TJ/DFT: É ilegal cortar energia por dívidas antigas

A 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) rejeitou recurso da empresa concessionária Neoenergia Distribuição Brasília S.A. que buscava a interrupção do serviço por débitos antigos. A decisão reforçou que somente faturas recentes autorizam a suspensão do fornecimento de energia elétrica.

No caso, a concessionária incluiu parcelas referentes a dívidas antigas na mesma conta de consumo do mês. A empresa alegou que diversos acordos foram firmados para quitar o valor pendente e argumentou que o corte estava previsto no termo de confissão de dívida, caso a consumidora descumprisse o pagamento. A consumidora, por sua vez, pediu o cancelamento da cobrança conjunta e a manutenção do fornecimento de energia.

A Turma observou que o fornecimento de energia é um serviço público essencial, sujeito a normas específicas que garantem a continuidade. Para o colegiado, a prática de inserir parcelas antigas na conta mensal condiciona a pessoa consumidora a pagar débitos pretéritos ou ficar sem o serviço, o que fere a regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica. Segundo a decisão, a “interrupção do fornecimento de energia elétrica é permitida somente em relação a débitos de consumo atuais, não sendo lícito o corte por inadimplemento de dívidas antigas, superiores a 90 dias”.

Com esse entendimento, a Turma concluiu que a concessionária não poderia suspender o fornecimento devido às parcelas pretéritas com atraso superior a 90 dias. Assim, ficou mantida a obrigação de emitir faturas separadas para o consumo atual e para o parcelamento dos débitos anteriores, o que garante que o corte de energia não seja utilizado como meio de cobrança de dívidas antigas.

A decisão foi unânime.

Processo: 0702857-97.2023.8.07.0002

TRT/SC: Rede de supermercados é condenada em R$ 37 mil após desistir de contratar trabalhadora transgênero

Uma mulher transgênero deverá receber R$ 37 mil de indenização de uma rede de supermercados que desistiu de empregá-la, mesmo após ela ter sido aprovada em todas fases do processo seletivo e assinado o contrato de trabalho. A decisão foi tomada pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC), que considerou que a negativa estava relacionada à identidade de gênero da trabalhadora, caracterizando discriminação.

O caso aconteceu em Tubarão, sul do estado. De acordo com o que foi relatado no processo, a mulher entregou seu currículo para a vaga de repositora e, na sequência, foi aprovada na entrevista, submetendo-se ao exame admissional.

Enquanto isso, a ré abriu uma conta bancária no nome da trabalhadora, com a intenção de realizar o depósito do salário. No entanto, ao se dirigir à empresa para tirar a foto do crachá, a mulher foi informada por um representante da rede de que não havia mais vaga disponível.

Decisão de primeiro grau

Na primeira instância, o juízo responsável pelo caso na 1ª Vara do Trabalho de Tubarão não reconheceu a discriminação e negou o pedido de indenização.

Ele considerou que não havia provas suficientes que ligassem a negativa de emprego na última fase do processo à condição de transgênero da reclamante. Isso porque, em sua análise, a empresa sabia da identidade de gênero da requerente durante todo o processo admissional.

Discriminação

Inconformada com o desfecho, a autora recorreu ao tribunal, reiterando seus argumentos. Na 1ª Turma, a relatora do caso, desembargadora Maria de Lourdes Leiria, optou por modificar a decisão anterior.

“Acontece que o procedimento de admissão é complexo, requerendo várias etapas, cuja realização de cada uma até a decisão final de contratação não significa que estão sob a competência da mesma pessoa”, explicou a magistrada.

A relatora complementou que a comprovação das etapas concluídas pela autora e a subsequente negativa, associada à sua identidade de gênero, configuravam discriminação, de acordo com o artigo 1º da Lei 9.029/95.

O acórdão ainda ressaltou que a reclamada não compareceu ao processo para se defender. Isso resultou na aplicação de “revelia e confissão ficta”, de acordo com o artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), presumindo-se verdadeiros os fatos alegados na petição inicial.

