TJ/RN: Operadora de telefonia móvel deve indenizar cliente após bloqueio indevido de linha

Uma empresa do ramo ceramista teve mantida sentença que lhe garante uma indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil, além da declaração de inexistência de uma dívida que ela não reconhece como sua. Os desembargadores da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça mantiveram a determinação da 3ª Vara Cível da Comarca de São Gonçalo/RN., neste sentido, em relação a operadora de telefonia móvel, que teve recurso negado para reformar a sentença. Para a Justiça, houve má prestação do serviço com o bloqueio da linha celular. A decisão em segundo grau ocorreu de forma unânime.

No recurso, a empresa de telefonia móvel visava reformar totalmente a sentença sob o argumento de que consta a assinatura do representante da empresa de cerâmica no contrato firmado entre as partes, estando também anexado ao processo o termo de fidelização no qual informa o período de vigência da prestação dos serviços adquiridos e que, em decorrência da contratação e da utilização do serviço, foram geradas faturas, que não foram pagas e levaram ao bloqueio da linha celular.

A operadora apresentou telas sistêmicas para demonstrar o alegado e sustentou a ausência de ato ilícito motivador de indenização por dano moral, reclamando também do valor fixado a este título, dizendo ser excessivo. Assim, pediu pelo conhecimento e provimento total do recurso ou, pelo menos, a diminuição do quantum indenizatório.

Ao analisar a demanda, a relatora do recurso, desembargadora Lourdes Azevêdo, observou que a operadora de telefonia não comprovou a assinatura dos serviços contratados referentes aos valores cobrados indevidamente. “Dessa forma, há de ser reconhecida a ilegalidade nas cobranças efetuadas de forma abusiva”, comentou.

Para a magistrada, a conduta da empresa é considerada ilícita, o que gera o dever de indenizar o abalo moral sofrido pela empresa autora da ação, pois, em decorrência da má prestação de serviço teve sua linha celular bloqueada, o que prejudicou o contato com seus clientes, estando presentes, na sua visão, os caracteres identificadores da responsabilidade civil e a relação de causa e efeito entre eles.

 

TJ/CE: Consumidora ganha na direito à indenização após cobrança irregular da Enel

A 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) considerou irregular a cobrança efetuada pela Companhia Energética do Ceará (Enel) após inspeção técnica realizada em medidor de energia. Por unanimidade, o colegiado também condenou a empresa ao pagamento de indenização moral para a consumidora.

Conforme o processo, em março de 2019, após inspeção no imóvel, a cliente foi notificada sobre a necessidade de trocar o medidor de energia elétrica por suspeita de fraude. Um novo equipamento foi instalado e o valor do aparelho, que custou R$ 15.847,61, passou a ser descontado nas faturas mensais seguintes.

No entanto, a consumidora percebeu que, mesmo após a mudança, o consumo de energia se manteve. Foi então que procurou o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), mas não obteve êxito na tentativa de acordo com a companhia.

Acionada, a Justiça de 1º Grau declarou a nulidade do Termo de Ocorrência e Inspeção (TOI) que ensejou a cobrança do novo medidor e condenou a empresa ao pagamento de R$ 5 mil por danos morais. Ambas as partes recorreram da decisão, ratificada pela 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal por unanimidade.

Para o relator do processo, desembargador Carlos Augusto Gomes Correia, a decisão de 1º Grau foi correta “ao declarar a inexistência do débito posto em discussão judicial, vez que a concessionária de serviço público onerou o autor com dívida consubstanciada unicamente em inspeção técnica e TOI, realizados de forma unilateral e sem a devida observância do processo administrativo com respeito ao contraditório e a ampla defesa, deixando de comprovar, ainda, a autoria da irregularidade no medidor, na qual era ônus da concessionária, conforme já demonstrado”.

Sobre o valor da indenização por danos morais, o desembargador destacou que “a qualificação do dano moral deve ser arbitrada de modo a evitar o enriquecimento sem causa e para que sirva de lição pedagógica, evitando que o ilícito se repita, assim como para prestar à vítima uma satisfação pelos sofrimentos e abalos suportados”.

A sessão, presidida pelo desembargador Francisco Mauro Ferreira Liberato, ocorreu nessa quarta-feira, dia 1º de março. Além desse processo, foram julgadas mais 109 ações. Também integram o colegiado a desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira e os desembargadores Emanuel Leite Albuquerque e José Ricardo Vidal Patrocínio.

