.

No prazo de 60 dias, o município deverá fornecer o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) a todos os seus trabalhadores/servidores que a ele possuem direito, bem como realizar exames médicos admissional, periódico, de retorno ao trabalho, de mudança de função e demissional de todos os seus trabalhadores/servidores, com a emissão dos Atestados de Saúde Ocupacional – ASO respectivos, nos termos da legislação em vigor.

Ordenamento jurídico – A decisão se amparou no ordenamento jurídico que regula a matéria. No plano internacional, mencionou a Convenção nº 155 da OIT sobre normas genéricas relacionadas à segurança e saúde dos trabalhadores, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 1.254/1994. Segundo observou o juiz, o artigo 3º, b, prevê que “o termo ‘trabalhadores’ abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os servidores públicos”.

Em âmbito nacional, registrou que a Constituição da República também consagra, em seus artigos 7º, inciso XXII, e 225, o princípio do risco mínimo regressivo que deve fundamentar toda a legislação ordinária sobre a matéria. O artigo 157 da CLT e o artigo 19 da Lei nº 8.213/1991 igualmente contemplam normas regentes da obrigação patronal de preservar a segurança no trabalho.

De acordo com o magistrado, a Administração Pública Direta e Indireta também deve observar os ditames normativos que asseguram a proteção dos trabalhadores, independentemente do regime jurídico de vinculação ao ente público ou administrativo, conforme regra do artigo 39, parágrafo 3º, da Constituição da República.

Dano moral coletivo – Considerando o descumprimento da legislação de segurança e medicina do trabalho pelo município réu e o fato de não se preocupar com a saúde ocupacional de seus trabalhadores/servidores, o juiz considerou violado “o patrimônio imaterial de toda a comunidade de trabalhadores/servidores municipais, causando-lhes dano na dimensão transindividual de seus direitos da personalidade”.

Por esse motivo e, com base em critérios explicitados na sentença, condenou o município a pagar indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 20 mil, a ser revertido a favor de entidade filantrópica da região.

Na decisão, o magistrado considerou inconstitucional a tarifação da lesão extrapatrimonial, para fins de fixação da correlata indenização compensatória, conforme estabelecida nos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 223-G da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/2017, em razão de violação frontal à Constituição, sobretudo aos dispositivos do artigo 5º, incisos V e X, bem como aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da isonomia (artigos 1º, III, e 5º, caput, da CF), conforme jurisprudência pacífica do STJ (Súmula 381), do STF (ADPF 130) e do TRT da 3ª Região (ArgInc 0011521-69.2019.5.03.0000). Nesse contexto, reconheceu, de forma incidental, a inconstitucionalidade dos dispositivos. Cabe recurso da decisão.

Processo n° 0010396-88.2020.5.03.0046

TRT/MG autoriza penhora de imóvel que teria sido doado a filhas de devedor

Doação não foi registrada em cartório.


Julgadores da Décima Turma do TRT de Minas acolheram o recurso da credora da dívida trabalhista para, modificando a decisão oriunda da Vara do Trabalho de Teófilo Otoni, autorizar a penhora de imóvel doado pelos devedores às suas filhas. Foi constatado que a doação não teve registro em cartório e a devedora permanecia na posse do imóvel.

A decisão teve como relatora a desembargadora Taísa Maria de Macena Lima, cujo entendimento foi acolhido, à unanimidade, pelos demais integrantes do colegiado. Foi pontuado que a propriedade imobiliária registrada sob a titularidade da devedora trata-se de bem sujeito à execução, nos termos do artigo 789 do CPC. Além disso, segundo ressaltado, a doação não registrada no cartório de imóveis e realizada na pendência de dívidas, como no caso, não impede a penhora, nos termos artigo 790, inciso III, do CPC, segundo o qual: “São sujeitos à execução os bens: (…) do devedor ainda que em poder de terceiros”.

Entenda o caso – Trata-se de ação trabalhista movida em face da reclamada, que mantinha uma minifábrica de doces nos fundos de uma casa, contratando empregados sem anotação na CTPS. A exequente havia trabalhado neste imóvel, cuja penhora era requerida. Documento apresentado no processo demonstrou que o imóvel havia sido doado pelo casal (devedora e ex-marido) às filhas.

A exequente não se conformava com a decisão, oriunda da Vara do Trabalho de Teófilo Otoni, que revogou ordem judicial que determinou a penhora do imóvel. Alegou que as tentativas de execução contra a devedora do crédito trabalhista foram frustradas, por não terem sido encontrados bens.

