TJ/DFT: Plano de saúde não pode impor limite de sessões de psicoterapia

O juiz da 7º Juizado Especial Cível de Brasília condenou a Omint Serviços de Saúde a reembolsar a um beneficiário os valores pagos pelas sessões de psicoterapias realizadas e não cobertas pelo plano. A empresa terá também que indenizar o consumidor pelos danos morais provocados.

Beneficiário do plano, o autor narra que, desde de junho de 2018, realiza sessões de psicoterapia, faz o pagamento e solicita o posterior reembolso. Em setembro do ano passado, no entanto, a ré não realizou a restituição dos valores desembolsados, alegando que elas ultrapassaram o número de sessões cobertas pelo plano. O autor pede que o plano de saúde realize o reembolso das sessões pagas e o indenize por danos morais.

Em sua defesa, o réu alega que no contrato há cláusula de limitação de cobertura para sessões de terapia, uma vez que a cobertura ilimitada de sessões de psicoterapia e terapia ocupacional não está contemplada no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Pede, assim, para que os pedidos sejam julgados improcedentes.

Ao decidir, o magistrado destacou que a operadora de plano de saúde não pode “impor limites que descaracterizem a finalidade do contrato” e que cabe aos profissionais de saúde determinar o número de sessões de psicoterapia que o paciente necessita. Para o julgador, a situação vivenciada pelo autor “ultrapassa o mero aborrecimento e o limite do razoável, configurando dano moral indenizável”.

Dessa forma, o magistrado condenou o plano de saúde a reembolsar o autor tanto do valor de R$ 950,00, referente às sessões realizadas em setembro, quanto as s sessões de psicoterapia, sem limite de sessões anuais, solicitadas de forma justificada pelos médicos assistentes do autor, nos termos do estabelecido no contrato firmado entre as partes. O réu terá ainda que pagar ao beneficiário a quantia de R$ 3 mil a título de danos morais.

Cabe recurso da sentença.

PJe: 0749113-95.2019.8.07.0016

TJ/MT nega dano moral por uso de imagem de árbitro em transmissão de futebol

Imagens de uma partida de futebol em que aparece o árbitro com a finalidade de divulgar o esporte por uma emissora de televisão que transmite a partida não caracteriza uso indevido da imagem e não enseja dano moral. Este foi o entendimento do desembargador Sebastião de Moraes Filho, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).

O desembargador reformou sentença de Primeiro Grau da Comarca de Cuiabá, que havia condenado uma TV ao pagamento de R$ 50 mil, a título de dano moral, a um árbitro de futebol que atuou por 17 anos em um campeonato esportivo organizado pela Confederação Brasileira de Futebol e alegou que a sua imagem foi exibida inúmeras vezes, sem sua autorização.

Salientou que o futebol é um produto que movimenta bilhões de reais todos os anos para a empresa, sendo enorme a sua estrutura, e investimento para transmissão das partidas de futebol, assim como o seu lucro em virtude desta exploração. Argumentou que foi lesado pela empresa que usou da sua imagem para fins comerciais, sem sua expressa autorização, requerendo a condenação da emissora no valor de R$ 870 mil, a título de danos morais, custas e honorários.

Após análise dos autos, o juiz de primeiro grau entendeu pela responsabilização da empresa televisiva, condenando-a ao pagamento de R$ 50 mil.

Insatisfeitos com a sentença de piso, tanto a emissora de TV quanto o árbitro apresentaram Recurso de Apelação. A empresa almejando a reforma da sentença e o juiz de futebol majoração da indenização.

O desembargador Sebastião de Moraes Filho apontou que “dano à imagem” é um bem personalíssimo, a emanação de uma pessoa, através da qual se projeta, identifica-se e individualiza-se no meio social. “Todavia, se a imagem for capturada no contexto do ambiente, numa apresentação esportiva, não haverá lesão à imagem”, considerou o magistrado em um trecho da sentença.

O magistrado afirmou que o direito à imagem pretendida pelo árbitro, não se confunde com o direito de arena previsto na Lei n.º 9.615/98 (Lei Pelé). “Este que pertence às entidades de prática desportiva, na forma do seu art. 42, cuja receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais será repassada aos sindicatos de atletas profissionais, e estes redistribuirão aos atletas profissionais participantes do espetáculo”, cita.

“Os árbitros de futebol são prestadores de serviços de natureza autônoma, e recebem a remuneração atinente à prestação dos serviços, na forma do parágrafo único do art. 88, da Lei n.º 9.615/98. E, como prestadores de serviços, estão sujeitos a todas as consequências decorrentes daquela situação, inclusive, como no caso em comento, a divulgação de sua imagem. Se não há aceitação expressa, esta se dá tacitamente, a partir do momento em que o árbitro aceita os serviços a serem prestados e por ele é remunerado pela entidade patrocinadora do evento”, considerou.

“Com efeito, muito embora se reconheça a importância da arbitragem de futebol dentro do contexto da prática esportiva profissional, não se pode ignorar que o espetáculo é voltado aos atletas, ídolos de suas respectivas torcidas e dos próprios torcedores do esporte. Aliás, o mesmo raciocínio serve para as funções dos técnicos, dirigentes, gandulas, massagistas, preparadores físicos, médicos, policiais e seguranças, enfim, a todas essas pessoas que, ao final, estão exercendo sua atividade de modo a viabilizar a realização do espetáculo desportivo”, citou.

Por fim, o desembargador proveu o recurso de apelação interposto pela empresa e julgou improcedente o pedido formulado pelo árbitro que pedia o aumento do valor da indenização.

RAC nº 1023790-31.2016.8.11.0041

TJ/DFT: Justiça determina internação compulsória de dependente químico

Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública do DF condenou o Distrito Federal a custear a internação compulsória em clínica especializada de dependente químico, nos termos da prescrição médica, em qualquer hospital da rede pública/particular conveniada ou, na impossibilidade, em qualquer hospital/clínica particular, conveniada ou não com o Distrito Federal às suas custas.

A ação foi proposta pela mãe do usuário, com vistas a determinar ao Distrito Federal que proceda à internação compulsória de seu filho para tratamento de dependência química, nos termos da indicação médica. A autora juntou aos autos relatório médico.

Em contestação, o Distrito Federal afirmou que consta em manifestação técnica da Secretaria de Estado de Saúde do DF – SES/DF que há possibilidade terapêutica de tratamento diversa da pretendida.

Segundo o magistrado, no presente caso, os relatórios médicos indicam que o réu não aceita tratamento em regime aberto no CAPS, tampouco aceita o uso de psicofármacos, restando como última opção a internação compulsória: “Esta medida, aliás, se revela ainda mais adequada quando se observa que, uma vez internado, o réu fugiu da clínica e foi encontrado em ‘boca de fumo’, o que atesta a extrema dependência química e a ameaça potencial à sua integridade física e a dos que o rodeiam, sobretudo os familiares”, afirmou.

O juiz ainda ponderou que tais circunstâncias comprovam, a um só tempo, a premente necessidade e a adequação do tratamento ao quadro clínico do réu proposta pela autora, “assim como a omissão abusiva e reiterada do Poder Público na satisfação desse direito de envergadura constitucional”. “Além disso, não há dúvida de que a indicação do respectivo serviço de saúde deu-se por médico da rede pública de saúde, de modo a atender a exigência da Portaria nº 14/01 da Secretaria de Saúde do Distrito Federal”, consignou, o magistrado.

