STF obriga bancos a compartilhar com estados informações sobre transações eletrônicas

Regras validadas pela Corte não envolvem a quebra de sigilo bancário, mas o compartilhamento de dados para fiscalização de ICMS.


O Plenário do Supremo Tribunal Federal validou, por maioria, regras de convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) que obrigam as instituições financeiras a fornecer aos estados informações sobre pagamentos e transferências feitos por clientes em operações eletrônicas (como Pix, cartões de débito e crédito) em que haja recolhimento do ICMS. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7276, na sessão virtual encerrada em 6/9.

As regras validadas pelo STF não envolvem a quebra de sigilo bancário nem decretam o fim desta obrigação. A ação foi apresentada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) contra cláusulas do Convênio ICMS 134/2016 do Confaz e regras que o regulamentaram.

No voto que prevaleceu no julgamento, a relatora, ministra Cármen Lúcia, explicou que os deveres previstos no convênio não caracterizam quebra de sigilo bancário, constitucionalmente proibida, mas transferência do sigilo das instituições financeiras e bancárias à administração tributária estadual ou distrital. Ela ressaltou que os dados fornecidos são utilizados para a fiscalização do pagamento de impostos pelos estados e pelo Distrito Federal, que devem continuar a zelar pelo sigilo dessas informações e usá-las exclusivamente para o exercício de suas competências fiscais.

Cármen Lúcia lembrou, ainda, que o STF, no julgamento conjunto das ADIs 2390, 2386, 2397 e 2859, declarou que a transferência de dados bancários por instituições financeiras à administração tributária não viola o direito fundamental à intimidade. Por fim, ressaltou que as regras visam dar maior eficiência aos meios de fiscalização tributária, tendo em vista a economia globalizada e o crescente incremento do comércio virtual.

Seguiram esse entendimento os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Flávio Dino, Dias Toffoli e Luiz Fux.

Divergência
A divergência foi aberta pelo ministro Gilmar Mendes. A seu ver, a norma não tem critérios transparentes sobre a transmissão, a manutenção do sigilo e o armazenamento das informações nem requisitos adequados de proteção das garantias constitucionais dos titulares dos dados. Seguiram essa corrente os ministros Nunes Marques, Cristiano Zanin, André Mendonça e Luís Roberto Barroso, presidente do STF.

STJ condena revista IstoÉ por nota sobre vida privada de Michelle Bolsonaro

Por entender que uma nota sobre a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro configurou abuso na liberdade de informar e causou danos morais indenizáveis, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou em R$ 30 mil a editora da revista IstoÉ e em R$ 10 mil o jornalista responsável pela publicação.

Intitulado “O esforço de Bolsonaro para vigiar a mulher de perto”, o texto, publicado em fevereiro de 2020, falava sobre desconfortos no casamento de Michele com o então presidente Jair Bolsonaro e insinuava uma suposta infidelidade por parte dela.

O colegiado também determinou que a Editora Três divulgue uma retratação pelo mesmo meio digital em que a nota foi publicada, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária de R$ 1 mil, limitada a R$ 30 mil.

“O texto em questão, ao divulgar informações pessoais pejorativas, sem clara relevância pública ou justificativa jornalística, violou a honra, a intimidade e a imagem pública da então primeira-dama, contrariando princípios fundamentais de respeito aos direitos da personalidade”, disse o relator do recurso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira.

Conflito entre liberdade de imprensa e intimidade de pessoas públicas é tema complexo
Segundo o ministro, a interseção entre a liberdade de imprensa e a intimidade de pessoas públicas é tema complexo cujo exame perpassa questões de ordem ética e jurídicas. “Enquanto a liberdade de imprensa é vital para a manutenção e o aprimoramento do Estado de Direito e da democracia – garantindo a disseminação de informações, o controle e a prestação de contas –, a proteção da intimidade é crucial para preservar a dignidade das pessoas e os direitos individuais”, disse.

O relator lembrou que pessoas públicas, como políticos, celebridades e figuras de destaque, podem ter uma expectativa reduzida de privacidade, em comparação com cidadãos comuns; contudo, tal circunstância não autoriza a desconsideração total de seu direito à intimidade.

Antonio Carlos Ferreira afirmou que, segundo a jurisprudência do STJ, nas situações de conflito entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade, devem ser ponderados os seguintes elementos: compromisso ético com a informação verossímil; preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais se incluem os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e vedação ao uso da crítica jornalística com o intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa.

