TJ/DFT: Consumidora que teve telefone cadastrado como de funcionária de loja deve ser indenizada

A 7ª Turma Cível do TJDFT manteve a sentença que condenou a C&A a indenizar uma consumidora que teve o número pessoal cadastrado, de forma equivocada, como funcionária de uma das lojas. O erro fez com que a autora recebesse ligações e mensagens de clientes da empresa.

Narra a autora que, em novembro de 2020, começou a receber mensagens com a solicitação de retirada de produtos no drive-thru da loja. Relata que, embora nunca tivesse trabalhado na loja, o seu número de telefone constava no e-mail enviado aos clientes. A autora afirma que as ligações e mensagens que recebe atrapalham sua rotina e pede para ser indenizada pelos danos morais sofridos.

Em sua defesa, a C&A afirma que não praticou ato ilícito e que não há dano a ser indenizado. No entanto, o juízo da 2ª Vara Cível de Águas Claras entendeu que a autora teve sua personalidade violada e condenou a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.500,00. A consumidora recorreu pedindo aumento do valor arbitrado.

Ao analisar o recurso, a Turma lembrou que “a falha na prestação de serviços ocorreu pelo cadastro equivocado do número de telefone da autora como se da empresa fosse”. Para o colegiado, houve ofensa ao direito de personalidade, o que gera dever da ré de indenizar. No caso, a Turma entendeu que o valor fixado em 1ª instância deve ser mantido.

“Da análise minudente do suporte fático carreado aos autos, extrai-se que o grau de culpa do ofensor é reduzido, a repercussão do ilícito no meio social é diminuta e não estão discriminadas no caderno processual as condições pessoais da vítima”, registrou, explicando que, ao arbitrar o valor do dano moral, as circunstâncias dos fatos, a extensão do dano sofrido e as condições do agente causador devem ser consideradas.

Dessa forma, por unanimidade, a Turma manteve a condenação imposta à loja.

Processo n° 0700285-85.2021.8.07.0020

STJ: Acordo entre segurado e vítima sem anuência da seguradora não gera perda automática do reembolso

Embora o artigo 787, parágrafo 2º, do Código Civil estabeleça que é proibido ao segurado, sem a expressa concordância da seguradora, reconhecer sua responsabilidade ou fechar acordo para indenizar terceiro a quem tenha prejudicado, a inobservância dessa regra, por si só, não implica a perda automática da garantia securitária.

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de o dispositivo legal não prever expressamente a consequência jurídica pelo descumprimento da regra, a jurisprudência da corte se firmou no sentido de que os contratos de seguro devem ser interpretados de acordo com a sua função social e a boa-fé objetiva, de modo que a perda do direito ao reembolso só ocorrerá se ficar comprovado que o segurado agiu de má-fé na transação com o terceiro.

Esse entendimento levou o colegiado a reformar decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que afastou o direito de um segurado ao reembolso, depois que ele, condenado por acidente de trânsito, fez acordo diretamente com a vítima. Para o tribunal local, a restituição do valor pago pelo segurado à vítima dependeria de ter havido a anuência da seguradora no acordo judicial.

O TJRS levou em consideração que, além do artigo 787 do Código Civil, a apólice exigia a concordância expressa da seguradora com o pagamento pelo segurado, no caso de sentença ou acordo.

Dispositivo legal busca coibir a má-fé
A ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, explicou que a finalidade do artigo 787, parágrafo 2º, do Código Civil é evitar fraude por parte do segurado, que, agindo de má-fé, poderia se unir ao terceiro para impor à seguradora um ressarcimento exagerado ou indevido.

Segundo ela, o segurado que age dessa forma pode perder o direito à garantia do reembolso, ficando pessoalmente responsável pela obrigação que tiver assumido com o terceiro.

Entretanto, Nancy Andrighi apontou que a interpretação harmônica entre o artigos 787 e 422 do Código Civil leva à conclusão de que a vedação imposta ao segurado não pode gerar a perda automática do direito ao reembolso, caso ele tenha agido com probidade e boa-fé.