TRT/GO: Motorista de cantoras sertanejas receberá horas extras por falta de controle de jornada nos deslocamentos para os shows

A empresa produtora da dupla, com sede em Fortaleza (CE), contratou um motorista de ônibus para trabalhar com o transporte da banda e dos equipamentos dos shows, pelo território brasileiro, tendo como base a capital goiana. Segundo consta no processo, a empresa não efetuou o pagamento de horas extras sob a premissa de que a atividade se enquadraria na lista de profissões em que não há controle da jornada de trabalho.

Para a Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO), embora exerça atividade externa, o motorista rodoviário, cujo controle de jornada é possível e compatível com o seu trabalho, nos termos da Lei 12.619/2012, deve receber pelas horas extras trabalhadas. A decisão aponta que o item I, art. 62 da CLT, que dispõe sobre profissões que não têm controle de jornada, não é aplicável ao caso.

A produtora das cantoras recorreu ao Tribunal com o objetivo de reformar a sentença da 17ª Vara do Trabalho de Goiânia que reconheceu a falta de controle e a realização de horas extras, consoante provas juntadas aos autos. Alegou que na sentença consta que, em diversos meses, o autor cumpria uma média de 10 a 15 shows por mês, o que não corresponderia à realidade.

Além disso, a empresa apontou que a sentença teria considerado apenas o depoimento do motorista e não avaliado as provas da empresa. Pediu a exclusão das horas extras deferidas. O motorista, por sua vez, demitido no início da pandemia da covid-19, acionou a justiça do trabalho para receber os valores relativos às horas extras trabalhadas durante a realização dos shows da dupla.

Para o relator do processo, desembargador Welington Peixoto, restou incontroverso que o trabalhador foi admitido para exercer a função de motorista de ônibus, tendo durante todo o pacto laboral realizando trabalho externo. O desembargador observou que, a Lei nº 12.619/2012, que regulamenta a profissão de motorista rodoviário, fixou o controle da jornada dessa espécie de trabalhador e, por isso, a produtora deveria controlar e registrar os horários de trabalho do empregado.

Peixoto considerou coerente a sentença do juízo de origem, que entendeu que a jornada de trabalho do motorista de ônibus, mesmo sendo externa, era controlável, condenando a empresa ao pagamento de horas extras e feriados trabalhados.

Ao analisar os autos, o desembargador verificou que a empresa não juntou documentos de registro da jornada do empregado e nem produziu provas que demonstrassem a ausência de horas extras. Neste contexto, para ele, a sentença não carece de reforma pois utilizou aspectos fáticos e jurídicos pertinentes ao caso. Peixoto ponderou que ao exercer atividade compatível com o controle de jornada, não seria razoável admitir a exclusão desse controle.

Além das testemunhas ouvidas no processo, que deram detalhes da agenda de shows e da dinâmica no transporte da dupla e da equipe, tanto para shows quanto para a participação em eventos e programas de televisão, o registro de tacógrafos também serviram de provas para fundamentar o entendimento dos magistrados.

Diante do contexto, o relator concluiu pelo pagamento das horas extras excedentes da 8ª diária, observando os discos de tacógrafos apresentados e que constem o nome do motorista, bem como o tempo de condução no veículo. Como o trabalhador confessou que havia a regular concessão do repouso semanal remunerado, o relator destacou que não há pagamento em dobro pelos eventuais domingos trabalhados, pois o descanso ocorria em outra ocasião. Em relação aos feriados, Peixoto determinou o pagamento em dobro, de acordo com os dias consignados nos tacógrafos. Por fim, apontou que as horas extras deverão refletir sobre o 13º salário, férias,, aviso prévio e FGTS + 40%.

Processo 0010286-28.2021.5.18.0017

TJ/RN: Cliente tem contrato com complexo turístico cearense rescindido após constatação de cláusulas abusivas

Um médico da cidade de Mossoró será indenizado com o valor de R$ 5 mil, acrescidos de juros e correção monetária, em virtude de falha na prestação de serviço ao adquirir um contrato para usufruto de um complexo turístico com sua família. O negócio envolvia pontos que eram adquiridos para serem utilizados por certo período de tempo em rede de hotéis e resorts da empresa.

