STJ: Ação que reivindica terra ocupada por grande número de pessoas exige ampla publicidade

Diante do risco ao direito à moradia de um grande número de pessoas, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o procedimento previsto no Código de Processo Civil (CPC) para as ações possessórias coletivas – como a necessidade de ampla publicidade – também se aplica às ações petitórias em que figure no polo passivo uma multiplicidade de réus.

O colegiado deu parcial provimento a recurso da Defensoria Pública de São Paulo para determinar a divulgação – mediante anúncios em jornais e rádios locais e publicações em redes sociais e outros meios – de ação reivindicatória movida por uma sociedade empresária, requerendo a sua imissão na posse de um loteamento na ocupação conhecida como Cidade Satélite Íris, em Campinas (SP).

Alegando que é dona da área desde 1998 e que, desde 2016, ela é ocupada por famílias de forma irregular, a sociedade empresária pediu a condenação dos ocupantes ao pagamento de indenização no valor de 1% sobre o valor do imóvel, por mês de utilização, desde a citação até a efetiva restituição.

Diferenças e semelhanças entre ação possessória e ação petitória
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso da Defensoria e dos ocupantes do local, explicou que a posse é tutelada pelas ações possessórias; já a propriedade, pelas ações petitórias. A posse, observou, se configura pelo exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (artigo 1.196 do Código Civil).

“Com as ações possessórias, o legítimo possuidor pretende efetivar o seu direito de ser mantido ou restituído na posse, previsto no artigo 1.210 do CC, enquanto, com as ações petitórias, o proprietário pretende efetivar o seu direito de reaver a coisa do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, previsto no artigo 1.228 do CC. Desse modo, em ambas as situações, o respectivo legitimado ativo, ao final, objetiva, pelo menos no mundo dos fatos, a posse da coisa”, disse.

De acordo com a relatora, nas duas ações, quando o litígio envolve um grande número de pessoas no polo passivo, as consequências sociais do provimento pretendido são as mesmas, ficando os demandados submetidos ao risco de perder suas moradias – o que justifica o tratamento isonômico pelo direito processual a essas duas ações, apesar de suas diferenças.

Identidade do interesse público e social envolvido no conflito
Nancy Andrighi lembrou que o procedimento especial para os litígios possessórios coletivos não está regulamentado apenas no artigo 565, mas também – e inicialmente – nos parágrafos 1º a 3º do artigo 554, todos do CPC, tendo em vista que tratam da intervenção do Ministério Público e da Defensoria Pública, da forma de citação e da necessidade de ampla publicidade da ação.

Na avaliação da ministra, embora a ação reivindicatória seja fundamentada em direito relevante como a propriedade, ainda que o autor comprove o título de propriedade do imóvel, “a procedência da demanda não é certa, sendo possível, por exemplo, que os ocupantes comprovem o preenchimento dos requisitos para o reconhecimento da usucapião coletiva ou até a aplicação do artigo 1.228, parágrafo 4º, do CC, sendo imprescindível que os possuidores tenham o conhecimento do litígio para poder apresentar suas respectivas defesas, independentemente da ação ser fundada na posse ou na propriedade”.

Com base nisso, a relatora concluiu que o procedimento previsto para as ações possessórias coletivas (artigos 554, parágrafos 1º a 3º, e 565 do CPC/2015) se aplica às ações petitórias de mesma natureza, já que, em ambas as hipóteses, há identidade do interesse público e social envolvido no conflito, diante do risco ao direito à moradia de grande número de pessoas que integram o polo passivo da ação.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 1992184

STJ: CPC de 2015 não impede juiz de exigir garantia de hipoteca legal no processo de interdição

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, negou provimento ao recurso especial de um curador que pedia para ser dispensado de apresentar a garantia de hipoteca legal no processo de interdição de sua esposa.

Para o colegiado, embora a hipoteca não seja mais exigida na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o juiz pode determinar a prestação de alguma garantia pelo curador, e nada impede que esta se dê mediante a especialização de hipoteca legal – isto é, a especificação de imóvel do curador que será hipotecado como garantia do patrimônio do curatelado a ser administrado por ele.