“Nota-se que o texto abordou aspectos da vida pessoal da então primeira-dama do Brasil, reportando eventos e situações cotidianas particulares, com referências à sua vida conjugal e à sua saúde. Não consigo extrair de tais informações quaisquer elementos que evidenciem algum interesse público ou relevância jornalística, visto que intrinsecamente relacionadas com a vida privada da primeira-dama”, declarou o ministro.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 2066238

TJ/MG: Relação familiar multiespécie – casal terá que dividir gastos com animal de estimação

O juiz considerou o conceito de relação familiar multiespécie.

Uma moradora da Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG conseguiu, na Justiça, o direito de receber uma pensão alimentícia provisória, correspondente a 30% do salário mínimo, em favor de seu animal de estimação. O cão sofre de insuficiência pancreática exócrina, doença que demanda inúmeros cuidados especiais.

Ao acionar a Justiça, a mulher afirmou que mantém um relacionamento com o réu, com quem chegou a se casar. Eles não tiveram filhos e adquiriram o animal de estimação durante o casamento. Atualmente, o cão vive sob a tutela da autora da ação, que solicitou a fixação de uma pensão para custear o tratamento e a manutenção dele.

Para subsidiar o seu pedido, a tutora do cão anexou ao processo vídeos, fotos e documentos. Nos exames apresentados à Justiça, o nome do réu está registrado como cliente e proprietário do animal.

Ao analisar o processo, o juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete, Espagner Wallysen Vaz Leite, argumentou que o caso trata de relação familiar multiespécie, conforme definição do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), caracterizada por um núcleo familiar humano e seu animal de estimação, onde está presente o vínculo afetivo entre os dois. “Esse conceito vem ganhando espaço na sociedade brasileira, gerando variadas discussões que, inevitavelmente, têm sido levadas aos tribunais. Nesse processo, é possível verificar que o animal de estimação parece ter o afeto de ambas as partes”, afirmou.

O magistrado também sustentou que o cão possui doença pancreática, que exige a utilização de diversos medicamentos, ocasionando gasto que, na visão do juiz, deve ser suportado por ambos os tutores. “Embora os animais não possuam personalidade jurídica, eles são sujeitos de direitos”, disse.

Como nenhum documento foi apresentado com a indicação da renda mensal do réu, de modo que pudesse ser aferida a sua capacidade financeira, o juiz Espagner Leite fixou a pensão alimentícia com base no salário mínimo. “A obrigação alimentar deve ser depositada até o dia 10 de cada mês, em conta a ser informada pela autora”, determinou o magistrado.

Atendendo ao que prevê o artigo 695 do Código de Processo Civil, o juiz agendou uma audiência de conciliação, a ser realizada no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania. Não havendo a possibilidade de acordo entre as partes, inicia-se o prazo para contestação e o processo segue os trâmites regulares até a marcação do julgamento definitivo.

TJ/AC: Estado é condenado por cirurgia realizada em local errado do corpo de criança

Garota foi submetida a procedimento cirúrgico para retirada de uma hérnia na virilha direita; procedimento, no entanto, foi realizado em local errado, na virilha esquerda; mãe e filha alegaram ter passado por “grande abalo emocional, humilhação, constrangimento e desamparo”.


O Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco condenou o Estado do Acre ao pagamento de indenização por danos morais, em razão de erro médico em cirurgia. O procedimento cirúrgico tinha como objetivo a remoção de uma hérnia na virilha direita de uma menina, mas foi realizado, erroneamente, na virilha esquerda, ou seja, em local errado.

A sentença, da juíza de Direito Zenair Bueno, titular da unidade judiciária, publicada na edição nº 7.613 do Diário da Justiça, considerou que as alegações da autora foram devidamente comprovadas durante a instrução do processo, não restando dúvidas quanto à responsabilidade estatal quanto ao erro no procedimento médico.

Entenda o caso

A autora e sua genitora alegaram à Justiça que a criança foi internada na Fundação Hospital do Acre (Fundhacre) para remover hérnia inguinal (protuberância resultado do deslocamento de parte do intestino ou outro órgão abdominal através de uma abertura na parede abdominal na virilha) no membro inferior direito, mas que, ao invés disso, a intervenção cirúrgica foi realizada na virilha esquerda, constituindo flagrante erro médico.