Entretanto, o consumidor denunciou, em juízo, a ocorrência de abusividade contratual e buscou a rescisão do contrato celebrado, sem ônus, bem como a devolução dos valores pagos que não foram usufruídos, e ainda a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais sofridos.

Além dos danos morais, a 1ª Vara Cível da Comarca de Mossoró declarou a rescisão do contrato de cessão de direitos de uso de imóvel em sistema de tempo compartilhado, firmado entre as partes, com incidência de cláusula penal (10% sobre o valor pago pelo autor) e declarou a invalidade de duas cláusulas contratuais, em decorrência de sua abusividade e dos débitos relativos a elas.

O complexo de lazer foi condenado ainda a devolver os valores pagos pelo autor, deduzindo-se os valores por ele utilizados com hospedagens no complexo e no sistema de intercâmbio, acrescido de juros pela Taxa SELIC, sem cumulação com correção monetária, a partir de cada desembolso. Também será descontado a cláusula penal de 10% sobre o valor pago pelo autor.

Entenda o caso

Em 29 de junho de 2018, o autor da ação estava em momento de lazer com sua família em um complexo turístico localizado no Estado do Ceará. Disse que foi abordado por vendedores de um programa comercializado pelo empreendimento, com oferta de plano de 20 mil pontos para utilizar em 20 anos, no valor de R$ 97.488,00, a ser pago em 40 parcelas de R$ 2.436,20.

Assim, contou que contratou o plano, com parcelas a serem debitadas em sua conta bancária e que as informações sobre o contrato foram repassadas de forma confusa, parcial e com omissões. Foi realizada uma novação posteriormente para dilação do prazo de pagamento até 28 de dezembro de 2023, com parcela de R$ 1.488,28 e que, ao buscar usufruir do plano contratado, percebeu que os termos do contrato não eram exatamente o que havia sido exposto.

O autor sustentou que as viagens só poderiam ser realizadas para hotéis e resorts cadastrados a uma empresa específica e estariam limitados ao prazo dos primeiros dois anos de vigência do contrato. Alegou ainda que, após o prazo de dois anos, não havia qualquer vantagem para realização de viagens internacionais ou até mesmo dentro do país e que adimpliu a quantia de R$ 55.776,16, tendo feito apenas uma viagem para o complexo turístico cearense com a vantagem de uma hospedagem no hotel.

Assim, o médico concluiu que o benefício auferido é desproporcional ao valor pago e que foi buscada a rescisão do contrato, oportunidade em que foi informado a necessidade de pagamento do valor de R$ 29.234,40, a título de multa rescisória, correspondente a 30% sobre o valor total do plano e mais o pagamento referente a dois mil pontos, que corresponderia mais R$ 9.744,00.

Por fim, denunciou que foi prevista em contrato a porcentagem de 20% de multa rescisória, e está sendo cobrado 30%, sendo que as informações repassadas no ato da contratação foram obscuras e o plano é desvantajoso para o consumidor. Por isso, concluiu que as cláusulas contratuais abusivas estão causando danos de ordem patrimonial e moral.

Condutas abusivas da empresa

Ao apreciar a demanda, o juiz Edino Jales explicou que o consumidor tem o direito de receber, de forma clara, todas as informações referentes aos produtos e serviços contratados, sendo proibida a veiculação de propagandas enganosas e abusivas, bem como os métodos comerciais coercitivos ou desleais.

Esclareceu que o consumidor tem em seu favor os direitos da inversão do ônus probatório e da plenitude da reparação dos danos, diante da responsabilidade civil objetiva da empresa. Ao final, o magistrado observou, quanto ao pedido de indenização a título de dano moral, que não há dúvidas que houve a prática de condutas abusivas pela empresa, consubstanciada em cláusulas contratuais impostas por meio de contrato de adesão capaz lesionar os direitos da personalidade do consumidor.

“O autor assumiu o compromisso de um contrato vultoso, eivado de cláusulas abusivas, adimpliu parte substancial do contrato, um fato que ultrapassa o mero aborrecimento do cotidiano, haja vista a patente restrição do orçamento mensal. Desse modo, presentes os pressupostos necessários à reparação do dano moral, consubstanciados na comprovação do nexo de causalidade entre o ato lesivo e o dano, este presumido, pois não está em causa uma suposta prova do prejuízo e sim a violação a um direito assegurado”, concluiu.

