TRF4: Responsabilidade de realocar famílias que vivem às margens da rodovia não é dos agentes administradores e fiscalizadores da via

A 2ª Vara Federal de Canoas (RS) negou um pedido para que as instituições que administram e fiscalizam a BR-386 promovam a realocação de um grupo de famílias que vivem às margens da rodovia. A sentença, publicada em 25/9, é da juíza Ana Paula Martini Tremarin Wedy.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação requerendo a elaboração de um plano habitacional que contemple as famílias que residem em área de risco situada no trecho de intersecção das BR’s 116 e 386, a fim de garantir moradia adequada e segura a elas. O processo foi movido contra o Município de Canoas, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a Concessionária das Rodovias Integradas Sul (CCR Via Sul) e a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT).

Os réus contestaram. A CCR Via Sul alegou que não há provas de que as moradias estão abrangidas em faixas de domínio da rodovia concedida. O DNIT argumentou que não possui responsabilidade sobre ocupações que ocorreram após a implantação da rodovia. A ANTT disse que há divergência quantos às dimensões da faixa de domínio apontadas na inicial. O Município de Canoas afirmou que notificou o DNIT a respeito das ocupações irregulares, mas nunca foi atendido.

Ao analisar o caso, a juíza pontuou que se trata de uma ação que envolve direitos individuais homogêneos, em que se discute o direito à moradia digna de um grupo de pessoas. Destacou também que, para o julgamento, é fundamental que seja observado se as residências estão situadas na faixa de domínio.

Foi realizada uma perícia judicial para avaliar a distância das edificações em relação à rodovia, bem como o risco à integridade dos moradores e a segurança do transporte rodoviário. O laudo apontou que 27 moradias estão situadas em área de risco de fluxo e tráfego e recomendou a remoção das famílias para um local adequado.

O perito também indicou que o recente aumento da capacidade de tráfego da BR-386 deveria levar ao redimensionamento da faixa de domínio, que passaria a ser de 37,2 metros, ante os 30 metros originais. A alteração das dimensões faria com que 27 moradias estivessem localizadas dentro da faixa.

Wedy, no entanto, levou em consideração parecer técnico da ANTT, que demonstrou que o alargamento da rodovia ocorreu dentro dos limites da faixa de domínio de 30 metros. Assim, as construções não estariam inseridas na faixa de domínio, o que faz com que a responsabilidade pela elaboração de um plano habitacional não seja das entidades que administram ou fiscalizam a via.

“É evidente que a área onde se encontram assentadas as famílias é imprópria para moradia, sendo urgente que se promova a realocação dessas famílias em habitações condignas (…). Ocorre que, não estando as atuais ocupações dentro da faixa de domínio de rodovia federal, essas providências devem ser implementadas pelos entes que possuem a atribuição de promover a assistência social às pessoas hipossuficientes, no caso, o Município de Canoas com apoio de outros órgãos estaduais/federais competentes”, registrou a magistrada.

A juíza julgou os pedidos do MPF improcedentes. Cabe recurso ao TRF4.

Ação Civil Pública nº 5037773-50.2021.4.04.7100/RS

TRF3: União e Estado devem fornecer medicamento a menor com déficit de crescimento

Para juiz federal, laudo médico judicial confirmou a indicação do tratamento.


A 4ª Vara Federal de Campinas/SP determinou que a União e o Estado de São Paulo forneçam, solidariamente, o medicamento “Somatropina Humana” a um adolescente com déficit de crescimento. A decisão é do juiz federal Valter Antoniassi Maccarone.

O magistrado considerou que a necessidade do fármaco e a incapacidade financeira do autor ficaram comprovadas.

“Cabe ao poder público garantir a saúde, de forma gratuita, aos que dela necessitem, mediante a provisão de tratamentos e fornecimento de medicamentos que não se limitam aos disponíveis, segundo os critérios da administração”, disse Valter Maccarone.

