A Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) manteve a decisão que obrigou uma operadora a restabelecer o plano de saúde de uma menina com paralisia cerebral, epilepsia e retardo mental, cujo contrato havia sido cancelado de forma unilateral. A decisão foi unânime e teve como relator o desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha.
A ação foi proposta pela mãe da criança, que representou a filha em juízo após receber notificação de cancelamento do plano, mesmo com o tratamento médico em andamento. Em caráter de urgência, a juíza da 11ª Vara Cível de Cuiabá determinou que a empresa restabelecesse o contrato e garantisse a continuidade integral das terapias e procedimentos necessários à saúde da menor, sob pena de multa.
A operadora recorreu ao Tribunal, alegando que o contrato era coletivo por adesão e que a não renovação seguiu as regras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sem obrigação de continuidade da cobertura. Argumentou ainda que o cancelamento não afetaria tratamento vital e que não haveria prejuízo irreversível à paciente.
No entanto, o relator rejeitou os argumentos da empresa e confirmou a decisão de primeira instância. Em seu voto, o desembargador ressaltou que, mesmo quando o rompimento é apresentado como simples “não renovação”, seus efeitos são equivalentes à rescisão unilateral, devendo ser analisado à luz do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema 1082.
O precedente do STJ determina que planos de saúde, inclusive os coletivos, não podem ser cancelados quando o beneficiário está em tratamento médico contínuo e essencial à sua saúde ou à sua integridade física, devendo a cobertura ser mantida até a alta médica, desde que o pagamento das mensalidades esteja em dia.
“A alegação de dano financeiro irreparável não se sobrepõe ao direito fundamental à saúde da criança portadora de deficiência, cuja proteção deve prevalecer em qualquer ponderação de interesses”, destacou o relator.
A decisão reforça a prioridade absoluta dos direitos de crianças e pessoas com deficiência e reafirma o entendimento de que a saúde é um direito fundamental, previsto nos artigos 6º e 227 da Constituição Federal. Com isso, o Tribunal manteve válida a tutela de urgência que garante à menor o restabelecimento imediato do plano e a continuidade de todos os tratamentos necessários.
Processo nº 1025045-35.2025.8.11.0000
Diário de Justiça Eletrônico Nacional – CNJ – MT
Data de disponibilização: 26/09/2025
Data de publicação: 26/09/2025
Página: 10.732
TJMT – Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: Agravo de Instrumento (202)
Número do processo: 1025045-35.2025.8.11.0000
Assunto: Cláusulas Abusivas – Planos de Saúde
Relator: Des. Carlos Alberto Alves da Rocha
Turma julgadora: Des. Carlos Alberto Alves da Rocha; Des. Antônia Siqueira Gonçalves; Des. Dirceu dos Santos.
Partes:
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- Agravante: UNIMED SEGUROS SAUDE S /A – CNPJ: 04.487.255/0001-81
- Agravados: M. P. S. F. – CPF: 102.591.411-27; Eudete Silva Borges – CPF: 022.353.201-04
- Custo legis: Ministério Público do Estado de Mato Grosso – CNPJ: 14.921.092/0001-57
- Advogados: Renato Chagas Corrêa da Silva – OAB/MT 8184-A; José Samuel de Souza Sampaio – OAB/MT
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, por unanimidade, desproveu o recurso.
E M E N T A
Agravo de Instrumento. Plano de saúde coletivo por adesão. Rescisão unilateral. Menor portadora de deficiência em tratamento médico multidisciplinar. Manutenção da tutela de urgência. Recurso desprovido.
I – Caso em exame:
Agravo de instrumento interposto por operadora de plano de saúde coletivo por adesão contra decisão interlocutória que deferiu tutela de urgência em ação de obrigação de fazer com pedido de indenização por dano moral, ajuizada em favor de menor com deficiência em tratamento multidisciplinar, para determinar o restabelecimento do plano e a abstenção de rescisão contratual imotivada.
A decisão agravada assegurou a continuidade da cobertura integral dos tratamentos médicos indicados, sob pena de multa.
II – Questão em discussão:
(i) validade da rescisão contratual unilateral de plano de saúde coletivo por adesão, sem justa causa, quando o beneficiário está em tratamento médico contínuo e essencial;
(ii) presença dos requisitos legais para concessão e manutenção da tutela de urgência deferida.
III – Razões de decidir:
A rescisão, embora formalizada como não renovação contratual, produz os mesmos efeitos jurídicos da rescisão unilateral e deve ser analisada à luz do Tema Repetitivo 1082/STJ.