TRT/CE: Uber é condenada a pagar verbas trabalhistas a motorista de aplicativo

Neste mês de janeiro, mais uma decisão da Justiça do Trabalho do Ceará condenou a empresa Uber a pagar direitos trabalhistas a um motorista do aplicativo. O juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Fortaleza, Germano Silveira de Siqueira, reconheceu a existência de vínculo empregatício do trabalhador, baseando sua decisão na legislação, preceitos constitucionais e tratados internacionais.

Reclamação

Na ação, o trabalhador expôs que exerceu suas funções de motorista em face da Uber do Brasil Tecnologia Ltda. desde setembro de 2018 e foi bloqueado da plataforma em abril de 2022. Informou, ainda, que cumpria jornada de trabalho de acordo com a demanda ofertada pela empresa, em horários variáveis, recebendo o valor de R$ 300 por semana, em média.

Contestação

A Uber, em sua defesa, afirmou que não existia vínculo de emprego. Destacou que é uma empresa de tecnologia, atuando como simples plataforma destinada a viabilizar o encontro de pessoas em torno de um determinado serviço, tendo os motoristas como seus clientes. Reforçou, ainda, que o trabalhador jamais prestou serviços para a Uber, mas era a Uber quem fornecia serviços ao reclamante.

Decisão

Após a fase de instrução, o magistrado Germano Siqueira convenceu-se da responsabilidade da empregadora. “A reclamada é empresa que induvidosamente utiliza tecnologia no desenvolvimento de suas atividades, operando no mercado de transporte de passageiros, nos termos da lei brasileira, com a necessária utilização da mão de obra de motoristas cadastrados em suas plataformas”, registrou o juiz.

O julgador destacou, ainda, que a oferta dos serviços do aplicativo não ocorreria sem a figura operacional dos motoristas, como elemento essencial para incremento do modelo de negócio. “Os motoristas, nesse contexto, a exemplo do reclamante, são trabalhadores, restando apurar se efetivamente atuam em ambiente caracterizador de relação empregatícia”, frisou.

Na fundamentação, o juiz embasou sua decisão na legislação, como artigos do Código Civil e da Lei instituidora da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Paradigmas constitucionais de proteção ao trabalho, tratados e convenções internacionais também são citados na sentença, demonstrando que há decisões no mundo inteiro que reconhecem o vínculo empregatício dos motoristas de aplicativos.

Rescisão contratual

Além de exigências de produtividade, os atos regulamentares da empresa Uber exemplificam situações de desligamento dos motoristas: “Quaisquer comportamentos ou usos da plataforma por parte dos parceiros que coloquem em risco a confiabilidade da plataforma podem levar à rescisão contratual e fazer com que o motorista perca acesso ao aplicativo e aos serviços da Uber”.

“A Uber, portanto, além de impor aos motoristas regras de conduta ética, deles exige que, uma vez conectados, sigam padrões de produtividade e eficiência no desempenho do ofício, sob pena de exclusão, entre eles não recusar demanda e ter perfil de aceitação compatível com a média de sua região, não sendo admissível, segundo essas mesmas regras, que os motoristas tenham uma taxa de cancelamento abaixo da média da localidade”, sentenciou o juiz Germano Siqueira.

A sentença reconheceu a existência de contrato de trabalho intermitente (prestação de serviço não continuada, de forma esporádica), no período de novembro de 2017 ao início de maio de 2022. A Uber deve, ainda, anotar a Carteira de Trabalho do motorista e pagar direitos trabalhistas como férias, 13º salário e FGTS, que foram calculados em torno de R$ 8 mil, inicialmente.

Ainda cabe recurso da decisão.

Processo: 0000684-27.2022.5.07.0003

TRT/CE reconhece vínculo de emprego de entregador com Ifood

Decisão da 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza reconheceu o vínculo de emprego de um entregador que trabalhava para a empresa Ifood. Na sentença, publicada em dezembro, o juiz do trabalho Vladimir Paes de Castro apontou a existência dos requisitos que caracterizam a modalidade de trabalho como contrato intermitente, uma prestação de serviço não contínua, na qual se alternam períodos de atividade e inatividade.