Cabe recurso.

TJ/DFT: Justiça aplica multa ao colégio COC por descumprir liminar

O juiz substituto da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF aplicou multa ao Colégio COC Sudoeste por descumprir a liminar que determinava que o período letivo da unidade só fosse iniciado depois da obtenção da carta de “habite-se” e da licença de funcionamento.

A escola, informa o magistrado, reconheceu nos autos que descumpriu a liminar por 14 dias. Como a multa é de R$ 10 mil por dia de descumprimento, o valor a ser pago pela instituição de ensino é de R$ 140 mil. A cobrança da multa, contudo, está suspensa até o trânsito em julgado da decisão definitiva do mérito.

Em manifestação no processo, o colégio informa que funcionou entre os dias 02 e 19 de março de 2020, com base em licença expedida pela Secretaria de Educação do DF. Segundo a escola, o funcionamento ocorreu de forma regular.

Na decisão, o magistrado lembra que a discussão no processo consiste em definir se a Carta de Habite-se é requisito indispensável para o início das atividades, o que deverá ser objeto da sentença de mérito.

Entenda o caso

As aulas do Colégio COC Sudoeste estavam previstas para iniciar no dia 11 de fevereiro, um dia antes do ajuizamento da ação pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. O órgão pedia que a escola fosse impedida de começar a funcionar até que fossem expedidos todos os documentos obrigatórios para que as instalações possam ser ocupadas. A regularização completa da documentação, sustenta o MPDFT, garante a integridade física de estudantes e funcionários.

No dia 27 de fevereiro, o juízo da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF determinou, em liminar, que a escola não iniciasse o período letivo até a obtenção da carta de “habite-se” e da licença de funcionamento, sob pena de multa diária de R$ 10 mil. A decisão foi mantida pela 7ª Turma Cível do TJDFT que analisou recurso da escola em março.

Cabe recurso da decisão.

PJe: 0701013-69.2020.8.07.0018

TJ/SC: PM que atuava como espião não prova acidente em serviço e tem aposentadoria reduzida

Um policial militar reformado por incapacidade física para o serviço, após sofrer agressões que o deixaram inclusive em coma, perderá o direito de perceber pelo cargo imediatamente superior após constatação do Tribunal de Justiça de que o conflito em que se envolveu não ocorreu durante cumprimento de suas atividades profissionais.

O PM foi espancado por dois outros homens defronte a um salão de baile por volta das 4 horas da madrugada de uma noite de dezembro de 2005, em Joinville, quando – garantiu – atuava à paisana como agente da P2 em investigação sigilosa sobre tráfico de drogas. Ocorre que, ao se debruçar sobre os autos, o desembargador Luiz Fernando Boller, relator da apelação cível em reexame necessário, deparou com o que classificou de “versões antagônicas e inconclusivas”.

A primeira delas de natureza espacial: o local em que ocorreu a briga estava distante 14 quilômetros do endereço onde se dava a investigação e que seria alvo de campana. Na sequência, o policial explicou que as agressões tiveram como origem a descoberta de sua identidade. No inquérito que apurou a violência, entretanto, testemunhas afirmaram que um homem interveio em uma briga de arma em punho e disse ser policial, na tentativa infrutífera de acalmar os ânimos.

Os homens apontados como autores das agressões tampouco foram citados na investigação por tráfico de drogas. Ao descaracterizar o caso como acidente em trabalho, a 1ª Câmara de Direito Público do TJ manteve a aposentadoria por invalidez para a atividade policial, porém sem o direito de percepção de soldo superior. Outras verbas reclamadas, mantidas na sentença, serão calculadas em fase de liquidação de sentença.

Apelação Cível n. 00253339-23.2008.8.24.0038

TJ/CE: Administração de condomínios deve comunicar ocorrências de violência contra a mulher

A conquista e os avanços de medidas que visam garantir a segurança e a proteção da mulher são um marco na história da sociedade e têm sido ferramentas importantes no enfrentamento à violência contra este público. No Estado do Ceará, já está em vigor a lei nº 17.211/2020, determinando que a administração de condomínios comunique à Delegacia de Polícia e aos órgãos de segurança pública especializados casos ou indícios de violência contra a mulher nas unidades residenciais e em áreas comuns. A medida, que também é aplicada em casos de violência contra crianças, adolescentes e idosos, deve ocorrer quando houver registro da violência praticada no livro de ocorrências do condomínio.

Para a juíza Rosa Mendonça, titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Fortaleza, que julga processos dessa natureza, a iniciativa “é de extrema importância para a segurança das mulheres. É muito comum profissionais que trabalham em condomínios residenciais presenciarem algum tipo de agressão. Então, tanto eles, como síndicos, administradores ou qualquer morador desses locais, saberem que podem e devem denunciar de forma anônima, com certeza é um forte instrumento para salvar vidas e evitar, inclusive, feminicídio, principalmente nesse período de isolamento social, gerado em decorrência da Covid-19.”

A magistrada acrescentou que a denúncia pode ser feita por qualquer pessoa que presencie ou desconfie de agressões que vão além das físicas, mas também psicológica, moral, sexual e patrimonial. “As autoridades e órgãos competentes estão trabalhando intensamente na implementação e divulgação de políticas públicas sobre esse tema, mas é preciso o engajamento da população para ajudar a prevenir esses tipos de violência. É dever de todos”, destacou. A nova lei foi publicada no Diário Oficial do Estado, na edição do último dia 20 de maio.

STF: Empresas optantes pelo Simples têm direito a imunidades em receitas decorrentes de exportação

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que os contribuintes optantes pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples) têm direito às imunidades tributárias previstas na Constituição Federal, exceto nas hipóteses de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e contribuição sobre o salário (PIS). O entendimento foi adotado em sessão virtual, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 598468, com repercussão geral reconhecida (Tema 207).

As imunidades dizem respeito às receitas decorrentes de exportação e oriundas de operações que destinem ao exterior produtos industrializados. No RE 598468, a Brasília Pisos de Madeira Ltda., optante pelo Simples, questionava decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que afastou o direito às imunidades tributárias previstas nos artigos 149 e 153 da Constituição Federal. O TRF-4 entendeu ser exigível a cobrança de INSS, Cofins, PIS, CSLL e IPI e assentou a inviabilidade de conjugar dois benefícios fiscais incompatíveis (a imunidade e o recolhimento de tributos pelo Simples), criando-se um sistema híbrido. Concluiu ainda que, no regime unificado de recolhimento, não seria possível individualizar a parcela referente a cada tributo.

Natureza objetiva

Prevaleceu, no julgamento, o voto do ministro Edson Fachin pelo parcial provimento do recurso. A seu ver, as imunidades analisadas têm natureza objetiva e não poderiam ser interpretadas de modo a comportar diferenciação que, por opção político-legislativa constitucional, não foi feita pelo legislador.

Para o ministro Fachin, os dispositivos constitucionais em questão não devem ser interpretados de forma a reconhecer capacidade tributária ativa não exercitável sobre outros aspectos que não a receita de exportação. Ou seja, a interpretação sobre o alcance da imunidade relativa às receitas de exportação deve afastar a possibilidade de estendê-la a outras bases econômicas, como as contribuições incidentes sobre folha de salários – a CSLL e o PIS.

Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, relator, e Ricardo Lewandowski, que votaram pelo provimento total do recurso, para assentar o direito das empresas optantes do Simples às imunidades tributárias, mas sem as ressalvas apresentadas pela corrente divergente.

Processo relacionado: RE 598468

STJ: Em busca da recuperação, parte 1: a jurisprudência do STJ sobre o processo de reabilitação das empresas

Quando o empreendedor decide entrar no mercado para oferecer produtos ou serviços, certamente não espera que seu negócio vá integrar o grupo de mais de 2.500 empresas que, apenas nos últimos dois anos, acabaram recorrendo ao instituto da recuperação judicial para evitar a falência.

De acordo com o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações Judiciais, a maioria dos pedidos judiciais de reorganização econômica, administrativa e financeira são apresentados por micro e pequenas empresas, mas há um considerável número de médias e grandes corporações que também buscam se reerguer.

Os motivos para os pedidos de recuperação são múltiplos e variam de acordo com o porte de cada empresa, mas normalmente têm relação com o contexto econômico do país. Em cenários de recessão ou crescimento muito baixo, como o atravessado pelo Brasil nos últimos anos, o ambiente de consumo é afetado diretamente, e muitas empresas têm mais dificuldade de se manter saudáveis com a diminuição dos negócios.

Por outro lado, para fugir do desemprego, muitas pessoas se lançam em uma espécie de “empreendedorismo por necessidade” e, na falta de conhecimento adequado sobre gestão do negócio, acabam sofrendo instabilidades financeiras que as levam a buscar o auxílio da Justiça.

O principal marco legal que orienta os pedidos de recuperação judicial é a Lei 11.101/2005, que reformou o regime jurídico das empresas em crise, anteriormente disciplinado pelo Decreto-Lei 7.661/1945. A nova Lei de Recuperação Judicial e Falência extinguiu o instituto da concordata, que era considerado muito restrito em termos de empresas potencialmente beneficiadas.

Elaborada sob o espírito de preservação da atividade empresária, manutenção de empregos e proteção aos credores, a lei estabelece todas as etapas necessárias para a reorganização das finanças da companhia. O processo de soerguimento, entretanto, é complexo e comumente gera contestações que, em último grau, chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para a palavra final sobre o conflito e a fixação de teses jurídicas que orientam todo o Judiciário na matéria.

A jurisprudência do STJ sobre as etapas da recuperação judicial é o tema da série de reportagens Em busca da recuperação, que começa neste domingo e continua nos dois seguintes. A primeira parte apresenta os julgados do tribunal sobre sujeição de créditos ao processo de recuperação de empresas.

Ma​​rcos
Em linhas gerais, o processamento da recuperação judicial segue as seguintes etapas, conforme a Lei 11.101/2005:

Logo na petição inicial do pedido de recuperação, o artigo 51 da Lei 11.101/2005 prevê que a empresa interessada indique a relação nominal dos credores, bem como a natureza, a classificação e o valor atualizado dos créditos. O artigo 49 especifica que estão sujeitos à recuperação todos os créditos existentes até a data do pedido, ainda que não vencidos.

Só após a apresentação da relação de credores é que o juiz da recuperação nomeia um administrador judicial (artigo 21) e dá início ao chamado stay period – suspensão, pelo prazo de 180 dias, dos processos contra a empresa (artigo 6º). Os prazos de prescrição também ficam suspensos.

A classificação dos créditos na recuperação judicial obedece à seguinte ordem:

Apesar da previsão legal de inclusão dos créditos existentes até o momento do pedido de recuperação, a Terceira Turma do STJ entendeu que os créditos trabalhistas oriundos de sentença posterior ao início do processo de recuperação devem ser submetidos aos seus efeitos.

Inicialmente, o magistrado extinguiu sem resolução do mérito o pedido de habilitação de crédito trabalhista, por considerar que o valor foi constituído pela sentença da Justiça do Trabalho em data posterior ao ajuizamento da recuperação. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

No voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado, o ministro Marco Aurélio Bellizze explicou que, em um contrato trabalhista, a partir do momento em que o trabalhador presta o serviço, ele assume a condição de credor de seu empregador – o qual, encerrado o mês, deve efetivar a contraprestação pelo trabalho.

Por isso, apontou o ministro, uma sentença que reconheça o direito do trabalhador em relação a essa verba trabalhista certamente não constitui o crédito, apenas o declara. “E, se esse crédito foi constituído em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, aos seus efeitos se encontra submetido, inarredavelmente”, afirmou.

Segundo Bellizze, o artigo 6º da Lei 11.101/2005 permite o prosseguimento das ações trabalhistas na própria Justiça do Trabalho, que decidirá as impugnações ao crédito postulado na recuperação, bem como apurará o valor a ser inscrito no momento de sua definição no quadro geral de credores, sendo possível, inclusive, determinar a reserva de importância que estiver devida na recuperação judicial.

“Constata-se que a ação trabalhista – que verse, naturalmente, sobre crédito anterior ao pedido da recuperação judicial – deve prosseguir até a sua apuração, em vindoura sentença e liquidação, a permitir, posteriormente, a inclusão no quadro de credores”, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso para incluir o crédito trabalhista na recuperação (REsp 1.634.046).

Honorá​​rios
Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e, por isso, equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência e recuperação judicial, como decidido pela Corte Especial ao analisar o REsp 1.152.218, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 637).

No REsp 1.539.429, a Terceira Turma entendeu que o crédito relativo a honorários advocatícios sucumbenciais pode ser habilitado na recuperação judicial simultaneamente com o crédito trabalhista reconhecido na Justiça do Trabalho, sem a necessidade de habilitação autônoma pelo advogado, em razão da legitimidade concorrente da parte titular do crédito trabalhista.

Ao habilitar o crédito, o credor trabalhista indicou os valores fixados pela sentença a título de honorários sucumbenciais em favor dos advogados que o representaram na Justiça do Trabalho. O juiz acolheu o pedido, determinando a inclusão da verba trabalhista e dos honorários no quadro geral de credores – decisão mantida em segunda instância.

O relator do recurso do grupo em recuperação, ministro Villas Bôas Cueva, apontou jurisprudência do STJ no sentido de que, apesar da inegável autonomia entre o crédito trabalhista e o crédito resultante de honorários sucumbenciais, além da circunstância de terem sido constituídos em momentos distintos, seria incongruente a submissão do crédito principal (trabalhista) aos efeitos da recuperação e a exclusão da verba honorária.

Segundo o ministro, além de ambos os créditos possuírem natureza alimentar, “é possível afirmar, em virtude do princípio da causalidade, que os honorários advocatícios estão intrinsecamente ligados à demanda que lhes deu origem, afigurando-se, portanto, como inaceitável situação de desigualdade a integração do crédito trabalhista ao plano de recuperação judicial e a não sujeição dos honorários advocatícios aos efeitos da recuperação judicial, visto que empresta ao patrono da causa garantia maior do que a conferida ao empregado/reclamante”.

Por decorrência lógica, afirmou o relator, ainda que os honorários sucumbenciais sejam de titularidade dos advogados que atuaram no feito, a legitimidade para sua habilitação no âmbito da recuperação judicial – da mesma forma que para a execução – pode ser conferida de forma concorrente à parte.