O caso

Conforme o processo, em 2018, o autor, de 16 anos, foi diagnosticado com déficit de crescimento. A altura do jovem não se encontrava nos parâmetros mínimos estabelecidos em tabela de referência para a idade. Com isso, o médico apontou a necessidade de iniciar o tratamento do paciente com somatropina.

Os pais do autor requereram o fornecimento do medicamento à farmácia do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, programa do Sistema Único de Saúde (SUS), em Valinhos/SP, e à Secretaria do Estado da Saúde. Os órgãos públicos argumentaram que o remédio não possuía indicação aprovada para o tratamento na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Após a negativa do pedido administrativamente, os pais do autor ajuizaram ação na Justiça Federal solicitando o fornecimento do remédio. Além disso, alegaram que o custo mensal para o tratamento era de R$ 5.021,85/mês, valor que o autor não conseguiria arcar.

Sentença

Ao analisar o caso, o juiz federal Valter Antoniassi Maccarone determinou a elaboração de laudo médico judicial. O documento do perito apontou que o autor possuía baixa estatura idiopática, com fises (placas de crescimento) ainda abertas, que poderiam se beneficiar com uso de somatropina.

O magistrado também ponderou sobre a capacidade financeira do autor de arcar com os custos do medicamento.

“Não há exigência de prova de miserabilidade ou pobreza, mas apenas de demonstração de incapacidade financeira do paciente para aquisição do medicamento, sem comprometimento de sua subsistência ou de sua família”, ponderou o juiz.

Assim, o magistrado entendeu que o autor faz jus a receber o remédio indicado pela perícia judicial e concluiu que “cumpre ao Estado o dever e a responsabilidade do seu fornecimento”.

Processo nº 5001743-84.2022.4.03.6105

TJ/AC: Animais de apoio emocional de pacientes devem ser autorizados em voos

Direito da autora de viajar com seu cão de apoio emocional está amparado pelo laudo médico que atesta a necessidade do animal para tratamento terapêutico, sendo compatível com o disposto no Código de Defesa do Consumidor”, registrou magistrado relator.

A 1ª Turma Recursal do Sistema de Juizados Especiais decidiu negar a apelação de uma empresa aérea, mantendo, assim, a obrigação da companhia a realizar transporte de animal de apoio emocional de uma paciente acometida de depressão e transtorno de ansiedade generalizada.

A decisão, de relatoria do juiz de Direito Cloves Augusto, publicada na edição nº 7.629 do Diário da Justiça eletrônico (DJe), considerou, entre outros, o direito constitucional de acesso e manutenção da saúde, as previsões do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no que diz respeito ao bem-estar dos adquirentes de produtos e serviços, além da não comprovação de afronta às regras de segurança em voos domésticos.

Entenda o caso

A companhia aérea foi obrigada por decisão judicial lançada pelo 1º Juizado Especial Cível (JEC) da Comarca de Rio Branco a realizar o transporte do cão de apoio emocional da autora da ação durante voos domésticos. A sentença foi fundamentada no direito constitucional à saúde, nas comprovadas condições médicas sofridas pela autora, bem como no fato de que o animal, ao contrário do alegado pela empresa, não representa risco à segurança dos voos.

Inconformada, a companhia aérea apelou à 1ª Turma Recursal do Sistema de Juizados Especiais, requerendo a reforma da sentença, sustentando que o peso do animal e da gaiola de transporte ultrapassam o limite de bagagem permitido nos voos, reiterando que a presença do cão de apoio emocional da autora representa risco à segurança das aeronaves.

Recurso rejeitado

Ao analisar o Recurso Inominado (RI), o juiz de Direito relator, Cloves Augusto, entendeu por rejeitar as alegações da empresa, sustentando que a empresa não comprovou, nos autos do processo, o alegado risco à segurança nos voos, em função da presença de animal de apoio transportado em gaiola de retenção.

