TRT/MT: Família consegue na Justiça cobertura de cirurgia urgente negada pela Unimed

Uma criança portadora de osteonecrose e osteoartrose bilateral de quadril conseguiu uma decisão favorável no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) para que a operadora de saúde arque integralmente com a cirurgia de artroplastia total de quadril e todos os materiais prescritos por seu médico assistente. A decisão é da Primeira Câmara de Direito Privado, que reconheceu a obrigatoriedade de cobertura.

O caso envolve uma paciente menor de idade, representada pela mãe, que sofre com dores intensas e limitação de movimentos em decorrência de anemia falciforme. O médico responsável indicou a necessidade urgente da cirurgia, com uso de materiais específicos, mas a operadora de saúde negou a cobertura integral, amparando-se em parecer de uma junta médica que discordou da prescrição.

Ao analisar o recurso, o relator, desembargador Márcio Aparecido Guedes, destacou que, segundo o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 608), aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde e deve prevalecer a indicação do médico assistente, que acompanha o quadro clínico do paciente e conhece suas reais necessidades.

Para o magistrado, a negativa de cobertura foi indevida, pois a junta médica não pode se sobrepor ao profissional que acompanha a paciente. “É abusiva a negativa de cobertura de procedimento e materiais indicados pelo médico assistente, prevalecendo sua prescrição sobre a junta médica”, afirmou no voto.

No entanto, o colegiado afastou a indenização por danos morais. A Câmara entendeu que, embora a recusa do plano de saúde tenha sido equivocada, não ficou demonstrado que a conduta da empresa tenha agravado o quadro de saúde da paciente ou colocado sua integridade física em risco.

Processo nº 1002811-37.2024.8.11.0051


Veja a publicação:

Diário de Justiça Eletrônico Nacional – CNJ – MT
Data de Disponibilização: 05/11/2025
Data de Publicação: 05/11/2025
Região:
Página: 3564
Número do Processo: 1002811-37.2024.8.11.0051

TJ/MT – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO – DJEN
Processo: 1002811 – 37.2024.8.11.0051 Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado Data de disponibilização: 04/11/2025 Classe: APELAÇÃO CÍVEL Tipo de comunicação: Intimação Meio: Diário de Justiça Eletrônico Nacional Parte(s): UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO Advogado(s): JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY OAB 6735-O MT Conteúdo: ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002811 – 37.2024.8.11.0051 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). MÁRCIO APARECIDO GUEDES Turma Julgadora: [DES(A). MÁRCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [J. V. O. D. S. – CPF: 052.976.771-65 (APELANTE), DEMÉRCIO LUIZ GUENO – CPF: 824.498.139-34 (ADVOGADO), ELLEN PEREIRA OLANDA – CPF: 043.912.871-45 (APELANTE), UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO – CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELADO), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY – CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO), ELLEN PEREIRA OLANDA – CPF: 043.912.871-45 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO – CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

E M E N T A

Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE MENOR PORTADORA DE OSTEONECROSE E OSTEOARTROSE BILATERAL DE QUADRIL. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO (ARTROPLASTIA TOTAL DE QUADRIL) E MATERIAIS PRESCRITOS PELO MÉDICO ASSISTENTE. DIVERGÊNCIA COM JUNTA MÉDICA. PREVALÊNCIA DA INDICAÇÃO DO MÉDICO ASSISTENTE. COBERTURA OBRIGATÓRIA. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Caso em exame: apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais, proposta em face de operadora de plano de saúde que negara cobertura integral para procedimento de artroplastia total de quadril.

As questões em discussão consistem em: (i) definir se a operadora está obrigada a custear integralmente o procedimento cirúrgico e os materiais prescritos pelo médico assistente, apesar da divergência da junta médica; e (ii) verificar se a negativa inicial de cobertura configura ato ilícito ensejador de indenização por danos morais.