Dessa forma, mãe e filha buscaram a tutela da Justiça e ajuizaram ação de reparação por danos morais e estéticos contra o Estado, alegando ter passado por “grande abalo emocional, humilhação, desamparo e constrangimento”, em razão do erro médico cometido durante a cirurgia. As autoras requereram, ainda, concessão de tutela de urgência para a realização de nova operação em caráter imediato, desta vez, no lugar correto.

Cirurgia correta realizada

Ao decidir sobre o pedido liminar, a juíza de Direito Zenair Bueno, decidiu negar a medida excepcional para realização da nova cirurgia, após a juntada de informações nos autos, pelo ente estatal, de que a operação no local correto foi realizada administrativamente, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

As autoras, no entanto, prosseguiram com a ação, requerendo a condenação do Estado ao pagamento de reparação pelos danos morais experimentados por ambas, bem como pelo alegado dano estético causado à criança, que teria ficado com uma cicatriz permanente gerada pela cirurgia desnecessária.

Sentença

Em contestação, o Estado sustentou que não restou configurada a responsabilidade civil pela ausência de nexo de causalidade e da ilicitude ou abusividade da conduta na realização corretiva e que, dentro desse raciocínio, “não se omitiu no seu dever legal de atendimento da tutela Constitucional da Saúde”.

A magistrada sentenciante, no entanto, rejeitou o argumento, assinalando que as provas documentais comprovaram “mediante relatórios de exame ecográfico da parede abdominal, (…) que os achados ecográficos sugeriam hérnia inguinal direita indireta e o exame (…) concluiu, de forma ainda mais incisiva, que os achados ecográficos sugeriam a mesmíssima hérnia inguinal direita”.

Dessa forma, a juíza de Direito registrou que o erro médico foi suficientemente comprovado por intermédio das imagens juntadas aos autos do processo, sendo possível concluir, portanto, que “havia diagnóstico de hérnia inguinal direita e fora realizada intervenção cirúrgica no local errado, para tratamento de moléstia na parede abdominal do lado esquerdo, onde sequer havia prognóstico de alguma moléstia”.

“Havendo, assim, inequívoco nexo de causalidade entre a conduta do ente público e os danos imputados às autoras, deve o caso ser objeto de fixação de equivalente financeiro a título de reparação pelos danos morais (…) ocasionados”, considerou a magistrada na sentença.

Levando em conta a gravidade do fato, a “culpabilidade elevada” do Estado e o fato de que as vítimas nada fizeram para contribuir com o resultado errado da cirurgia, a titular da 2ª Vara da Fazenda Pública condenou o ente estatal ao pagamento de indenização por danos morais, a cada uma das autoras, no valor de R$ 25 mil. Foram considerados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade na fixação das quantias indenizatórias.

Por outro lado, o pedido de indenização por danos estéticos foi julgado improcedente, uma vez que a magistrada sentenciante considerou que se trata de uma pequena cicatriz “em região do corpo que não altera em muito a morfologia nem causa de todo objeção ou repulsa”.

STJ: Consumidor pessoa jurídica – quando as empresas podem ter a proteção do CDC?

A legislação brasileira permite que pessoas jurídicas – assim como acontece com as pessoas físicas – sejam consideradas consumidoras. É o que diz o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao prever – adotando a chamada teoria finalista – que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Segundo explicou a ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 2.020.811, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota a teoria finalista mitigada – ou aprofundada – para a definição de consumidor. Dessa forma, disse, o conceito abrange também o comprador que, embora não seja o destinatário final do produto ou serviço (no sentido de encerrar a cadeia de produção), se enquadre em condição de vulnerabilidade capaz de causar desequilíbrio na relação econômica.

Assim, o sistema protetivo do CDC pode ser aplicado no caso de quem, mesmo adquirindo produtos ou serviços para o desenvolvimento de sua atividade empresarial, apresente hipossuficiência técnica ou fática diante do fornecedor. A dificuldade surge na hora de reconhecer a vulnerabilidade: enquanto para o consumidor pessoa física ela é presumida, no caso da pessoa jurídica é necessário comprovar essa condição especial que autoriza a aplicação das regras protetivas do CDC – avaliação que, conforme a jurisprudência do tribunal, deve ser feita de acordo com o caso concreto.