“Poderá a seguradora, ao ser demandada, alegar e discutir todas as matérias de defesa no sentido de excluir ou diminuir sua responsabilidade, não obstante os termos da transação firmada pelo segurado, o qual somente perderá o direito à garantia/reembolso na hipótese de ter, comprovadamente, agido de má-fé, causando prejuízo à seguradora”, afirmou a ministra.

Seguradora não foi prejudicada
No caso dos autos, Nancy Andrighi ressaltou que não há indícios de que o segurado tenha agido de má-fé, tampouco de que o acordo tenha prejudicado os interesses da seguradora – mesmo porque o juízo de primeiro grau, ao homologá-lo, destacou que os valores combinados eram condizentes com o montante da condenação.

A relatora afirmou também que, como o processo estava na fase de cumprimento de sentença, o segurado não tinha outra opção senão o pagamento do valor da indenização, inclusive porque ele já estava com bens penhorados.

Veja o acórdão.
Processo n° 1604048 – RS (2015/0173825-1)

TST: Oficiais de justiça não estão isentos do pagamento de pedágio rodoviário

Não há previsão legal ou contratual específica para a isenção da tarifa em veículos particulares.


A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho cassou decisão do juiz diretor do Foro da Justiça do Trabalho de Juiz de Fora (MG) que havia determinado a livre passagem dos oficiais de justiça avaliadores na praça de pedágio de Simão Pereira, na BR-040, quando em cumprimento de ordens judiciais. Segundo o colegiado, não há previsão legal ou contratual específica para a isenção da tarifa.

Benefício do poder público
A determinação de isenção foi comunicada em novembro de 2015 à Companhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora-Rio (Concer), impetrou mandado de segurança e obteve liminar para suspendê-la. Ao recorrer da liminar, a Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais em Minas Gerais (Assojaf/MG) e o Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal no Estado de Minas Gerais (Sitraemg) sustentaram que os oficiais de justiça utilizam veículo particular para cumprir suas atribuições e suportam uma série de despesas em benefício do poder público, “que não precisa arcar com aquisição de automóveis, motoristas, manutenção, peças e seguros” para essa finalidade.

Isenção
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) denegou a segurança, cassando a liminar. Segundo o TRT, desde a edição do Decreto-Lei 791/1969, que dispõe sobre os pedágios em rodovias federais, os carros oficiais estão isentos do pagamento da taxa, por se tratar de concessão do poder público. “O oficial de justiça, no cumprimento de mandado judicial, ainda que se desloque em veículo próprio, está acobertado por tal isenção”, concluiu.

Concessão
No recurso ordinário ao TST, a Concer argumentou que a concessão da BR-040 é regida pelas disposições contidas no contrato celebrado com a União (DNER), segundo o qual não são abrangidos pela isenção os veículos particulares de servidores públicos, por ausência de previsão legal.

Credenciamento
O relator, ministro Douglas Alencar, salientou que o contrato de concessão prevê o livre trânsito de veículos de propriedade do DNER, da Polícia Federal e veículos oficiais credenciados junto ao DNER. Assim, não estão inseridos os veículos particulares dos oficiais de justiça naquela praça de pedágio, uma vez que eles não utilizam veículos oficiais credenciados no DNER.

“Ainda que se considere a relevância dos serviços prestados pelos oficiais de justiça e, por isso, a legitimidade da iniciativa de desoneração do pagamento de tarifas para além da indenização de transporte que recebem, o fato é que a isenção necessita de previsão legal específica, o que não foi observado no caso”, afirmou.

O ministro lembrou, ainda, que a Resolução 124 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) prevê a possibilidade de ressarcimento de meios não oficiais de transporte (entre eles os gastos com pedágio), desde que apresentados os devidos comprovantes.

