STJ reconhece validade de exclusão de coberturas prevista em contrato de seguro

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial por meio do qual a Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec), alegando seu caráter abusivo, pretendia anular as cláusulas que reduziram a cobertura de um contrato de seguro de vida em grupo.

O contrato previa garantia adicional para invalidez por acidente – mas com exclusão da cobertura nas hipóteses de acidente decorrente de hérnia, parto, aborto, perturbações e intoxicações alimentares ou choque anafilático. Por unanimidade, o colegiado considerou que essas limitações de cobertura não contrariam a natureza do contrato nem esvaziam seu objeto; apenas delimitam as hipóteses de não pagamento da indenização.

Relator do recurso, o ministro Antonio Carlos Ferreira afirmou que é da própria natureza do contrato de seguro que sejam previamente estabelecidos os riscos cobertos, a fim de que exista o equilíbrio atuarial entre o valor pago pelo consumidor e a indenização de responsabilidade da seguradora, caso ocorra o sinistro.

Na ação civil pública que deu origem ao recurso, a Anadec alegou que, ao fazer um seguro desse tipo, o consumidor, parte mais vulnerável, tem em mente o que o senso comum considera situações acidentais; no entanto, nas minúcias do contrato, muitas delas estão excluídas da cobertura.

Liberdade negocial e autonomia privada
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que a conduta da seguradora não foi abusiva, uma vez que a exclusão dos riscos estava expressamente prevista nas condições gerais do contrato.

Segundo o ministro Antonio Carlos Ferreira, é assegurada a revisão judicial do contrato de seguro quando verificada a existência de cláusula abusiva, imposta unilateralmente pelo fornecedor, que contrarie a boa-fé objetiva ou a equidade, promovendo desequilíbrio contratual e oneração excessiva ao consumidor, como nas hipóteses do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Porém, ele afirmou que, não sendo configurado o abuso, deve ser prestigiada a liberdade negocial, consequência primordial da autonomia privada. De acordo com o relator, a exclusão de restrições de cobertura pela Justiça pode ocasionar o desequilíbrio econômico do contrato (artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Cláusulas restritivas são inerentes ao contrato de seguro
Antonio Carlos Ferreira explicou que a delimitação, pelo segurador, dos riscos a serem cobertos é inerente à natureza jurídica do contrato de seguro, conforme os artigos 757 e 760 do Código Civil. Ele também lembrou que a jurisprudência do STJ considera ser da essência do contrato de seguro essa delimitação de riscos (REsp 1.782.032).

“O próprio Código de Defesa do Consumidor permite a inserção de cláusula limitativa de direito em contrato de adesão, apenas exigindo que seja redigida com destaque (artigo 54, parágrafo 4º, do CDC), o que foi plenamente atendido, segundo o acórdão recorrido”, afirmou o ministro.

Intervenção mínima do Estado
O relator destacou, ainda, que o artigo 421, parágrafo único, do Código Civil estabelece a prevalência da intervenção mínima do Estado e a excepcionalidade da revisão dos contratos na esfera do direito privado, e que o artigo 2º, inciso III, da Lei 13.874/2019 enfatiza a necessidade de observância do princípio da intervenção subsidiária e excepcional sobre as atividades econômicas.

Segundo o magistrado, o eventual caráter abusivo de uma cláusula limitativa de cobertura deve ser examinado em cada caso específico, pontualmente, levando em conta aspectos como o valor da mensalidade do seguro em comparação com os preços de mercado, as características do consumidor, os efeitos da inclusão de novos riscos nos cálculos atuariais e a transparência das informações no contrato.