Esta reportagem apresenta situações em que o STJ teve de decidir sobre o enquadramento de pessoas jurídicas, especialmente de empresas, na posição de consumidoras, apontando em cada caso as razões pelas quais a corte entendeu estar configurada – ou não – a condição que justifica a incidência do CDC.

Aquisições para desenvolvimento de atividade econômica
No julgamento do REsp 2.020.811 uma empresa vendedora de ingressos eletrônicos para eventos ajuizou ação de cobrança contra uma sociedade especializada em serviços de intermediação de pagamentos online, em razão de débitos que teriam sido lançados indevidamente em sua conta.

A autora da ação alegou que o vínculo estabelecido com a intermediadora configuraria uma relação de consumo, sustentando a sua hipossuficiência fática diante da outra parte – uma empresa com atuação virtual em mais de 50 países –, e que o contrato celebrado entre elas seria de adesão.

A Terceira Turma, entretanto, entendeu que não ficou demonstrada a situação de vulnerabilidade, indispensável para o reconhecimento da condição de consumidor quando o produto ou serviço é adquirido durante o desenvolvimento de atividade empresarial, como no caso em análise.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que cabe ao adquirente do produto ou do serviço comprovar sua vulnerabilidade perante o fornecedor, caso pretenda a incidência das normas do CDC.

O serviço adquirido é bem de consumo ou insumo?
Entendimento semelhante foi adotado pela Quarta Turma ao julgar o REsp 1.497.574, em que se decidiu pela não aplicação do CDC aos contratos de empréstimo firmados por uma sociedade empresária para incrementar seus negócios.

O caso se referia a uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Santa Catarina contra o Banco do Estado do Rio Grande do Sul para discutir cláusulas e encargos bancários supostamente abusivos nos contratos celebrados com os clientes.

Para a Quarta Turma, as instâncias originárias aplicaram o CDC sem fazer a necessária distinção quanto à natureza das contratações entre as partes – se de insumo ou consumo. Dessa forma, o colegiado reformou a decisão do tribunal estadual para limitar a aplicação do CDC aos casos em que fosse constatada a existência de relação de consumo.

A decisão reafirmou a jurisprudência do STJ, que não admite a aplicação do CDC nos contratos de empréstimo tomados por empresas quando elas são consideradas consumidoras intermediárias (insumo), somente sendo possível a mitigação dessa regra na hipótese em que ficar demonstrada a hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da tomadora.

Características do negócio podem impedir a incidência do CDC
Em outras situações, é a própria natureza do negócio que pode impedir a incidência do CDC. No julgamento do REsp 2.001.086, a Terceira Turma decidiu pela inaplicabilidade do código a um contrato de empréstimo de capital de giro.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que não se pode falar em incidência da lei consumerista nos contratos bancários celebrados por pessoa jurídica para obtenção de capital de giro, já que, conforme a orientação consolidada no STJ, nesses casos a empresa não é considerada a destinatária final do serviço.

O contrato de capital de giro destina-se a incrementar a atividade produtiva e lucrativa da contratante, o que afasta, por decorrência lógica, a incidência do conceito de consumidor, ainda que mitigada a teoria finalista.
REsp 2.001.086
Ministra Nancy Andrighi

Além disso, no caso, não houve demonstração de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional da empresa. De acordo com a ministra, a mera condição de microempresa não basta para que seja entendida como vulnerável.

Existência de relação de consumo afeta competência para julgamento da demanda
Já no julgamento do AREsp 1.321.083, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), a Terceira Turma estabeleceu que uma empresa que adquiriu aeronave como destinatária final pode ser considerada consumidora. A decisão definiu, por consequência, o foro competente para processamento e julgamento da demanda.

Uma empresa que se dedicava à administração de imóveis ajuizou ação em Curitiba para rescindir o contrato da compra de um avião, em razão de suposto inadimplemento contratual da vendedora – cuja sede é em Belo Horizonte –, pedindo a devolução dos valores pagos.

A vendedora alegou incompetência do juízo. Segundo ela, a compradora se valeu da prerrogativa prevista no artigo 101, inciso I, do CDC, que permite o ajuizamento da ação no domicílio do consumidor, mas a relação entre as empresas teria caráter paritário. Desse modo, sem haver relação de consumo, não seria possível ajuizar a ação em outra comarca que não aquela indicada pela regra geral de competências do Código de Processo Civil (CPC).