O trabalhador realizou entregas para a empresa no período de junho de 2020 a maio de 2022, quando foi bloqueado pela plataforma, sem justificativa ou possibilidade de recurso. De acordo com as normas constantes nas políticas e regras da empresa, o Ifood estabelece a possibilidade de rescisão unilateral em caso de mau uso ou uso indevido da plataforma, ou caso o entregador obtenha recorrentes avaliações negativas dos estabelecimentos e/ou clientes finais.

O magistrado declarou que a modalidade de rescisão do contrato de trabalho foi sem justa causa, então julgou procedentes os pedidos de pagamento das verbas rescisórias correspondentes: aviso-prévio indenizado, férias mais 1/3 de todo o período, 13º salário, FGTS mais 40% e indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil. O valor total da condenação foi arbitrado em R$ 20 mil.

Novas formas de exploração do trabalho

O juiz derrubou a alegação costumeira do Ifood, de que se trata de mera intermediadora da relação jurídica entre o cliente (restaurantes, bares e outras empresas que fornecem alimentos) e o consumidor final, na qual os alimentos seriam entregues pelos prestadores de serviço explorando a atividade conhecida como economia compartilhada.

Um exemplo desse modelo de economia seria a empresa/aplicativo Airbnb, onde o cliente que busca alugar um espaço (casa de veraneio, apartamento, flat, quarto etc.) utiliza o aplicativo para buscar locais cadastrados. A negociação é toda realizada na plataforma e com total autonomia do cliente locatário e do proprietário dos imóveis, podendo o preço e outras condições serem estipuladas e negociadas pelas partes, sem a intervenção da plataforma.

“No caso do Ifood e outras empresas/aplicativos, como a Uber, a situação é bem distinta. Nessa situação, as empresas não seriam apenas consideradas como uma facilitadora do encontro de clientes e prestadores de serviços/microempreendedores, mas a própria responsável pelo fornecimento do serviço de acordo com a demanda imediata dos seus clientes”, explicou o magistrado.

Trata-se de uma nova forma de exploração de mão de obra, em que o suposto prestador de serviço, no caso o entregador, não tem nenhum benefício e não possui liberdade contratual para pactuar com autonomia. Em regra, os trabalhadores são subordinados como outro qualquer, e submetidos aos direcionamentos da empresa digital, cuja atividade econômica é gerida pelo algoritmo do aplicativo.

Precarização do trabalho

Na sentença, o juiz buscou analisar pesquisas e levantamentos científicos feitos no país a respeito de entregadores de delivery de aplicativos, que confirmam esse cenário de exploração do trabalho humano e de forma precarizante.

Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal da Bahia, os trabalhadores que têm na entrega por aplicativos a única ocupação de trabalho possuem jornada semanal em média de 64,5 horas ou 10 horas e 24 minutos por dia. Em média, atuam 6,16 dias por semana, sendo que 40% deles trabalham todos os dias. Para 70% deles, esse é seu único trabalho. Os demais têm mais de um serviço, sendo a entrega a ocupação principal ou subsidiária.

Outro dado relevante encontrado por esse levantamento é que 51,7% recebem, por hora, menos do que o equivalente a um salário mínimo. A situação é ainda pior quando avaliados os ciclistas isoladamente, que ao final de um mês de trabalho, com jornada média de mais de 57 horas semanais, conseguem apenas R$ 932 brutos e R$ 701 líquidos.

“Esses dados demonstram a absoluta precarização dessa relação de trabalho, onde a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras vivem integralmente dessa atividade, dedicam muitas horas diárias ao trabalho em favor das plataformas digitais/aplicativos, e por outro lado, não têm direitos trabalhistas basilares respeitados (salário mínimo, jornada de trabalho constitucional, férias, 13º salário etc.), e muitos nem sequer a mínima proteção social previdenciária”, demonstrou o magistrado.

Racismo estrutural

De acordo com outra pesquisa da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike), 71% dos entregadores eram pretos e pardos (negros), 75% trabalhavam até 12 horas diárias e a média de ganhos mensais era de R$ 936, configurando menos do que um salário mínimo. Diante dessa constatação, o juiz optou por mencionar o professor e atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Silvio de Almeida. Em sua obra “Racismo Estrutural”, o intelectual aborda diversos aspectos que revelam o racismo entranhado na estrutura da sociedade.

