STJ: Existência de grupo econômico não basta para desconsideração da personalidade jurídica e extensão da falência

Para haver a desconsideração da personalidade jurídica e a extensão da falência, é preciso que seja demonstrado de que forma foram transferidos recursos de uma empresa para outra, ou comprovar abuso ou desvio da finalidade da empresa em relação à qual se pede a desconsideração, a partir de fatos concretamente ocorridos em detrimento da pessoa jurídica prejudicada.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou os efeitos da extensão da falência decretada contra três empresas, cujos bens foram atingidos no processo falimentar de uma companhia têxtil com a qual mantinham relação econômica.

A companhia teve sua falência decretada em 2009 e, em 2010, foi instaurado incidente de extensão da quebra contra outras três empresas, sob a alegação de que o grupo econômico teria maquiado relações comerciais, motivo pelo qual deveriam ser atingidos os bens das pessoas jurídicas coligadas.

Em recurso ao STJ, as empresas alegaram que não teriam sido apontados os requisitos do artigo 50 do Código Civil para a desconsideração da personalidade jurídica das empresas recorrentes e para a consequente extensão dos efeitos da falência.

Necessidade de provas de confusão patrimonial ou de desvio de finalidade
Segundo a relatora, ministra Isabel Gallotti, para desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa é necessário verificar se existe confusão patrimonial com a falida ou desvio de finalidade. A ministra observou que, no caso em julgamento, foi feita perícia com o objetivo de apurar “eventual concentração de prejuízos e endividamento exclusivo em apenas uma, ou algumas, das empresas participantes falidas”.

Embora tais hipóteses não tenham sido provadas pela perícia, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a extensão da falência, com base na descrição que o laudo pericial fez das “transações estabelecidas entre as sociedades empresárias, desde o repasse da matéria prima até a venda do produto industrializado”.

Requisitos para estender a responsabilidade pelas obrigações da empresa falida
Para a relatora, contudo, essa relação das empresas não permite concluir pela existência dos elementos necessários à desconsideração da personalidade jurídica e à extensão da falência. “O tipo de relação comercial ou societária travada entre as empresas, ou mesmo a existência de grupo econômico, por si só, não é suficiente para ensejar a desconsideração da personalidade jurídica. Igualmente não é relevante para tal finalidade perquirir se as empresas recorrentes agiram com a intenção de ajudar a falida ou com o objetivo de lucro”, disse.

A ministra ponderou que a extensão da responsabilidade pelas obrigações da falida às empresas que nela fizeram investimentos dependeria de “eventual concentração de prejuízos e endividamento exclusivo em apenas uma, ou algumas, das empresas participantes falidas” – o que não foi comprovado pela perícia.

Na avaliação de Gallotti, a afirmação genérica de que os custos e riscos ficavam exclusivamente com a falida e os lucros com as demais empresas não é amparada em nenhum elemento de prova do processo, assim como não ficou demonstrada de forma objetiva a confusão patrimonial.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 1897356; REsp 1900147 e REsp 1900147

TJ/RS: Decisão reconhece uso irregular de indicação “Vale dos Vinhedos” em comércio de vinhos

Duas vinícolas foram condenadas pelo uso irregular da identificação geográfica “Vale dos Vinhedos” na comercialização de produtos. A decisão da 5ª Câmara Cível do TJRS reconheceu a prática de concorrência desleal e determinou o ressarcimento pelos prejuízos materiais, bem como o pagamento de R$ 25 mil por danos morais, de forma solidária.

O caso foi analisado no âmbito de uma ação originada na Comarca de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, proposta pela Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (APROVALE). A entidade apontou a produção e venda de garrafas de vinho pelas empresas rés com a inscrição “Vale dos Vinhedos”, uma Denominação de Origem registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e regulada por uma série de requisitos geográficos e técnicos. Entre as irregularidades, destacou-se o fato de parte da operação (produção da bebida e envase) ter sido realizada em Guaporé, a 70 km de distância da área do Vale dos Vinhedos.