Os argumentos da vendedora não foram acolhidos nas instâncias ordinárias nem na decisão monocrática do ministro Sanseverino. Em recurso à Terceira Turma, a vendedora defendeu que a aeronave teria sido adquirida para incrementar os negócios da compradora e que esta não seria hipossuficiente, circunstâncias que afastariam a aplicação da legislação consumerista.

O colegiado, entretanto, de forma unânime, decidiu pela aplicação das regras do CDC ao caso. Em voto-vista no qual acompanhou integralmente o relator, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva esclareceu que a aeronave foi adquirida para atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica, não integrando diretamente produto ou serviço postos à disposição do mercado por ela, motivo pelo qual se aplicariam à relação as normas da lei consumerista.

Não basta ao consumidor ser adquirente ou usuário final do bem ou serviço, mas deve haver o rompimento da cadeia econômica com o uso pessoal, a impedir, portanto, a reutilização dele no processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transformação por meio de beneficiamento ou montagem, ou em outra forma indireta.
REsp 1.321.083
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Relações de consumo na contratação de seguros
A Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.660.164, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, decidiu que a pessoa jurídica que firma contrato com o objetivo de proteger seu patrimônio é considerada destinatária final dos serviços securitários e, por isso, aplicam-se a seu favor as disposições do CDC.

No caso julgado, uma empresa teve um de seus caminhões segurados destruído por incêndio iniciado por uma fagulha de descarga de energia durante a operação de transferência de produto inflamável. A seguradora alegou que a hipótese estava prevista nas cláusulas de exclusão de cobertura, ao passo que a segurada sustentou que a cláusula excludente de cobertura não estava incluída na minuta encaminhada pela seguradora no momento da contratação.

Apesar de ter sido acolhida em primeira e segunda instâncias, a argumentação da seguradora foi rejeitada pelo ministro Bellizze, relator do caso no STJ. Ao analisar os princípios do CDC, como o da transparência, o relator lembrou que o fornecedor tem obrigação de dar ao consumidor conhecimento sobre o conteúdo do contrato, sob pena de não haver a sua vinculação ao cumprimento do que foi acordado.

Entendimento parecido foi adotado pela Quarta Turma no AREsp 1.392.636, decorrente de ação indenizatória movida por uma instituição de ensino superior contra a seguradora devido à recusa de cobertura de sinistro.

A universidade privada acionou o seguro depois que chuvas e ventos fortes danificaram a estrutura física do estabelecimento. Na ocasião, a seguradora alegou não haver previsão de cobertura para a hipótese de rajadas de vento cuja velocidade fosse inferior àquela que caracteriza um vendaval, como no caso, o que impediria o pagamento da indenização.

O relator, ministro Raul Araújo, com base no acórdão do tribunal estadual, destacou que, independentemente da velocidade medida pela estação meteorológica, a tempestade efetivamente causou danos ao imóvel. Segundo ele, a cláusula que estipula velocidade mínima para haver indenização configura desvantagem excessiva ao segurado.

O fato de a segurada ser pessoa jurídica não lhe retira a condição de consumidora, já que usa o seguro como destinatária final.
AREsp 1.392.636
Ministro Raul Araújo

Assim, o colegiado reforçou o entendimento de que uma empresa que firma contrato de seguro visando à proteção de seu próprio patrimônio pode ser considerada destinatária final dos serviços securitários.

Cobertura securitária deve estar claramente descrita no contrato
A Quarta Turma decidiu, ao julgar o REsp 1.176.019, que o transportador que contrata seguro para proteger sua frota ou cobrir danos a terceiros também é consumidor. O colegiado destacou, no entanto, que a abrangência da cobertura securitária deve estar claramente descrita no contrato.

No caso em análise, durante a vigência do contrato de seguro, um dos veículos de uma transportadora colidiu com um caminhão pertencente a pessoa física. Após o trâmite de demanda indenizatória, a empresa foi condenada ao pagamento de lucros cessantes e despesas com advogado e preposto. A transportadora, então, ajuizou ação indenizatória contra a seguradora para pedir o reembolso dos valores pagos.

Tanto o juízo de primeira instância quanto o tribunal estadual julgaram o pedido improcedente, fundamentando-se na inexistência de cobertura para a hipótese de colisão com veículo particular, descabendo, portanto, a condenação da seguradora ao pagamento de lucros cessantes relativos a terceiro prejudicado.