“O racismo estrutural é amplamente perpetuado através das políticas públicas típicas do sistema neoliberal em que nos encontramos, a exemplo de arrocho fiscal, redução de investimentos sociais em todas as áreas, desconstrução de direitos sociais, principalmente trabalhistas e previdenciários, como tem ocorrido nos últimos anos. Esse cenário de total desregulação e mitigação de direitos sociais acarreta também a profunda informalidade e precarização no mercado de trabalho”, relacionou o juiz do trabalho com os trabalhadores de plataformas digitais/aplicativos de entrega.

Intermediação digital e subordinação jurídica

O magistrado analisou os “Termos e condições de uso – Ifood para entregadores”, que possui uma série de cláusulas que são importantes para a análise do enquadramento jurídico da relação entre a plataforma digital e os trabalhadores. Segundo o juiz, as normas demonstram o controle e gestão de toda a atividade comercial, inclusive na ocasião do recebimento de valores dos consumidores finais e pagamentos a serem realizados em favor dos entregadores, comprovando a subordinação dos trabalhadores aos direcionamentos e comandos da empresa.

Conforme Vladimir de Castro, o Ifood não se trata apenas de uma empresa de tecnologia, pois fornece efetivamente a logística para que o estabelecimento parceiro consiga entregar os alimentos e outros produtos ao consumidor final. Os valores das entregas são definidos automaticamente pelo algoritmo do aplicativo da reclamada, ou seja, o trabalhador não possui nenhuma autonomia na precificação do serviço por ele prestado.

“Todas essas normas e cláusulas contratuais demonstram um cenário de absoluta subordinação dos entregadores, sendo que a reclamada possui todo o poder empresarial e direciona as atividades do empreendimento econômico com a finalidade de prestação de serviços de transporte de alimentos (delivery)”, concluiu o magistrado.

Da sentença, cabe recurso.

Processo: 0000669-28.2022.5.07.0013

STJ: Empresa em recuperação judicial pode participar de licitação

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, reafirmou o entendimento de que uma empresa em recuperação judicial pode participar de procedimento licitatório. Segundo o colegiado, a circunstância de a empresa se encontrar em recuperação judicial, por si só, não caracteriza impedimento para contratação com o Poder Público, ainda que não seja dispensada da apresentação das certidões negativas de débitos fiscais.

De acordo com o processo, uma construtora impetrou mandando de segurança contra ato praticado pelo reitor da Universidade Federal do Cariri (UFCA), no Ceará, buscando a nulidade do ato administrativo de não assinatura do contrato decorrente de edital licitatório, proveniente daquela instituição de ensino superior, tendo em vista a ausência de previsão legal impeditiva de que empresas em recuperação judicial participem de processo licitatório.

O juízo de primeiro grau concedeu parcialmente a ordem, no sentido de impossibilitar a utilização de tal critério para obstar a assinatura do referido contrato com a impetrante. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) negou provimento ao recurso de apelação da UFCA sob o argumento de que, conforme o artigo 31 da Lei 8.666/93, não é necessária a apresentação da certidão negativa de recuperação judicial para a participação de empresas em recuperação judicial em procedimento licitatório.

No recurso ao STJ, a UFCA sustentou que a exigência editalícia de comprovação, pelas empresas participantes de procedimento licitatório, da boa situação financeira como forma de assumir o objeto do futuro contrato, impede que as empresas em recuperação judicial sejam habilitadas no certame.

Construtora comprovou possuir capacidade econômico-financeira
O relator do recurso, ministro Francisco Falcão, observou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, a exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame licitatório, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica.

O magistrado destacou que, conforme apontou o TRF5, apesar da construtora estar em recuperação judicial, comprovou possuir capacidade econômico-financeira para honrar o contrato.

“Nesse sentido, a relativização da exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial, consoante entendimento firmado neste STJ, tem arrazoamento, ainda, na comprovação da prestação da garantia contratual pelo recorrido, exigência essa prevista tanto na Lei 8.666/1993 (artigo 56) como no edital licitatório”, disse o relator.

Ao negar provimento ao recurso especial da UFCA, Francisco Falcão ressaltou que, como bem fundamentou o TRF5, não cabe à Administração, em consonância com o princípio da legalidade, efetuar interpretação extensiva quando a lei não o dispuser de forma expressa, sobretudo, quando se trata de restrição de direitos.

