A Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) negou, por unanimidade, o recurso de uma seguradora e manteve a condenação ao pagamento de uma indenização securitária a uma viúva e seus filhos. O caso trata da morte de um homem em acidente de carro, ocorrido em junho de 2019.
Em primeira instância, na Comarca de Tapurah (433 km de Cuiabá), a sentença determinou o pagamento da indenização, acrescida de correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios fixados em 20% do valor da condenação.
No recurso, a seguradora tentou afastar a condenação alegando que a ação estaria prescrita, com base em um prazo trienal. Entretanto, o TJMT considerou a manobra inválida por ter sido apresentada apenas na fase recursal, depois da derrota no primeiro grau.
A desembargadora Clarice Claudino da Silva, relatora do processo, ressaltou que a defesa não levantou a prescrição durante a contestação, oportunidade em que se limitou a discutir a legitimidade da viúva e o rateio da indenização, chegando inclusive a reconhecer a obrigação securitária no limite de R$ 13,5 mil.
“Nulidade de algibeira”
O colegiado entendeu que a conduta da seguradora configurou a chamada “nulidade de algibeira”, prática repudiada por jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O conceito se aplica quando uma parte deixa de alegar determinada matéria no momento oportuno e só a utiliza após decisão desfavorável, em atitude considerada oportunista e contrária à boa-fé processual.
Segundo a relatora, a prescrição, embora seja matéria de ordem pública, também está sujeita aos princípios da lealdade e cooperação processual previstos no Código de Processo Civil.
Com a decisão, o TJMT fixou o entendimento de que quem deixa de alegar prescrição no momento processual adequado não pode fazê-lo apenas em recurso. A prática representa violação da boa-fé processual e resulta na perda do direito de levantar a questão posteriormente.
Assim, foi mantida integralmente a condenação da seguradora ao pagamento da indenização securitária de R$ 13,5 mil, além das custas e honorários advocatícios.
Processo: 1000831-15.2023.8.11.0108
Veja a publicação no Diário de Justiça Eletrônico Nacional:
Diário de Justiça Eletrônico Nacional – CNJ – MT
Data de disponibilização: 26/09/2025
Data de publicação: 26/09/2025
Região: —
Página: 15.669
Número do processo: 1000831-15.2023.8.11.0108
TJMT – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO – DJEN
Processo: 1000831-15.2023.8.11.0108
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Data de disponibilização: 25/09/2025
Classe: Apelação Cível (198)
Tipo de comunicação: Intimação
Meio: Diário de Justiça Eletrônico Nacional
Parte(s): Seguradora Líder do Consórcio do Seguro DPVAT S.A.
Advogado(s): Renato Chagas Corrêa da Silva – OAB/MT 8.184-A
Conteúdo
ESTADO DE MATO GROSSO – PODER JUDICIÁRIO – PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO
Número Único: 1000831-15.2023.8.11.0108
Classe: Apelação Cível (198)
Assunto: [Seguro; DPVAT]
Relatora: Desª. Clarice Claudino da Silva
Turma Julgadora: [Desª. Clarice Claudino da Silva; Des. Márcio Aparecido Guedes; Des. Sebastião Barbosa Farias]
Parte(s):
[Seguradora Líder do Consórcio do Seguro DPVAT S.A. – CNPJ: 09.248.608/0001-04 (Apelante); Renato Chagas Corrêa da Silva – CPF: 444.850.181-72 (Advogado); Elza Salviano de Jesus – CPF: 024.486.571-06 (Apelada); Tatiane Cristina Cândido – CPF: 369.522.058-96 (Advogada); Jucimaria Salviano da Silva – CPF: 054.256.751-27 (Apelada); Márcio Salviano da Silva – CPF: 062.285.861-06 (Apelado); Rodrigo Salviano da Silva – CPF: 062.285.571-90 (Apelado); Marcelo Salviano da Silva – CPF: 034.758.621-07 (Apelado)]
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência da Desª. Clarice Claudino da Silva, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão:
POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO.