Em seu voto, o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu a condição de consumidora da empresa, esclarecendo que a transportadora que contrata seguro objetivando a proteção de sua frota veicular ou contra danos causados a terceiros, em regra, enquadra-se no conceito de consumidor, pois é destinatária final do produto.

É sempre a situação do caso em concreto que será hábil a demonstrar se existe ou não relação de consumo, sendo o emprego final do produto determinante para conferir à pessoa jurídica a qualidade de consumidora, tendo como parâmetro, além da utilização de insumo imprescindível à atividade, também a sua vulnerabilidade.
REsp 1.176.019
Ministro Luis Felipe Salomão

Apesar de estar configurada a relação de consumo no caso concreto, a cláusula contratual em torno da qual as partes litigavam limitava a cobertura de lucros cessantes a categorias profissionais específicas, como táxis, lotações, vans escolares regulamentadas e motoboys, não incluindo o ressarcimento a pessoa física dona de caminhão. Por isso, o colegiado negou provimento ao recurso.

Esta notícia refere-se aos processos: REsp 2020811; REsp 1497574; REsp 2001086; AREsp 1321083; REsp 1660164; AREsp 1392636 e REsp 1176019

TST: Supermercado é condenado por dispensar encarregada com transtorno afetivo bipolar

Para a 2ª Turma, a medida foi discriminatória em razão do estigma causado pela doença.


A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou um supermercado de Cuiabá (MT) a pagar R$ 15 mil de indenização a uma encarregada de padaria por tê-la dispensado mesmo tendo conhecimento de seu diagnóstico de transtorno afetivo bipolar. Ao considerar que houve discriminação, o colegiado levou em conta que, após afastamentos em razão da doença, ela passou a ser tratada de forma diferente por colegas e supervisores, até ser demitida.

Empregada foi dispensada após iniciar tratamento
A encarregada foi admitida em 2019. Na reclamação trabalhista, ela disse que iniciou seu tratamento em junho de 2021 e, após informar sua condição à empresa, sentiu-se perseguida e logo foi dispensada. “Uma funcionária exemplar teve o seu vínculo empregatício encerrado após comunicar o seu diagnóstico e o início da utilização do medicamento controlado, sem qualquer explicação razoável mínima que seja”, afirmou.

De acordo com uma das testemunhas, após os primeiros afastamentos, o relacionamento entre a encarregada e os superiores teria ficado “meio estranho”, e que ouviu alguns dizendo que ela não estaria cumprindo suas funções.

O pedido de indenização foi negado pelo juízo de primeiro grau e pelo o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região. Para o TRT, embora seja considerado uma doença grave, “que pode limitar as condições físicas, emocionais e psicológicas de qualquer pessoa”, o transtorno afetivo bipolar não causa estigma ou preconceito a ponto de se presumir que a dispensa foi discriminatória. Segundo as instâncias ordinárias, caberia à empregada provar que esse teria sido o motivo determinante da dispensa.

Estudos mostram impacto do transtorno na vida profissional
A relatora do recurso de revista da trabalhadora, ministra Liana Chaib, assinalou que a Súmula 443 presume discriminatória a despedida de pessoa com vírus HIV ou outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. “Em última instância, a súmula busca resguardar o sentido de vida para a pessoa acometida desse tipo de doença, cumprindo o dever constitucional de igualdade a partir da vedação da dispensa discriminatória”, afirmou.

No caso específico do transtorno afetivo bipolar, a relatora citou estudos acadêmicos para ressaltar que a oscilação de humor e as dificuldades no trabalho e na vida social de quem sofre da doença reforçam sua vulnerabilidade, principalmente, dentro de uma relação de emprego. “A medicina identifica que uma das consequências do transtorno é o desemprego, e uma das causas para não aderir ao tratamento é o estigma que ele apresenta”, assinalou. Também lembrou que há farta produção científica nas mais diversas áreas (medicina, psicologia, sociologia) reconhecendo e demonstrando o impacto da doença na vida profissional dos pacientes.

A decisão foi unânime.

TJ/SP nega pedido de pai para desconstituição de paternidade e anulação de registro

Reconhecida relação socioafetiva.


A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de homem para a desconstituição de paternidade e retirada de seu nome do registro de nascimento da filha. Segundo os autos, o requerente ajuizou ação após a paternidade biológica ter sido afastada por exame de DNA.