A Desembargadora Cláudia Maria Hardt foi a relatora do recurso no TJ. De um lado, refutou os argumentos de uma das rés, inclusive o de que não seria responsável pela rotulagem. “Como fabricante, utilizando uvas que não eram da procedência indicada, isso já seria suficiente para determinar sua responsabilidade solidária. No caso, ainda houve a venda e armazenagem do produto”, afirmou a magistrada.

A Desembargadora reforçou que “mesmo que tivesse recebido o rótulo pronto, como sustenta [a ré], ciente dos deveres definidos pela Lei nº 9.279/96, deveria ter procedido de modo diverso. Não o fazendo, associou-se à prática indevida”, completou a julgadora.

Em outro ponto, a decisão da 5ª Câmara Cível do TJRS admitiu o pedido da associação de ressarcimento pelos lucros cessantes. Para tanto, foi adotada a orientação da jurisprudência (STJ) em casos de concorrência desleal: os danos materiais são presumíveis e não precisam ser demonstrados, tendo em vista o desvio de clientela.

A conclusão é de que as vinícolas rés se beneficiaram ao captar consumidores devido ao uso da identificação geográfica. “Na hipótese, há prova documental de que as rés produziram, engarrafaram e comercializaram vinho indicando inadequadamente que provinham da região do Vale dos Vinhedos, atingindo, assim, os consumidores conhecedores da qualidade e notoriedade dessa Denominação de Origem”, explicou a relatora.

Votaram no mesmo sentido os Desembargadores Sylvio José Costa da Silva Tavares e Mauro Caum Gonçalves.

Processo 5004715-62.2019.8.21.0005

TRF1: Turma mantém cobrança de taxa de fiscalização sanitária a empresa farmacêutica que não comprovou enquadramento como microempresa

A 13ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), de forma unânime, manteve a sentença que determinou que uma empresa de cunho farmacêutico, responsável por fabricar medicamentos alopáticos para uso humano, deve pagar a taxa de fiscalização sanitária imposta pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não tendo direito à isenção, por não ter comprovado seu porte empresarial, limitando-se a informar que se enquadrava como microempresa.

A empresa recorreu da decisão que rejeitou seu pedido para anular uma notificação da Anvisa, argumentando que, quando solicitou o registro de um medicamento, estava isenta de pagar a taxa de fiscalização sanitária, pois era considerada uma microempresa.

Ao analisar os autos, o relator do caso, desembargador federal Pedro Braga Filho, observou que a Lei 9.872/1999 estabelece a cobrança dessa taxa e prevê, em seu anexo, uma redução de 95% para microempresas, e não uma isenção total. Segundo o magistrado, a empresa não comprovou seu enquadramento como microempresa, o que seria necessário para garantir a redução. “A autora, seja na esfera administrativa ou na judicial, não comprovou o seu porte empresarial, limitando-se a informar que se enquadrava como microempresa, que tinha direito à isenção prevista na Lei 9.872/1999, afirmação que não se confirma, uma vez que conforme o anexo II da referida Lei, não há isenção e, sim, redução em 95%”, disse o relator.

Consta nos autos que a Anvisa solicitou essa comprovação várias vezes, mas a empresa não apresentou os documentos necessários para provar o porte de microempresa. Por isso, a sentença foi mantida pela Turma, nos termos do voto do relator.

Processo: 0020655-03.2006.4.01.3400

TRF4: Fábrica de sorvetes e picolés não precisa de inscrição no Conselho Regional de Química

Uma fábrica de sorvetes e picolés de Garopaba obteve na Justiça Federal sentença que a desobriga de se inscrever no Conselho Regional de Química (CRQ), contratar profissional e pagar a respectiva anuidade. A 1ª Vara Federal de Tubarão/SC aplicou a jurisprudência que considera a atividade básica da empresa como causa da obrigatoriedade de inscrição.