Indenização

Como resultado da conduta da ré, ficou estabelecido que a trabalhadora deveria ser indenizada por danos morais na quantia de R$ 30 mil.

Lourdes Leiria ressaltou que a dispensa não apenas frustrou o “direito social ao trabalho”, mas também afetou a dignidade da autora enquanto pessoa, aspectos garantidos pela Constituição Federal.

Além disso, a ré deverá pagar R$ 7 mil a título de danos materiais, correspondentes ao lucro cessante decorrente da promessa não cumprida. Isso porque, ao abrir a conta bancária e dar sequência ao processo de admissão, a rede de supermercados efetivamente criou uma expectativa legítima de vínculo empregatício. A frustração dessa expectativa resultou em perdas financeiras que, conforme a legislação, são passíveis de compensação.

Não cabe mais recurso da decisão.

STF valida busca domiciliar e prisão de mulher por Guarda Municipal e anula absolvição

Guardas encontraram pedras de crack na casa. Ministro Alexandre de Moraes aplicou entendimento do Supremo sobre a matéria.


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou válida uma busca domiciliar feita por guardas municipais que encontraram drogas na casa de uma mulher no Paraná. Com isso, anulou a absolvição da mulher e determinou que o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) julgue novamente o recurso da defesa, mas agora levando em consideração a legalidade da prisão em flagrante e das provas dela decorrentes.

A decisão do ministro foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 1532700, apresentado pelo Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR) contra a absolvição.

Flagrante
No caso analisado, os guardas faziam patrulhamento de rotina na cidade de Quatro Barras (PR) quando avistaram um homem em atitude suspeita, saindo da residência da mulher. Ao abordá-lo, encontraram um cigarro de maconha e três pedras de crack. O indivíduo então informou aos agentes que havia comprado as drogas no local. Os guardas se dirigiram à residência da mulher e encontraram, num guarda-roupa, cerca de 20 gramas em pedras de crack.

A mulher foi condenada em primeira instância a quatro anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, por tráfico de drogas. Mas, no julgamento de apelação da defesa, o TJ-PR absolveu a acusada, por entender que os guardas atuaram fora de sua atribuição, como se fossem policiais militares em ação ostensiva, o que levou à anulação das buscas e das provas encontradas.

Fundada suspeita
Ao analisar o recurso do MP-PR, o ministro não constatou nenhuma ilegalidade na ação dos guardas municipais, já que foi comprovado que havia fundadas suspeitas para a busca pessoal. O relator citou três precedentes do Supremo para fundamentar sua decisão. No primeiro, o Tribunal reconhece que as guardas municipais executam atividade de segurança pública. O segundo é uma decisão da Primeira Turma (RE 1468558), de sua relatoria, em que foi reconhecida a validade da revista pessoal e da prisão feita por guardas municipais em casos de flagrante envolvendo tráfico de drogas. O ministro citou também orientação adotada pela Corte de que a justa causa para a conduta dos agentes não exige a certeza da ocorrência de delito, mas fundadas razões a respeito do cometimento de crimes.

Veja a decisão.
Recurso Extraordinário nº 1.532.700 PR

TRF4: Médico é condenado novamente por não cumprir jornada de trabalho no Hospital Universitário

A 2ª Vara Federal de Santa Maria (RS) condenou um ex-servidor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) por não cumprir com sua jornada de trabalho como médico no Hospital Universitário (HUSM). Ele já havia sido condenado em ação de improbidade administrativa no dia 8/1. A sentença do processo penal, publicada na quinta-feira (23/1), é do juiz Daniel Antoniazzi Freitag.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com a ação também contra um professor, que era o chefe imediato do médico. Narrou que o médico possuía dois vínculos empregatícios com a UFSM, um cargo com 40 horas semanais que, inicialmente, foi lotado no HUSM, porém desempenhado junto ao Centro de Educação Física e Desportos (CEFD), e outro, com 20 horas semanais lotado e desempenhado junto ao HUSM.

