TJ/SC: Tortura durante a ditadura é imprescritível para indenização

Reparação por perseguição política pode ser cobrada de entes federativos distintos .


Um anistiado político de 97 anos será indenizado por danos morais pelo Estado de Santa Catarina. Ele foi preso arbitrariamente na década de 1960 pela ditadura militar, torturado em instalações estaduais e federais, mantido incomunicável e submetido a violências físicas e psicológicas. Também perdeu o emprego, teve a casa invadida, sofreu ameaças à família e enfrentou dificuldades para reconstruir a vida profissional e pessoal. A decisão é da 5ª Câmara de Direito Público.

O autor trabalhava no Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), em Criciúma, no sul do Estado. A militância em defesa de melhores condições de trabalho levou à filiação ao Sindicato dos Mineiros e à participação ativa, o que atraiu a repressão política. Ao todo, o período de perseguição durou quatro anos e sete meses, com seis meses de reclusão.

Por sua vez, o Estado argumentou que a demanda estava prescrita, disse que os atos ocorreram por agentes federais e afirmou que não havia prova de abalo moral indenizável. O juízo de primeiro grau extinguiu o processo por entender que havia coisa julgada diante do ajuizamento de ação idêntica contra a União, com indenização por danos morais pelos mesmos fatos.

Porém, na apelação, a defesa do autor sustentou inexistir coisa julgada, porque a ação contra o Estado e a ação contra a União tratam de partes e responsabilidades distintas. Afirmou ainda que a indenização administrativa prevista em lei estadual não afasta a possibilidade de reparação judicial e pediu valor entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.

Ao analisar o caso, a desembargadora relatora afastou a extinção por coisa julgada e reconheceu a possibilidade de cumular indenizações pagas por entes federativos distintos. Foi incisiva sobre a prescrição: “A jurisprudência pátria tem reconhecido que as ações indenizatórias decorrentes de violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar (1964 a 1985), como perseguições políticas, torturas e desaparecimentos forçados, são imprescritíveis, por se tratar de graves violações aos direitos fundamentais, equiparadas a crimes contra a humanidade, insuscetíveis de limitação temporal à pretensão reparatória”.

A relatora reconheceu a responsabilidade civil objetiva do Estado, com base no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, por atos praticados por seus agentes. Destacou que a documentação acostada aos autos revela, de forma robusta e inequívoca, a perseguição política e os atos arbitrários e degradantes a que o autor foi submetido durante o regime de exceção. “As provas evidenciam a violação de sua dignidade, submetendo-o a condições de extrema desumanidade, marcadas por tratamento cruel, degradante e incompatível com os direitos fundamentais assegurados pela Constituição e pelos tratados internacionais de direitos humanos.”

Segundo a desembargadora, o dano moral decorre inevitavelmente da gravidade e da natureza desses atos, dispensando demonstração adicional, porquanto os sofrimentos impostos ultrapassam qualquer limite tolerável e sabidamente atingem profundamente a esfera íntima e existencial da vítima.

A indenização foi fixada em R$ 100 mil, com correção monetária desde o arbitramento e juros de mora desde o evento danoso, conforme súmulas do STJ e regras aplicáveis à Fazenda Pública. Os demais integrantes da Câmara seguiram o voto do relator.

Apelação n. 5015533-97.2024.8.24.0075/SC


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento
Init code Huggy.chat