“A atividade básica da empresa não corresponde à fabricação de produtos químicos em si, nem pressupõe a realização de reações químicas dirigidas, em laboratórios químicos de controle, voltadas para a alteração da matéria original, de sorte que não requer o conhecimento aprofundado de química, nem se enquadra nas hipóteses previstas na lei como privativas de químico”, afirmou a juíza Ana Lídia Silva Mello Monteiro, em sentença proferida quinta-feira.

A juíza citou ampla jurisprudência e observou que “a parte autora não desempenha atividades básicas relacionadas à área química, não havendo obrigatoriedade legal de registrar-se ou manter-se registrada no CRQ/SC, tampouco de contratar químico como responsável técnico por suas atividades”.

A sentença também anula uma multa de R$ 6 mil, que já tinha sido suspensa por decisão liminar. Ainda cabe recurso.

Processo nº 5001707-36.2024.4.04.7207

TJ/SP: Empresa de embalagens é condenada por infração marcária contra concorrente

Abstenção de uso e indenização de R$ 10 mil.


A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu *infração marcária de empresa que usava mesmo nome da concorrente e determinou a cessação do uso da marca e pagamento de indenização, por danos morais, no valor de R$ 10 mil à autora.

Segundo os autos, a requerente ajuizou ação contra empresa do mesmo ramo pelo uso de marca com semelhanças nominativas, fonéticas e ideológicas, alegando ser desimportante o fato da parte contrária utilizar a mesma denominação com antecedência, uma vez que foi ela a primeira a registrar o nome junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Para o relator, desembargador Azuma Nishi, “a proteção marcária se adquire pelo registro validamente expedido pelo INPI, não pelo uso” e, portanto, deve ser aplicado ao caso princípio conhecido como “first come, first served”, ou seja, garantir a proteção marcária à empresa que primeiro registrou a marca. “A ré postulou o registro de sua marca somente após ter sido notificada pela autora, o que não lhe socorre, máxime porque o pleito foi impugnado pela apelante”, declarou o magistrado.

“Quanto aos danos morais, forçoso reconhecer o prejuízo à reputação da autora, causado pela vulneração indevida de sua marca. A imitação da marca da autora e utilização não autorizada é circunstância que acarreta confusão nos consumidores e deterioração da reputação no mercado”, acrescentou o relator.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Fortes Barbosa e J.B. Paula Lima. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1010850-77.2023.8.26.0071


*Definição de infração marcária segundo o Chat GPT4:

No direito empresarial, infração marcária refere-se à violação dos direitos de marca de uma empresa ou pessoa física. Isso ocorre quando alguém usa, sem autorização, uma marca registrada ou muito similar a uma marca registrada por outra empresa, de maneira que possa causar confusão no mercado. A marca é um ativo protegido legalmente, e sua utilização indevida pode ser considerada uma forma de concorrência desleal.

Algumas formas comuns de infração marcária incluem:

      1. Uso sem autorização: Quando outra pessoa ou empresa utiliza uma marca registrada sem permissão do titular, seja em produtos, serviços, embalagens ou publicidade.
      2. Imitação: Criar uma marca que seja muito semelhante a uma já registrada, levando os consumidores a acreditar que estão comprando ou utilizando produtos ou serviços de uma marca conhecida.
      3. Diluição da marca: Quando o uso indevido da marca diminui seu valor distintivo, mesmo que não cause confusão direta no consumidor, mas prejudique a reputação da marca.

Os titulares de marcas podem recorrer a medidas legais, como ações de indenização por danos e pedidos de cessação do uso indevido da marca, para proteger seus direitos e evitar prejuízos à sua reputação no mercado.

 

STF obriga bancos a compartilhar com estados informações sobre transações eletrônicas

Regras validadas pela Corte não envolvem a quebra de sigilo bancário, mas o compartilhamento de dados para fiscalização de ICMS.


O Plenário do Supremo Tribunal Federal validou, por maioria, regras de convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) que obrigam as instituições financeiras a fornecer aos estados informações sobre pagamentos e transferências feitos por clientes em operações eletrônicas (como Pix, cartões de débito e crédito) em que haja recolhimento do ICMS. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7276, na sessão virtual encerrada em 6/9.