O autor afirmou que a apuração iniciou, na UFSM, após o recebimento de denúncias dos servidores do Hospital Universitário acerca da ausência de médicos cardiologistas na Unidade de Terapia Intensiva, situação que ocasionou, inclusive, o fechamento de leitos na unidade. Alegou que foi constatado que o médico indiciado não possuía nenhum registro presencial no ponto eletrônico no período em que era para estar no CEFD, sendo que a investigação administrativa analisou 14 meses. Sustentou que o professor chefe abonava integralmente as faltas, sem qualquer justificativa.

O MPF afirmou que o registro de ponto eletrônico é obrigatório na UFSM, que abriu processo administrativo disciplinar para apuração do fato e a comissão, após concluir os trabalhos, recomendou a demissão do médico e do professor. Entretanto, o reitor da instituição demitiu apenas o médico e aplicou a pena de suspensão por 90 dias com prejuízo de remuneração ao professor, pois entendeu que contribuição material foi simples participação.

O autor também pontuou que, no curso das investigações, tomou ciência de uma nova irregularidade cometida pelo médico no período compreendido entre setembro de 2014 e abril de 2015 e janeiro e dezembro de 2016. Ele registrava sua jornada laboral no sistema de registro eletrônico, mas não permanecia no local para desempenhar suas funções. Sustentou que ele se ausentava logo após os registros, retornando ao final da jornada para inserir a anotação de saída.

Em sua defesa, o médico sustentou ausência de provas de materialidade delitiva. Já o professor alegou que ausência de comprovação de autoria.

Ao analisar o conjunto probatório, o juiz pontuou que chamou a atenção que o registro eletrônico do médico era abonado quase que diariamente pela chefia e não há explicações válidas para tal irregularidade, ainda mais que o registro poderia ser feito de qualquer computador. “Nem mesmo uma escala de trabalho com horários aleatórios justificaria tal procedimento”.

O magistrado também destacou que ser muito estranho, “e talvez até contrário ao interesse público, que um médico, com dois vínculos perante o Hospital Universitário de Santa Maria nos quais era contratado para exercer a função de médico, fosse deslocado para a participação em um projeto do Curso de Educação Física, quando se tem conhecimento histórico das dificuldades que o HUSM enfrenta”.

Para Freitag, as provas mostraram uma total inconsistência dos horários, em um projeto que não foi realizado em sua plenitude, com a existência de elementos prestados pelo próprio acusado de que costumava exercer atividades em outro local no mesmo horário em que indicado na folha abonada. Ele também ressaltou que os registros de jornada de trabalho no período da manhã apontam para a concomitância com o primeiro vínculo junto ao HUSM.

O juiz concluiu que o estelionato restou comprovado, inclusive quanto ao fato de burlar o sistema de registro de ponto eletrônico. “De imediato, os horários indicados no levantamento trazido pela PF e MPF forçam o reconhecimento de que o acusado não permanecia no HUSM durante o seu horário de trabalho, não remanescendo dúvidas acerca disso. E, mesmo que se admitisse por verdadeira a justificativa do acusado, ainda assim restaria configurada a situação criminosa porque a existência de dois vínculos junto ao HUSM impõe que a carga horária não pode ser sobreposta. Não há como os dois cargos serem exercidos concomitantemente sem que haja um prejuízo aos cofres públicos e a inevitável não prestação de um dos vínculos”.

O magistrado sublinhou que se “o vínculo a ser exercido é presencial, mediante controle ponto, exige a presença física do prestador do serviço, que deveria marcar no ponto inclusive o horário exato de sua saída”. Em relação ao servidor professor, ele destacou que não há dúvidas sobre o seu envolvimento com o fato, pois era chefia imediata do médico e o responsável por abonar os registros. Entretanto, não ficou claro se ele tinha ciência da fraude.