O magistrado relator também destacou que o art. 6º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), prevê que os compradores de produtos e usuários de serviços têm direito garantido à “proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos” – o que, segundo o relator, se aplica ao caso da autora da ação.

“O direito da autora de viajar com seu cão de apoio emocional está amparado pelo laudo médico que atesta a necessidade do animal para o seu tratamento terapêutico, sendo compatível com o disposto no Código de Defesa do Consumidor quanto à proteção de sua saúde e integridade (CDC, art. 6º, I)”, registrou o juiz de Direito relator.

De maneira semelhante, o magistrado rechaçou a argumentação da empresa apelante, de que o peso do animal somado ao da caixa de transporte ultrapassa o limite permitido de bagagem, que atualmente é de 10 (dez) quilos, esclarecendo que, mesmo que o patamar de peso seja ultrapassado, o excesso não acontece de maneira desproporcional, nem desarrazoada.

“O peso do cão de apoio emocional (9 kg), ainda que somado ao da caixa de transporte, não extrapola de forma desproporcional o limite estabelecido pela companhia aérea, especialmente diante da relevância da condição médica da autora”, lê-se no voto do magistrado relator perante o Colegiado de juízes de Direito da 1ª TR.

Os demais membros da 1ª Turma Recursal do Sistema de Juizados Especiais acompanharam, à unanimidade, o voto do relator, mantendo, por consequência, a sentença lançada pelo 1º JEC da Comarca de Rio Branco inalterada por seus próprios fundamentos.

Recurso Inominado Cível n. 0005369-52.2023.8.01.0070

TJ/RN: Justiça bloqueia R$ 250 mil da conta de plano de saúde para garantir tratamento domiciliar de paciente com câncer

A 3ª Vara Cível de Mossoró/RN, determinou, por meio de uma decisão de antecipação de tutela, o bloqueio de R$ 251.700,00 na conta de um plano de saúde, para garantir seis meses de tratamento pelo regime de “home care” a uma paciente diagnosticada com câncer de tireoide, localizado na parte anterior do pescoço.

Conforme consta no processo, a paciente é portadora de “neoplasia da tireoide, por força do que está traqueostomizada, necessitando de tratamento domiciliar no formato de “home care”, tal como prescrito pelo seu médico assistente. Em razão disso, necessita de assistência por 24 horas de técnico de enfermagem, “além de consultas médicas, sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e insumos médicos”, para continuidade do tratamento.

Ao analisar o processo, o juiz Flávio Barbalho frisou que houve negativa da operadora de saúde em atender ao que foi solicitado pelo médico que acompanha a paciente, sendo oferecido “tratamento aquém do recomendado pelo laudo técnico”.

E explicou que eventuais ajustes nesse tratamento “deverão ser objeto de instrução probatória mais exauriente que em nada obsta o deferimento da tutela nos termos pleiteados”, pois considerou os laudos apresentados como “suficientes, ao menos neste juízo de cognição sumária, a imprimir a presunção de veracidade fática de toda a narrativa autoral”.

O juiz considerou ainda, diante do fato da autora da ação já está em tratamento de home care e à luz dos três orçamentos de serviços em condições semelhantes anexados ao processo, “razoável autorizar o imediato bloqueio, seguido de transferência para conta judicial, como forma de viabilizar a tutela deferida”.

Por fim, o magistrado esclareceu que deverá ser feita inicialmente a liberação do valor de “R$ 41.948,95, referente ao primeiro ciclo mensal, e, assim, sucessivamente” para liberação dos valores subsequentes, até completar os seis meses, mediante a apresentação da nota fiscal relativa “ao mês imediatamente anterior, para autorizar a expedição do correlato alvará”.

TJ/DFT: Administradora de cemitério é condenada por condicionar sepultamento a pagamento de débitos

A 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do DF manteve a sentença que condenou a Campo da Esperança Serviços LTDA por condicionar o sepultamento ao pagamento de débitos de manutenção. O colegiado observou que o acordo para quitação da dívida e o termo de fidelização foram realizados sob coação.