As regras validadas pelo STF não envolvem a quebra de sigilo bancário nem decretam o fim desta obrigação. A ação foi apresentada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) contra cláusulas do Convênio ICMS 134/2016 do Confaz e regras que o regulamentaram.

No voto que prevaleceu no julgamento, a relatora, ministra Cármen Lúcia, explicou que os deveres previstos no convênio não caracterizam quebra de sigilo bancário, constitucionalmente proibida, mas transferência do sigilo das instituições financeiras e bancárias à administração tributária estadual ou distrital. Ela ressaltou que os dados fornecidos são utilizados para a fiscalização do pagamento de impostos pelos estados e pelo Distrito Federal, que devem continuar a zelar pelo sigilo dessas informações e usá-las exclusivamente para o exercício de suas competências fiscais.

Cármen Lúcia lembrou, ainda, que o STF, no julgamento conjunto das ADIs 2390, 2386, 2397 e 2859, declarou que a transferência de dados bancários por instituições financeiras à administração tributária não viola o direito fundamental à intimidade. Por fim, ressaltou que as regras visam dar maior eficiência aos meios de fiscalização tributária, tendo em vista a economia globalizada e o crescente incremento do comércio virtual.

Seguiram esse entendimento os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Flávio Dino, Dias Toffoli e Luiz Fux.

Divergência
A divergência foi aberta pelo ministro Gilmar Mendes. A seu ver, a norma não tem critérios transparentes sobre a transmissão, a manutenção do sigilo e o armazenamento das informações nem requisitos adequados de proteção das garantias constitucionais dos titulares dos dados. Seguiram essa corrente os ministros Nunes Marques, Cristiano Zanin, André Mendonça e Luís Roberto Barroso, presidente do STF.

TJ/RS nega pedido de processamento de recuperação judicial de associação que não comprovou tempo mínimo de atividade

Foi negado o pedido de processamento de recuperação judicial do Instituto de Saúde e Desenvolvimento Humano (ISDH), uma associação civil sem fins lucrativos, por não ter comprovado o tempo mínimo de dois anos de atividade regular, conforme exigido pela lei. O processo foi extinto sem análise do mérito. A decisão é do Juiz de Direito Gilberto Schäfer, da Vara Regional Empresarial de Porto Alegre.

De acordo com o magistrado, a autora não atendeu aos requisitos previstos na Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial. Além disso, a instituição estava inativa e não apresentou toda a documentação contábil exigida, tampouco comprovou benefícios econômicos e sociais que justificassem o pedido.

“A inobservância de todos os requisitos legais resulta na ausência de pressupostos para o desenvolvimento válido e regular do processo. Conforme constatado previamente, verificou-se a incompletude da documentação e a inatividade da parte autora há cinco anos. Não estando a empresa em atividade, seja potencial ou real, não há objeto a ser protegido, o que constitui impedimento para o deferimento da recuperação judicial”, destacou o Juiz.

Na fundamentação da decisão, o magistrado fez referência a precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a recomendações do Conselho Nacional de Justiça, que permitem ao juiz indeferir a petição inicial quando não há comprovação de atividade econômica, seja ela potencial ou real.

Laudo de constatação prévia

O Juizado da Vara Empresarial adota o uso de laudo de constatação prévia como condição para o deferimento da recuperação judicial, conforme o artigo 51-A da Lei 11.101/05, alterada pela Lei 14.112/2012. Esse laudo verifica se a atividade econômica está em funcionamento e se a entidade possui condições para continuar operando. Também certifica a regularidade da documentação, oferecendo uma visão clara da situação do requerente.

Para o magistrado, o laudo de constatação prévia é fundamental para filtrar casos que não atendem aos requisitos mínimos da lei e evitar o uso indevido ou fraudulento da recuperação judicial. “Esse documento técnico é uma ferramenta essencial para garantir a transparência e a eficácia do processo”, afirmou.