“Aqui, faltam elementos nos autos aptos a caracterizar essa atuação do acusado ciente de irregularidades, o que prejudica a qualificação do crime de estelionato, que exige o dolo para sua confirmação. E, por inexistir a modalidade culposa de estelionato, sua absolvição se torna imperativa, considerando cada data adulterada como um fato de estelionato”.

Freitag julgou parcialmente procedente a ação condenado o médico por estelionato a pena de reclusão de sete anos e nove meses. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

TJ/DFT: Justiça nega indenização à mãe de jovem atropelado enquanto fugia da polícia

O 2º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF negou o pedido de indenização por danos morais movidos por uma mulher contra o Distrito Federal. A autora pleiteava o valor de R$ 25 mil sob alegação de falha no dever de vigilância, devido à morte de seu filho, atropelado enquanto fugia da polícia.

Conforme o processo, o jovem foi detido pela Polícia Militar do DF, em maio de 2024. Durante a abordagem, ele conseguiu fugir mesmo algemado, momento em que, ao atravessar uma via movimentada, foi atingido por um veículo e morreu em razão do acidente. A mãe do rapaz alegou que a fuga e o acidente fatal decorreram da omissão do Estado em garantir a segurança do filho que estava sob custódia policial.

Em defesa, o Distrito Federal sustentou a inexistência de responsabilidade, por culpa exclusiva da vítima. Argumenta que esse fato exclui a relação entre a conduta do Estado e o dano causado à autora.

Na sentença, o Juiz destaca que não resta dúvida de que o filho da autora foi atropelado, no momento em que fugia da polícia e ficou demonstrado que a morte do homem ocorreu por culpa exclusiva dele. Esclarece que o homem adotou comportamento de alto risco ao fugir dos agentes e atravessar avenida movimentada, com diversos veículos em circulação.

Por fim, o magistrado acrescenta que após o acidente os policiais adotaram procedimento adequado e prestaram os primeiros socorros à vítima, enquanto aguardavam a chegada da ambulância. Portanto, “não há que se falar em responsabilidade do Estado, uma vez que o comportamento da vítima foi o fator preponderante para o ocorrido, o que afasta a possibilidade de condenação em danos morais”, escreveu a autoridade judicial.

Processo: 0715258-46.2024.8.07.0018

TRT/RS: Condomínio que exigia certidões de antecedentes criminais para que prestadores de serviços ingressassem nas casas é condenado por danos morais coletivos

Resumo:

  • Condomínio horizontal foi proibido de exigir certidões de antecedentes criminais de prestadores de serviços nas residências.
  • Além da multa fixada em caso de descumprimento, a prática discriminatória gerou o dever de indenização por danos morais coletivos, de R$ 20 mil, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
  • 4ª Turma reconheceu que a prática gera preconceito contra trabalhadores, via de regra, de baixa renda e de pouco acesso a estudo, impedindo o direito ao trabalho sob alegação de “proteção à propriedade privada”.

A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) proibiu que um condomínio do litoral norte do estado exigisse antecedentes criminais de trabalhadores que prestam serviços nas residências. Os magistrados foram unânimes ao confirmar a sentença do juiz Luís Fernando da Costa Bressan, do Posto da Justiça do Trabalho de Capão da Canoa.

Mantida a conduta discriminatória, há previsão de multa de R$ 20 mil por trabalhador atingido. Ainda foi fixado o pagamento de R$ 20 mil a título de danos morais coletivos, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) foi o autor da ação civil pública.

A partir de denúncia que gerou um inquérito civil, foi constatado que os condôminos aprovaram em assembleia que os prestadores de serviços deveriam apresentar certidões criminais emitidas pelas Justiças Estaduais e Federais para poderem acessar as casas.

Enquanto o MPT e o condomínio tentavam formalizar um termo de ajustamento de conduta (TAC), o condomínio ratificou a postura e ainda apresentou nova ata de assembleia com restrições mais severas impostas aos trabalhadores.

Frustrada a negociação, o MPT ajuizou a ação.