O autor conta que, em abril de 2007, em razão do falecimento do pai, assinou contrato particular de cessão e uso de jazigo, com prestação de serviço de manutenção e conservação com a ré. Relata que, no momento da negociação, não recebeu explicação sobre a cláusula do serviço de manutenção do jazigo. Ele conta que, ao buscar o serviço do réu para realizar o sepultamento da mãe em 2023, soube da existência de débitos relativos às taxas de manutenção vencidas e não pagas no valor total R$14.116,39. Diz que foi informado que só poderia usar o jazigo e depois da quitação da dívida. Relata que foi obrigado a firmar acordo extrajudicial no valor de R$3.500,00 e assinar um termo de fidelização pelo período de 12 meses. Pede a anulação do termo de fidelização e que o réu seja condenado ao indenizá-lo pelos danos sofridos.

Decisão do 2º Juizado Especial Cível de Taguatinga anulou o termo de fidelização e condenou o réu a devolver o valor pago no acordo judicial e a indenizá-lo pelos danos morais sofridos.

A Campo da Esperança recorreu. Informou que não houve exigência de pagamento para que o sepultamento da mãe do consumidor fosse realizado. Diz, ainda, que o serviço de manutenção do jazigo foi contratado em 2007 e devidamente prestado, razão pela qual o autor deve a quantia. Defende que a inexistência de danos morais.

Ao analisar o recurso, a Turma observou que as cláusulas do contrato assinado em 2007 são claras e de fácil compreensão e que, na ocasião, não houve nem violação ao direito de informação nem venda casada. O colegiado pontuou, no entanto, que o acordo para quitação da dívida e o termo de fidelização realizados em 2023 foram feitos sob coação, o que configura vício de consentimento previsto no artigo 151 do Código Civil.

“Em momento de extrema fragilidade o recorrente exigiu valores do recorrido que deveriam ser cobrados pelas vias ordinárias, exercendo pressão injusta sobre o recorrido, forçando-o, contra a sua vontade, a praticar os atos jurídicos”, disse, ressaltando que tanto a negociação para quitação do débito quanto o termo de fidelização devem ser anulados.

Quanto ao dano moral, o colegiado destacou que a situação ultrapassou os meros aborrecimentos cotidianos. “A exigência de pagamento de valores em momento de luto, sob pena de não sepultamento do ente querido, causou ainda mais dor e angústia ao recorrido em um momento de fragilidade emocional”, finalizou.

Dessa forma, a Turma manteve a sentença que condenou a Campo da Esperança a devolver o valor de R$ 3.500,00 e a pagar R$ 2.000,00 a título de indenização por danos morais. O Termo de Fidelização e a negociação foram anulados.

A decisão foi unânime.

Processo: 0722585-12.2023.8.07.0007

STF desobriga a União a adquirir medicamento para Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)

Suspensão não atinge liminares concedidas em favor de crianças com sete anos completos e que completem sete anos nos próximos seis meses.


A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender liminares que obrigavam a União a adquirir o medicamento Elevidys, indicado para o tratamento de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). A determinação valerá até a conclusão de uma conciliação em andamento. Uma nova audiência está marcada para a próxima segunda-feira (30), às 14h, na sala de sessões da Segunda Turma.

Decisões dos demais ministros do STF sobre o tema permanecem válidas, assim como liminares em favor de crianças com sete anos completos e de crianças que completem sete anos nos próximos seis meses.

Na sessão virtual encerrada em 13/9, o colegiado seguiu o voto do ministro Gilmar Mendes, que reiterou os fundamentos de sua decisão individual tomada na Petição (PET) 12928. Ele explicou que a medida não visa revogar as liminares concedidas, mas apenas suspendê-las até a conclusão das negociações entre a União e o laboratório Roche Brasil, responsável pela medicação.