Veja o acórdão.
Processo: REsp 1826299

TRF5: União é condenada a indenizar cidadã por duplicidade de CPF

A União Federal terá que pagar indenização por danos morais – no valor de R$ 10 mil – a uma cidadã, por ter inscrito uma pessoa homônima no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), sob o mesmo número. Foi o que decidiu, por unanimidade, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5, negando provimento ao recurso da União contra sentença da 6ª Vara da Justiça Federal no Ceará.

A autora da ação relatou ter solicitado a inscrição no CPF, perante a Receita Federal em São Paulo, quando tinha cerca de 15 anos de idade. Ao completar a maioridade, soube que o mesmo número de CPF havia sido atribuído a uma pessoa homônima, residente no mesmo estado. Ela alegou que procurou a Receita Federal várias vezes, mas o problema não foi resolvido.

Em decorrência da duplicidade do documento, a cidadã enfrentou diversos problemas, como bloqueio para abertura de conta em agência bancária, dificuldades de registro de emprego em sua carteira de trabalho e desconformidade em sua inscrição no Programa de Integração Social (PIS) e benefícios vinculados, entre outros. No recurso, a União alegava não haver comprovação do dano moral, tampouco prova cabal da gravidade e da repercussão do episódio.

Em seu voto, a desembargadora federal Joana Carolina Lins Pereira, relatora do processo, destacou que a Instrução Normativa SRF nº 1548/2015, da Secretaria da Receita Federal, estabelece que “o número de inscrição no CPF é atribuído à pessoa física uma única vez, vedada a concessão de mais de um número de CPF”, ou seja, ele deve ser único e exclusivo. Portanto, foi configurada a culpa da União, pela falha na prestação do serviço, uma vez que não foram observados os parâmetros legais para execução do seu dever.

Processo nº 0806101-22.2022.4.05.8100

TST nega mandado de segurança contra rejeição de carta de preposto sem assinatura

Segundo a SDI-2, existe recurso próprio para questionar a decisão.


A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho negou o recurso da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) contra a rejeição, pelo juízo de primeiro grau, da carta de preposto (representante do empregador) sem assinatura. Para a SDI-2, a decisão pode ser questionada por meio de recurso próprio, o que torna incabível o mandado de segurança impetrado pela empresa.

Carta de preposto
A carta de preposição é um documento pelo qual a empresa indica oficialmente seu preposto, que vai representá-la na Justiça e pode praticar atos em seu nome. Na audiência inaugural do processo, realizada em novembro de 2020 por videoconferência, o advogado do trabalhador questionou a indicação do preposto da Cagece.

Ao verificar que a carta de preposição não estava assinada por quem teria poderes para tanto, o juízo da 5ª Vara do Trabalho de Fortaleza (CE) aplicou a pena de confissão – situação em que se presumem verdadeiras a alegação de uma das partes, diante da não manifestação da parte contrária. Também foi indeferido o pedido da empresa de prazo para apresentar nova carta.

Direito de defesa
Por meio do mandado de segurança, a Cagece sustentou que, de acordo com a jurisprudência do TST, não há previsão legal para a apresentação de carta de preposição, e a CLT exige apenas que o preposto seja empregado e tenha conhecimento dos fatos. Assim, a decisão havia cerceado seu direito de defesa.

O Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), contudo, negou o pedido, por entender que o mandado de segurança só seria cabível contra decisões anormais e que gerem efeitos irreversíveis ou de difícil reparação, o que não era o caso. Segundo o TRT, a empresa deveria ter questionado o ato por meio de recurso ordinário na própria reclamação trabalhista.

Recurso próprio
O relator do recurso à SDI-2, ministro Sergio Pinto Martins, explicou que, de acordo com a Lei 12.016/2009, não será concedido mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo. No mesmo sentido, a Orientação Jurisprudencial (OJ) 92 da SDI-2 do TST afasta o cabimento desse instrumento processual contra decisão passível de reforma mediante recurso próprio.

A decisão foi unânime.