O que não se pode – concluiu, ao confirmar o acórdão do TJSP – é alterar o contrato com base apenas na alegação hipotética e genérica de prejuízo ao consumidor, relatada ao Poder Judiciário de forma abstrata, sob a vaga alegação de abuso da posição dominante da seguradora.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.358.159 – SP (2012/0261526-2)

STJ: Prazo para pagamento de credores trabalhistas tem início após a concessão da recuperação judicial

O prazo de um ano para pagamento dos credores trabalhistas pelo devedor em recuperação judicial – previsto no artigo 54 da Lei 11.101/2005 – tem como marco inicial a data da concessão da recuperação, pois essa é a interpretação lógico-sistemática da legislação especializada em relação ao cumprimento de todas as obrigações previstas no plano de soerguimento. Exceções a esse marco temporal estão previstas na própria Lei de Falência e Recuperação de Empresas (LFRE) –, mas não atingem as obrigações de natureza trabalhista.

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) segundo o qual o prazo para pagamento dos credores trabalhistas deveria ser contado ou a partir da homologação do plano de recuperação ou logo após o término do prazo de suspensão previsto no artigo 6º, parágrafo 4º, da LFRE – o que ocorrer primeiro.

De acordo com o artigo 6º – conhecido como stay period –, após o deferimento do processamento da recuperação judicial, devem ser suspensos por 180 dias procedimentos como as execuções ajuizadas pelo devedor e eventuais retenções, penhoras ou outras constrições judiciais contra o titular do pedido de recuperação.

Liberdade para negociar, mas com limites
A relatora do recurso especial do devedor, ministra Nancy Andrighi, explicou que a liberdade de acordar prazos de pagamento é orientação que serve de referência à elaboração do plano de recuperação. Entretanto, para evitar abusos, a ministra apontou que a própria LFRE criou limites à deliberação do devedor e dos credores em negociação.

Entre esses limites, prosseguiu a relatora, está exatamente a garantia para pagamento privilegiado dos créditos trabalhistas, tendo em vista a sua natureza alimentar.

Apesar do estabelecimento legal do período de um ano para pagamento desses créditos, Nancy Andrighi reconheceu que a LFRE não fixou um marco inicial para contagem desse prazo, mas a maior parte da doutrina entende que deva ser a data da concessão da recuperação judicial.

Novação dos créditos com a concessão da recuperação
Em reforço dessa posição, a ministra destacou que o início do cumprimento das obrigações previstas no plano de recuperação – entre elas, o pagamento de créditos trabalhistas – está vinculado, em geral, à concessão judicial do soerguimento, a exemplo das previsões trazidas pelos artigos 58 e 61 da LFRE.

Segundo a relatora, quando a lei quis estabelecer que a data de determinada obrigação deveria ser cumprida a partir de outro marco inicial, ela o fez de modo expresso, como no artigo 71, inciso III, da LFRE.

“Acresça-se a isso que a novação dos créditos existentes à época do pedido (artigo 59 da LFRE) apenas se perfectibiliza, para todos os efeitos, com a prolação da decisão que homologa o plano e concede a recuperação, haja vista que, antes disso, verificada uma das situações previstas no artigo 73 da LFRE, o juiz deverá convolar o procedimento recuperacional em falência”, completou a ministra.

Garantia de preservação da empresa
De acordo com a relatora, ao concluir que o prazo de pagamento das verbas trabalhistas deveria ter início após o stay period, o TJSP compreendeu que, após esse período de suspensão, estaria autorizada a retomada da busca individual dos créditos contra a empresa em recuperação.

Entretanto, Nancy Andrighi enfatizou que essa orientação não encontra respaldo na jurisprudência do STJ, que possui o entendimento de que o decurso da suspensão não conduz, de maneira automática, à retomada da cobrança dos créditos, tendo em vista que o objetivo da recuperação é garantir a preservação da empresa e a manutenção dos bens essenciais à sua atividade.

“A manutenção da solução conferida pelo acórdão recorrido pode resultar em prejuízo aos próprios credores a quem a lei procurou conferir tratamento especial, haja vista que, diante dos recursos financeiros limitados da recuperanda, poderão eles ser compelidos a aceitar deságios ainda maiores em razão de terem de receber em momento anterior ao início da reorganização da empresa”, concluiu a ministra ao reformar o acórdão do TJSP.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.924.164 – SP (2021/0054433-3)

STJ: Contrato de franquia não assinado é válido se o comportamento das partes demonstrar aceitação do negócio

É válido o contrato de franquia, ainda que não assinado pela franqueada, quando o comportamento das partes demonstra a aceitação tácita do acordo.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou válido o contrato firmado entre uma franqueadora de intercâmbio esportivo e uma franqueada – que não assinou o documento –, para em seguida confirmar a sua rescisão por descumprimento.