Processo nº 5115164-26.2024.8.21.0001/RS

STJ: Consumidor pessoa jurídica – quando as empresas podem ter a proteção do CDC?

A legislação brasileira permite que pessoas jurídicas – assim como acontece com as pessoas físicas – sejam consideradas consumidoras. É o que diz o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao prever – adotando a chamada teoria finalista – que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Segundo explicou a ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 2.020.811, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota a teoria finalista mitigada – ou aprofundada – para a definição de consumidor. Dessa forma, disse, o conceito abrange também o comprador que, embora não seja o destinatário final do produto ou serviço (no sentido de encerrar a cadeia de produção), se enquadre em condição de vulnerabilidade capaz de causar desequilíbrio na relação econômica.

Assim, o sistema protetivo do CDC pode ser aplicado no caso de quem, mesmo adquirindo produtos ou serviços para o desenvolvimento de sua atividade empresarial, apresente hipossuficiência técnica ou fática diante do fornecedor. A dificuldade surge na hora de reconhecer a vulnerabilidade: enquanto para o consumidor pessoa física ela é presumida, no caso da pessoa jurídica é necessário comprovar essa condição especial que autoriza a aplicação das regras protetivas do CDC – avaliação que, conforme a jurisprudência do tribunal, deve ser feita de acordo com o caso concreto.

Esta reportagem apresenta situações em que o STJ teve de decidir sobre o enquadramento de pessoas jurídicas, especialmente de empresas, na posição de consumidoras, apontando em cada caso as razões pelas quais a corte entendeu estar configurada – ou não – a condição que justifica a incidência do CDC.

Aquisições para desenvolvimento de atividade econômica
No julgamento do REsp 2.020.811 uma empresa vendedora de ingressos eletrônicos para eventos ajuizou ação de cobrança contra uma sociedade especializada em serviços de intermediação de pagamentos online, em razão de débitos que teriam sido lançados indevidamente em sua conta.

A autora da ação alegou que o vínculo estabelecido com a intermediadora configuraria uma relação de consumo, sustentando a sua hipossuficiência fática diante da outra parte – uma empresa com atuação virtual em mais de 50 países –, e que o contrato celebrado entre elas seria de adesão.

A Terceira Turma, entretanto, entendeu que não ficou demonstrada a situação de vulnerabilidade, indispensável para o reconhecimento da condição de consumidor quando o produto ou serviço é adquirido durante o desenvolvimento de atividade empresarial, como no caso em análise.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que cabe ao adquirente do produto ou do serviço comprovar sua vulnerabilidade perante o fornecedor, caso pretenda a incidência das normas do CDC.

O serviço adquirido é bem de consumo ou insumo?
Entendimento semelhante foi adotado pela Quarta Turma ao julgar o REsp 1.497.574, em que se decidiu pela não aplicação do CDC aos contratos de empréstimo firmados por uma sociedade empresária para incrementar seus negócios.

O caso se referia a uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Santa Catarina contra o Banco do Estado do Rio Grande do Sul para discutir cláusulas e encargos bancários supostamente abusivos nos contratos celebrados com os clientes.

Para a Quarta Turma, as instâncias originárias aplicaram o CDC sem fazer a necessária distinção quanto à natureza das contratações entre as partes – se de insumo ou consumo. Dessa forma, o colegiado reformou a decisão do tribunal estadual para limitar a aplicação do CDC aos casos em que fosse constatada a existência de relação de consumo.

A decisão reafirmou a jurisprudência do STJ, que não admite a aplicação do CDC nos contratos de empréstimo tomados por empresas quando elas são consideradas consumidoras intermediárias (insumo), somente sendo possível a mitigação dessa regra na hipótese em que ficar demonstrada a hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da tomadora.