A decisão teve origem em ação ajuizada pelo marido com o objetivo de interditar a mulher e ser nomeado seu curador sem a necessidade de especialização de hipoteca legal. O juiz decretou a interdição e nomeou o autor curador da incapaz, mas determinou a especialização da hipoteca legal do imóvel registrado em nome do casal, conforme o artigo 1.188 do CPC/1973.

A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que fundamentou seu entendimento exclusivamente nas regras do CPC/1973, embora o acórdão tenha sido publicado já na vigência do código novo.

Aplicação do novo Código de Processo Civil
No recurso ao STJ, o curador requereu o afastamento da exigência da hipoteca legal e, entre outras questões, alegou que o CPC/2015, de aplicação imediata, deixou de exigir a garantia, conforme o artigo 759. O requerente também sustentou que a idoneidade mencionada no artigo 1.190 do CPC/1973 se refere à moral do curador, e, uma vez atendido o requisito, seria desnecessária a prestação de garantia.

A relatora do recurso, ministra Isabel Gallotti, lembrou que a aplicabilidade imediata do artigo 759 do atual CPC não foi apreciada no tribunal de origem, motivo pelo qual não pode ser objeto de análise no STJ, em razão da falta de prequestionamento.

De todo modo – ela comentou –, apesar de a hipoteca legal não ser mais uma imposição legal, a doutrina considera que é facultado ao juiz exigir a prestação de qualquer garantia ao curador, incluindo a própria hipoteca.

Idoneidade moral é requisito para nomeação de curador
Sobre a exigência de idoneidade para a dispensa da hipoteca no CPC/1973, Isabel Gallotti observou que se trata de idoneidade financeira, e não moral, como alegado pelo recorrente. Conforme explicou, a idoneidade moral já é um pressuposto para a nomeação do curador, pois, sem ela, ficaria peremptoriamente afastado o exercício da curatela.

Apesar de negar provimento ao recurso, a ministra destacou que o recorrente tem o direito de requerer na origem a dispensa de especialização da hipoteca, com base na nova situação legal surgida após a sentença, “o que poderá ser oportunamente reexaminado, à luz das circunstâncias de fato atuais, sem ofensa à coisa julgada, porque esta se dá a partir do panorama de fato e de direito vigente à época da prolação do título judicial”.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

TRF4: União deve custear canabidiol a criança com doença rara e epilepsia refratária

A União e estado do Rio Grande do Sul terão que fornecer canabidiol para tratamento de uma criança de dois anos de Novo Hamburgo (RS) que sofre de doença rara e epilepsia refratária. O juiz federal convocado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) José Luiz Luvizetto Terra negou na última sexta-feira (2/9) pedido da União para suspender liminar proferida em primeira instância.

O menino sofre de esclerose tuberosa, doença que afeta o tecido de vários órgãos. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), que alega a necessidade e a urgência da administração do fármaco devido ao grave quadro de saúde..

Conforme Luvizetto, “o conjunto probatório demonstra que, embora o medicamento postulado não seja o tratamento padrão para controle de crises epilépticas, as demais alternativas terapêuticas foram esgotadas e o tratamento pode promover a diminuição das crises epilépticas, que são frequentes e trazem riscos de acidentes e morte”.

“Em tais condições, que envolvem menor de idade e prévias tentativas de controle da enfermidade por medicação convencional, considero justificável a dispensação da tecnologia pleiteada, a qual, ressalte-se, foi prescrita no âmbito do SUS. Ausentes as demais alternativas de tratamento, esta parece ser a única opção viável no quadro clínico atual”, completou o magistrado.

TRF3: União deve indenizar em R$ 80 mil família de médica falecida em razão do coronavírus

A 3ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP determinou à União indenizar, em R$ 80 mil, o marido e a filha de médica morta em razão da contaminação pelo novo coronavírus, enquanto atuava na linha de frente do combate à pandemia de Covid-19. A decisão, de 23/8, é do juiz federal Flademir Jerônimo Belinati Martins.

O magistrado fundamentou sua decisão com base no artigo 1º da Lei nº 14.128/21, que trata da compensação financeira a ser paga aos profissionais da saúde que em atendimento direto a pacientes acometidos pela doença ou por meio da realização de visitas domiciliares, tornaram-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou a seus cônjuges ou dependentes, no caso de óbito.