A ação rescisória foi ajuizada pela franqueadora. O juízo de primeiro grau rejeitou a alegação de nulidade do contrato e declarou rescindida a franquia por culpa da franqueada, com aplicação de multa e indenização por perdas e danos. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) confirmou a existência e a validade da relação de franquia entre as partes, mantendo a sentença.

No recurso especial submetido ao STJ, a franqueada alegou que o contrato seria nulo devido à inobservância da forma escrita exigida pelo artigo 6º da Lei 8.955/1994 (revogada pela Lei 13.966/2019). Ante essa suposta invalidade, argumentou que o contrato seria incapaz de gerar obrigações às partes e pediu a reforma do acórdão do TJDFT.

Princípio da liberdade de forma
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico brasileiro, vigora, segundo ela, o princípio da liberdade de forma (artigo 107 do Código Civil).

Isso significa, frisou Nancy Andrighi, que, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (artigo 111 do Código Civil).

“A manifestação de vontade tácita configura-se pela presença do denominado comportamento concludente; ou seja, quando as circunstâncias evidenciam a intenção da parte de anuir com o negócio. A análise da sua existência dá-se por meio da aplicação da boa-fé objetiva na vertente hermenêutica”, declarou.

Negócio jurídico baseado na confiança
Na hipótese analisada, segundo a relatora, mesmo ausente a assinatura no acordo de franquia, a sua execução por tempo considerável configurou verdadeiro comportamento concludente, por exprimir a aceitação tácita das partes com as condições acordadas.

Para a magistrada, a exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio. Por essa razão, caso a forma prescrita em lei não seja assumida na declaração das partes, é cominada pena de nulidade ao negócio jurídico (artigo 166, IV, do Código Civil).

Todavia, no entender de Nancy Andrighi, a alegação de nulidade pode se revelar abusiva por contrariar a boa-fé objetiva na sua função limitadora do exercício de direito subjetivo ou mesmo redutora do rigor da lei.

Segundo a ministra, a conservação do negócio jurídico significa dar primazia à confiança provocada na outra parte da relação contratual.

O processo mostra que a franqueadora enviou o instrumento contratual de franquia à franqueada. Esta, embora não tenha assinado e restituído o documento àquela, colocou em prática os termos contratados, tendo recebido treinamento, utilizado a marca e instalado a franquia. Inclusive, pagou à franqueadora as prestações estabelecidas no contrato – lembrou a relatora.

“Assim, a alegação de nulidade por vício formal configura-se comportamento contraditório com a conduta praticada anteriormente”, ressaltou.

Veja o acórdão.
Processo n° 1881149 – DF (2019/0345908-4)

STJ: Pela natureza executória, cabe à Justiça apreciar ação de despejo mesmo quando há compromisso arbitral

​Por unanimidade, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em razão de sua natureza executória, é da competência do juízo estatal a ação de despejo por falta de pagamento, mesmo quando existir compromisso arbitral firmado entre as partes.

Na controvérsia analisada pelo colegiado, um shopping center ajuizou ação de despejo por falta de pagamento contra uma empresa locatária. Além de parar de pagar, a empresa teria abandonado o imóvel locado em 17 de junho de 2010, acumulando-se uma dívida de R$ 182 mil.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a sentença que declarou o contrato de locação rescindido. A corte estadual afastou a competência do juízo arbitral sob o fundamento de que, por estar resolvido o contrato de pleno direito, em razão do abandono do imóvel, teria sido superada a necessidade de apresentação do objeto do litígio ao árbitro, estando exaurido o seu conteúdo.