O condomínio alegou que a proibição representava “risco ao direito de livre disposição, fruição, uso e gozo da propriedade privada”. Sustentou que o julgamento procedente da ACP constituiria a legitimação da intervenção estatal na propriedade privada em forma diversa à legalmente prevista (desapropriação).

Em sentença, foi confirmada a tutela de urgência, com a determinação para que o condomínio, imediatamente, deixasse de utilizar banco de dados com informações sobre antecedentes criminais e se abstivesse de prestar, buscar ou exigir as informações como condição para o acesso ao local, sob pena de multa de R$ 20 mil, por trabalhador prejudicado, a cada descumprimento.

Para o juiz Luís Fernando, a decisão tomada em assembleia geral viola os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Ele ressaltou que “o condomínio, na condição de pessoa jurídica de direito privado, não pode se imiscuir em poder que não lhe é afeto, haja vista que inflige aos trabalhadores persecução criminal que cabe tão somente ao Estado”.

“Ao decidir acerca das regras a serem cumpridas dentro de sua área não pode atentar contra a Constituição e legislação vigente. No caso, além de impedir o livre exercício ao trabalho, está a infligir aos trabalhadores que se enquadram dentre as hipóteses elencadas na assembleia geral acima descritas, condenação preliminar e perpétua, o que não se pode admitir”, afirmou o magistrado.

O condomínio recorreu ao TRT-RS, mas a sentença foi mantida. A relatora do acórdão, desembargadora Ana Luíza Heineck Kruse, considerou que a prática discriminatória deve ser severamente coibida, sob pena de perpetuar preconceito contra trabalhadores via de regra de baixa renda e de pouco acesso a estudo, impedindo o direito ao trabalho sob alegação de “proteção à propriedade privada” do condomínio.

“Não apenas a individualidade de cada empregado é atingida, mas toda a coletividade, que vê a perpetuação de descumprimentos de direitos humanos e trabalhistas basilares em desvirtuamento do que estabelece a legislação, causando insegurança jurídica e configurando ofensa ao patrimônio moral coletivo, o que justifica a indenização pleiteada”, concluiu a relatora.

A magistrada ainda chamou a atenção para a tentativa do condomínio de burlar a proibição determinada em sentença. Mesmo após o encerramento da instrução, houve um novo pedido para que o condomínio pudesse examinar certidões que seriam exigidas pelos próprios condôminos.

Também participaram do julgamento os desembargadores João Paulo Lucena e André Reverbel Fernandes. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).

STJ: Responsabilidade de banco por golpe com uso de conta digital exige demonstração de falta de diligência

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que não houve defeito na prestação de serviço do banco digital em um episódio no qual estelionatários utilizaram uma conta digital para receber pagamentos de vítima do “golpe do leilão falso“. No caso das contas digitais, a abertura da conta e as operações bancárias são oferecidas pela instituição financeira exclusivamente pela internet.

Para o colegiado, independentemente de a instituição atuar apenas em meio digital, caso ela tenha cumprido com o seu dever de verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta, além de prevenir a lavagem de dinheiro, não há defeito na prestação de serviço que atraia a sua responsabilidade objetiva. Por outro lado, se houver comprovação do descumprimento de diligências relacionadas à abertura da conta, está configurada a falha no dever de segurança.

No caso julgado, um homem, acreditando ter arrematado um veículo em leilão virtual, pagou boleto de R$ 47 mil emitido por um banco digital. Após efetuar o pagamento e não receber o carro, o homem percebeu que havia sido vítima do “golpe do leilão falso”, fraude em que estelionatários criam um site semelhante ao de empresas leiloeiras verdadeiras para enganar compradores.