A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo n° RO-11184-22.2015.5.03.0000

TJ/PB permite uso de nome afetivo por crianças em processo de adoção

Decisão envolvendo um caso de adoção no Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Canoas, imprimiu uma novidade bastante esperada por quem trabalha na área e, principalmente, por quem está formando uma nova família: o Juiz de Direito Tiago Tweedie Luiz permitiu que três irmãos, com idades entre 1 ano e 6 anos, já possam usar o sobrenome do casal adotante, mesmo durante a guarda provisória. O uso do nome afetivo por crianças e adolescentes em processo de adoção agora é permitido antes da sentença final e da mudança do registro civil.

A conquista desse direito significa passar a usar outro nome ou só o sobrenome dos pais adotivos em escolas, planos de saúde, clubes e outras instituições sociais mesmo com o processo em trâmite. A Lei 15.617, que garantiu essa conquista, é de maio de 2021.

Para o Juiz, a mudança significa “a efetivação de um dos direitos de personalidade mais básicos que é nome, a partir do qual diversos outros direitos, também básicos, poderão ser concretizados, como acesso à educação, saúde e lazer. Embora ainda exista debate sobre o tema, principalmente porque, em princípio, haveria necessidade de alteração de lei federal, no caso, o ECA, para o uso do nome afetivo, a existência de lei estadual representa enorme avanço para garantia dos direitos mencionados. Embora a aparente singeleza da menção, em um termo de guarda, do nome afetivo da criança ou adolescente, é isto que vai assegurar a esta pessoa o pleno exercício de seus direitos, sem contar todo o simbolismo de seu ingresso em uma família”.

A Psicóloga do JIJ de Canoas, Lucilene de Souza Pinheiro, explica que a decisão traz um sentimento de pertencimento e de reconhecimento para quem está sendo adotado, o que contribui para a construção da identidade das crianças e adolescentes. “Acompanhamos muitas histórias de constrangimento das crianças nas escolas e postos de saúde. As instituições não usavam o nome social até por desconhecimento e medo de infringir a lei. Ouvi muitas vezes a pergunta de quando iriam ter a certidão de nascimento com o nome novo. Muitos veem a alteração do nome como a concretização da adoção”, afirmou a psicóloga.

A Assistente Social do JIJ de Canoas, Michele Ruschel Rauter, lembra que esta era uma antiga reivindicação dos grupos de apoio à adoção. Segundo ela, “ainda não é a alteração do documento civil, não tem um novo RG. Isto só acontece ao final da adoção, mas permite o reconhecimento social daqueles pais como representantes daquelas crianças ou adolescentes. Assim, se reconhece o laço de filiação antes da finalização da adoção. Agora não precisamos mais conversar com diretores de escolas, por exemplo, para pedir o favor de usar os nomes afetivos”.

A nova família de Canoas, que começou a se aproximar durante a pandemia, com encontros virtuais, venceu o distanciamento provocado pelo vírus e agora, além dos encontros presenciais, ganhou a chance de já utilizar o mesmo sobrenome.

“Com essa lei se dá mais segurança às pessoas, e o sentimento da confiança da família no Poder Judiciário, além de reforçar o acolhimento. Vem somar para cultura de adoção, que precisa avançar em muitos aspectos”, conclui a Psicóloga Lucilene de Souza Pinheiro.

TJ/SC: Vídeo que flagrou homem em “lambança” não será retirado de rede social

Um cidadão fez inscrições em uma pedra na praia dos Açores, em Florianópolis. Ele não sabia, no entanto, que era filmado naquele exato momento. O vídeo foi divulgado por um conhecido jornalista em seu programa de televisão no dia 4 de maio deste ano. Ao mostrar a imagem, o profissional da imprensa reprovou a ação e usou expressões do “dialeto” ilhéu para resumir o episódio com a frase: “Estes despreparados que vão para praia pichar pedras merecem uma bambuzada nas costas”.