Aplica-se ao caso o CDC (Súmula 608/STJ), prevalecendo a indicação do médico assistente sobre a avaliação de junta médica, por deter maior conhecimento do quadro clínico.

A recusa inicial, embora indevida, fundamentou-se em dúvida jurídica razoável, não se caracterizando ato ilícito apto a gerar dano moral, à míngua de demonstração de agravamento do quadro clínico ou risco à integridade física da paciente.

Recurso parcialmente provido para determinar a cobertura integral do procedimento cirúrgico e dos materiais prescritos pelo médico assistente, afastada a indenização por danos morais.

Tese de julgamento: “1. É abusiva a negativa de cobertura de procedimento e materiais indicados pelo médico assistente, prevalecendo sua prescrição sobre a junta médica. 2. O mero inadimplemento contratual, sem agravamento do quadro clínico ou risco à integridade do paciente, não gera dano moral indenizável.”

R E L A T Ó R I O

Cuida-se de Recursos de APELAÇÃO CÍVEL interpostos por JÚLIA VICTÓRIA OLANDA DA SILVA, menor de idade representada por sua genitora ELLEN PEREIRA OLANDA, contra a r. sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Campo Verde/MT, que nos autos da ação de “Obrigação de Fazer” (Proc. nº 1002811 – 37.2024.8.11.0051), ajuizada contra UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, julgou improcedentes os pedidos iniciais; custas e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil (Id. nº 311484447).

Em suas razões recursais, a apelante defende que o laudo médico e o laudo radiológico comprovam a urgência do procedimento cirúrgico de artroplastia total de quadril, evidenciando que a paciente é portadora de osteoartrose importante de quadril bilateral em decorrência de anemia falciforme e osteonecrose, quadro que a submete a intensa dor e limitação funcional.

Defende a existência de ato ilícito a justificar a condenação por danos morais.

Argumenta ainda que se aplicam ao caso o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantem prioridade absoluta à saúde e integridade da menor.

Pede, pois, o provimento do recurso, para que seja julgado procedente o pedido inicial, a fim de determinar que a apelada custeie o procedimento cirúrgico de artroplastia total de quadril e materiais correlatos prescritos pelo médico assistente, bem como indenização por danos morais (Id. nº 311484850).

Nas contrarrazões, a parte apelada refuta os argumentos recursais e pugna pelo desprovimento do Apelo (cf. Id. nº 311484852).

A douta Procuradoria de Justiça opina pelo provimento parcial do presente recurso, apenas para o fim de determinar que a operadora do plano de saúde custeie integralmente o procedimento solicitado pelo médico assistente, afastado o dano moral (Id. 314720373).

É o relatório.

Cuiabá, data registrada no sistema.

MÁRCIO APARECIDO GUEDES
Relator

V O T O R E L A T O R

Conforme exposto no relatório, trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação de obrigação de fazer.

A controvérsia cinge-se à análise da obrigatoriedade de a operadora de plano de saúde custear integralmente o procedimento cirúrgico de artroplastia total de quadril e materiais correlatos prescritos pelo médico assistente da apelante, bem como à existência de danos morais indenizáveis decorrentes da negativa parcial de cobertura.

Inicialmente, cumpre destacar que a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, conforme entendimento consolidado na Súmula 608 do STJ: “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.

No que tange à obrigação de fazer, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que cabe ao médico assistente, e não à operadora do plano de saúde, a escolha do tratamento mais adequado ao paciente.

Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE. (…) 4. A recusa indevida/injustificada pela operadora de plano de saúde em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada enseja reparação a título de dano moral por agravar a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do beneficiário. Precedentes. (…)” (AgInt no REsp 2100362/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2024, DJe 28/02/2024)

Da análise dos autos, verifica-se que a apelante é portadora de osteoartrose importante de quadril bilateral em decorrência de anemia falciforme e osteonecrose, quadro que a submete a intensa dor e limitação funcional, conforme atestado pelo médico ortopedista que a acompanha, Dr. Miguel Alito – CRM-MT 3730 (Id. 311484416).