Créditos pós-recup​​​eração
Ao julgar o REsp 1.443.750, a Terceira Turma concluiu que o crédito de honorários sucumbenciais constituído após o pedido de recuperação deve se sujeitar ao plano de recuperação judicial e a seus efeitos.

No voto vencedor, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que a exclusão dos créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial, na forma prevista pela Lei 11.101/2005, tem a finalidade de proporcionar o regular funcionamento da empresa, assegurando ao devedor o acesso a contratos comerciais, bancários, trabalhistas e outros relacionados à atividade-fim do empreendimento, com o objetivo de viabilizar a sua reabilitação.

Essa condição, apontou, funciona como uma espécie de “privilégio” para aqueles que assumiram riscos e ajudaram na superação da crise empresarial.

Entretanto, Villas Bôas Cueva ressaltou que o crédito decorrente de honorários de sucumbência, além de previsível, não contribuirá para o soerguimento da empresa, não havendo motivo para que lhe seja atribuído regime mais benéfico na execução em virtude de sua natureza alimentar.

Além disso, o ministro reafirmou que, no caso, não seria lógico sujeitar o crédito de reclamação trabalhista ao plano de recuperação e excluir os honorários de seus efeitos.

Indeniza​​ção
No âmbito das ações de ressarcimento, a Terceira Turma entendeu que o crédito de indenização cuja sentença transitou em julgado após o pedido de recuperação deve se submeter ao plano de soerguimento, tendo em vista que o evento danoso ocorreu antes do pedido recuperacional.

No processo que deu origem ao recurso, as autoras apresentaram pedido de cumprimento da sentença que condenou um supermercado a indenizá-las por danos morais em virtude do consumo de leite adulterado.

Depois de receber o pedido, o juiz determinou o início da fase de execução, por entender que o crédito não se submeteria aos efeitos da recuperação do supermercado. A decisão foi mantida pelo TJRS.

A ministra Nancy Andrighi destacou que a constituição do crédito não se deu com a prolação da decisão judicial que reconheceu e quantificou o dano ao direito das autoras, mas com a própria ocorrência do evento danoso.

“Vale dizer, o sujeito prejudicado assume a posição de credor da reparação civil derivada de ato lesivo contra ele intentado desde a sua prática, e não com a declaração judicial de sua ocorrência. Tanto é assim que, nas hipóteses de responsabilidade civil extracontratual, o marco inicial de fluência dos juros decorrentes da mora do devedor é contado da data do evento danoso (Súmula 54/STJ)”, afirmou a relatora.

Ao dar provimento ao recurso do supermercado, Nancy Andrighi lembrou que a própria Lei de Recuperação Judicial e Falência fixa que, no caso de ação sobre quantia ilíquida, cujo processamento não é suspenso pelo pedido recuperacional, o crédito decorrente da respectiva sentença deve ser incluído no quadro geral de credores, podendo o juiz onde ela tramita, inclusive, determinar a reserva de valor para a satisfação da obrigação (processo em segredo judicial).

Alienação fiduci​ária
Entre as hipóteses de exclusão de créditos, a Segunda Seção estabeleceu no CC 131.656 que não se submetem aos efeitos da recuperação judicial os valores garantidos por alienação fiduciária de bem não essencial à atividade empresarial.

O conflito de competência foi suscitado por um grupo industrial de usinas de açúcar e álcool que entrou com pedido de recuperação no Recife. Segundo o grupo, apesar da suspensão das execuções contra as empresas recuperandas, alguns juízos não vinham respeitando essa condição, pois uma vara cível em São Paulo determinou o prosseguimento da execução de título extrajudicial apresentado por uma empresa de commodities. O valor da execução ultrapassava R$ 30 milhões.

Em resposta, a empresa de commodities alegou que os contratos de compra e venda de açúcar para exportação – objeto da execução – eram garantidos por imóveis com alienação fiduciária e, portanto, não se submeteriam ao juízo da recuperação.

A ministra Isabel Gallotti lembrou que o artigo 49 da Lei 11.101/2005 estabelece que estão sujeitos à recuperação todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Entretanto, o parágrafo 3º do mesmo artigo excepciona certos credores – como os proprietários fiduciários de bens móveis ou imóveis –, proibindo, todavia, a venda ou retirada do estabelecimento do devedor de bens de capital essenciais à sua atividade empresarial.

Nesse sentido, apontou a relatora, a jurisprudência do STJ, inspirada no princípio da preservação da empresa, estabeleceu hipóteses em que se abre exceção à regra da não submissão do crédito garantido por alienação fiduciária ao procedimento da recuperação judicial – por exemplo, o parque fabril da empresa ou o maquinário comprovadamente necessário à produção.

Todavia, no caso dos autos, a ministra Gallotti observou que o grupo de usinas não indicou peculiaridade alguma que pudesse justificar exceção à regra legal. A empresa apenas alegou que tinha a intenção de obter recursos com a venda dos imóveis.

“Considerar que a mera intenção de ‘fazer caixa’, mediante a venda dos imóveis alheios (de propriedade do credor fiduciário), possa justificar exceção à regra do artigo 49, parágrafo 3º, implicaria tornar sem substância o regime legal da propriedade fiduciária, uma vez que, repita-se, recursos financeiros sempre serão essenciais à recuperação de qualquer empreendimento”, concluiu a ministra ao declarar a competência da vara comum de São Paulo para prosseguir com os atos de execução.

ACC​s
Para a Terceira Turma, também não se submetem aos efeitos da recuperação judicial as execuções de títulos de Adiantamento a Contrato de Câmbio (ACC). O ACC é uma antecipação financeira parcial ou total para empresas que venderam produtos no mercado internacional com entrega futura – nesses casos, o banco adianta capital ao exportador antes do produto seguir para o destino final.

No caso analisado pelo colegiado (REsp 1.279.525), apesar de reconhecer que o artigo 49, parágrafo 4º, da Lei 11.101/2005 prevê que a cobrança dos adiantamentos de créditos em contratos de câmbio não é influenciada pelo deferimento da recuperação, o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) levou em conta a circunstância dos autos – em que mais da metade das dívidas da empresa era decorrente de ACCs – para afastar a incidência da norma.

Segundo o TJPA, a decisão tinha o objetivo, sobretudo, de não tornar inócuo o artigo 47 da mesma lei, que especifica que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise na empresa.

Todavia, de acordo com o ministro Villas Bôas Cueva, o artigo 49, parágrafo 4º, é norma cogente (de aplicação obrigatória), enquanto o artigo 47 estabelece um princípio; como são dispositivos da mesma lei – “portanto, do mesmo nível hierárquico” –, não há razão para que o segundo prevaleça sobre o primeiro.

“Quando a estipulação do princípio não advém de legislação editada com o fim de dispor sobre normas gerais, mas do mesmo plano normativo que a regra, a regra deve prevalecer sobre o princípio, salvo se houver declaração de inconstitucionalidade que lhe retire eficácia”, afirmou o relator.

Para ele, há uma opção clara da Lei 11.101/2005 no sentido de preservar a restituição dos ACCs pela via independente à do plano de recuperação.

“Se a recuperação judicial resta inviável, embora também grave e custosa, infelizmente outra solução não se afigura juridicamente possível que não aquela dada pela lei, isto é, a decretação da falência da empresa. Mesmo porque, também nessa hipótese, o ordenamento jurídico oferece respostas minimamente adequadas para a continuidade da atividade empresarial, manutenção dos empregos etc., complexidades que foram exatamente objeto das justas preocupações do tribunal de origem” – concluiu o ministro ao reformar o acórdão do TJPA.