Ao considerar-se ofendido, o homem ajuizou ação indenizatória e postulou, em antecipação de tutela, que a matéria fosse retirada do YouTube. Ele argumentou que não pichou nada, o que seria crime ambiental, apenas escreveu suas iniciais na pedra, com pedra, e não com tinta. E sustentou que o jornalista cometeu “crime de difamação majorada, em nível regional e mundial”. O juízo da 7ª Vara Cível da comarca da Capital indeferiu o pedido de tutela provisória, e o homem recorreu ao TJ.

O desembargador Carlos Roberto da Silva, relator da matéria na 7ª Câmara Civil do TJ, já havia negado liminar por entender que a conduta do cidadão, ao caracterizar um comportamento no mínimo não recomendável, assumiu contornos de interesse público, razão pela qual não há exacerbação do direito de informação. “Afinal”, pontuou, “é papel da imprensa divulgar boas e más ações com o intuito de gerar uma ‘onda positiva’ de comportamento, seja condenando as práticas prejudiciais, seja enaltecendo as que contribuem ao convívio”.

O relator fez questão de ressaltar que em um ambiente de Estado Democrático Constitucional não se admite amordaçar a voz da imprensa e o direito da sociedade à informação, sobretudo quando respeitados os direitos fundamentais à honra e à intimidade do indivíduo.

Quanto ao linguajar da notícia, o magistrado explicou que o dialeto florianopolitano, construído a partir da miscigenação do português açoriano e madeirense com o dos vicentistas e santistas que já habitavam a Ilha de Santa Catarina em meados do século XVIII, precisa ser compreendido em seu contexto, a partir de suas raízes histórico-culturais.

Para concluir, usou o modo de falar local para explicar sua posição: “Ainda que o agravante tenha ficado ‘abespinhado’, ‘arreliado’ ou ‘arrenegado’ com a situação, a ‘arenga’ jornalística não pretendeu que efetivamente levasse um ‘cambau’, um ‘carcaço’ ou uma ‘biaba’, apenas o repreendeu, como se o fizesse o meio social onde vive, por ter escrito e ‘disarriscado’ nas pedras da praia, ou seja, feito ‘lambança’ onde não deveria”.

Diante disso, ao julgar o mérito do agravo de instrumento, o relator votou no sentido de determinar que o juízo a quo designe audiência de conciliação, mas negou o pleito de retirada da matéria do YouTube. Seu entendimento foi seguido de forma unânime pelos demais integrantes da 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Processo n° 5026362-76.2021.8.24.0000

STF: Excluir adaptação razoável para candidatos com deficiência em concurso é inconstitucional

Ao apreciar dispositivos de decreto, o colegiado fixou entendimento que se harmoniza com regras da Constituição e da Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência.


O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de interpretações de dispositivos do Decreto 9.546/2018 que excluam o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos. Também considerou inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, se não ficar demonstrada a sua necessidade para o exercício da função pública. O princípio da adaptação razoável designa as modificações e os ajustes necessários que não acarretem ônus desproporcional ou indevido.

Em decisão unânime, o colegiado confirmou a cautelar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6476 e converteu o julgamento do referendo em análise de mérito, na sessão virtual encerrada em 3/9.

A ADI foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) contra o Decreto 9.546/2018, que, ao alterar o regramento anterior (Decreto 9.508/2018) sobre reserva de vagas para pessoas com deficiência nos concursos para a administração federal, excluiu a previsão de adaptação das provas físicas para esse grupo e estabeleceu que os critérios de aprovação nessas provas poderão ser os mesmos aplicados aos demais candidatos, entre outras disposições.

Direitos das Pessoas com Deficiência

Em seu voto, o ministro Barroso observou que a Constituição Federal, em relação ao trabalho de pessoas com deficiência, proíbe qualquer discriminação relativa a salário e critérios de admissão (artigo 7º, inciso XXXI) e assegura a reserva de percentual de cargos e empregos públicos (artigo 37, inciso VIII). Já a Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), incorporada à ordem jurídica brasileira com o status de emenda constitucional, veda qualquer tipo de discriminação em razão da deficiência que tenha o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. No mesmo sentido, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) também veda qualquer discriminação, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão e exames admissional e periódico, bem como a exigência de aptidão plena.