Ao STJ, a locatária sustentou que as partes celebraram expressamente o compromisso de submeter ao juízo arbitral todos os litígios decorrentes do contrato, renunciando ao direito de recorrer ao Poder Judiciário.

Cláusula arbitral tem força vinculante
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, explicou que a jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que, por acordo de vontades, as partes podem subtrair do Judiciário a solução de determinadas questões, submetendo-as aos árbitros (REsp 1.331.100).

O magistrado destacou que, na hipótese analisada, a controvérsia surgiu exatamente pela previsão, no contrato, de cláusula estabelecendo que a solução das demandas ocorreria na instância arbitral, regida pela Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996).

Para Salomão, a cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo a competência do juízo arbitral eleito para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais sobre os quais os litigantes possam dispor – o que revoga a jurisdição estatal.

Árbitro não tem poder coercitivo direto
Todavia, ressalvou o ministro, embora a convenção arbitral exclua a apreciação do Judiciário, tal restrição não se aplica aos processos de execução forçada, pois os árbitros não têm poder para a prática de atos executivos – como afirmam vários precedentes do tribunal.

“Especificamente em relação ao contrato de locação e à sua execução, a Quarta Turma do STJ decidiu que, no âmbito do processo executivo, a convenção arbitral não exclui a apreciação do magistrado togado, já que os árbitros não são investidos do poder de império estatal para a prática de atos executivos, não tendo poder coercitivo direto”, destacou o relator.

Ação de despejo
No caso julgado, segundo Salomão, não se tratou propriamente de execução de contrato de locação, mas de ação de despejo por falta de pagamento e imissão na posse em razão do abandono do imóvel. Mesmo assim, ressaltou, não é possível designar a competência ao juízo arbitral.

Despejo é ação executiva lato sensu
“A ação de despejo tem o objetivo de rescindir a locação, com a consequente devolução do imóvel ao locador ou proprietário, sendo enquadrada como ação executiva lato sensu, à semelhança das possessórias”, observou o magistrado.

“Diante da sua peculiaridade procedimental e sua natureza executiva ínsita, com provimento em que se defere a restituição do imóvel, o desalojamento do ocupante e a imissão na posse do locador, não parece adequada a jurisdição arbitral para decidir a ação de despejo”, acrescentou.

Assim, o relator negou provimento ao recurso especial – por fundamento diverso do adotado pelo acórdão do TJSP – e reconheceu a competência exclusiva do juízo togado para apreciar a ação de despejo, “haja vista a natureza executória da pretensão”.​

TRF1: Prestação de serviços postais por empresa privada configura violação ao monopólio postal

Por entender que a contratação de empresa privada para entrega de comunicados, boletos de cobrança, cartões, entre outros, configura violação ao monopólio postal, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que julgou procedente o pedido da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) para impedir que as rés continuem a praticar atos atentatórios a esse monopólio.

A entidade comercial apelante firmou contrato com a empresa de entregas, também apelante, para proceder à entrega de cobranças de mensalidades e outros impressos.

As apelantes recorreram da sentença alegando que entregas de boletos de mensalidade, panfletos, comunicados e impressos em geral e serviços de encomendas rápidas não ofende o texto constitucional que assegura, no art. 21, X, a competência da União na manutenção do serviço postal, e que as entregas não se enquadram no conceito de carta, previsto na Lei 6.538/1978. Ressaltaram ainda a importância da livre iniciativa e da concorrência para o desenvolvimento da economia.

A empresa contratada para efetuar as entregas requereu, ainda, o benefício de justiça gratuita.

Ao analisar o processo, o relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro, destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 46/DF (ADPF 46/DF), entendeu que a Lei 6.538/1978 é compatível com a Constituição, notadamente aquelas que estabelecem o privilégio na prestação do serviço postal por parte da ECT. A decisão do STF também afastou as alegações de violação aos princípios da livre iniciativa e da liberdade de exercício profissional.