Evidência de má-fé – Ao dar razão à trabalhadora, a relatora ressaltou que, no caso, além de não se tratar de compra e venda, já que a doação ocorreu entre mãe e filhas, estas nem mesmo eram possuidoras do imóvel, cuja posse permanecia com a própria executada. Além disso, conforme verificado, o imóvel estava registrado no cartório competente em nome da devedora, sem qualquer registro da doação.

“Nesse contexto, diante das tentativas frustradas de execução contra a devedora, verifico que a última doação, a de 2017, ocorrida no bojo do volume de dívidas contra a devedora, mãe das autoras, ocorreu de má-fé”, concluiu a julgadora.

De acordo com a relatora em seu voto condutor, ficou evidente a má-fé na doação da mãe para as filhas e, como o imóvel se encontra registrado em nome da própria executada, além de estar sujeito à execução, a doação não gera eficácia perante terceiros, mesmo porque todos aqueles que mantiveram relações negociais com a devedora contam com seu patrimônio para honrar suas dívidas.

Processo n° 0010703-46.2020.5.03.0077

TRT/MG: Vale pagará R$ 351 mil a trabalhador que escapou de rompimento em Brumadinho

Valor inclui indenização por pertences pessoais perdidos no acidente.


A mineradora Vale S.A. e uma empresa de engenharia, com sede na capital mineira, terão que pagar, de forma solidária, indenização de R$ 351.500,00 ao trabalhador que escapou do rompimento da barragem de rejeitos do Córrego do Feijão, em Brumadinho, tragédia que completa hoje 29 meses. O valor é referente ao dano moral sofrido pelo trabalhador pelas repercussões psíquicas e pela lesão aguda na coluna decorrente do esforço na fuga no momento do acidente e aos danos materiais relativos aos pertences perdidos na tragédia.

Está incluída também nesse montante a indenização pela perda de pertences pessoais, no dia do acidente, como a aliança de casamento, roupas, calçado, produtos de higiene pessoal, mochila e carteira com documentos. O trabalhador receberá também pensão mensal vitalícia, em valor correspondente a 50% da remuneração. A decisão é dos julgadores da Primeira Turma do TRT-MG, que mantiveram, por unanimidade, a condenação imposta na sentença proferida pelo juízo da 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, apenas aumentando o valor da indenização fixada em primeiro grau.

O trabalhador exercia a função de encarregado e alegou que, no momento do rompimento, estava fazendo a manutenção de um eletroduto, no 3º piso do prédio de Instalação de Tratamento de Minérios, que fica em frente à barragem. Explicou que ouviu um barulho muito alto e que o prédio começou a tremer. Pela varanda, conseguiu ver uma onda gigante de lama, engolindo tudo que estava à frente.

O trabalhador explicou que correu junto com seus companheiros, mas muitos ficaram com o corpo quase todo soterrado na lama, preso nas ferragens, e não conseguiram se salvar. Informou que a tensão sofrida, no momento da tragédia, acarretou estresse pós-traumático, em razão do qual ainda faz tratamento. Disse que, no momento da fuga, caiu e foi atingido em sua coluna por madeiras e peças, sendo diagnosticado, segundo ele, com uma série de problemas de saúde.

Pelo laudo da perícia médica, ficou provada a incapacidade total do trabalhador, temporária de três meses, por ter sofrido dor lombar aguda pelo esforço realizado na fuga do acidente. O laudo apontou, ainda, que o profissional “está com incapacidade permanente para qualquer função que possa ser equiparada à exercida em ambiente de mineração, em decorrência dos danos psíquicos sofridos”. A perícia indicou dano existencial, identificado principalmente por um impedimento na fruição de atividades, como de lazer e esporte. Pelo laudo, “a vítima teve modificada toda sua rotina e seu planejamento de vida”.

Em sua defesa, a Vale alegou que eventuais danos decorrentes devem ser analisados sob a ótica da legislação trabalhista e, de forma subsidiária, da legislação civil. Para a empresa, devem ser demonstrados o dano sofrido pelo autor, o ato omissivo ou comissivo das rés e o nexo de causalidade entre eles, o que, segundo a mineradora, não ocorreu. Já a outra empresa ré sustentou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da Vale e que não teria como aferir o risco do local de trabalho e que não estaria caracterizada sua responsabilidade objetiva.