E M E N T A
Direito Civil e Processual Civil. Apelação Cível. Ação de cobrança de seguro DPVAT. Alegação de prescrição em sede recursal. Configuração de “nulidade de algibeira”. Violação aos princípios da boa-fé e da cooperação processual. Recurso desprovido.
I – Caso em exame
Recurso de Apelação Cível interposto em virtude da sentença proferida na Ação de Cobrança, na qual foi julgado procedente o pedido, condenando-se a seguradora ao pagamento de indenização securitária no valor de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), acrescida de correção monetária a partir do sinistro e juros de mora desde a citação, além do pagamento de honorários advocatícios fixados em 20% do valor da condenação. No recurso, a apelante sustenta a ocorrência de prescrição trienal.
II – Questão em discussão
2. Definir se a alegação de prescrição apresentada apenas em sede recursal pode ser conhecida, à luz dos princípios da boa-fé e da cooperação processual.
III – Razões de decidir
3. A parte deve observar o princípio da boa-fé processual (art. 5º do CPC), que impõe conduta leal e colaborativa, vedando o uso de estratégias processuais oportunistas.
4. O princípio da cooperação (art. 6º do CPC) exige atuação colaborativa para a construção de decisão justa e célere, coibindo práticas procrastinatórias.
5. A jurisprudência do STJ repudia a “nulidade de algibeira”, configurada quando a parte deixa de alegar vício processual em momento oportuno e o faz apenas após decisão desfavorável.
6. No caso, a alegação de prescrição não foi suscitada na contestação, tendo sido apresentada somente em sede recursal, após sentença de mérito desfavorável, o que configura preclusão lógica da matéria.
7. A prescrição, ainda que de ordem pública, está sujeita aos deveres de boa-fé e lealdade processual, não podendo ser utilizada como manobra tática posterior ao encerramento da instrução.
IV – Dispositivo e tese
8. Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
“1. A parte que deixa de alegar a prescrição em momento processual adequado preclui seu direito de fazê-lo em sede recursal, por violação aos princípios da boa-fé e da cooperação processual.
2. A invocação de prescrição apenas após decisão desfavorável configura nulidade de algibeira, repudiada pela jurisprudência e incompatível com o ordenamento jurídico processual.”
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 5º, 6º, 85, § 2º, e 487, II.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1.561.078/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, j. 29.06.2020, DJe 01.07.2020; STJ, AgInt no REsp 1.837.482/PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, j. 07.11.2023, DJe 15.12.2023.
R E L A T Ó R I O
Recurso de Apelação Cível nº 1000831-15.2023.8.11.0108
Trata-se de Recurso de Apelação interposto por Seguradora Líder do Consórcio do Seguro DPVAT S.A. contra sentença proferida pelo Juiz da Vara Única da Comarca de Tapurah que, nos autos da Ação de Cobrança de Seguro DPVAT ajuizada por Elza Salviano de Jesus e outros, rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa, julgou procedente o pedido inicial e condenou a requerida ao pagamento de indenização securitária no valor de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), acrescida de correção monetária (INPC) a partir da data do sinistro e juros de mora de 1% ao mês desde a citação. Por fim, condenou a seguradora ao pagamento de honorários advocatícios de 20% sobre o valor da condenação.
Em suas razões, a apelante sustenta a prescrição trienal. Alega que, em relação aos apelados Elza Salviano de Jesus (viúva), Jucimaria Salviano da Silva (filha) e Marcelo Salviano da Silva (filho), houve pedido administrativo protocolado em 24/09/2019, com negativa em 01/04/2020, o que teria ensejado a suspensão do prazo prescricional por 190 dias. Argumenta que, considerando a data do óbito da vítima (23/06/2019), o prazo final para ajuizamento da ação seria 30/12/2022; contudo, a demanda foi proposta somente em 30/06/2023, quando já teria decorrido o triênio.