A apelante, por sua vez, submeteu o caso à junta médica, que divergiu da indicação do médico assistente, especialmente quanto aos materiais a serem utilizados.

Vejamos:

“Concluindo que: Paciente com relatório médico com osteoartrose importante de quadril à esquerda e à direita, por anemia falciforme e osteonecrose, limitadas funções pela dor e limitação articular, dificuldade de locomoção, claudicação, dismetria.

Em radiografia de bacia é evidenciada osteoartrose avançada de quadril à esquerda e à direita, sem espaço articular, e deformidade das cabeças femorais, com vários osteófitos à esquerda e à direita.

Sinais de osteonecrose das cabeças femorais.
Osteopenia regional metafisária importante.
Esclerose de bordas articulares e irregularidade delas.

Conforme o artigo 7º, inciso I, da RN n.º 424/2017, que dispôs sobre a realização de junta médica ou odontológica para dirimir divergência técnico-assistencial sobre procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos de saúde, estipula que cabe ao profissional assistente a prerrogativa de determinar as características (tipo, matéria-prima e dimensões) das OPME necessários à execução dos procedimentos contidos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.

Já o inciso II do mesmo dispositivo institui que o profissional requisitante deve, quando assim solicitado pela operadora, justificar clinicamente a sua indicação e oferecer pelo menos TRÊS MARCAS de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis, dentre aquelas regularizadas junto à ANVISA, que atendam às características especificadas.

NÃO existe a necessidade do uso dos materiais e/ou fabricantes e/ou distribuidores exclusivamente solicitados pelo médico assistente.

A Operadora fica autorizada a fornecer os materiais definidos por esta junta, independentemente de marca/fabricante/fornecedor, desde que registrados na ANVISA e observadas as características (tipo, matéria-prima e dimensões) indicadas pelo desempatador, uma vez que é vedado ao médico assistente requisitante exigir fornecedor ou marca comercial exclusivo (art. 4º, da RESOLUÇÃO CFM Nº 2.318/2022).

Este é o parecer, em atendimento ao estabelecido na RN 424/2017 da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.” (Id. 311484413)

O laudo médico acostado aos autos evidencia que a paciente foi diagnosticada com “osteoartrose importante de quadril à esquerda e à direita, por anemia falciforme e osteonecrose; geodos acetabulares, osteófitos peri-acetabulares limitando funções pela dor e limitação articular; dificuldade de locomoção; claudicação; dismetria. necessita de artroplastia total de quadril. necessita de curetagem em geodos acetabulares e enxertia óssea autóloga e associada com enxertia em biovidro devido má qualidade óssea em fundo acetabular, além de osteotomia periacetabular devido osteófitos marginais (impacto tipo pincer). é necessário esta osteotomia para evitar o impacto da prótese femoral ao acetábulo, o que aumenta o risco de luxação protética. tenotomia do glúteo médio e mínimo e retensionamento dos mesmos após artroplastia. bloqueio de nervos periféricos regionais para analgesia pós-operatória (nervos glúteo superior, obturatório, cutâneo lateral, femoral e isquiático) e início precoce da marcha, com melhora da dor e alta hospitalar mais precoce.” (Id. 311484416)

Embora a Resolução Normativa nº 424/2017 da ANS preveja a possibilidade de instauração de junta médica para dirimir divergências técnico-assistenciais, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, em caso de divergência, deve prevalecer a indicação do médico que acompanha o paciente, por ter melhor conhecimento do quadro clínico e das necessidades específicas do tratamento.