Tecnologias assistivas

Em relação ao dispositivo que prevê a possibilidade de o candidato com deficiência utilizar, nas provas físicas, suas próprias tecnologias assistivas, sem a necessidade de adaptações adicionais, Barroso afirmou que a única interpretação constitucionalmente adequada é a que prevê uma faculdade em favor desse candidato. Dessa forma, se um candidato surdo que usa aparelho auditivo considerar desnecessário qualquer tipo de adaptação adicional, ele pode dispensar, por exemplo, a presença de intérprete de Libras.

“A intenção, evidentemente, não é admitir a pessoa que não esteja apta ao exercício da função pública”, assinalou. “Não se garantem as adaptações irrazoáveis e que não atendam a critérios de proporcionalidade. Por outro lado, é preciso eliminar toda barreira de acesso a cargos públicos às pessoas com deficiência que são aptas ao exercício da função”.

Provas físicas

Quanto ao dispositivo que estabelece que os critérios de aprovação nas provas físicas poderão ser os mesmos para candidatos com e sem deficiência, o relator considerou que essa exigência só se sustenta quando for indispensável ao exercício das funções de um cargo específico, não se aplicando indiscriminadamente a todo e qualquer processo seletivo.

Jurisprudência

O ministro lembrou que o STF já enfrentou questões semelhantes e citou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 676335, em que foi estabelecido que a presunção de que nenhuma das atribuições dos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas com deficiência é incompatível com a norma constitucional, que lhes garante a destinação de vagas em concurso público. A eventual incompatibilidade com a função deve ser avaliada segundo os princípios do concurso público, da legalidade, da igualdade e da impessoalidade.

Processo relacionado: ADI 6476

STF barra exigência de justificativa de ausência para isenção de taxa no Enem

O Plenário entendeu que, em razão da pandemia, a exigência é ilegítima e irrazoável. O prazo para requerer a isenção será reaberto.


Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que seja reaberto o prazo para o requerimento de isenção da taxa de inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2021 para estudantes de baixa renda, sem que seja necessário justificar a ausência no exame de 2020. O colegiado entendeu que, em razão da pandemia da Covid-19, as provas do ano passado foram aplicadas em um contexto de anormalidade, e a exigência de comprovação documental para os ausentes viola diversos preceitos fundamentais, entre eles o do acesso à educação e o de erradicação da pobreza.

A medida cautelar foi deferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 874, julgada na sessão virtual extraordinária do Plenário encerrada às 23h59 desta sexta-feira (3). A sessão foi convocada pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, a pedido do relator da ação, ministro Dias Toffoli, diante da proximidade das provas do Enem 2021, marcadas para 21 e 28/11.

Acesso à educação

Os autores da ação são o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Rede Sustentabilidade, o Partido Verde (PV), o Cidadania, o Solidariedade e as entidades de classe Educafro, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e União Nacional dos Estudantes (UNE). Eles argumentam que, ao ignorar o contexto pandêmico, o edital retirou dos estudantes necessitados da isenção da taxa o direito fundamental de acesso à educação.

Obstáculo injustificado

Em voto pelo deferimento da medida cautelar, o ministro Dias Toffoli afirmou que a exigência criou um obstáculo injustificado para a isenção da taxa e uma barreira à participação de candidatos de baixa renda, impedindo-os de se beneficiar dos programas do governo federal de democratização do acesso às universidades. Ele destacou que a exigência reduziu em 77,5% o número de candidatos com carência aprovada, em relação a 2020.