Segundo Flademir Martins, ficou comprovado que a falecida exercia a função de médica em ambiente hospitalar, na cidade de Apiaí/SP, durante a pandemia. “Realizava plantões nos setores de pediatria/neonatologia e no centro cirúrgico, mediante escala previamente agendada e sobreaviso, em atendimento de pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), além de conveniados”.

Em sua defesa, a União argumentou a não regulamentação da lei indicada. Além disso, disse que não seria a responsável pelo pagamento da indenização e indicou ausência de fonte de financiamento.

O juiz federal considerou, contudo, que a falta de normatização não pode ser usada como óbice à análise do direito. “Não se pode protelar indefinidamente o pagamento de indenização prevista em lei sob o singelo argumento de que a regra legal não foi objeto de regulamentação”, ressaltou.

Assim, o magistrado julgou o pedido procedente e condenou a União a indenizar os dependentes da médica falecida, no montante de R$ 50 mil. Também determinou o pagamento de indenização específica de R$ 30 mil para a filha, que contava com 18 anos na data do óbito, mas não cursava o ensino superior.

Procedimento Comum Cível 5000089-41.2022.4.03.6112

TJ/SC: Casa de repouso não pode cobrar ‘mensalidade extra’ por morte de idosa

A Justiça da Capital declarou nulas as cláusulas contratuais praticadas por uma casa de repouso que pretendia cobrar uma espécie de “mensalidade extra” da família de uma idosa em razão de seu falecimento, ocorrido no terceiro mês de vigência do contrato de atenção integral. A decisão é do 1º Juizado Especial Cível da comarca da Capital, em sentença do juiz Luiz Claudio Broering.

Conforme demonstrado no processo, todos os valores relativos aos serviços de assistência e hospedagem geriátrica foram pagos durante a estadia daquela senhora, mas o estabelecimento passou a cobrar a integralidade de uma nova mensalidade após a morta dela. Embora houvesse previsão em contrato, a família recorreu à Justiça por considerar a cobrança indevida.

A justificativa para a inclusão das cláusulas foi de que o negócio sofreu um grande revés financeiro devido ao fato de três contratantes terem falecido em um curto período. Ao considerar que o caso em análise se trata de uma relação de consumo, o magistrado concluiu que a prática é abusiva.

O contrato faz a ressalva de que o débito não se enquadra no conceito de mensalidade, apontou o juiz, mas não esclarece devidamente qual o seu propósito. Da mesma forma, descreve a sentença, o estabelecimento não levou aos autos nenhuma comprovação dos prejuízos que tivera com a morte das três contratantes mencionadas.

“Pelo que se percebe, seu intuito é de justamente fazer com que os consumidores paguem em duplicidade a mensalidade pelo simples fato do beneficiário do serviço falecer”, destaca Broering. Na sentença, o juiz também reconhece a abusividade de outra cláusula exercida pela casa de repouso, desta vez a exigência ao contratante de arcar com o ônus das gratificações natalinas dos funcionários do estabelecimento e com as despesas de encerramento do ano.

“Essa imposição mostra-se inadequada e inconveniente para com os consumidores, considerando o fato de que estes pagam tão somente pelos serviços ofertados pela empresa, nada mais além disso”, anotou o juiz.

Assim, ambas as cláusulas contestadas foram declaradas nulas, bem como foi declarado rescindido o contrato formalizado entre a família da idosa e a casa de repouso. Cabe recurso da decisão.

Processo nº 5016251-20.2022.8.24.0090

TJ/SP Mantém decisão que reconhece união estável homoafetiva entre mulher e companheira falecida

Acórdão anula inventário e garante direitos à autora.


A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu união estável homoafetiva post mortem entre uma mulher e sua companheira falecida, anulando o inventário extrajudicial dos bens deixados por esta e garantindo à autora o direito real de habitação do imóvel compartilhado por ambas. Em votação unânime, foi confirmada decisão proferida em primeira instância.