Em seu voto, o relator do recurso, desembargador James Siano, reiterou a relação socioafetiva entre o autor e a criança, e destacou que desde o nascimento já existiam dúvidas sobre a paternidade. “O próprio genitor afirma que na ocasião do registro já existiam dúvidas sobre a paternidade e conflitos entre o casal, havendo incerteza caberia ao demandante não ter se declarado pai. O registro é ato jurídico perfeito e não pode ser afastado pelo simples arrependimento da parte”, escreveu. “A identificação de um filho com seu pai ocorre na tenra infância, não podendo ser medida a constituição da posse do estado de filho por períodos determinados de tempo”, salientou.

Completaram a turma de julgamento, de votação unânime, os desembargadores João Batista Vilhena e Moreira Viegas.

TJ/MA: Empresa de energia deve se comunicar com consumidor em linguagem simples

Complexidade na comunicação na relação de consumo motivou a decisão para antecipar o direito.


Decisão do 5º Juizado Especial Cível e de Relações de Consumo de São Luís reconheceu que os formulários “Termo de Ocorrência e Inspeção” e “Termo de Notificação e Informações Complementares”, usados por empresa de energia elétrica na comunicação com consumidores, devem ser produzidos em linguagem clara e simples, para permitir a defesa de direitos.

A decisão liminar (temporária) foi tomada pelo juiz Alexandre Lopes Abreu, titular do 5º Juizado Cível, em processo ajuizado por consumidora contra a cobrança no valor de R$ 4.836,46 por concessionária de energia elétrica.

Conforme a decisão, a empresa deve suspender a cobrança da fatura e ficar impedida de negativar a consumidora ou efetuar o corte de serviços de energia, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 1 mil, a ser paga à autora da ação.

LINGUAGEM COMPREENSÍVEL

Segundo a decisão do juiz, os formulários, com uso de termos técnicos, anotações em texto de difícil leitura e informações que não possuem indicativo de sua utilidade, não são documentos compreensíveis que permitam a defesa da consumidora.

Essa complexidade na comunicação na relação de consumo motivou a concessão de “tutela antecipada” – decisão judicial que antecipa a concessão do direito pedido pela parte consumidora.

Conforme a decisão, em tempos de valorização da comunicação compreensível, vista como responsabilidade de instituições públicas e empresas privadas no diálogo com seus usuários e clientes, a produção dos formulários utilizados pela empresa de energia segue modelo “do milênio passado”.

DEVER INFORMACIONAL

Por esse motivo, esses documentos, segundo o juiz, não se adequam às regras definidas pela Agência Nacional de ENERGIA Elétrica – ANEEL (Resolução 1000/2021), ao dever informacional do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), à Lei do Superendividamento – nº 14.181/2021) nem ao “princípio da boa-fé”, do Código Civil.

Conforme o Código do Consumidor, o fornecedor do serviço é obrigado a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços etc., de maneira clara e precisa.

Já segundo o Código Civil brasileiro, os contratos devem ser justos e equilibrados e respeitar a autonomia das partes, permitindo a intervenção em casos em que essa condição não esteja presente.

Sendo assim, o “uso de termos técnicos, anotações com escrita de difícil leitura, cópias rasuradas e informações que não possuem indicativo de sua utilidade, são verdadeiros embaraços para qualquer argumentação de defesa dos consumidores”, explicou o juiz na decisão.

TRF1: Execução fiscal não pode ser cobrada após falecimento de devedora

A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou, por unanimidade, a apelação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) contra a sentença que excluiu a execução fiscal de uma empresa de viagens em razão do falecimento da devedora, corresponsável pela dívida, antes da citação no processo.

O apelante alegou não existir qualquer documento oficial que comprove o falecimento, apenas a declaração de pessoa desconhecida, e solicitou o redirecionamento da dívida para o sócio-gerente da empresa.

Ao analisar os autos, o relator, desembargador federal Hercules Fajoses, afirmou que segundo entendimentos do TRF1 e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “o redirecionamento da Execução Fiscal contra o espólio somente pode ser levado a efeito quando o falecimento do contribuinte ocorrer após sua citação, nos autos da Execução Fiscal, não sendo admitido, ainda, quando o óbito do devedor ocorrer em momento anterior à própria constituição do crédito tributário” (STJ, AgInt no AREsp 1.280.671/MG, relatora ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 11/09/2018, DJe de 19/09/2018).

Dessa forma, o Colegiado, nos termos do voto do relator, acompanhou a orientação do STJ de que o Judiciário só pode substituir a certidão da dívida ativa (CDA) quando se tratar de correção de erro material ou formal, sendo vedada a modificação do devedor.