Características do negócio podem impedir a incidência do CDC
Em outras situações, é a própria natureza do negócio que pode impedir a incidência do CDC. No julgamento do REsp 2.001.086, a Terceira Turma decidiu pela inaplicabilidade do código a um contrato de empréstimo de capital de giro.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que não se pode falar em incidência da lei consumerista nos contratos bancários celebrados por pessoa jurídica para obtenção de capital de giro, já que, conforme a orientação consolidada no STJ, nesses casos a empresa não é considerada a destinatária final do serviço.

O contrato de capital de giro destina-se a incrementar a atividade produtiva e lucrativa da contratante, o que afasta, por decorrência lógica, a incidência do conceito de consumidor, ainda que mitigada a teoria finalista.
REsp 2.001.086
Ministra Nancy Andrighi

Além disso, no caso, não houve demonstração de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional da empresa. De acordo com a ministra, a mera condição de microempresa não basta para que seja entendida como vulnerável.

Existência de relação de consumo afeta competência para julgamento da demanda
Já no julgamento do AREsp 1.321.083, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), a Terceira Turma estabeleceu que uma empresa que adquiriu aeronave como destinatária final pode ser considerada consumidora. A decisão definiu, por consequência, o foro competente para processamento e julgamento da demanda.

Uma empresa que se dedicava à administração de imóveis ajuizou ação em Curitiba para rescindir o contrato da compra de um avião, em razão de suposto inadimplemento contratual da vendedora – cuja sede é em Belo Horizonte –, pedindo a devolução dos valores pagos.

A vendedora alegou incompetência do juízo. Segundo ela, a compradora se valeu da prerrogativa prevista no artigo 101, inciso I, do CDC, que permite o ajuizamento da ação no domicílio do consumidor, mas a relação entre as empresas teria caráter paritário. Desse modo, sem haver relação de consumo, não seria possível ajuizar a ação em outra comarca que não aquela indicada pela regra geral de competências do Código de Processo Civil (CPC).

Os argumentos da vendedora não foram acolhidos nas instâncias ordinárias nem na decisão monocrática do ministro Sanseverino. Em recurso à Terceira Turma, a vendedora defendeu que a aeronave teria sido adquirida para incrementar os negócios da compradora e que esta não seria hipossuficiente, circunstâncias que afastariam a aplicação da legislação consumerista.

O colegiado, entretanto, de forma unânime, decidiu pela aplicação das regras do CDC ao caso. Em voto-vista no qual acompanhou integralmente o relator, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva esclareceu que a aeronave foi adquirida para atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica, não integrando diretamente produto ou serviço postos à disposição do mercado por ela, motivo pelo qual se aplicariam à relação as normas da lei consumerista.

Não basta ao consumidor ser adquirente ou usuário final do bem ou serviço, mas deve haver o rompimento da cadeia econômica com o uso pessoal, a impedir, portanto, a reutilização dele no processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transformação por meio de beneficiamento ou montagem, ou em outra forma indireta.
REsp 1.321.083
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Relações de consumo na contratação de seguros
A Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.660.164, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, decidiu que a pessoa jurídica que firma contrato com o objetivo de proteger seu patrimônio é considerada destinatária final dos serviços securitários e, por isso, aplicam-se a seu favor as disposições do CDC.

No caso julgado, uma empresa teve um de seus caminhões segurados destruído por incêndio iniciado por uma fagulha de descarga de energia durante a operação de transferência de produto inflamável. A seguradora alegou que a hipótese estava prevista nas cláusulas de exclusão de cobertura, ao passo que a segurada sustentou que a cláusula excludente de cobertura não estava incluída na minuta encaminhada pela seguradora no momento da contratação.

Apesar de ter sido acolhida em primeira e segunda instâncias, a argumentação da seguradora foi rejeitada pelo ministro Bellizze, relator do caso no STJ. Ao analisar os princípios do CDC, como o da transparência, o relator lembrou que o fornecedor tem obrigação de dar ao consumidor conhecimento sobre o conteúdo do contrato, sob pena de não haver a sua vinculação ao cumprimento do que foi acordado.