Veja o acórdão.
Processo: ROT-80604-30.2020.5.07.0000

TRT/CE: Trabalhador vítima de homofobia na empresa é indenizado em R$ 95 mil por danos morais

Discriminado por seu superior em razão de sua orientação sexual, gerente da Companhia de Seguros Previdência do Sul (Prevsul), que trabalhava em Fortaleza, vai receber indenização no valor de R$ 95 mil por danos morais. A decisão unânime da Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT-7) confirma sentença da juíza do trabalho substituta Ana Paula Barroso Sobreira.

Na ação trabalhista ajuizada na 9ª Vara do Trabalho de Fortaleza, o trabalhador afirmou que sofria diversas situações vexatórias na presença de outras pessoas da empresa. Ele trabalhava em sistema de home office, em Fortaleza, mas uma vez por mês, durante quatro ou cinco dias, o gerente regional vinha de Salvador (BA) para reuniões na capital cearense. Era nesse ambiente que acontecia a maioria das ofensas, segundo os depoimentos.

Testemunhas afirmaram que em várias situações presenciaram o gerente regional proferir palavras agressivas contra o empregado, a maioria de cunho homofóbico. Em uma ocasião, narrou a testemunha, o superior disse na presença de muitos: “chegou o viado”. “Às vezes as frases eram ditas em tom de brincadeira, às vezes, falando sério, mas sempre incomodavam o reclamante”, afirmou. Em outra reunião teria falado que para gerir a Prevsul era só “abrir as nádegas e levar vara”.

Essas situações humilhantes eram habituais, segundo outra testemunha. “O reclamante ficava muito incomodado e humilhado”, disse. Ela afirmou também que era constante o gerente regional iniciar a reunião com a expressão: “esse viadinho está no bico do urubu. Você sabe indicar alguém para substituí-lo se ele não bater a meta esse mês?”. Essas humilhações eram feitas na frente dos demais corretores, de acordo com a testemunha.

Para a juíza do trabalho, ficou provado que o abuso de natureza psicológica sofrido pelo empregado decorreu de discriminação de viés homofóbico. “Por todo o exposto, tenho que as questões fáticas vivenciadas pelo autor, assentadas em assédio moral por parte de superior hierárquico, por discriminação em razão de sua orientação sexual, restaram comprovadas, atingindo sua honra objetiva e subjetiva, pelo que faz jus a reparação de danos morais”, sentenciou.

A empresa, por sua vez, rechaçou as alegações do empregado, afirmando que sempre procurou manter um ambiente de trabalho saudável, e negou a existência de assédio moral. Acrescentou que o trabalhador possuía uma boa avaliação do superior. Inconformada com sentença de primeiro grau, a Prevsul recorreu ao TRT-7. O recurso foi analisado pela Segunda Turma do Tribunal.

“Os epítetos e palavras de baixo calão, retratados pelas testemunhas, são, sem sombra de dúvida, de cunho moral altamente depreciativo, constituindo atentados à dignidade do obreiro, pelo grau de ofensividade e execração moral, mormente por terem sido proferidos dentro do seu ambiente laboral, na presença de colegas de trabalho e clientes”, afirmou o desembargador Francisco José Gomes da Silva, relator do caso.

Segundo o magistrado, o empregador possui os poderes de direção, fiscalização e de disciplina em relação a todos que lhe prestam serviço. Assim, tem o dever de reprimir e punir condutas discriminatórias praticadas por seus subordinados a outros colegas de trabalho. “A meu ver, a situação exposta nos autos revela que a reclamada falhou na proteção de seu empregado, deixando que o ambiente de trabalho causasse-lhe sofrimento de ordem psíquica”, considerou.

Por fim, o desembargador alertou que o grupo social identificado pela sigla LGBTQIA+
(lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexuais, assexuais e outras identidades) segue sofrendo agressões na sociedade, nas ruas e nos locais de trabalho, sob diversas formas (física, moral, social, religiosa). “O Brasil e, em especial o estado do Ceará, são integrantes do triste ranking dos campeões mundiais de assassinatos motivados por homofobia”, ressaltou.

Os demais integrantes da Segunda Turma do TRT-7 seguiram o relator. Os desembargadores confirmaram a sentença da 9ª Vara do Trabalho de Fortaleza e fixaram a condenação da indenização por danos morais no montante correspondente a 20 vezes o valor do último salário contratual do trabalhador, totalizando a quantia de R$ 95 mil.

Da decisão, cabe recurso.


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