Nesse sentido:

“RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PROCEDÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO E MATERIAIS – DIVERGÊNCIA ENTRE MÉDICO ASSISTENTE E JUNTA MÉDICA – PREVALÊNCIA DA INDICAÇÃO DO MÉDICO QUE ACOMPANHA O PACIENTE – DANOS MORAIS – NÃO CONFIGURAÇÃO – MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

  1. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, conforme Súmula 608 do STJ, sem prejuízo da incidência da Lei 9.656/98, que regula especificamente os planos e seguros privados de assistência à saúde.
  2. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que cabe ao médico assistente, e não à operadora do plano de saúde, a escolha do tratamento mais adequado ao paciente, sendo abusiva a negativa de cobertura de procedimento e materiais indicados pelo profissional que acompanha o caso.
  3. A negativa de cobertura baseada em parecer técnico de junta médica, instaurada em conformidade com as normas contratuais e regulamentares aplicáveis, embora equivocada à luz da jurisprudência que privilegia a indicação do médico assistente, não configura ato ilícito capaz de gerar dano moral indenizável, quando não há evidência de má-fé ou intuito de causar prejuízo ao beneficiário.
  4. O mero inadimplemento contratual não enseja condenação por danos morais, sendo necessária a demonstração de agravamento da condição de saúde ou abalo psicológico excepcional que ultrapasse o mero aborrecimento.

Dano moral afastado.

  1. Recurso parcialmente provido.” (N.U 1025566-56.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/09/2025, Publicado no DJE 09/09/2025)

“DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA PARCIAL DE COBERTURA. MATERIAL CIRÚRGICO PRESCRITO PELO MÉDICO ASSISTENTE. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. DANO MORAL AFASTADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

CASO EM EXAME Apelação interposta por UNIMED CUIABÁ COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO contra sentença que, nos autos de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais ajuizada por KATIA REGINA VIANA, beneficiária de plano de saúde, julgou procedentes os pedidos para determinar o fornecimento integral do procedimento cirúrgico prescrito por seu médico assistente e condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00, com correção monetária pelo IPCA a partir do arbitramento e juros de mora pela Selic desde a citação.

QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há seis questões em discussão: (i) definir se se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre beneficiária e operadora de plano de saúde; (ii) estabelecer se é legítima a negativa parcial de cobertura quanto ao material cirúrgico, com base em parecer de junta médica; (iii) determinar se deve prevalecer o parecer do médico assistente da paciente ou da junta médica da operadora; (iv) verificar se a negativa parcial de cobertura configura ato ilícito passível de indenização por danos morais; (v) avaliar a adequação do valor fixado a título de danos morais; e (vi) analisar a correção dos critérios de atualização monetária e juros aplicados, à luz da Lei nº 14.905/2024.

RAZÕES DE DECIDIR Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações contratuais entre beneficiários e operadoras de planos de saúde, conforme Súmula 608 do STJ, excetuadas apenas as entidades de autogestão, o que não é o caso da cooperativa recorrente.

A negativa parcial de cobertura, fundada em parecer de junta médica, é ilegítima quando contraria a indicação do médico assistente que acompanha a paciente há mais de 20 anos e conhece sua condição clínica em profundidade.

A jurisprudência do STJ afirma que cabe ao médico assistente, e não à operadora, a escolha do tratamento mais adequado ao paciente, sendo abusiva a recusa de custeio de materiais cirúrgicos essenciais à efetividade do procedimento prescrito.

A Resolução Normativa nº 424/2017 da ANS não pode ser utilizada para afastar direitos do consumidor ou sobrepor-se à indicação médica personalizada, especialmente em hipóteses de doenças graves e histórico clínico extenso.

Não configurado o dano moral, pois a negativa parcial de cobertura amparou-se em parecer técnico e seguiu procedimento previsto em norma da ANS, inexistindo má-fé, agravamento do quadro clínico ou abalo excepcional à dignidade da paciente.

A recente alteração legislativa promovida pela Lei nº 14.905/2024 impõe a aplicação de juros de mora com base na taxa Selic, deduzido o IPCA, para evitar bis in idem na atualização do valor da condenação.

DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido.

Tese de julgamento: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações entre beneficiários e operadoras de planos de saúde, salvo nos casos de autogestão.