Entendimento parecido foi adotado pela Quarta Turma no AREsp 1.392.636, decorrente de ação indenizatória movida por uma instituição de ensino superior contra a seguradora devido à recusa de cobertura de sinistro.

A universidade privada acionou o seguro depois que chuvas e ventos fortes danificaram a estrutura física do estabelecimento. Na ocasião, a seguradora alegou não haver previsão de cobertura para a hipótese de rajadas de vento cuja velocidade fosse inferior àquela que caracteriza um vendaval, como no caso, o que impediria o pagamento da indenização.

O relator, ministro Raul Araújo, com base no acórdão do tribunal estadual, destacou que, independentemente da velocidade medida pela estação meteorológica, a tempestade efetivamente causou danos ao imóvel. Segundo ele, a cláusula que estipula velocidade mínima para haver indenização configura desvantagem excessiva ao segurado.

O fato de a segurada ser pessoa jurídica não lhe retira a condição de consumidora, já que usa o seguro como destinatária final.
AREsp 1.392.636
Ministro Raul Araújo

Assim, o colegiado reforçou o entendimento de que uma empresa que firma contrato de seguro visando à proteção de seu próprio patrimônio pode ser considerada destinatária final dos serviços securitários.

Cobertura securitária deve estar claramente descrita no contrato
A Quarta Turma decidiu, ao julgar o REsp 1.176.019, que o transportador que contrata seguro para proteger sua frota ou cobrir danos a terceiros também é consumidor. O colegiado destacou, no entanto, que a abrangência da cobertura securitária deve estar claramente descrita no contrato.

No caso em análise, durante a vigência do contrato de seguro, um dos veículos de uma transportadora colidiu com um caminhão pertencente a pessoa física. Após o trâmite de demanda indenizatória, a empresa foi condenada ao pagamento de lucros cessantes e despesas com advogado e preposto. A transportadora, então, ajuizou ação indenizatória contra a seguradora para pedir o reembolso dos valores pagos.

Tanto o juízo de primeira instância quanto o tribunal estadual julgaram o pedido improcedente, fundamentando-se na inexistência de cobertura para a hipótese de colisão com veículo particular, descabendo, portanto, a condenação da seguradora ao pagamento de lucros cessantes relativos a terceiro prejudicado.

Em seu voto, o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu a condição de consumidora da empresa, esclarecendo que a transportadora que contrata seguro objetivando a proteção de sua frota veicular ou contra danos causados a terceiros, em regra, enquadra-se no conceito de consumidor, pois é destinatária final do produto.

É sempre a situação do caso em concreto que será hábil a demonstrar se existe ou não relação de consumo, sendo o emprego final do produto determinante para conferir à pessoa jurídica a qualidade de consumidora, tendo como parâmetro, além da utilização de insumo imprescindível à atividade, também a sua vulnerabilidade.
REsp 1.176.019
Ministro Luis Felipe Salomão

Apesar de estar configurada a relação de consumo no caso concreto, a cláusula contratual em torno da qual as partes litigavam limitava a cobertura de lucros cessantes a categorias profissionais específicas, como táxis, lotações, vans escolares regulamentadas e motoboys, não incluindo o ressarcimento a pessoa física dona de caminhão. Por isso, o colegiado negou provimento ao recurso.

Esta notícia refere-se aos processos: REsp 2020811; REsp 1497574; REsp 2001086; AREsp 1321083; REsp 1660164; AREsp 1392636 e REsp 1176019

TRF4: Empresa não consegue anular registro de desenho industrial desenvolvido durante contrato

A Justiça Federal negou o pedido de uma empresa de Blumenau/SC para que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) anulasse o registro, reconhecendo a suposta autoria de outra pessoa, do desenho de um frasco molhos – como ketchup e mostarda – de propriedade da empresa Heinz-Hemmer. A 3ª Vara Federal do município entendeu que o projeto foi desenvolvido durante a relação contratual entre as duas empresas, não havendo irregularidade no registro em favor da Heinz.