Vítima apontou facilidade excessiva para criação da conta
Buscando reparação, a vítima ajuizou uma ação indenizatória por danos materiais contra o banco digital, sustentando que a facilidade excessiva na criação da conta bancária permitiu que o golpe fosse aplicado pelos estelionatários. A ação foi julgada improcedente em primeira instância, com sentença mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Para o TJSP, além de a abertura da conta ter seguido os procedimentos definidos pelo Banco Central (Bacen), o autor do processo não teria agido com cautela ao se deixar enganar por uma oferta que era 70% inferior ao valor de mercado do veículo.

Ao STJ, a vítima argumentou que houve fortuito interno do banco, pois não teriam sido adotadas as medidas de segurança para evitar que estelionatários abrissem a conta digital. Ainda segundo a vítima, o banco deveria ter observado que a transferência realizada por ele era de valor elevado, considerando os padrões daquela conta bancária.

Bacen não especifica documentos necessários para a abertura de contas digitais
A ministra Nancy Andrighi, relatora, destacou que o Banco Central publicou a Resolução 4.753/2019, estabelecendo os requisitos que as instituições financeiras devem seguir na abertura, na manutenção e no encerramento de contas de depósito no meio digital. A ministra observou que, ao contrário da antiga Resolução 2.025/1993, a nova regulamentação não especifica as informações, os procedimentos e os documentos necessários para a abertura de contas, transferindo aos bancos a responsabilidade de definir o que é essencial para identificar e qualificar o titular da conta, por meio de um processo chamado de qualificação simplificada.

Nesse contexto, a relatora ressaltou que, quando a instituição financeira adota todos os mecanismos previstos nas regulações do Bacen – ainda que a conta bancária acabe sendo usada por estelionatários posteriormente –, não há falha na prestação de serviço bancário. Para Nancy Andrighi, adotar um entendimento contrário, no sentido de exigir documentação ou formalidade específica para a criação de conta no meio digital, deturparia o objetivo da regulamentação desse tipo de conta: a bancarização da população e o desenvolvimento econômico e social do país.

No caso dos autos, a ministra destacou que, como o correntista do banco digital era o estelionatário, não a vítima, é inaplicável o entendimento adotado em precedentes anteriores do STJ em que houve a responsabilização da instituição bancária porque as transações destoavam do perfil de movimentação dos correntistas.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2124423

TST: “Decisão surpresa” que adotou fundamento não debatido no processo é anulada

Respeito ao contraditório e ao dever de consulta protege o direito das partes.


Resumo:

  • A Sétima Turma do TST anulou uma decisão do TRT da 24ª Região (MS) porque os fundamentos adotados não haviam sido discutido no processo, e as partes não puderam se manifestar sobre eles.
  • Essa situação, chamada de “decisão surpresa” e é considerada nula por desrespeito ao contraditório e à ampla defesa.

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) anulou uma decisão colegiada do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS) por caracterizar “decisão surpresa”. O colegiado, sob a relatoria do ministro Cláudio Brandão, reforçou que o julgador não pode adotar fundamentos inéditos ou não debatidos no processo sem dar às partes a oportunidade de se manifestar, conforme previsto no artigo 10 do Código de Processo Civil e na Instrução Normativa 39/2016 do próprio TST.

Fundamento do TRT era inovatório
O caso envolveu a validade de uma norma coletiva que fixava o tempo de deslocamento (horas in itinere) entre a casa e o trabalho em 40 minutos. O Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS) manteve a condenação da empresa ao pagamento de diferenças dessas horas, mas com um novo fundamento: a inaplicabilidade da norma coletiva ao trabalhador, por ele pertencer a uma categoria diferenciada (motorista de caminhão). Contudo, esse aspecto não havia sido discutido no processo nem levantado pelas partes, configurando inovação no julgamento.

Direito ao contraditório é um dos pilares processuais
O ministro Cláudio Brandão, relator do recurso de revista da empresa, destacou que a concepção moderna de cooperação processual exige que as partes tenham confiança legítima no processo, o que inclui a garantia de manifestação prévia sobre qualquer fundamento que possa ser usado na decisão. Segundo ele, a decisão do TRT violou esse princípio ao decidir com base em uma questão nova, não apresentada nem debatida.