É abusiva a negativa parcial de cobertura de material cirúrgico prescrito pelo médico assistente, ainda que respaldada por junta médica da operadora.

O parecer do médico que acompanha o paciente deve prevalecer sobre o da junta médica da operadora, especialmente em casos de enfermidades graves.

A negativa parcial de cobertura amparada em divergência técnica não configura, por si só, dano moral indenizável.

A taxa de juros moratórios deve observar o disposto no art. 406, § 1º, do CC, com aplicação da Selic deduzido o índice inflacionário IPCA, conforme a Lei nº 14.905/2024.” (N.U 1018108-51.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/08/2025, Publicado no DJE 29/08/2025)

Logo, no que se refere à obrigação de fazer, a sentença merece reforma, para determinar que a operadora de plano de saúde autorize e custeie o tratamento completo da apelante, incluindo os materiais solicitados pelo médico assistente.

Quanto aos danos morais, Carlos Alberto Bittar leciona que “qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos das personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)” (Reparação civil por danos morais, n.º 7, p. 41, in CAHALI, Yussef Said).

Pablo Stolze Gagliano em Novo curso de direito civil, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2004, vol. III, p. 85, pondera que: “Superadas, portanto, todas as objeções quanto à reparabilidade do dano moral, é sempre importante lembrar, porém, a advertência brilhante de Antônio Chaves, para quem ‘propugnar pela mais ampla ressarcibilidade do dano moral não implica no reconhecimento de todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor próprio, pretensamente ferido, à mais suave sombra, ao mais ligeiro roçar de asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadeza excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitem sejam extraídas da caixa de pandora do Direito centenas de milhares de cruzeiros”.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a recusa de cobertura, quando fundada em interpretação razoável do contrato e da legislação aplicável, não configura ato ilícito apto a ensejar reparação por danos morais, ressalvadas as hipóteses de grave risco à saúde ou à vida do usuário.

Nesse sentido, conforme decidido no AgInt no REsp 1.904.488/PR, “a recusa de cobertura, quando fundada na interpretação do contrato de plano de saúde, não é apta a ensejar reparação por dano extrapatrimonial, ressalvadas as hipóteses de grave risco à saúde ou à vida do usuário”. (AgInt no REsp n. 1.904.488/PR, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 29/6/2022)

E ainda:

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. AUTISMO. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. CUSTEIO. RECUSA INDEVIDA. DANOS MORAIS PRESUMIDOS. IN RE IPSA. INEXISTÊNCIA.

  1. Discute-se nos autos acerca da caracterização dos danos morais decorrentes da negativa de cobertura pelo plano de saúde de tratamento a paciente diagnosticado com transtorno de espectro autista.
  2. Não configurados os danos morais in re ipsa, sendo fundamental que a indenização esteja lastreada no sério agravamento no quadro clínico do paciente ocasionado pela recusa, com risco à sua incolumidade física.
  3. Agravo interno não provido.” (AgInt no REsp n. 2.165.667/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/11/2024, DJe de 14/11/2024)

No caso em análise, não restou demonstrado nos autos que a negativa inicial tenha causado agravamento do quadro clínico da paciente ou risco à sua incolumidade física, elementos essenciais para a configuração de danos morais em casos de negativa de cobertura por planos de saúde.

Destarte, embora seja inquestionável a necessidade do tratamento e a obrigatoriedade atual de sua cobertura, a negativa inicial baseou-se em dúvida jurídica razoável quanto à interpretação da legislação então vigente, não caracterizando conduta ilícita capaz de gerar o dever de indenizar por danos morais.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso apenas para determinar que a apelada autorize e custeie o procedimento cirúrgico da apelante, incluindo os materiais solicitados pelo médico assistente.

Julgada parcialmente procedente a demanda, devem ser readequados os ônus sucumbenciais, na proporção de 50% para cada parte, respeitada eventual gratuidade judiciária.

É como voto.

Data da sessão: Cuiabá-MT, 30/10/2025


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