Segundo Mendes, eventual acordo poderá beneficiar não apenas os autores das ações em andamento, mas todas as crianças portadoras de Distrofia Muscular de Duchenne no país.

Medicação e contas públicas
O relator ressaltou que o Judiciário, em casos como esse, deve agir com responsabilidade e cautela, buscando, de um lado, garantir o acesso às terapias adequadas para o tratamento de doenças graves e, por outro, manter o equilíbrio das contas públicas. O Elevidys é apontado como uma esperança de tratamento avançado para crianças com DMD, mas custa R$ 17 milhões por aplicação. Em seu entendimento, as negociações entre a farmacêutica Roche Brasil e a União podem construir um acordo sobre preço e condições de aquisição do medicamento.

No entanto, o ministro observou que, segundo a Anvisa, o registro do Elevidys foi pedido pela farmacêutica para pacientes ambulatoriais na faixa etária de quatro a sete anos de idade. Em razão disso, a suspensão não alcança as liminares concedidas em favor de crianças que completem sete anos nos próximos seis meses nem em favor das que já completaram sete anos. “A suspensão cautelar não pode alcançar as crianças que possam ser prejudicadas pela janela de aplicação prevista pela Anvisa”, afirmou.

TRF3: Aposentado com insuficiência renal crônica obtém isenção de imposto de renda

A 22ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP confirmou o direito de um aposentado com doença renal crônica à isenção do imposto de renda sobre os proventos. A sentença do juiz federal José Henrique Prescendo estendeu a não incidência do tributo sobre a previdência privada do autor, oriunda do Fundo Banespa de Seguridade Social.

O magistrado ratificou decisão proferida em antecipação de tutela e afirmou que não foram apresentados, no processo, elementos capazes de alterar seu entendimento.

Na ação, o aposentado argumentou que o diagnóstico de insuficiência renal crônica lhe assegura o direito ao não recolhimento do imposto de renda sobre a aposentadoria.

O magistrado acolheu o pedido. “Os rendimentos recebidos por portadores de nefropatia grave estão isentos do recolhimento de imposto de renda”.

O juiz federal observou que há jurisprudência consolidada também no sentido da não incidência de imposto também sobre a previdência complementar.

A sentença determinou que a União restitua os valores descontados indevidamente a partir da data do diagnóstico da enfermidade, atualizados pela taxa SELIC.

Processo nº 5023628-38.2023.4.03.6100

STF: Testemunhas de Jeová têm direito de recusar procedimento que envolva transfusão de sangue

Para o Tribunal, a liberdade religiosa de uma pessoa pode justificar o custeio de tratamento de saúde diferenciado pelo poder público.


O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, nesta quarta-feira (25), que a liberdade religiosa de uma pessoa pode justificar o custeio de tratamento de saúde diferenciado pelo poder público. Por unanimidade, ficou decidido que Testemunhas de Jeová, adultas e capazes, têm o direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue. Também decidiram que o Estado tem a obrigação de oferecer procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), ainda que seja necessário recorrer a estabelecimentos em outras localidades.

Segundo o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, o resultado do julgamento reafirma a posição do Supremo em favor da liberdade religiosa, compatibilizando-a com os direitos constitucionais à vida e à saúde.

A decisão se deu nos Recursos Extraordinários (REs) 979742 e 1212272, de relatoria dos ministros Barroso e Gilmar Mendes, respectivamente. A posição do Plenário foi de que o direito à liberdade religiosa exige que o Estado garanta as condições adequadas para que as pessoas vivam de acordo com os ritos, cultos e dogmas de sua fé, sem coerção ou discriminação. As teses fixadas são de repercussão geral e devem ser aplicadas em todas as instâncias.