De acordo com a relatora do recurso, desembargadora Ana Zomer, ainda que o casal tenha optado por manter um relacionamento reservado, sem o conhecimento das famílias, há indícios suficientes para comprovar a união estável entre 1986 e a data do falecimento, incluindo conta bancária compartilhada, correspondências em nome de ambas e declarações dos porteiros de onde residiam, afirmando que as duas eram conhecidas por formarem um casal.

“Fazer tábula rasa e adotar o critério do convívio público como norte para o reconhecimento da união estável é criar barreira indevida e negar à postulante o seu direito; vale dizer, não se lhe faculta a exposição social por conta de inaceitável preconceito, e, não podendo se revelar, fica impedida de provar seu relacionamento. Esta ‘lógica’ é minimamente cruel”, frisou a magistrada

“Assim, o desconhecimento familiar acerca da relação mantida pelas duas, o fato de se tratarem publicamente por amigas, bem como apontarem o estado civil de solteiras em instrumentos contratuais não são elementos suficientes a descaracterizar a união”, concluiu a relatora.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Christiano Jorge e Ana Maria Baldy.

TJ/SC obriga plano de saúde a oferecer tratamento a pessoa autista sem limitar sessões

O juiz Antonio Carlos Junkes dos Santos, titular da 2ª Vara Cível da comarca de Lages, determinou a uma operadora de plano de saúde que autorize, sem limitação quantitativa de sessões, o tratamento indicado a uma criança portadora do espectro autista (TEA) conforme técnica/método estipulado nas prescrições médicas. O atendimento deverá ser custeado pelo plano, sob pena de multa diária de R$ 500, limitada a R$ 200 mil, em caso de descumprimento.

A mãe da criança conta que foi recomendada a estimulação multidisciplinar de acordo com o modelo Aba/Denver, com fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, neuropsicopedadoga e psicóloga, em 15 sessões semanais, o que foi negado pelo plano de saúde. A criança iniciou apenas sessões de psicologia e neuropsicopedagogia, duas vezes por semana.

O plano alega nos autos que o tratamento pleiteado não está listado no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por isso a negativa de cobertura do procedimento denominado Denver. Ainda, que a ANS impõe limitações ao número de sessões anuais de terapias – 96 sessões de fonoaudiologia e 40 consultas/sessões com psicólogo e/ou terapeuta ocupacional. Na sentença, o magistrado destaca que a ANS previa tais sessões como cobertura mínima obrigatória. “Ao contrário do que é defendido pela ré, não há um limite máximo de cobertura contratual, mas sim mínimo, de modo que a restrição imposta ao tratamento do autor é ilegítima e abusiva.”

Por determinação judicial recente do Superior Tribunal de Justiça, beneficiários de planos de saúde portadores do TEA de todo o país passam a ter direito a número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos para o tratamento de autismo. Ainda, os beneficiários diagnosticados com doenças e problemas que se referem aos transtornos globais do desenvolvimento devem ser atendidos em determinada técnica/método/abordagem indicado pelo médico assistente.

“Os planos de saúde podem até estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tempo de tratamento para a cura de cada uma delas. Porém, não podem interferir nas indicações de tratamentos feitas pelos médicos. Somente aos profissionais que acompanham os casos é dado estabelecer o tratamento adequado e a respectiva periodicidade, para se alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acomete o seu paciente”, reitera o juiz. A decisão é passível de recurso.

TJ/MT: Juízas e juízes devem seguir o protocolo do CNJ em julgamentos com perspectiva de gênero

O Poder Judiciário de Mato Grosso reforça a magistrados e magistradas utilizem o Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Maria Helena Póvoas, encaminhou o Protocolo a juízas e juízes de todas as comarcas, conforme recomendação do ministro Luiz Fux.

O trabalho que deve orientar a magistratura de todo o país contou com a contribuição da juíza mato-grossense Amini Haddad Campos, integrante do Grupo de Trabalho responsável pela elaboração do protocolo.

O texto pondera que, embora o Brasil conte com uma Constituição comprometida com a igualdade, o país ainda pontou de modo negativo quando se trata de desigualdades sociais. Assim, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi criado para orientar a magistratura no julgamento de casos concretos, de modo que magistradas e magistrados julguem sob a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade.