Concluindo, o magistrado votou pela manutenção da improcedência da concessão de justiça gratuita formulado pela empresa de entregas, salientando que “é necessário que a pessoa jurídica efetivamente comprove a alegada hipossuficiência financeira”, o que não foi alcançado pela apelante.

A decisão do Colegiado foi unânime, nos termos do voto do relator.

Processo n° 0036848-33.2001.4.01.3800

STJ: É desnecessária a intimação pessoal de devedor assistido pela Defensoria sobre alienação judicial

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por devedora que alegou a necessidade de intimação pessoal acerca de leilão para alienação judicial de bem penhorado. Por unanimidade, o colegiado considerou suficiente a intimação da Defensoria Pública, que foi constituída nos autos como representante da devedora.

Relator do recurso, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que, embora a regra do artigo 186, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil de 2015 preveja a intimação direta da parte a pedido da Defensoria, o artigo 889, inciso I, do CPC/2015 traz norma específica sobre a possibilidade de o executado ser cientificado da alienação judicial por meio de advogado, salvo se não tiver procurador constituído.

“Basta a intimação do advogado do devedor para cumprir a exigência processual referente ao prévio conhecimento da praça pública do imóvel. Apenas se não houver procurador constituído nos autos, a norma impõe a notificação direta do executado. Nesse contexto, a mesma regra vale para a parte representada pela Defensoria Pública”, apontou o ministro.

O imóvel da devedora foi arrematado em leilão para saldar dívida reconhecida em ação de cobrança. Contudo, ela argumentou que a comunicação sobre a realização do ato por meio da Defensoria seria inválida, pois o defensor público não poderia receber a intimação para atos cuja finalidade somente pode ser cumprida pelo executado.

Efetividade e razoável duração do processo
Ainda segundo a devedora, a atuação do defensor público não se confunde com a do advogado, que recebe a outorga de poderes por meio de instrumento contratual, de forma que o defensor, por não ser contratado, não pode ser considerado mandatário.

Para ela, a intimação da parte na pessoa do seu procurador, para atos de natureza pessoal, seria cabível apenas quando ele fosse mandatário, situação diversa do vínculo com a Defensoria, o qual tem natureza público-institucional.

O ministro Villas Bôas Cueva apontou jurisprudência do STJ no sentido de que a decisão que determina o pagamento não exige, por si só, a intimação pessoal do devedor, bastando a ciência do advogado ou do defensor público. Nesses precedentes, apontou o relator, entendeu-se que exigir a intimação pessoal do devedor na fase de cumprimento de sentença, mesmo quando esteja representado pela Defensoria, é propiciar um retrocesso e impedir que sejam atingidos os objetivos de celeridade e de efetividade processual.

“Antes de haver a alienação judicial, o devedor já teve várias oportunidades de evitar que o seu bem respondesse pela dívida cobrada, inclusive quando teve início a fase de cumprimento de sentença. Exigir, em fase avançada do processo, a comunicação pessoal do executado a respeito do leilão, quando a norma específica prescreve apenas a intimação na pessoa do advogado – ou defensor público –, viola, em tese, os princípios da celeridade e da razoável duração do processo”, afirmou o relator.

Previsão expressa de intimação pessoal do devedor
De acordo com Villas Bôas Cueva, o CPC/2015 estipula expressamente as situações nas quais existe a necessidade de intimação do próprio devedor, ainda que esteja representado pela Defensoria – caso do cumprimento de sentença que reconhece o dever de pagar quantia e do procedimento de adjudicação do bem penhorado.

O relator explicou que, na hipótese de leilão judicial, de acordo com o código processual, o executado será cientificado por meio do seu advogado, de maneira que basta a intimação do representante do devedor para cumprir a exigência legal de prévio conhecimento do ato de alienação. A mesma regra vale para a parte representada pela Defensoria Pública, disse o relator.