A opção pelo tratamento alternativo deve ser tomada de forma livre, consciente e informada sobre as consequências e abrange apenas o paciente. Quando estiver em jogo o tratamento de crianças e adolescentes, deve prevalecer o princípio do melhor interesse para a saúde e a vida desse grupo – ou seja, a liberdade religiosa não autoriza que pais impeçam o tratamento médico de filhos menores de idade.

Casos concretos
No Recurso Extraordinário (RE) 979742, a União recorre de decisão que a condenou, junto com o Estado do Amazonas e o Município de Manaus, a arcar com toda a cobertura médico-assistencial de uma cirurgia de artroplastia total em outro estado para a paciente, uma vez que o procedimento sem uso de transfusão de sangue não é ofertado no Amazonas.

Em relação ao Recurso Extraordinário (RE) 1212272, o caso é de uma paciente encaminhada para a Santa Casa de Maceió para uma cirurgia de substituição de válvula aórtica. O procedimento foi rejeitado após ela se negar a assinar um termo de consentimento caso precisasse receber transfusões de sangue.

Teses
As teses de repercussão geral fixada são as seguintes:

RE 979742

1 – Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.

2 – Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.

RE 1212272

1 – É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, recursar-se a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por motivos religiosos é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade.

2 – É possível a realização de procedimento médico disponibilizado a todos pelo Sistema Único de Saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente.

STJ: Preso é obrigado a fornecer material genético para banco de DNA

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus a um condenado que não queria fornecer material biológico para armazenamento no banco genético de perfis criminais, conforme disposto no artigo 9º-A da Lei de Execução Penal.

O processo chegou ao STJ após o tribunal local não ter concedido o habeas corpus sob o fundamento de que o material biológico não servirá para produção de prova no processo contra o paciente, que já foi concluído, embora possa vir a ser usado em eventuais processos futuros, até mesmo como prova de inocência.

Segundo a defesa, a determinação para o preso ser submetido à coleta forçada de material biológico seria uma ofensa à dignidade da pessoa humana e à intimidade, além de violar os princípios da autonomia da vontade, da presunção de inocência e da vedação à autoincriminação

DNA poderá ser usado apenas em investigações futuras
O relator no STJ, ministro Sebastião Reis Junior, destacou que, não havendo crime em apuração, o fornecimento do perfil genético não ocasiona produção de prova contra o apenado. Segundo ressaltou, a exigência legal busca aumentar o caráter de prevenção especial negativo da pena.

“Não há que falar em obrigatoriedade de produção de provas de crime ainda não ocorrido, futuro e incerto”, completou.

O relator frisou que o direito de não ser obrigado a produzir provas contra si tem limitações no ordenamento jurídico. Ele apontou exceções, como a desobediência diante de ordem de parada do policiamento ostensivo e a autoatribuição de falsa identidade.

Por outro lado, o ministro lembrou que existem situações em que a vedação à autoincriminação se aplica, como no caso de realização do teste de bafômetro, de depoimento – mesmo na condição de testemunha – quando isso puder incriminar o depoente, ou, ainda, de fornecimento de padrões vogais ou gráficos para exame pericial.

Material genético amplia a qualificação do indivíduo
O ministro enfatizou que a identificação do perfil genético é uma ampliação da qualificação do apenado, possível devido ao avanço tecnológico, podendo ser utilizada como elemento de prova para crimes futuros.

Para Sebastião Reis Junior, a obrigatoriedade do fornecimento de material biológico constitui um procedimento de classificação, individualização e identificação do indivíduo, e a negativa de se submeter à coleta seria o mesmo que recusar o fornecimento de impressões digitais nos procedimentos papiloscópicos dos institutos de identificação.

O relator explicou que a utilização do material genético como prova de fatos anteriores à determinação de seu fornecimento poderia violar o princípio que veda a autoincriminação, mas isso não está em discussão no caso.

O ministro comentou, por fim, que o Tema 905 do Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a constitucionalidade da exigência de fornecimento do perfil genético, encontra-se pendente de julgamento.