“Essas desigualdades são, diariamente, reiteradas por práticas políticas, culturais e institucionais. Nesse contexto, como não poderia ser diferente, o direito tem um papel extremamente relevante: por um lado, pode ser perpetuador de subordinações; por outro, se analisado, construído, interpretado e utilizado de maneira comprometida com a igualdade substancial, pode se tornar um verdadeiro mecanismo de emancipação social”, diz trecho da introdução.

O documento é assinado por Adriana Alves dos Santos Cruz, Adriana Ramos de Mello, Alcioni Escobar da Costa Alvim, Amini Haddad Campos, Bárbara Livio, Edinaldo Ce´sar Santos Ju´nior, Jacqueline Machado, Lavínia Helena Macedo Coelho, Maria Domitila Prado Manssur, Mário Rubens Assumpção Filho, Patrícia Maeda, Tani Maria Wurster, Vanessa Karam de Chueiri Sanches e Victoriana Leonora Corte Gonzaga.

TJ/RS: Professora de escola infantil é condenada por torturar alunos

Por unanimidade, os integrantes da 7ª Câmara Criminal do TJRS decidiram aumentar a pena de uma professora de escola infantil, condenada pela prática do crime de tortura por meio de castigo, a 6 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado. Ela foi acusada de submeter 7 crianças, com idades entre 3 e 4 anos, a intenso sofrimento físico e mental. O caso aconteceu na Comarca de Vacaria.

Caso

De acordo com a denúncia, a professora retirava da sala os alunos que não queriam dormir na hora determinada, deixava alguns sozinhos no pátio, forçava as crianças a comerem toda a comida servida, os obrigava a comer o próprio vômito e colocava fita crepe na boca dos que não ficassem em silêncio.

Os pais perceberam mudanças de comportamento nos filhos, como roer unhas, urinar na roupa, ter medo de escuro e de ficarem sozinhos. Também citaram aumento na agressividade e a recusa em ir para a escola.

Na decisão, há o relato das sessões para avaliação psicológica das crianças: “…a vítima se mostrou ansiosa e amedrontada, sem querer entrar na sala sem acompanhamento e também sem querer tocar no assunto da professora. O menino apenas confirmou com a cabeça sobre o seu depoimento na delegacia. O relato foi de que só de ouvir o nome da professora a criança mudava de comportamento”.

Conforme o que foi narrado por uma das mães, o filho passou a ter medo do escuro, ter sono agitado e só dormir na cama dos pais. Segundo ela, o menino começou a ter reações de raiva, jogando brinquedos no chão e quebrando, a dar tapas nos avós e nos pais, assim como a perda de apetite e passou a perguntar se podia deixar comida no prato. Ela disse que a situação era de “muito choro e tristeza”. E acrescentou que o menino segurava ao máximo para fazer as necessidades, batia a cabeça na parede e mordia os próprios braços. Ele teria contado para a mãe que a professora dizia que se ele se levantasse do colchão na hora do sono da tarde, apareceriam bichos e monstros.

Uma das crianças contou à polícia e à psicóloga que a professora colocou fita adesiva na sua boca e que o obrigou a comer tudo que havia no prato. Ela disse que, em algumas vezes, ia ao banheiro vomitar sem que ela visse, senão ela brigava. A criança também afirmou que ficava de castigo no cantinho de pensar da sala.

Em primeira instância, a professora foi condenada a 4 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto. Ela recorreu ao Tribunal de Justiça em busca de absolvição, sob o argumento de deficiência probatória, alegando que a descrição dos fatos contida na denúncia apresenta incoerências. A defesa também pediu a desclassificação do crime de tortura para o previsto no artigo 16 do Código Penal (descreve o arrependimento posterior como uma das causas de redução de pena em caso de o acusado de crime cometido sem violência se arrepender e decidir reparar o dano ou devolver o objeto) ou para o previsto no artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento).

O Ministério Público também recorreu para pedir o aumento da pena da ré condenada e a condenação da assistente da professora pela omissão dos fatos.