“Ainda que o artigo 186, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil de 2015 preveja a possibilidade de intimação direta da parte, tal dispositivo não se aplica à hipótese de comunicação prévia da data referente à alienação judicial, cuja ciência será dada ao advogado do devedor ou à Defensoria Pública responsável pelo patrocínio do executado”, concluiu o ministro.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.840.376 – RJ (2019/0289687-4)

TJ/DFT: Empresa não pode ser responsabilizada por ”Phishing” praticado em seu nome

A 3a Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, por unanimidade, negou provimento ao recurso interposto pela parte autora e manteve a sentença do 1º Juizado Especial Cível de Ceilândia, que julgou improcedente o pedido para responsabilizar empresa responsável pelo site das Lojas Americanas pela compra de um aparelho de ar condicionado que nunca foi entregue.

O autor ingressou com ação contra a empresa B2W Companhia Digital – Lojas Americanas, narrando que efetuou a compra de um aparelho de ar condicionado, pelo site da ré, que se comprometeu a enviá-lo no prazo de 10 dias. Contou que, após realizar o pagamento por boleto bancário, seu pedido foi confirmado por email. Todavia, passado mais de 1 ano da compra, ainda não recebeu o produto. Diante do ocorrido, requereu judicialmente que a empresa fosse condenada a entregar o aparelho, bem como a indenizá-la por danos morais.

A ré sustenta que não participou da negociação e que não há registro do pedido de compra em seus cadastros. Argumenta que o autor foi vitima de golpe conhecido como “Phishing ”, no qual os fraudadores se utilizam de ofertas falsas para atrair desavisados para site que aparenta ser de uma empresa conhecida, momento em que são induzidos a pensarem que estão em ambiente virtual seguro para prosseguir na compra. Também alegou não poder ser responsabilizada pelo ocorrido, devido à culpa exclusiva do autor, pois efetuou o pagamento mesmo verificando que e-mail de confirmação, bem como o boleto de pagamento, estavam em nomes totalmente diversos do site de compras.

Ao sentenciar, a juíza explicou que o autor foi vitima de golpe praticado por terceiro, pois restou comprovado que o boleto de cobrança não foi emitido pela ré e foi direcionado à pessoa de Kairo Sousa Silva. Destacou que a fraude é de fácil percepção devido ao valor do produto ser muito inferior ao preço praticado no mercado, além da divergência entre o nome do site e o e-mail de confirmação “contato@megaofertas72h.com”.

Inconformado, o autor recorreu. Contudo, os magistrados entenderam que o sentença devia ser integralmente mantida e ressaltaram: “Indiscutível a culpa do consumidor que efetuou o pagamento do boleto, sem verificar a veracidade, pois revela a falta dos deveres de prudência, precaução e cautela mínima esperados do homem médio diante de qualquer situação ou circunstâncias”.

Pje2: 0725982-96.2020.8.07.0003

STJ: Na cobrança de seguro-garantia, não cabe denunciação da lide ao fiador do contrato de contragarantia

No caso de seguro-garantia, é incabível a denuncia​ção da lide pela seguradora àquele que, em contrato de contragarantia, assumiu a posição de fiador, para o fim de ressarcir o pagamento de eventual indenização securitária.

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as relações jurídicas estabelecidas pela seguradora com o segurado são autônomas em relação àquelas mantidas com o tomador/garantidor; o direito de regresso da seguradora pode ser posteriormente exercido em ação distinta; e a denunciação inaugura lide incidental capaz de tumultuar o processo principal.

Com base nesse entendimento, por unanimidade, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para indeferir a litisdenunciação dos fiadores do contrato de contragarantia firmado entre a seguradora e uma usina.

Cobrança de indenização contra a seguradora
Segundo os autos, uma cooperativa de produtores de cana-de-açúcar ajuizou ação de cobrança de indenização securitária contra uma companhia de seguros. No pacto firmado entre a seguradora e a cooperativa, foi coberto o risco do não cumprimento de cinco diferentes contratos de entrega futura, celebrados entre a cooperativa e três de suas cooperadas.

As usinas cooperadas, por sua vez, firmaram com a seguradora, na condição de tomadoras, contratos de contragarantia. Ainda na vigência dos contratos de entrega futura, garantidos pela empresa de seguros, as usinas tomadoras requereram recuperação judicial e o desligamento da cooperativa, o que fez com que se antecipasse o vencimento das obrigações.