Processo voltará ao TRT
Diante disso, a Sétima Turma reconheceu a nulidade da decisão e determinou o retorno do processo ao TRT para novo julgamento, a fim de que a decisão regional respeite o contraditório, o dever de consulta e a proibição à decisão surpresa. Segundo o relator, respeitar esses princípios é essencial para assegurar o equilíbrio e a confiança no processo judicial.

A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo: Ag-RR-24034-49.2021.5.24.0086

TJ/GO nega anulação de casamento a marido que disse ter contraído matrimônio sem saber de doença mental de esposa

A juíza Isabella Luiza Alonso Bittencourt, titular da 1ª Vara Judicial de Cidade Ocidental, decretou o divórcio de casal cujo marido alegou ter contraído matrimônio sem saber que a esposa tinha problemas psiquiátricos. O homem havia requerido anulação do casamento, que ocorreu em meados de 2024, mas a magistrada negou o pleito sob o entendimento de que não foram comprovados, por ele, os requisitos estabelecidos pelo Código Civil para a concessão de anulação.

Na Ação de Anulação de Casamento, o homem relatou que se sentiu enganado pela companheira vez que ela se mostrava lúcida, sem problemas de saúde, no entanto, duas semanas após a cerimônia de união, a vida do novo casal tornou-se insuportável porque ela começou a apresentar atitudes suspeitas. Segundo ele, só então descobriu que ela sofria de distúrbios mentais com episódios maníacos, agitação psicomotora, disforia, irritabilidade, agressividade, conflitos interpessoais, gastos irresponsáveis e delírios.

O marido afirmou, ainda, que, em determinado dia, sua esposa entrou em surto psicótico durante a madrugada e chegou a agredir uma vizinha. Em seguida, ela teria jogado no lixo todos os itens da casa na cor vermelha, afirmando que ouviu vozes que a proibiram de ter coisas daquela cor.

Erro essencial

Ele solicitou a anulação do casamento alegando que houve, no caso, o chamado “erro essencial”, uma das condições em que o Código Civil (CC) a autoriza. Ao analisar o pleito, Isabella Luiz Alongo Bittencourt pontuou que artigo 1.150 do CC autoriza a anulação de casamento, entre outras situações, naquelas em que se comprovar “vício de vontade”. Este, por sua vez é definido pelo artigo 1.556 do mesmo diploma legal como, entre outras situações, nas quais um dos cônjuges tenha se casado desconhecendo que o companheiro tem algum defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do companheiro ou de seus descendentes.

Ao negar a anulação do casamento, a juíza ponderou que no caso não estão presentes as condições exigidas pelo Código Civil para sua concessão. É que nos autos, diversos depoimentos, inclusive do próprio marido, deixaram evidente que a relação das famílias do casal era antiga e que ele era, inclusive, compadre da mãe de sua esposa. Ele admitiu que sabia que ela usava medicamentos, mas que desconhecia a finalidade deles. Testemunhas, contudo, relataram que frequentemente o casal ia junto buscar o medicamento dela.

Diante das provas, a magistrada considerou estar visível no processo que o marido possuía, sim, ciência de que a companheira fazia tratamento médico periódico, o que demonstra não ser verdade que ele só descobriu a doença dela após o casamento, circunstância exigida pelo Código Civil para a anulação.

Perspectiva de gênero

“Ressalte-se a necessidade de se analisar o feito com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, uma vez que tal óptica oferece um olhar crítico sobre as desigualdades sociais e jurídicas, destacando o impacto desproporcional sobre as mulheres”, destacou Isabella Alonso, ao acrescentar que, no âmbito jurídico, a aplicação do protocolo em questão busca promover decisões mais equitativas, considerando não apenas a igualdade formal, mas também as barreiras estruturais que perpetuam desigualdades.