No tocante aos apelados Márcio Salviano da Silva (filho) e Rodrigo Salviano da Silva (filho), assevera que não houve pedido administrativo, de modo que não se aplicaria suspensão ou interrupção do prazo, que se iniciou em 23/06/2019 e findou em 23/06/2022, estando, portanto, prescrita a pretensão.
Com esses argumentos, requer a reforma integral da sentença para reconhecer a prescrição e extinguir a ação com resolução de mérito (art. 487, II, do CPC).
Contrarrazões no Id. 303549882.
É o relatório.
V O T O
EXMA. SR.ª DES.ª CLARICE CLAUDINO DA SILVA (RELATORA)
Egrégia Câmara,
Os autores Elza Salviano de Jesus (viúva) e seus filhos Jucimaria Salviano da Silva, Rodrigo Salviano da Silva, Márcio Salviano da Silva e Marcelo Salviano da Silva ajuizaram Ação de Cobrança de Seguro DPVAT em face de Seguradora Líder do Consórcio do Seguro DPVAT S.A., afirmando serem herdeiros de Romualdo Sotero da Silva, falecido em 23/06/2019 em decorrência de acidente automobilístico. Relataram que buscaram administrativamente o recebimento da indenização prevista na Lei nº 6.194/1974, o que foi negado, postulando, em juízo, a condenação da seguradora ao pagamento do seguro obrigatório (R$ 13.500,00).
Na contestação, a requerida arguiu a ilegitimidade ativa de Elza Salviano de Jesus, por ausência de comprovação documental de união estável com a vítima, e sustentou que a viúva não poderia pleitear a totalidade do seguro, pois, nos termos da Lei nº 11.482/2007, a indenização deve ser dividida igualmente entre os herdeiros. No mérito, de forma subsidiária, admitiu a possibilidade de indenização limitada a R$ 13.500,00, com juros a partir da citação e correção monetária desde o sinistro, bem como honorários advocatícios no mínimo legal.
Encerrada a instrução, o Juiz singular rejeitou a preliminar e julgou procedente o pedido, condenando a requerida nos exatos termos acima.
Inconformada, a seguradora interpôs apelação apenas para sustentar a prescrição trienal.
É cediço que, por força do princípio da boa-fé processual (art. 5º do CPC), as partes devem pautar sua atuação por lealdade, honestidade e colaboração. O art. 6º do CPC consagra o princípio da cooperação, impondo atuação conjunta para decisão justa e efetiva, repelindo manobras protelatórias e a invocação oportunista de nulidades sanáveis.
O Superior Tribunal de Justiça é firme: a suscitação tardia de nulidade ou matéria processual após resultado desfavorável configura “nulidade de algibeira”, prática incompatível com a boa-fé objetiva (v.g., STJ, AgInt no AREsp 1.561.078/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª T., j. 29.06.2020, DJe 01.07.2020; STJ, AgInt no REsp 1.837.482/PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª T., j. 07.11.2023, DJe 15.12.2023).
Transpondo ao caso, verifica-se que a apelante não alegou prescrição na contestação, limitando-se a discutir ilegitimidade ativa e aspectos de rateio/valor. Teve oportunidade e não o fez, trazendo a tese somente em apelação, após sentença de mérito desfavorável. Tal conduta caracteriza preclusão lógica e viola os deveres de boa-fé e cooperação.
Ressalte-se, ainda, que o recurso limita-se à tese prescricional, sem impugnação aos demais fundamentos (legitimidade, valor, rateio). Mantém-se, pois, a sentença por seus próprios fundamentos.
Nego provimento ao recurso.
Não há majoração de honorários (art. 85, § 11, do CPC), porque já fixados no percentual máximo pelo Juízo de origem.
É como voto.
Cuiabá/MT, 23 de setembro de 2025.
Desª. Clarice Claudino da Silva – Relatora
5 de dezembro
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