Segundo o relator, a exigência do edital tem o potencial de gerar retrocesso nos avanços já alcançados no sentido da inclusão social e da promoção da diversidade no ensino superior, por deixar de fora justamente os estudantes pertencentes aos grupos sociais historicamente excluídos – a população de baixa renda, os negros, os pardos e os indígenas. Ele considera que esse ato é contrário aos objetivos da República Federativa do Brasil de erradicar a pobreza e a marginalização e de reduzir as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Recomendações sanitárias

O ministro observou que a exigência de justificação de falta para a obtenção de nova isenção, que já constou de outros editais, foi suprimida em 2020 exatamente em função do quadro de excepcionalidade causado pela pandemia. Para o relator, inúmeros motivos podem ter levado à ausência de estudantes à prova de 2020, como o receio de contaminação individual ou de terceiros, e, tendo em vista as recomendações das autoridades sanitárias, muitos estudantes optaram por evitar aglomerações.

Toffoli destacou que foram registrados diversos problemas na aplicação das provas do Enem 2020, que demandaram a adaptação dos procedimentos e das estruturas de realização. Ainda assim, conforme noticiado pela imprensa e relatado pelos próprios estudantes, candidatos foram barrados momentos antes do início da prova porque a lotação das salas havia ultrapassado 50% da sua capacidade.

Abstenção recorde

O ministro salientou que, em 2020, o Enem registrou recorde de abstenção: 51,5%, no primeiro dia e 55,3% no segundo. Ele lembrou ainda que, embora o MEC tenha possibilitado a realização das provas em 23 e 24 de fevereiro aos candidatos que enfrentaram problemas logísticos, a segunda aplicação apresentou índice de abstenção ainda maior. “Nesse quadro, não se justifica exigir que os candidatos de baixa renda que optaram por não comparecer à prova, por temor ou insegurança quanto ao nível de exposição da própria saúde ou de outrem, ou por qualquer outro motivo relacionado ao contexto de anormalidade em que aplicadas as provas, comprovem o motivo da sua ausência, por se tratar de circunstâncias que não comportam qualquer tipo de comprovação documental”, destacou.

Toffoli afirmou que a exigência de apresentação de documentos penaliza os estudantes que fizeram a “difícil escolha” de faltar às provas para atender às recomendações das autoridades sanitárias. Para o ministro, a obrigação imposta pelo edital “desprestigia as políticas estatais de incentivo à observância de tais recomendações sanitárias, contrariando o dever de proteção da saúde pública”.

Processo relacionado: ADPF 874

TRF4 determina que União forneça medicamento de R$ 9,2 milhões à criança

O desembargador federal Roger Raupp Rios, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), deferiu ontem (2/9) liminar recursal determinando à União que forneça o medicamento Zolgensma a uma criança gaúcha com Atrofia Muscular Espinhal (AME). Os pais apelaram ao Tribunal após o pedido ser julgado improcedente pela Justiça Federal de Porto Alegre em junho deste ano.

O menino completa dois anos no dia 30 de setembro e, segundo os médicos, o uso do fármaco é urgente e indispensável para a sobrevivência dele. A AME é uma doença degenerativa e progressiva, que causa a degeneração dos neurônios motores e, consequentemente, a perda de força e da função motora, dando pouca expectativa de vida a crianças não tratadas.

Conforme Raupp Rios, estão configurados os requisitos da liminar, que são a possibilidade de dano irreparável, visto que o paciente corre risco de vida, e a probabilidade do direito, constante na garantia constitucional dos direitos fundamentais.

Segundo o desembargador, tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm tido o entendimento de que embora deva-se privilegiar o tratamento fornecido pelo sistema público, isso não exclui a possibilidade de direito à alternativa diversa àquela disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).

O magistrado pontuou na decisão que a situação da criança está dentro das diretrizes traçadas pelo Judiciário para a concessão dos pedidos de medicamentos, que são: estar sendo tratado no SUS, por profissionais vinculados, o medicamento ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não estar disponível pelo SUS.