Padrões idealizados

A magistrada frisou, ainda: “Sabe-se que, historicamente, muitos homens foram criados para buscar mulheres que se encaixassem em padrões idealizados, tais como beleza impecável, submissão, habilidades domésticas e maternas, caráter irrepreensível, de modo que, com a convivência, ao se depararem com mulheres ‘reais’ com desejos, limitações e personalidade própria, poderiam se sentir enganados ou decepcionados, gerando, em algumas oportunidades, pedidos como a presente demanda”

Machismo estrutural

Apesar de reconhecer avanços sobre tal situação ao longo dos anos, com notórias repercussões no âmbito jurídico, Isabella Luiz Alonso arrematou: “É inequívoco que o machismo estrutural continua presente em nosso ordenamento jurídico, sendo essencial que a concepção do casamento se transforme em um modelo mais inclusivo e humano, fundamentado na igualdade, no respeito, deixando para trás ideais ultrapassados e excludentes, mormente considerando que a mulher não deve ser vista como um objeto nas relações e também que seu valor não deve ser medido com base em sua capacidade de atender as necessidades do marido”.

TRT/SC: Dias trabalhados em diferentes casas da mesma família não enquadram diarista como empregada doméstica

Colegiado enfatizou que critério máximo de “dois dias por semana” para reconhecimento de vínculo deve ser avaliado individualmente.


Para caracterizar o vínculo empregatício em trabalho doméstico, conta a quantidade de dias trabalhados em cada residência, sem importar se as casas são de pessoas da mesma família ou não.

O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) em ação na qual uma diarista pediu reclassificação como empregada, sustentando que, ao somar os dias de serviço prestados para mãe e filha, ultrapassava o limite máximo semanal permitido sem contrato.

O caso aconteceu em São Bento do Sul, no Norte do estado. A reclamante procurou a Justiça do Trabalho alegando que, durante seis anos, prestou serviços em residências vizinhas. Ela relatou ainda que, somando os dias de trabalho, ia de três a quatro vezes por semana nos dois lugares.

Juntamente com o reconhecimento do vínculo, a mulher também solicitou o pagamento das verbas trabalhistas acumuladas durante todo o período, além de verbas rescisórias.

Pedido improcedente

Na Vara do Trabalho de São Bento do Sul, o juiz Luiz Fernando Silva de Carvalho analisou o caso e decidiu pela improcedência do pedido. O magistrado destacou que, segundo a Lei Complementar 150/2015, o vínculo empregatício no trabalho doméstico se configura a partir da prestação de serviços na mesma residência por mais de dois dias por semana.

Carvalho complementou que a regra aplica-se independentemente se as residências em que os serviços forem prestados pertencem a pessoas da mesma família.

O magistrado também destacou que, apesar de serem mãe e filha, cada uma das rés realizava, separadamente, o pagamento da diarista, o que evidenciou que não houve contratação por uma delas “para a prestação de serviços em benefício de todos”.

Ausência de requisitos

Inconformada com a decisão, a reclamante recorreu ao TRT-SC, insistindo no argumento de que a frequência maior do que duas vezes por semana seria, por si só, suficiente para configurar o vínculo empregatício.

No entanto, o relator no caso na 3ª Turma, juiz convocado Hélio Henrique Garcia Romero, manteve o entendimento do primeiro grau. Na decisão, Romero ressaltou que, de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), constituem requisitos indispensáveis para o reconhecimento da relação de emprego “a prestação de serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste, em subordinação jurídica, e mediante salário”.

O magistrado complementou que os autos mostravam a ausência dos requisitos necessários, fato evidenciado por áudios das contratantes “sempre perguntando se a autora podia ir em tal dia/horário, além de haver algumas referências de dias em que a autora não precisava ir.”

Isso, aliado ao fato de que os serviços eram prestados para pessoas que – “apesar de fazerem parte do mesmo núcleo familiar” e serem vizinhas –, possuem residências diferentes, levou Romero a rejeitar o pedido.

A parte autora ainda poderá recorrer da decisão.

Processo: 0000110-29.2024.5.12.0024


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