Av​​al
No caso de créditos oriundos de aval, sua submissão à recuperação depende da verificação da característica da garantia prestada: se realizada a título gratuito, aplica-se o artigo 5º da Lei 11.101/2005 para afastar o crédito do processo; se prestada a título oneroso, o crédito se sujeita aos efeitos da recuperação, nos termos do artigo 49 da lei.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma determinou o retorno dos autos ao primeiro grau para que o juiz da recuperação analise o tipo de garantia cambiária que foi prestada pela sociedade recuperanda – o credor do título era o Banco do Brasil.

O aval representa garantia prestada em favor de devedor de título de crédito, caracterizada pelo fato de o avalista responder pelo cumprimento da obrigação da mesma maneira que o devedor principal.

Relatora do recurso do banco, a ministra Nancy Andrighi lembrou que os parágrafos 3º e 4º do artigo 49 da Lei de Recuperação estipulam créditos que não estão sujeitos aos efeitos da recuperação, entre os quais não está incluído o aval.

Contudo, a ministra ressaltou que o artigo 5º, parágrafo I, da Lei 11.101/2005 afasta expressamente a exigibilidade das obrigações a título gratuito da recuperação judicial.

De acordo com Nancy Andrighi, no meio empresarial, é normal que as relações negociais envolvam a prestação de garantias em contrapartida a algum ato praticado – ou que será praticado – pelo avalizado ou por terceiros.

“Nessas hipóteses, portanto – em que a declaração cambiária em questão assume contornos de natureza onerosa –, a norma do artigo 5º, I, da lei não tem aplicabilidade, devendo o crédito correspondente, por imperativo lógico, sujeitar-se aos efeitos da recuperação judicial”, disse a ministra.

Como as instâncias ordinárias não examinaram as circunstâncias que motivaram a concessão do aval pela empresa, Nancy Andrighi entendeu que os autos deveriam retornar à primeira instância para se verificar se a obrigação pode ou não ser classificada como ato de mera liberalidade (REsp 1.829.790).

Créditos trib​​utários
No julgamento do REsp 1.466.200 pela Quarta Turma, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, explicou que o artigo 187 do Código Tributário Nacional – assim como o artigo 29 da Lei de Execução Fiscal – dispõe que a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, liquidação, inventário ou arrolamento. Por isso, afirmou, as execuções fiscais devem ter curso normal nos juízos competentes.

O relator observou, porém, que “os credores tributários sujeitam-se ao concurso material (ou obrigacional), decorrente da falência ou da recuperação judicial, pois deverão ser respeitadas as preferências dos créditos trabalhistas e daqueles com garantia real, sem olvidar-se do pagamento prioritário dos créditos extraconcursais e das importâncias passíveis de restituição”.

Apesar da possibilidade de cobrança por execução fiscal, Luis Felipe Salomão ressaltou que não há impedimento para que o fisco, no exercício do juízo de conveniência e oportunidade, venha a requerer a habilitação de seus créditos nos autos da recuperação, submetendo-se à ordem de pagamento prevista na Lei 11.101/2005, o que implicará a renúncia do rito previsto na Lei 6.830/1980.

Jurisprud​​ência
A edição número 65 de Jurisprudência em Teses traz, entre outros, o entendimento de que “os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, recuperação judicial e privilégio geral em concurso de credores nas execuções fiscais” (Tema 637 dos recursos repetitivos).

A Pesquisa Pronta, no site do STJ em diversas edições, apresenta julgados sobre os créditos sujeitos à recuperação:

Habilitação ou impugnação de crédito. Honorários advocatícios: cabimento?

Falência e recuperação judicial. Honorários. Natureza jurídica.

Adiantamento de contrato de câmbio. Recuperação judicial.

Leia também:

STJ: Em busca da recuperação, parte 2 – os conflitos sobre quem decide o destino do patrimônio da empresa

Bibliografias Selecionadas

A publicação Bibliografias Selecionadas, da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, traz, periodicamente, referências de livros, artigos de periódicos, legislação, notícias de portais especializados e outras mídias sobre temas relevantes para o STJ e para a sociedade – muitos deles com texto integral.

STJ: Em busca da recuperação, parte 2 – os conflitos sobre quem decide o destino do patrimônio da empresa

Passada a fase de apresentação e aprovação do plano, cabe ao juízo universal da recuperação judicial acompanhar a execução das medidas de soerguimento da empresa. Nessa etapa, vários conflitos de competência podem surgir entre juízos diversos que porventura decidam sobre assuntos direta ou indiretamente relacionados ao futuro da sociedade em recuperação.

Definir o que é e o que não é de competência do juízo universal é um encargo frequentemente trazido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esta segunda reportagem da série Em busca da recuperação destaca algumas das principais decisões do tribunal a respeito do tema (a série termina no próximo domingo).

O Conflito de Competência 61.272 é considerado leading case sobre a definição de competência nos casos de recuperação judicial e falência. Em junho de 2006, a Segunda Seção do STJ definiu pela primeira vez que cabe ao juízo universal a decisão acerca das execuções de créditos trabalhistas, pois, correndo à parte, elas podem comprometer o plano de soerguimento.

Na ocasião, o ministro Ari Pargendler, relator, destacou as alterações feitas pela Lei 11.101/2005 e disse ser razoável que o juízo da recuperação tenha controle sobre atos que possam inviabilizar o plano.

“A recuperação judicial está norteada por outros princípios, mas parece razoável que ela ficaria comprometida se os bens da empresa pudessem ser arrestados pela Justiça do Trabalho”, afirmou Pargendler.

O caso analisado pelos ministros era a recuperação judicial da Varig, e o conflito de competência envolvia a 5ª Vara do Trabalho e a 8ª Vara Empresarial, ambas do Rio de Janeiro.

O juízo da 8ª Vara Empresarial – responsável pelo plano de recuperação – ficou designado como competente para decidir acerca dos créditos trabalhistas cobrados pelo sindicato dos aeronautas em nome dos ex-empregados da empresa.

Jurisprudência estáv​​​el
O entendimento do tribunal nesse assunto tem-se mantido estável ao longo dos anos. Em 2014, ao analisar o CC 130.994, a Segunda Seção declarou que, tanto após o deferimento do pedido de recuperação quanto após a decretação da quebra, o destino do patrimônio da sociedade não pode ser afetado por decisões prolatadas por juízo diverso daquele que é competente para a recuperação ou a falência.

O caso dizia respeito ao processo de recuperação judicial da Vasp – situação similar à da Varig quanto à hipótese de atos constritivos e expropriatórios praticados pela Justiça do Trabalho.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que a arrematação de um imóvel na execução trabalhista ocorreu quando a empresa já estava em recuperação, porém antes da decretação da falência.

Mesmo assim, observou, o prosseguimento de atos constritivos e expropriatórios na Justiça do Trabalho invade a esfera de competência do juízo universal. No caso, o colegiado declarou o juízo da falência o foro competente para as deliberações acerca dos créditos trabalhistas.

Diversas outras controvérsias sobre a competência do juízo da recuperação e da falência foram suscitadas no tribunal por meio de conflito de competência ou de recurso especial.