Veja a decisão.
Processo: HC 879757

STJ: Morte simultânea de segurado e herdeira não afasta direito dos filhos dela à divisão do seguro

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no contrato de seguro de vida que não elenca os beneficiários da indenização, a comoriência (presunção de morte simultânea) do segurado e da pessoa que seria sua herdeira não afasta o direito de representação dos filhos dessa herdeira, nos termos dos artigos 1.851 a 1.854 do Código Civil.

Segundo o colegiado, o direito de representação se destina a proteger o interesse dos filhos que perderam precocemente seus pais. “A questão ganha ainda mais relevo quando os que pleiteiam o direito de representação são crianças e adolescentes – inseridos na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, conforme reconhecido pelo artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e cuja proteção deve ser garantida com absoluta prioridade pela família, pela sociedade e pelo Estado (artigo 227 da Constituição)”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora.

De acordo com o processo, o titular do seguro de vida – que não tinha cônjuge, pais vivos ou filhos – faleceu em um acidente de trânsito junto com a sua irmã, que tinha dois filhos. Como o contrato de seguro não indicava beneficiários, a seguradora pagou a indenização integralmente para a única irmã viva do segurado, sua herdeira colateral.

Como consequência, os filhos menores da irmã falecida ingressaram com ação e alegaram que a indenização deveria ser dividida entre eles e a tia. O pedido foi acolhido em primeiro grau, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), segundo o qual não haveria transmissão de direitos entre parentes que morreram na mesma ocasião.

Na representação, herdeiros mais próximos concorrem com os de grau mais distante
A ministra Nancy Andrighi explicou que, embora o capital garantido pelo seguro de vida não seja considerado herança, um dos principais critérios utilizados pela legislação brasileira, em caso de omissão contratual a respeito dos beneficiários, é a ordem de vocação hereditária.

Ela destacou que, nos termos do artigo 1.829 do Código Civil, a sucessão legítima observa a seguinte ordem: 1º) descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se o cônjuge for casado com o falecido em comunhão universal, ou com separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o falecido não deixar bens particulares; 2º) ascendentes, em concorrência com o cônjuge; 3º) cônjuge sobrevivente; e 4º) colaterais.

Entretanto, a relatora lembrou que há uma hipótese excepcional de sucessão por direito de representação, na qual a lei chama determinados parentes do herdeiro falecido para receberem todos os direitos que ele receberia se estivesse vivo.

“Pelo direito de representação, herdeiros de grau mais próximo concorrerão com os de grau mais distante, que receberão a herança na qualidade de representantes daquele que, se vivo fosse, seria herdeiro daquele grau mais próximo”, completou.

Legislação não prevê que comoriência afaste direito de representação
Segundo Nancy Andrighi, embora não seja a hipótese mais comum, é possível que o direito de representação ocorra no caso das mortes simultâneas do representado e do autor da herança. A ministra enfatizou que a legislação brasileira não estabelece que a situação de comoriência afastaria o direito de representação.

“O filho que perdeu prematuramente seu pai antes do seu avô, por exemplo, encontra-se em uma situação em tudo similar à do filho que perdeu o pai e o avô em um mesmo acidente de trânsito”, disse ela.

No caso dos autos, a ministra comentou que, se a mãe tivesse morrido segundos antes do segurado, não haveria dúvidas quanto ao direito de representação dos filhos, ao passo que, caso a morte do segurado ocorresse antes, a mãe dos menores receberia – em concorrência com a outra irmã – parte do valor da indenização, a qual seria repassada a título de herança para os recorrentes.

“Ao se presumir a morte simultânea (comoriência), não se pode conferir uma interpretação dos artigos 1.851 ao 1.854 do Código Civil apta a gerar a injusta situação em que os recorrentes não teriam direito a nada e que caberia à irmã viva o valor integral do seguro”, concluiu a ministra ao restabelecer a sentença.

Veja o acórdão
Processo nº REsp 2.095.584.


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