Há exatamente um ano, no dia 22 de janeiro de 2012, acatando uma ordem judicial, a Polícia Militar de São Paulo iniciava a operação de reintegração de posse do terreno do Pinheirinho. Localizado na cidade de São José dos Campos, a 94 quilômetros da capital paulista, a área abrigava cerca de seis mil pessoas que ali se instalaram ao longo dos oito anos da ocupação. Um ano depois, o problema habitacional daquelas famílias — estima-se pelo menos 1.800 — ainda não foi resolvido.
Não há notícias de ex-moradores do Pinheirinho que estejam em situação de rua, segundo lideranças do movimento de moradia. Depois da reintegração de posse, um pequeno número de famílias deixou a cidade para procurar parentes em outros municípios. Outros se juntaram a familiares em São José dos Campos, mas a maior parte alugou um imóvel.
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Enquanto não são concluídas as negociações para construção de conjuntos habitacionais que atendam aquelas pessoas, uma solução provisória encontrada pela prefeitura, à época chefiada por Eduardo Cury (PSDB) e pelo governo estadual, foi conceder o aluguel social. Para recebê-lo, os ex-moradores do Pinheirinho precisaram provar que residiam no local por meio de correspondência ou de registro em uma das unidades de saúde daquela região. Segundo informou a Secretaria de Desenvolvimento Social do município, existem 1.719 cadastrados para receber o benefício, com valor de R$ 500 — 100 concedidos pela prefeitura e 400 pelo governo estadual.
Esse número geralmente não é o suficiente para pagar o aluguel de uma casa nas proximidades do Pinheirinho, queixou-se Antônio Donizete Ferreira, advogados das famílias e militante do PSTU, em entrevista ao Última Instância. Por essa razão, pedem um reajuste do valor de acordo com a inflação. O aluguel de uma casa nos bairros naquela região, com dois quartos, um banheiro, uma sala e uma cozinha varia ente R$ 700 e R$ 1 mil.
De acordo com o atual prefeito, Carlinhos de Almeida — o primeiro do PT (Partido dos Trabalhadores) a assumir esse cargo em 16 anos na cidade — há programas habitacionais em desenvolvimento mas, em relação especificamente à população que havia ocupado aquela área, “existe um diálogo em curso entre o governo federal, Caixa Econômica Federal, governo estadual e a liderança daquele movimento”.
“Essas conversas vão na direção de realizar dois ou três empreendimentos que possam atender aquela população. Tanto no caso do governo federal, que está trabalhando duas opções, quanto o governo do estado, que tem outra opção, a ideia é usar o programa na modalidade “entidades”, que permite que direcione a demanda”, afirmou o prefeito.
Oito anos de ocupação
O Pinheirinho começou a ser ocupado em 2004. O espaço, inicialmente um acampamento repleto de barracos de madeira e que ostentava bandeiras de movimentos pela moradia como o MUST (Movimento Urbano sem Teto), se tornou um bairro. Ainda que informal, tinha ruas alinhadas, quadras demarcadas e lotes definidos. Aos poucos, os moradores construíam casas de tijolo, uma igreja, uma praça e um parquinho. À época da desocupação, os barracos eram minoria.
O terreno, de 1,3 milhão de metros quadrados, está atualmente cercado e vigiado, e só se pode entrar com autorização do dono — a Selecta S.A., pertencente ao empresário Naji Nahas. O leilão da propriedade foi iniciado em 3 de setembro e teria prazo de 30 dias para se encerrar. Antes desse período, no entanto, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) suspendeu por tempo indeterminado o leilão, atendendo pedido da Selecta.
“Nós pedimos para cancelar o leilão, mas a massa falida também pediu, porque o perímetro estava errado”, disse Antônio Donizete Ferreira. “O processo está vivo, não queremos que ele seja arquivado. Há vários processos pedindo indenização para as famílias. E um processo que pede indenização coletivo para as famílias. O terreno é uma garantia de que essas famílias vão receber uma indenização. Quem vai pagar isso?”, completou.
Para esta terça-feira (22/1), ex-moradores e militantes do movimento de moradia agendaram uma manifestação às 18h em memória da desocupação. “Queremos fazer o ato em frente ao terreno para as pessoas verem no que se transformou o terreno: mato, mato, completamente abandonado. Até hoje, um ano depois, é difícil compreender o que levou àquilo. As pessoas não tiveram tempo para tirar nada, nem uma caixinha de lembranças, nem roupa”, lembra Ferreira.
Segundo o Defensor Público Jairo Salvador, há 1.042 processos individuais tramitando na Justiça Paulista pedindo indenização ao governo estadual, à Selecta, ao Estado e ao município. Há ainda um pedido de indenização coletiva na Justiça Federal.
Um grupo de juristas — formado por Fabio Konder Comparato, Cezar Britto, Celso Antonio Bandeira de Mello e Dalmo Dallari — se reuniu em junho com a ministra corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Eliana Calmon, para pedir a apuração de irregularidades na ação do TJ-SP e da PM. Eles questionam a postura do presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, do desembargador Cândido Além, do juiz assessor da presidência do TJ, Rodrigo Capez, do juiz da 18ª Vara Cível de São Paulo, Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, e da juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, Marcia Faria Mathey Loureiro. Em agosto, o CNJ arquivou o processo. Os juristas recorreram e aguardam.
Em junho, esse mesmo grupo recorreu à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Nenhum dos processos foi concluído.
Retrospectiva
Para o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que acompanhou, junto de outros parlamentares, tentativas de negociação que precederam a desocupação, o episódio remete ao filme argentino Elefante Branco, que conta a história de famílias que ocuparam uma construção abandonada em Buenos Aires. Ele esteve no Pinheirinho naquela tarde de sábado, 21 de dezembro de 2012, comunicando o sucesso das negociações, de modo que haveria um prazo de 15 dias para as pessoas saírem de suas casas. “Lembrei-lhes das recomendações de Martin Luther King Jr., de ‘sempre procurar confrontar a força física com a força da alma’. Havia a sensação de que um caminho positivo poderia ser construído”, disse ao Última Instância.
No dia 19 de janeiro de 2011, um acordo entre moradores do Pinheirinho e Selecta, mediado por Suplicy, pelo deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP) e pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), suspendia a reintegração até dia 3 de fevereiro, garantindo um prazo de 15 dias para as famílias deixarem o local. Naquele mesmo dia, o MPF (Ministério Público Federal) movia uma ação contra a prefeitura de São José dos Campos, acusada de omissão na regularização das famílias do Pinheirinho. No dia 20, uma sexta-feira, uma determinação da Justiça Federal suspendia novamente reintegração de posse. No dia 21, o juiz estadual declarava que ignoraria a suspensão federal e, no dia 22 de janeiro de 2012, às 6 horas, começou a reintegração de posse.
“Na manhã do domingo, fui acordado às 6h30 pelo Tonhão Dutra (vereador de São José dos Campos pelo PT), que me informou que um grande número de policiais militares, tropa de choque, helicópteros, cachorros, cavalos, viaturas e tratores, havia iniciado a reintegração”, contou.
12 de dezembro
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