Segundo o entendimento do STJ, é vedada a interrupção de tratamento médico garantidor da incolumidade física do beneficiário, mesmo após a rescisão do contrato, desde que arcadas integralmente as contraprestações.
A beneficiária, menor portadora de paralisia cerebral, epilepsia e retardo mental, encontra-se em tratamento contínuo e indispensável, sem previsão de alta, situação que atrai a proteção do tema repetitivo citado.
A jurisprudência dispensa a exigência de tratamento vital em sentido estrito, bastando que o tratamento seja essencial à saúde e integridade do beneficiário.
A alegação de ônus financeiro desproporcional não prevalece diante do direito fundamental à saúde de menor com deficiência, cuja proteção é prioritária.
IV – Dispositivo e tese:
Agravo de instrumento conhecido e desprovido.
Tese de julgamento:
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- A operadora de plano de saúde coletivo por adesão não pode rescindir unilateralmente o contrato quando o beneficiário se encontra em tratamento médico contínuo e essencial à sua incolumidade física.
- É válida a concessão de tutela de urgência para assegurar a continuidade da cobertura assistencial, ainda que o contrato tenha sido formalmente não renovado.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III; 6º; 227; CPC, art. 300.
Jurisprudência citada: STJ, Tema Repetitivo 1082; TJMT, RAI 1003019-43.2025.8.11.0000, 3ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 27.04.2025; TJMT, RAI 1026053-81.2024.8.11.0000, j. 10.12.2024.
R E L A T Ó R I O
Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por Unimed Seguros Saúde S.A. contra decisão proferida pelo MM. Juiz da 11ª Vara Cível de Cuiabá/MT, nos autos da ação de obrigação de fazer c/c tutela provisória ajuizada por Eudete Silva Borges, em favor de sua filha menor M. P. S. F., portadora de paralisia cerebral, epilepsia e retardo mental.
A decisão agravada deferiu tutela de urgência determinando que a agravante se abstivesse de cancelar o plano de saúde, restabelecendo a cobertura integral dos tratamentos terapêuticos e médicos, sob pena de multa.
A agravante sustenta, em síntese, que:
-
- a autora é beneficiária de contrato coletivo por adesão vinculado à ANACO (Associação Nacional de Assistência ao Comerciário);
- a não renovação contratual observou o aviso prévio de 60 dias e a vigência mínima de 12 meses, conforme Resolução Normativa nº 557/2022 da ANS;
- não há vínculo direto com a autora, inexistindo obrigação legal de manutenção do plano;
- não há beneficiários internados ou em tratamento vital que justifique a vedação do Tema 1082/STJ;
- e que não há probabilidade do direito nem perigo de dano.
O pedido de urgência foi indeferido (id. 303605856).
A parte agravada não apresentou contrarrazões (id. 310602528).
É o relatório.
Inclua-se em pauta.
Cuiabá, 24 de setembro de 2025.
Carlos Alberto Alves da Rocha – Relator
V O T O
Cinge-se a controvérsia à legalidade da tutela de urgência que determinou à operadora de saúde que se abstivesse de cancelar o contrato coletivo por adesão, assegurando a continuidade do tratamento multidisciplinar da menor.
Embora a agravante alegue tratar-se de simples não renovação contratual, o efeito prático é o mesmo da rescisão unilateral, devendo incidir o Tema Repetitivo 1082/STJ:
“A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.”
No caso concreto, a menor encontra-se em tratamento contínuo, essencial e sem previsão de alta, conforme laudos médicos acostados. Ainda que não hospitalizada, o tratamento visa evitar regressões funcionais graves e preservar sua qualidade de vida, enquadrando-se no referido tema.
A jurisprudência do TJMT e do STJ entende que basta o tratamento ser essencial à manutenção da saúde, especialmente quando o beneficiário é menor de idade e portador de deficiência.
A tese de que a beneficiária poderia recorrer ao SUS é indevida, pois transfere à coletividade um encargo contratual privado, comprometendo a continuidade e o padrão do tratamento.
Por fim, o dano financeiro alegado pela operadora não se sobrepõe ao direito fundamental à saúde, protegido pelos arts. 1º, III, 6º e 227 da Constituição Federal.
D E C I S Ã O
Diante do exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento, mantendo a decisão agravada em todos os seus termos.
Cuiabá, 24 de setembro de 2025.
Carlos Alberto Alves da Rocha
Relator
5 de dezembro
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