“O pedido foi instruído com laudos médicos fundamentados e circunstanciados por profissionais que assistem o paciente, taxativos quanto à necessidade do medicamento no caso clínico em concreto, sendo insuficiente a cobertura farmacológica provida pelo SUS”, ponderou Raupp Rios.

Sentença

Na sentença da 2ª Vara Federal de Porto Alegre, o juízo apoiou-se em nota técnica contrária à concessão, pois levou em conta a não comprovação da adequação da medicação para o paciente, por este ter síndrome de Down e depender de suporte ventilatório permanente, hipótese em que não ficaria clara a efetividade do fármaco.

Raupp Rios ressaltou que as manifestações dos médicos que acompanham o menino são taxativas em afastar qualquer contraindicação, restrição ou impropriedade no uso do medicamento relacionada ao fato de se tratar de criança com síndrome de Down e com uso de suporte respiratório.

Medicina baseada em evidências (MBE)

A nota técnica citada na sentença tem origem nos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), compostos por profissionais da área médica que emitem pareceres técnico-científicos e notas técnicas sobre medicamentos e tratamentos disponíveis com o objetivo de apoiar os magistrados nas decisões judiciais.

Em sua decisão, o desembargador enfatiza que embora tanto a nota técnica que apoiou a sentença quanto os médicos que acompanham o paciente estejam apoiados nos princípios da Medicina Baseada em Evidências (MBE), que preconiza que as decisões clínicas devem ser embasadas no melhor grau de evidência a partir da ciência, suas conclusões são opostas.

“Diante disso, a decisão jurídica mais correta deve dar prevalência, dadas estas circunstâncias, à prescrição médica derivada da prática clínica, por se revelar, em juízo perfunctório, mais apta a proteger o direito à saúde que todos os profissionais médicos envolvidos no caso buscam concretizar”, afirmou o magistrado.

Custo do medicamento

O medicamento requerido nos autos tem o custo de R$ 9,2 milhões, o que causa discussões sobre a viabilidade de sua concessão pelo SUS. Segundo Raupp Rios, o STF tem precedentes deferindo o fármaco. “Ao deferir pedidos versando sobre o mesmo medicamento, superaram a invocação a tal óbice”, ele concluiu.

O desembargador deu prazo de 10 dias a partir da intimação para a União fornecer o medicamento, com multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.

TJ/SC declara inconstitucional lei que garantia estabilidade de servidores temporários pela Covid-19

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em matéria sob a relatoria da desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, declarou a inconstitucionalidade da Lei 18.110/2021, que previa estabilidade a servidores temporários durante a pandemia da Covid-19, e nos seis meses subsequentes. A lei foi aprovada pelo Poder Legislativo catarinense. Prevaleceu o entendimento que é iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo estadual deliberar sobre o regime dos servidores públicos.

A Lei Estadual 18.110/2021 vedava a dispensa de agentes penitenciários, socioeducativos e técnicos administrativos da Secretaria de Administração Prisional e Socioeducativa e os agentes públicos da Secretaria de Estado da Saúde admitidos em caráter temporário, em função da pandemia do novo coronavírus. Inconformada com a nova legislação, a Associação dos Agentes Penitenciários e de Segurança Socioeducativos do Estado de Santa Catarina propôs uma ação direta de inconstitucionalidade.

A entidade argumentou que a lei usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo para dar início a projeto de lei que disponha sobre o regime jurídico dos servidores públicos, violando a Constituição do Estado. O Legislativo defendeu a legalidade porque o texto trata sobre contratados por prazo determinado, que não estaria enquadrada na Constituição Federal e Estadual.