Acórdão

O Desembargador relator, Honório Gonçalves da Silva Neto, declarou que os depoimentos deixaram clara a postura rígida da professora com as crianças que estavam sob sua responsabilidade. Ele citou o que a diretora da escola disse sobre a funcionária: “não tinha aquele carinho com crianças que a pessoa que trabalha na educação infantil”.

O magistrado descreveu que além da “ausência de perfil”, a direção da escola também estava ciente do fato de que a professora submetia as crianças a “inaceitável tratamento”.
Em um trecho da decisão ele esclareceu: “E, em que pese tenha sido procurada por atendentes e professores daquela instituição, bem assim por pais de alunos, inclusive em anos anteriores, preocupados com a alteração comportamental de seus filhos, a diretora da creche nada fez, afirmando, quando procurada, que a acusada sempre teve satisfatório comportamento na escola, não obstante sua postura com as crianças tenha sido objeto de anteriores reclamações”.

Ele também relembrou que a diretora manteve a professora mesmo após receber cópia de mensagem, enviada pela própria ré em grupo de WhatsApp, em que ela admitiu ter colocado fita crepe na boca de um de seus alunos. No texto ela referia que, embora tenha dito para o menino que também amarraria suas mãos, acabou colocando a fita apenas na boca “só para dar um sustinho”.

O Desembargador destacou que, apesar da pouca idade, as crianças conseguiram descrever claramente o que ocorria.

Sobre a omissão da ajudante da professora, ele afirmou que não foi possível concluir pela condenação pretendida pela acusação. Segundo ele, além de restarem dúvidas sobre quais ações foram presenciadas por ela, as provas apontaram para o fato de que a direção já tinha ciência dos atos praticados e, “mais do que se omitir diante das reclamações que eram feitas, desestimulava o registro dessas, o que gera dúvida, inclusive, quanto às providências que a ajudante, a partir dos fatos que efetivamente presenciou, poderia ter adotado”.

Para o magistrado não é possível afirmar, nesse contexto, que a ajudante tenha permanecido omissa diante do que presenciou. Para ele, se houve omissão, “tanto ocorreu por parte da direção da escola de educação infantil, cuja postura não foi objeto de investigação alguma”.

Portanto, ele decidiu por manter a absolvição da ajudante.

Quanto ao aumento de pena da ré, ele determinou a elevação para 6 anos e 8 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.

Os Desembargadores Luiz Mello Guimarães e Volcir Antonio Casal votaram de acordo com o relator.

TRF1: Brasileiro com nome alterado por dupla cidadania pode registrar filha em consulado na Rússia

Uma criança nascida em Moscou, na Rússia, filha de uma pessoa com dupla cidadania (brasileira e italiana) tem direito ao registro de nascimento no consulado brasileiro do país de nascimento. Foi o que decidiu a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) ao manter a sentença que havia concedido o pedido.

Esse registro havia sido negado pelo cônsul porque o pai da criança teve o nome alterado após obter cidadania italiana, o que teria gerado dúvida sobre se os nomes diferentes identificariam a mesma pessoa.

O processo chegou ao Tribunal por meio de remessa oficial, instituto do Código de Processo Civil (artigo 496), também conhecido como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, que exige seu encaminhamento à segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público.

Opção futura – Ao analisar a remessa oficial, o relator, desembargador federal Souza Prudente, explicou que de acordo com a Constituição Federal de 1988 (CF/88) e a Lei 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos, os filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro cujos pais não estejam a serviço do Brasil têm o direito de transcrever a certidão de nascimento no cartório de registro civil do consulado brasileiro no país de nascimento. O documento possibilita a opção, na maioridade, pela nacionalidade brasileira.

No caso analisado, ficou demonstrado que o pai da criança, que tem cidadania brasileira e italiana, teve seu nome alterado na Itália, mas não no Brasil, gerando a divergência quanto ao nome. Porém, ficou provado que se trata da mesma pessoa, sendo ilegal a negativa do registro de nascimento de sua filha, “pois esta providência é essencial para posterior exercício do direito fundamental à escolha da nacionalidade brasileira, conforme se infere do art. 12, I, “c”, da CF/88”, concluiu o relator.

Processo: 1076676-54.2021.4.01.3400


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