Relação de​​ consumo
No Recurso Especial 1.630.702, a Terceira Turma definiu que o juízo onde tramita o processo de recuperação é o que deve decidir sobre o destino de bens e valores objeto de execuções singulares movidas contra a recuperanda, ainda que se trate de crédito decorrente de relação de consumo.

Para o colegiado, o juízo da recuperação, por ter à sua disposição todos os elementos que traduzem com precisão as dificuldades enfrentadas pela devedora, bem como todos os aspectos concernentes à elaboração e à execução do plano de soerguimento, é o foro competente para tais deliberações.

Segundo a ministra Nancy Andrighi – relatora –, o foco do aplicador do direito deve estar voltado para o atendimento precípuo das finalidades da Lei 11.101/2005, “sendo certo que os princípios que orientaram a elaboração e que devem direcionar a interpretação e a aplicação dessa lei objetivam garantir, antes de tudo, o atendimento dos escopos maiores do instituto da recuperação de empresas, tais como a manutenção do ente no sistema de produção e circulação de bens e serviços, o resguardo do direito dos credores e a preservação das relações de trabalho envolvidas, direta ou indiretamente, na atividade”.

Viabilidade empr​​esarial
Para a ministra, essa é a interpretação a ser dada ao artigo 47 da Lei de Recuperação Judicial e Falência. “Para as finalidades da lei, o primordial é que a sociedade empresária economicamente viável seja mantida em atividade”, disse.

Nancy Andrighi assinalou que até mesmo em processos de execução fiscal – hipóteses nas quais a lei expressamente prevê a continuidade da tramitação após o deferimento da recuperação –, o STJ entende que, embora as ações não se suspendam, compete ao juízo universal dar seguimento a atos que envolvam a expropriação de bens do acervo patrimonial do devedor.

A relatora explicou que o juízo da recuperação é o que está mais próximo da realidade das empresas em dificuldade, tendo, por isso, melhores condições de definir se as medidas constritivas de patrimônio podem ou não comprometer o sucesso do plano de recuperação.

“Admitir a não sujeição de valores objeto de execuções singulares à vis attractiva do foro recuperacional representaria clara afronta aos princípios da universalidade e unidade do juízo e da preservação da empresa”, concluiu a ministra.

Prevenç​​​ão
No CC 116.743, os ministros discutiram qual é o foro competente para apreciar pedido de recuperação de grupo de empresas com sedes em comarcas distintas, caso exista pedido anterior de falência ajuizado contra uma delas.

O entendimento é que, em tais hipóteses, o foro é o da comarca onde se encontra o principal estabelecimento da empresa contra a qual foi ajuizada a falência, ainda que esse pedido tenha sido apresentado em local diverso.

A demanda falimentar foi ajuizada na comarca de Guaxupé (MG), sede do credor, contra a empresa Alvorada do Bebedouro S/A – Açúcar e Álcool, que possui estabelecimento apenas em Guaranésia (MG). Na sequência, a Alvorada e as outras quatro empresas do mesmo grupo econômico ingressaram com pedido de recuperação em Guaxupé. Embora nenhuma delas tivesse estabelecimento nessa cidade, as empresas alegaram que o pedido de recuperação estava sendo feito ali por já existir na comarca o pedido de falência contra uma delas.

Autor do voto vencedor no conflito, o ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que, conforme o artigo 6º, parágrafo 8º, da Lei 11.101/2005, a distribuição do pedido de falência ou recuperação torna prevento o juízo para qualquer outro pedido de recuperação ou falência relativo ao mesmo devedor.

Ao mesmo tempo, ele afirmou que o artigo 3º estabelece que o juízo do local do principal estabelecimento do devedor é absolutamente competente para decretar a falência ou deferir a recuperação. Assim, na opinião do ministro, o juízo de Guaxupé não tinha competência nem para a falência nem para a recuperação.

Salomão destacou que, mesmo antes da Lei 11.101/2005, o STJ já possuía entendimento no sentido de considerar a localização do maior estabelecimento da empresa como marco para definição do foro (CC 37.736).

Concluindo, o ministro declarou que o juízo competente tanto para a falência quanto para a recuperação era aquele em que deveria ter sido proposta a ação de falência, ou seja, o juízo de Guaranésia, onde a empresa Alvorada do Bebedouro tinha seu único estabelecimento.

Suce​​​ssão
No CC 161.042, a Segunda Seção definiu que, na hipótese de alienação judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas do devedor, estas estão livres de quaisquer ônus, não havendo sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive nas de natureza tributária.

A interpretação do colegiado sobre o artigo 60 da lei foi fixada na solução de conflito de competência entre o juízo trabalhista e o da recuperação.

No caso analisado, mais de 500 execuções trabalhistas foram redirecionadas do grupo Galvão, em recuperação judicial, para a Iguá Saneamento, pressupondo a existência de grupo econômico entre as empresas.

No plano de recuperação da Galvão ficou prevista a alienação da participação que ela detinha na Iguá Saneamento, e esta suscitou o conflito de competência por ser contrária ao redirecionamento das execuções, que poderiam inviabilizar a venda da participação da Galvão na Iguá e o próprio plano de recuperação do grupo Galvão.

Autor do voto vencedor, o ministro Raul Araújo explicou que o juízo da recuperação defendia que o pagamento dos créditos trabalhistas ficasse a seu cargo, sob os auspícios do plano, enquanto o juízo trabalhista pretendia que a satisfação dos créditos ocorresse na própria Justiça especializada – mediante constrição de patrimônio de terceiros, por força da desconsideração da personalidade jurídica, ou de patrimônio nitidamente afetado à recuperação (no caso, a participação da Galvão na Iguá).

“O conflito fica nítido, fazendo sobressair a competência do juízo da recuperação judicial, seja para promover o pagamento dos credores da recuperanda, inclusive trabalhistas, seja para zelar, exclusivamente, pelo estrito cumprimento do plano de soerguimento”, declarou Raul Araújo.

O ministro afirmou que esse processo seria levado à frente com a venda da unidade produtiva isolada, preservando as garantias dos adquirentes e a saúde econômica de toda a filial, “não permitindo seja submetida à recuperação judicial (ficando, assim, livre de quaisquer ônus) ou aos interesses dos credores da recuperanda (ficando, então, imunizada de sucessão nas obrigações do devedor)”.

Ele entendeu que, se fosse permitido que as execuções trabalhistas atingissem, no todo ou em parte, o objeto da alienação de filial ou de unidade produtiva isolada da recuperanda, não haveria interessados na aquisição do ativo contaminado. Além disso, “os eventuais adquirentes da filial ou da unidade produtiva isolada, desestimulados em concluir a operação de aquisição de ativos contaminados, poderiam ‘forçar’ a venda do assinalado bem por preço abaixo do que efetivamente valesse, colocando em risco o êxito do plano de recuperação”.

Por esses motivos – destacou Raul Araújo –, nos termos do artigo 60 da Lei 11.101/2005, a alienação da unidade produtiva isolada implica a inexistência de sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive de natureza societária.

Reintegração de emprega​​​do
No CC 152.841, a Segunda Seção decidiu que a competência para deliberar sobre a existência ou não de sucessão empresarial quanto às obrigações trabalhistas em processo de alienação de unidade produtiva é do juízo da recuperação.