Ao julgar a ação de cobrança do seguro, o juízo de primeiro grau deferiu o pedido de denunciação da lide aos fiadores do contrato de contragarantia firmado entre a seguradora e uma das usinas tomadoras.

O TJSP confirmou a sentença, entendendo que seria suficiente para justificar a denunciação da lide a existência do contrato de contragarantia, tendo como base o artigo 70, III, do Código de Processo Civil de 1973.

No recurso especial submetido ao STJ, a cooperativa alegou que a matéria em discussão é fundada em contrato de seguro-garantia, e não em fiança dada por terceiros em contragarantia a apenas uma das partes. Pleiteou, portanto, a rejeição da litisdenunciação dos fiadores do contrato de contragarantia.

Cumprimento das obrigações assumidas com o segurado
Segundo o relator do caso, ministro Moura Ribeiro, o objetivo do seguro-garantia é assegurar o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador, que é quem contrata o seguro perante o segurado, o qual, por sua vez, será o beneficiário da indenização securitária.

O ministro explicou que o contrato de contragarantia é o pacto previamente firmado entre a seguradora e o tomador (contratado), por força do qual este e seus eventuais fiadores ratificam a obrigação de ressarcir os danos causados, indenizando a seguradora pelos valores desembolsados com o pagamento do seguro, tudo a fim de autorizar a emissão da apólice que regulará a relação entre o segurado e a seguradora.

Moura Ribeiro destacou que, conforme precedentes do STJ, a denunciação da lide somente se torna obrigatória quando a omissão da parte implica a perda do seu direito de regresso, hipótese não retratada no inciso III do artigo 70 do CPC/1973 (REsp 1.635.636).

“A relação segurado-seguradora é independente da relação tomador-seguradora, havendo apenas subordinação por um ou mais fatos (ou condições ou motivos), que dão à seguradora o direito de acionar o tomador para ressarci-la quando esta pagar ao segurado os prejuízos por ele sofridos em razão do inadimplemento do tomador”, afirmou.

No entender do magistrado, apesar do contrato de contragarantia, com sua previsão do dever de reembolso por parte da tomadora, a melhor interpretação do artigo 70, III, do CPC/1973 “implica a reforma do acórdão recorrido”, por não ser possível, de forma direta, denunciar a lide aos fiadores desse contrato.

Para o relator, integrar os fiadores do contrato de contragarantia ao processo poderia tumultuá-lo, retardando a prestação jurisdicional e abrindo uma lide paralela, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.

Veja o acórdão.
Processo n° 1713150 – SP (2017/0149505-7)

TRF1: Município não pode cobrar de empresa governamental que presta serviços públicos devido à imunidade tributária recíproca

A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o pedido do município de Salvador (BA), para reformar a sentença que reconheceu a imunidade tributária recíproca da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), em impostos incidentes sobre os seus bens e rendas, inclusive o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Serviços (ISS). A empresa pública é responsável pelo Serviço Geológico do Brasil.

O município interpôs apelação contra a sentença, em que sustentou que a empresa não faz jus à imunidade tributária, pois entre as suas atribuições não há qualquer serviço de prestação obrigatória e exclusiva do Estado. Ao contrário, suas funções seriam de assessoramento à Agência Nacional de Mineração.

O relator do recurso, desembargador federal Hercules Fajoses, informou que a CPRM é empresa pública federal, constituída pela Lei 8.970/1994, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Ela tem a atribuição de fazer levantamentos geológicos, avaliação dos recursos minerais e hídricos, além da gestão da informação geológica e análises laboratoriais. A sua função é auxiliar o Poder Executivo a organizar e manter os serviços oficiais de geologia e cartografia de âmbito nacional.

O magistrado destacou que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido de que as empresas públicas e sociedades de economia mista delegatórias de serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva do Estado são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal”.