“Mesmo que se admita tivesse sido o desenho industrial criado pela parte autora, isso ocorreu durante a contratualidade existente com as corrés (Heinz-Hemmer), como resultado da natureza dos serviços para os quais havia sido contratada (fornecimento de embalagens – frascos e tampas plásticas), o que ensejava, assim como aconteceu, a efetivação do registro do desenho industrial por parte da contratante de modo legítimo”, considerou o juiz Leandro Paulo Cypriani, em sentença proferida sexta-feira (6/9).

A representante da empresa entrou com a ação alegando que seria a verdadeira titular do desenho de um determinado frasco para molhos, elaborado durante o período em que mantiveram contrato, entre 1999 e 2018. A defesa da Heinz-Hemmer afirmou que a empresa de Blumenau “jamais desenvolveu absolutamente nenhum design para a Cia. Hemmer, ao contrário, somente fornecia embalagens decorrentes de design previamente disponibilizado”.

“A criação do desenho industrial se deu durante a relação contratual existente entre a parte autora Heinz/Hemmer e a corré Eco Brasil (Plasmar) e foi resultante da natureza dos serviços para os quais a ré Eco Brasil (Plasmar) foi contratada pela Heinz/Hemmer”, observou Cypriani. “E se dúvidas pudesse existir quanto a este último aspecto, atente-se para o fato de que a própria parte autora afirma que ‘aperfeiçoaram o modelo durante todo o tempo da contratualidade’, indicativo claro da pertinência da criação do desenho com a natureza dos serviços prestados”, concluiu.

A sentença também negou, a ambas as partes, pedidos de condenação da outra a multas por litigância de má-fé ou assédio processual. Segundo o juiz, interpretação diferente dos fatos não caracteriza má-fé e não houve ajuizamento repetitivo de ações que pudese configurar assédio. “Nunca é demais deixar registrado que tal figura jurídica [assédio], por implicar em restrição ou, ainda, ir de encontro ao princípio do amplo acesso ao Judiciário, há de aplicar-se com cautela e, sobretudo, em caráter excepcionalíssimo, somente naquelas hipóteses nas quais as circunstâncias evidenciam, de maneira indubitável, a sua ocorrência, o que, à toda evidência, não é o caso dos autos”, lembrou o juiz. Cabe recurso.

Processo nº 5007034-02.2023.4.04.7205

TJ/SP: Empresa de pisos para academias deve se abster de usar termo “crossfit”

Violação de marca e concorrência desleal.


A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem da Capital, proferida pela juíza Fernanda Cristina da Silva Ferraz Lima Cabral, que determinou que empresa de pisos para academias se abstenha de utilizar termo “crossfit” ou outro semelhante. A sentença também condenou a apelante a indenizar a autora por danos morais, fixados em R$ 20 mil, e danos materiais, que serão apurados em liquidação de sentença.

Segundo os autos, a ré expôs à venda, sem autorização, linha de pisos de academias com expressão que integra as marcas de titularidade da autora, única legitimada a produzi-las, comercializá-las e licenciá-las. Em seu voto, o relator do recurso, desembargador Maurício Pessoa, destacou que, embora a apelante tenha alegado que as empresas não atuam no mesmo ramo, há identidade entre os serviços oferecidos e o público-alvo, já que a acusada usou o termo para designar piso para aplicação em academias, ao passo que a autora o utiliza para nomear programa de condicionamento físico, além de atuar em outros segmentos da área esportiva.

“O parasitismo é identificado a partir da real possibilidade de os consumidores adquirem o produto da apelante relacionando-o à apelada, com a falsa percepção de que ostenta o mesmo padrão de qualidade da marca tradicional e reconhecida internacionalmente”, registrou o magistrado. “Caracterizada a prática de violação marcária, concorrência desleal e aproveitamento parasitário, de rigor a condenação ao pagamento de indenização por danos materiais e morais”, acrescentou.

Completaram a turma de julgamento os magistrados Ricardo Negrão e Jorge Tosta. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1070884-28.2023.8.26.0100


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