O caso envolveu o Grupo Sifco – em recuperação judicial –, os adquirentes de unidades produtivas e um empregado demitido. No plano de recuperação do grupo, foi definido que haveria a alienação de algumas unidades produtivas isoladas, sem a assunção de quaisquer dívidas ou obrigações, inclusive de natureza trabalhista. Os adquirentes ficariam com 80% dos empregados, e os demais seriam mantidos pelo próprio grupo.

O juízo trabalhista determinou a reintegração de um empregado, fazendo surgir o conflito de competência.

O relator ficou vencido, entendendo que não estava configurado conflito no caso, já que não houve ato com o intuito de inviabilizar a recuperação judicial do grupo, pois o seu patrimônio não foi afetado pela decisão do juízo trabalhista. O caso seria, na visão do relator, apenas de não observância de normas trabalhistas.

No entanto, conforme o pensamento majoritário da seção, o conflito não diz respeito à competência para decidir sobre a realização de atos executórios contra o patrimônio do Grupo Sifco, muito menos sobre a inobservância da legislação trabalhista. Para o colegiado, o conflito gira em torno da “competência para deliberar sobre a existência ou não de sucessão empresarial quanto aos ônus e obrigações trabalhistas em processo de alienação de unidade produtiva”, como disse o ministro Luis Felipe Salomão no voto vencedor.

De acordo com o magistrado, a ingerência do juízo trabalhista nas regras da alienação pode “comprometer o processo de recuperação judicial, haja vista que a insegurança jurídica decorrente da subversão dessas regras tem o condão de desacreditar e inviabilizar a adoção de tais medidas de soerguimento” – contrariando ainda a jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Bens em gara​​ntia
Compete ao juízo da falência decidir sobre garantias dadas pela falida a empresa em recuperação. O entendimento foi firmado no CC 166.591, julgado pela Segunda Seção. No caso, o conflito surgiu entre o juízo que processa a autofalência de suposta devedora – segundo o qual os bens dados por ela em garantia pertencem à massa falida – e o juízo onde tramita a recuperação judicial da credora – que não libera os bens por entender que caberia ao juízo arbitral, em primeiro lugar, decidir o mérito da divergência entre as empresas a respeito de eventual descumprimento do contrato.

Os bens no centro da controvérsia foram dados por uma empresa de serviços como garantia da execução de contrato firmado com uma empresa de energia renovável para construção e manutenção de parques eólicos. Diante de suposto descumprimento das obrigações por parte da prestadora de serviços, o caso foi submetido a procedimento de arbitragem, no qual se chegou a um acordo que, segundo a contratante, também teria sido descumprido.

A empresa de energia renovável entrou em recuperação judicial na Justiça de São Paulo, enquanto a prestadora de serviços requereu sua autofalência em juízo do Ceará.

Para o relator do conflito – ministro Antonio Carlos Ferreira –, compete ao juízo da falência decidir sobre a destinação dos bens dados em garantia pela falida, que estão vinculados à execução concursal, inclusive sobre eventuais atos constritivos incidentes sobre o seu patrimônio.

O ministro Antonio Carlos destacou que o artigo 6º, caput e parágrafo 1º, da Lei 11.1​01/2005 estabelece que a decretação da falência suspende o curso de todas as ações e execuções contra o devedor, prosseguindo a ação que demandar quantia ilíquida no juízo em que estiver sendo processada. “No presente caso, a arrecadação dos bens em favor da massa falida não impede seja processada no juízo arbitral eventual demanda na qual se discuta o descumprimento de obrigações contratuais e créditos ilíquidos”, disse.

Ele afirmou ainda que, se a empresa contratante discordar de decisão do juízo falimentar quanto ao destino dos bens dados em garantia, deve fazer uso dos recursos cabíveis nos autos do processo de falência, visando a reforma do respectivo entendimento, uma vez que o conflito de competência não tem índole recursal.

Ação de despej​​o
A competência do juízo universal não é regra para toda e qualquer situação que possa envolver a empresa em recuperação. Sobre isso, o STJ editou a Súmula 480, segundo a qual “o juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa”.

Outro exemplo em que o juízo universal não é competente foi dado no julgamento do CC 123.116, quando o tribunal decidiu que não se submete à competência do juízo universal a ação de despejo movida pelo proprietário locador, com base na Lei 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), para obter unicamente a retomada da posse direta do imóvel alugado à sociedade em recuperação.

Nesse caso, a empresa teve o pedido de recuperação deferido com a determinação de suspensão de todas as ações e execuções contra o grupo ao qual pertence. Apesar disso, um outro juízo que não o da recuperação determinou o prosseguimento de ação de despejo por falta de pagamento, cumulada com cobrança de aluguéis, e houve intimação para a locatária desocupar o imóvel.

No conflito de competência, a empresa recuperanda alegou que o imóvel era imprescindível para a continuidade das suas atividades, e por isso o despejo representaria interferência na competência do juízo da recuperação.

O ministro Raul Araújo – relator – destacou que a rescisão de contrato de aluguel não caracteriza conflito de competência no caso, porque tais questões não se inserem na competência do juízo universal da recuperação.

“É possível a retomada, pelo locador, da posse direta de imóvel locado à sociedade em recuperação judicial, com base nas previsões de lei específica, a Lei do Inquilinato (8.245/1991), mediante a propositura de ação de despejo. A Lei da Recuperação não prevê exceção que ampare a locatária que tenha obtido o deferimento de recuperação judicial, vaticinando, ao contrário, que o credor proprietário de bem imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial”, explicou o relator.

De acordo com o ministro, a melhor interpretação a ser conferida aos artigos 6º e 49 da Lei 11.101/2005 é de que, em regra, apenas os credores de quantia líquida se submetem ao juízo da recuperação, com exclusão, entre outros, do titular do direito de propriedade.

“Conclui-se que a efetivação da ordem de despejo não se submete à competência do juízo universal da recuperação, não se confundindo, ademais, com eventual execução de valores devidos pelo locatário relativos a aluguéis e consectários, legais e processuais, ainda que tal pretensão esteja cumulada na ação de despejo.”

Bens em ​​​depósito
Também não está submetida à competência do juízo da recuperação a decisão acerca de busca e apreensão de produtos agropecuários de terceiros, depositados em armazém de empresa em recuperação.

No caso analisado pela Segunda Seção no CC 147.927, uma empresa produtora de grãos depositou três milhões de quilos de soja no armazém de uma empresa especializada em armazenagem. Esta última deveria restituir o produto nas datas acordadas, ou quando solicitado.

Como a empresa de armazenagem entrou em recuperação, a restituição dos grãos não foi efetivada e, então, a empresa depositante ajuizou ação de busca e apreensão, distribuída à 5ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – foro de eleição do contrato de depósito.

O juízo da 5ª Vara Cível determinou a entrega dos bens à empresa depositante, expedindo carta precatória para a comarca de Guarani das Missões (RS), local do depósito. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no entanto, suspendeu a entrega e determinou que o pedido da depositante estaria sujeito à anuência do juízo universal da recuperação.

A ministra Isabel Gallotti foi autora do voto vencedor na controvérsia. Ela explicou que os produtos depositados em armazéns não têm a sua propriedade transferida.

“Não sendo os produtos agropecuários depositados em armazém bens de propriedade da empresa recuperanda, não estão abrangidos pela recuperação judicial, deles não se podendo servir a recuperanda no giro de seus negócios ou para pagar credores”, afirmou.