Por unanimidade, as desembargadoras e os desembargadores decidiram que a lei viola o princípio da separação dos poderes e da reserva de administração. “No caso dos autos, como visto, o Parlamento catarinense, ainda que imbuído de boas intenções, disciplinou originariamente parcela do regime jurídico de servidores públicos admitidos em caráter temporário no que respeita à forma de exercício da função, usurpando a competência privativa do chefe do Poder Executivo para iniciar o debate legislativo sobre o tema”, anotou a relatora em seu voto

Processo nº 5024518-91.2021.8.24.0000/SC

STJ: Uso de nome afetivo antes da conclusão da adoção requer prova científica de benefícios para a criança

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, acolheu recurso do Ministério Público de Minas Gerais para restabelecer decisão que não admitiu a utilização do nome afetivo pleiteada pelos adotantes antes da sentença de mérito na ação de adoção.

Em decisão inédita no colegiado, os ministros entenderam que a concessão de tutela antecipatória para permitir o uso do nome afetivo por criança sob a guarda provisória de adotantes exige a realização de estudo psicossocial, para avaliar se o novo nome trará ao menor um benefício efetivo que seja superior ao eventual prejuízo decorrente do insucesso da adoção.

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, cujo voto prevaleceu no julgamento, para que se admita essa modificação do nome do adotando é necessário ter cautela e, principalmente, apoio técnico e científico.

Autorização para uso do nome afetivo em relações sociais
No caso analisado, um casal que tem a guarda provisória de uma criança de três anos requereu, no curso da ação de adoção, autorização para usar o nome afetivo nas relações sociais, sem alteração imediata do registro civil.

Nome afetivo é aquele dado ao adotando que se encontra sob guarda provisória, por meio de tutela antecipatória, antes do julgamento do mérito da ação de adoção, para ser utilizado apenas em relações sociais, como em instituições escolares e de saúde.

No acórdão que reformou a sentença e concedeu a tutela provisória, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) considerou provável o direito à adoção, porque todos os trâmites legais estariam sendo cumpridos. Inclusive, o Ministério Público já havia proposto ação de destituição do poder familiar contra a mãe biológica, que nem sequer apresentou contestação.

Requisitos para antecipação dos efeitos da tutela
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi registrou que as iniciativas da sociedade civil e do Poder Legislativo federal, no sentido de permitir a utilização do nome escolhido pelos adotantes antes da adoção definitiva, “são bons indicativos de que essa medida, em tese, seria benéfica à criança”.

Segundo ela, porém, por se tratar de matéria afeta aos direitos da personalidade, cuja alteração legislativa ainda está em debate, o tema deve ser examinado judicialmente sob a ótica dos requisitos para a antecipação de parte dos efeitos da tutela de mérito, sobretudo considerando provas científicas.

Nancy Andrighi também apontou jurisprudência do STJ segundo a qual, no momento da antecipação da tutela, compete ao magistrado demonstrar por quais provas chegou à conclusão de que, muito provavelmente, são válidas tanto a versão dos fatos apresentada pelo autor quanto a consequência jurídica pretendida (REsp 1.263.187).

A ministra afirmou que o acórdão do TJMG não demonstrou a existência de efetivo benefício à criança.

Necessidade de realização de estudo psicossocial específico
Nancy Andrighi explicou que, conforme o artigo 47, parágrafo 5º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a alteração do nome deve se dar no julgamento de mérito da adoção. Na ausência de lei que preveja a possibilidade de antecipação do uso do nome afetivo, é imprescindível que as convicções pessoais do julgador cedam à ciência, com a realização de estudo psicossocial.

Ressaltou que, para a concessão de antecipação da tutela de mérito, é indispensável que os efeitos do deferimento sejam reversíveis (artigo 300, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil).

“Conquanto não se afaste, abstratamente e em tese, a possibilidade de adoção do nome afetivo antes da prolação da sentença de mérito, conclui-se que uma deliberação judicial nesse sentido não prescinde de prova inequívoca, consubstanciada em laudo psicossocial, que verse não apenas sobre a probabilidade de êxito da adoção, mas também, e principalmente, sobre o benefício imediato causado à criança em comparação com o malefício eventualmente causado na hipótese de a adoção não ser concretizada”, concluiu a ministra.


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