Processo: 1000533-58.2021.4.01.4003

TRF4: Construção de condomínio potencializou efeitos de enchente motivando indenização a duas famílias

A 2ª Vara Federal de Uruguaiana (RS) determinou que a Caixa Econômica Federal e o Município de Alegrete (RS) paguem indenização por danos morais e materiais a duas famílias do município que tiveram as casas inundadas em uma enchente ocorrida em 2019. A construção de um condomínio do Programa Minha Casa Minha Vida em bairro próximo potencializou os efeitos da enchente na localidade. As sentenças, publicadas em 2/9, são do juiz Matheus Varoni Soper.

Os autores ingressaram com as ações narrando que seus imóveis ficaram submersos por alguns dias, e que o alagamento aconteceu em consequência da construção de um loteamento feito pela Caixa, cujas obras foram finalizadas em 2014. Sustentaram que sofreram danos morais e materiais, e que as rés têm a obrigação de construir obra que evite a inundação das casas.

Ao analisar o caso, o juiz pontuou que o Município tem o dever preventivo e uma obrigação direta de acompanhamento das áreas de risco em âmbito local e a Caixa é responsável por assegurar a segurança da construção dos loteamentos vinculados ao Programa Minha Casa Minha Vida por meio de estudos técnicos em relação às áreas a serem ocupadas. Ele entendeu que os pedidos dos autores devem ser concedidos de forma parcial.

Para o magistrado, o pedido para a construção de obras de prevenção de inundação não procede, tendo em vista que o bairro em que os autores moram sofre frequentemente com alagamentos, o que acontece desde antes da construção do loteamento.

Por outro lado, Soper constatou, através de laudo feito por engenheiro civil, que os danos foram potencializados pela construção do loteamento. A análise pericial identificou que o empreendimento mudou o leito de rio, e que o local em que o condomínio está costumava funcionar como área alagadiça que protegia o bairro dos autores.

“Em se tratando de responsabilidade objetiva, basta que seja comprovada a omissão do Ente Estatal para que seja configurado o direito à reparação dos danos. Dessa forma, entendo que o Município de Alegrete/RS deixou de agir como lhe era exigível na ocasião, ocasionando omissão específica juridicamente relevante, cenário capaz de atrair a responsabilidade civil de tal ente federativo pelos danos morais. Por sua vez, a CEF também tem responsabilidade objetiva, uma vez que deixou de comprovar que o empreendimento habitacional respeitou as normas de Direito Urbanístico e de Direito Ambiental”, concluiu.

O juiz entendeu que o dano moral às famílias ficou caracterizado. “Entendo que o caso concreto revela situação em que foram violados gravemente os direitos da personalidade dos autores, tendo em vista que perderam seus bens, parte de sua moradia e passaram por momentos de pânico em decorrência de uma enchente cujos efeitos poderiam ter sido evitados, ficaram privados da sua residência por conta de ações/omissões dos réus que repercutiram no direito de propriedade, no direito à moradia, bem ainda no sentimento de dignidade”, destacou Soper.

Sobre os danos materiais, as duas famílias apontaram os prejuízos com bens perdidos e desvalorização dos imóveis, mas não mostraram um detalhamento destas perdas. Assim, o magistrado, determinou que eles entreguem, na fase de liquidação da sentença, documentos, os valores dos bens perdidos e um laudo particular contendo a comparação do valor do imóvel antes da enchente em relação ao atual.

Soper julgou os pedidos parcialmente procedentes, condenando a Caixa e o Município de Alegrete ao pagamento de R$ 20 mil a cada família por danos morais e ao pagamento de danos materiais em quantia que ainda deverá ser comprovada por cada família. Caso os autores não consigam apresentar os valores ou a perícia particular seja inclusiva, ele determinou que os valores a serem pagos devem ser os constantes na Medida Provisória 1.219/24 ( R$ 5,1 mil para cada tipo de dano material), “ato normativo que estabeleceu o benefício de auxílio reconstrução em situação similar, nas notórias e lamentáveis enchentes generalizadas ocorridas neste ano aqui no Estado do Rio Grande do Sul, que o Governo Federal está fornecendo também para reparar os danos materiais acarretados pela tragédia”.

Cabe recurso às Turmas recursais.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento
Init code Huggy.chat