Em seu entendimento, embora a Lei 9.973/2000 permita ao depositário de produtos agropecuários a prática de atos de comércio de bens da mesma espécie daqueles usualmente recebidos em depósito, o depositário não tem o direito de dispor da coisa depositada sem a prévia concordância formal do depositante.

Para ela, é preciso destacar que a ação de depósito movida pela produtora busca a devolução de bens não pertencentes à recuperanda. “Não se trata de execução concursal, mas de iniciativa individual do depositante, valendo-se do instrumento processual adequado, para reaver bens de sua propriedade”, frisou a ministra ao justificar a incompetência do juízo universal para o caso.

Por considerar que os grãos depositados são bens de terceiros, a ministra aplicou a Súmula 480 do STJ, segundo a qual o juízo universal não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação.

Bibliografias Se​​lecionadas
A publicação Bibliografias Selecionadas, da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, traz, periodicamente, referências de livros, artigos de periódicos, legislação, notícias de portais especializados e outras mídias sobre temas relevantes para o STJ e para a sociedade – muitos deles com texto integral.

Leia o e-book sobre Falência e Recuperação Judicial.

Leia também:

STJ: Em busca da recuperação, parte 1: a jurisprudência do STJ sobre o processo de reabilitação das empresas

Processos: CC 61272; CC 130994; REsp 1630702; CC 116743; CC 161042; CC 152841; CC 166591; CC 123116;
CC 147927

STJ: Juiz deverá aplicar medidas coercitivas a familiares que se recusam a fazer DNA, sejam ou não parte na investigação de paternidade

​​Para dobrar a resistência das pessoas que, sendo as únicas capazes de esclarecer os fatos, se recusam a fornecer material para exame de DNA, o juiz pode lançar mão das medidas coercitivas autorizadas pelo artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC) – e não só contra quem seja parte passiva na ação de investigação de paternidade, mas contra outros familiares do suposto pai.

O entendimento foi manifestado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao acolher uma reclamação e cassar sentença de primeiro grau que, contrariando julgamento do tribunal em recurso especial, extinguiu processo de investigação de paternidade sem que fosse apurada a alegação de fraude no primeiro exame de DNA, feito há mais de 25 anos, e antes de esgotadas as possibilidades de realização de novo exame após a morte do suposto pai. A decisão foi unânime.

A apuração de uma possível fraude na primeira prova de DNA – que indiciou resultado negativo para o vínculo biológico paterno – e a realização de novo exame genético foram determinadas pela Terceira Turma do STJ, que, ao julgar o recurso especial, afastou a coisa julgada do processo. Em consequência, os autos retornaram à primeira instância.

Como os familiares do suposto pai falecido não compareceram para fazer o segundo exame – e considerando haver apenas uma alegação de fraude sem provas relativa ao exame anterior –, o juiz extinguiu o processo, declarando ter havido coisa julgada na primeira ação de investigação de paternidade. Ele entendeu que não seria aplicável a presunção de paternidade prevista na Súmula 301 do STJ

Declar​​ação
A ministra Nancy Andrighi, relatora da reclamação, apontou que o juiz, em nova análise do processo após a decisão da Terceira Turma, considerou não haver prova da fraude, mas apenas a declaração de uma pessoa que não participou da realização do exame de DNA – o que não seria suficiente para justificar a apuração.

Entretanto, a relatora lembrou que essa declaração foi a mesma na qual a Terceira Turma se baseou, no julgamento do recurso especial, para concluir que se tratava de prova indiciária suficiente para provocar a reabertura da fase de instrução e a apuração da veracidade de seu conteúdo.

Segundo a ministra, em razão do longo tempo transcorrido desde que foi realizado o exame, o próprio acórdão da turma indicou as providências que deveriam ser adotadas para a apuração da suposta fraude, como a oitiva do declarante e dos médicos envolvidos.

Mãos a​​​tadas
Em relação à realização de novo exame, Nancy Andrighi ressaltou que há, até o momento, apenas um herdeiro reconhecido do suposto pai – parte passiva na atual ação de investigação de paternidade –, mas foram localizados dois irmãos vivos do falecido.

No dia designado para o exame, apenas o suposto filho compareceu ao laboratório. Segundo a ministra, o magistrado considerou não ser viável a integração do polo passivo pelos irmãos do falecido, pois eles não seriam herdeiros necessários. Além disso, o juiz entendeu que a recusa dos envolvidos em fornecer material genético não poderia levar à presunção de paternidade (Súmula 301), especialmente por haver coisa julgada na ação investigatória anterior, a qual teria sido afastada pelo STJ tão somente para a realização do novo exame de DNA.

De acordo com a relatora, apenas se tivesse sido concluída a apuração sobre a existência de fraude no exame realizado na primeira ação investigatória – como expressamente determinado pela Terceira Turma – é que se poderia cogitar de aplicar ou não a presunção de paternidade em razão da negativa de fornecimento de material biológico pelos familiares próximos.

Com base em precedentes do Supremo Tribunal Federal, Nancy Andrighi reconheceu não ser possível conduzir coercitivamente o investigado para a coleta do material genético, por se tratar de medida que viola a liberdade de locomoção.

“Isso não significa, todavia, que possa a parte ou o terceiro colocar o magistrado de mãos atadas, desrespeitando injustificadamente a ordem judicial de comparecimento ao local da perícia, sem que haja nenhuma espécie de instrumento eficaz para dobrar a renitência de quem adota postura anticooperativa e anticolaborativa, sobretudo quando a inércia se revela apta a gerar o non liquet instrutório justamente em desfavor de quem coopera e de quem colabora para o descobrimento da verdade”, afirmou a relatora.

Medidas coerc​​itivas
Nancy Andrighi destacou que o entendimento da Súmula 301 não pode ser considerado absoluto e insuscetível de relativização, “pois, maior do que o direito de um filho de ter um pai, é o direito de um filho de saber quem é o seu pai”.

Como consequência, em seu voto, a ministra entendeu ser necessário cassar a sentença para determinar que seja concluída a instrução sobre a filiação do autor da ação, devendo o juiz, se preciso, adotar as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas autorizadas pelo artigo 139, inciso IV, do CPC, para só então – no caso de ser impossível a elucidação da questão – decidir com base em ônus da prova e presunções.

As medidas, segundo a ministra, devem ser direcionadas não só ao herdeiro reconhecido, como também aos irmãos do falecido, ainda que ostentem a condição de terceiros na ação. Essa possibilidade de extensão tem amparo no entendimento da doutrina sobre o conceito de legitimidade processual, que não deve mais se referir apenas à hipótese clássica de legitimidade para a demanda, mas também à legitimidade para atos processuais específicos.

“É correto afirmar que um terceiro, independentemente da existência de circunstância que o legitime a ser parte ou interveniente, poderá ser instado a participar apenas de determinados atos processuais, inclusive na seara instrutória, o que, na verdade, não é sequer uma grande novidade, na medida em que terceiros, observado o contraditório, poderão ser obrigados a exibir documento ou coisa que se encontre em seu poder, sob pena de busca e apreensão em que se admitirá a adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais (artigos 401 a 404 do novo CPC) – procedimento que igualmente deve ser aplicado à hipótese”, finalizou a ministra ao julgar procedente a reclamação.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.


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