Segundo ele, em função da imunidade recíproca, não é possível a cobrança do IPTU e do ISS. “Isso impede o surgimento da obrigação tributária em decorrência da propriedade de imóvel e prestação de serviços”, concluiu.

A 7ª Turma do TRF1, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do voto do relator.

Processo 1002464-76.2018.4.01.3300

STJ: Intimação do devedor fiduciante por edital é nula se não forem esgotados todos os outros meios previamente

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou nula a intimação por edital realizada por um banco após três tentativas frustradas de intimar uma devedora fiduciante por meio de oficial de justiça. Para o colegiado, a intimação por edital é medida excepcional, utilizada nos casos em que o endereço do devedor é desconhecido; entretanto, no caso dos autos, a turma entendeu que o credor não comprovou, antes do edital, que havia esgotado todos os meios para a localização da devedora.

Segundo o processo, após o inadimplemento do contrato de mútuo e decorrido o prazo de carência previsto contratualmente, a instituição financeira tentou intimar a devedora fiduciante para pagar a dívida em atraso. Contudo, em virtude do insucesso na entrega da carta de notificação, em três tentativas distintas, o banco procedeu à publicação de edital.

Consolidada a propriedade do bem alienado fiduciariamente e, em razão dos leilões negativos, o banco adjudicou o apartamento. No entanto, as instâncias de origem deram provimento a ação da devedora para anular o leilão extrajudicial, sob o argumento de que ela não foi pessoalmente intimada para purgar a mora e, posteriormente, para ter ciência do leilão extrajudicial de seu apartamento.

Propriedade consolidada ao credor
A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que, nos termos do artigo 26 da Lei 9.514/1997, quando a dívida estiver vencida e não for paga, no todo ou em parte, e após constituído em mora o fiduciante, é consolidada a propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário.

Segundo a magistrada, o texto legal é claro ao afirmar que o credor deve tentar promover, de forma prioritária e prévia, a intimação pessoal e constituição em mora do devedor (artigo 26, parágrafo 3º-A) por, ao menos, duas vezes, antes de proceder à intimação por hora certa – que, por sua vez, só poderá ocorrer quando houver motivada suspeita de ocultação do devedor fiduciante.

A intimação por edital – ressaltou – restringe-se, especificamente, às hipóteses em que o devedor fiduciante, seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível (artigo 26, parágrafo 4º).

Meios de intimação do devedor
No caso, a ministra verificou que o tribunal de origem entendeu que não foram esgotados os meios para se efetivar a intimação pessoal da devedora, já que a intimação poderia ter sido feita por hora certa ou, ainda, por meio de correspondência postal, com aviso de recebimento.

A magistrada destacou que o principal argumento adotado pela instituição financeira é o de que ela não estaria obrigada a proceder a intimação por hora certa – prevista no Código de Processo Civil de 2015, o qual se aplicaria apenas subsidiariamente ao caso –, uma vez que a lei de regência aplicável à época dos fatos previa a intimação por edital em situações semelhantes.

No entanto, a relatora lembrou que a intimação por edital também não estava prevista na Lei 9.514/1997 à época em que foi realizada a intimação, razão pela qual o argumento não se sustenta.

Nancy Andrighi ressaltou que a intimação sobre a constituição em mora e, por consequência, do próprio procedimento expropriatório, é de extrema relevância para o devedor fiduciante, cuja posse e propriedade de seu bem estão em risco. “É por este motivo que a intimação por edital para fins de purgação da mora no procedimento de alienação fiduciária de coisa imóvel pressupõe o esgotamento de todas as possibilidades de localização do devedor”, disse.

Uma vez que o banco estava ciente do endereço para a regular intimação da devedora, a ministra destacou que a instituição poderia ter feito a intimação por meio de correspondência postal, com aviso de recebimento, tendo optado “pela precipitada intimação por edital, que se afigura nula, contaminando integralmente o procedimento de excussão extrajudicial, mormente a consolidação do bem dado em garantia”.

Veja o acórdão.
Processo n° 1.906.475 – AM (2020/0306388-4)


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