Para o desembargador relator Emerson José Alves Lage, há que se reconhecer a responsabilidade objetiva, pois, de fato, a atividade desenvolvida pela Vale gera uma situação de risco acentuado. “Pelo princípio do poluidor-pagador, responde objetivamente o empregador pela degradação do meio ambiente de trabalho, pois os custos oriundos dos danos provocados ao entorno ambiental ou a terceiros direta ou indiretamente expostos, como os trabalhadores, devem ser internalizados”, pontuou.

Segundo o julgador, ao celebrar um contrato de trabalho, o empregador obriga-se a dar ao seu empregado condições plenas de exercer bem as atividades. “Especialmente no que toca à segurança na prestação das atividades laborais, sob pena de se responsabilizar pelas lesões e prejuízos causados, com fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil”.

Em seu voto condutor, o desembargador citou o documento “Análise de Risco de Rompimento da Barragem”, que, segundo ele, estampa a conduta culposa da Vale. O relatório, que foi produzido pela própria empresa, fez parte também da série de documentos anexados pelo Ministério Público do Trabalho na ação civil pública ajuizada contra a empresa e que embasaram os pedidos de indenização.

Na visão do relator, o documento serve como um instrumento para “melhor conhecimento dos riscos associados a estas estruturas da forma mais próxima possível da realidade e, ao mesmo tempo, como uma ferramenta de gestão do empreendedor responsável”. Segundo o julgador, o documento revela que a Vale sabia dos custos que teria no caso de a barragem se romper.

Na decisão, o magistrado citou o relatório produzido pela CPI instaurada no Senado Federal sobre o rompimento da barragem. Foram destacados tópicos do documento que detalham, de forma robusta, procedimentos técnicos relativos à B1 (licenciamento, monitoramento da estabilidade e plano de ação de emergência), comprovando falhas graves, omissões e também fraudes.

Para o julgador, a empresa teve todas as chances de evitar o problema, que incluía, segundo ele, a evacuação a tempo das pessoas que estavam na área de risco. “Dessa forma, o grau de culpabilidade da empresa é gigante, beirando o dolo eventual”.

“É patente, por todos os ângulos, o sofrimento causado aos atingidos, bem como a negligência e omissão quanto aos extremos riscos aos quais foram expostos os trabalhadores diariamente”, concluiu o relator, reconhecendo, em síntese, que não há dúvida do nexo de causalidade e do dano decorrente do acidente do trabalho típico que vitimou o empregado nas dependências da Vale.

Indenização – Tratando-se de dano “in re ipsa”, fica rechaçada a tese de defesa de que seria necessário provar o abalo moral sofrido. Segundo o relator, não há como se averiguar ou mensurar o sofrimento psíquico ou moral, as dores, as angústias e as frustrações infligidas ao trabalhador.

“Mas mesmo sendo desnecessária a prova do dano moral, foi produzido laudo psicológico, demonstrando o transtorno psíquico decorrente do acidente, e ouvida testemunha, a pedido do autor da ação, que era um colega de trabalho, que, segundo informado pelo juízo, chorou ao se reportar aos momentos vivenciados”, destacou.

Quanto ao valor da indenização por danos morais, o relator majorou o total fixado na sentença, de R$ 250 mil para R$ 350 mil.

“Diante da gravidade do acidente de trabalho causado pelo rompimento da barragem, por não observância de critérios mínimos de segurança, essa Turma considera que o valor da indenização por danos morais deve ser elastecido para um valor mais condizente, para que sirva de um verdadeiro lenitivo para o reclamante e, ao mesmo tempo, como uma reparação que incuta na causadora de toda essa dor reflexões no sentido de valorar e dar maior proteção às vidas que estão a lhe servir e a lhe permitir a obtenção de seus fins sociais e lucro, bem como a de ser mais cuidadosa, diligente e responsável”.

Como houve perda da capacidade laborativa integral pelo prazo de três meses, o julgador entendeu que é devida a reparação integral desse período. Considerando a restrição à área de atuação e que os danos psicológicos sofridos justificam, inclusive, a permanência do afastamento previdenciário, ele estimou em 50% a redução da capacidade, determinando como devido o pensionamento correspondente de forma vitalícia a partir do quarto mês.

O desembargador acrescentou à condenação uma indenização pelos danos emergentes, diante da perda de vários pertences no dia do acidente, como roupas, calçados, perfumes, produtos de higiene pessoal, medicamentos, mala, mochila, carteira e documentos. Porém, à míngua de prova do valor e quantidade de bens perdidos, arbitrou o valor em R$ 1.500,00.

Processo n° 0010879-73.2019.5.03.0137


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