Salário mínimo no Brasil é inconstitucional por afrontar dignidade humana

Autores: Gilkarla de Souza Damasceno Ribeiro e Max Emiliano da Silva Sena (*)

 

O princípio da dignidade da pessoa humana é o principal fundamento previsto constitucionalmente, uma vez que ele dá sustentação e confere unidade e coesão a todo sistema normativo. Atualmente, tem relevância social e principalmente jurídica, haja vista constar entre os fundamentos da República Federativa do Brasil.

Partindo dessa perspectiva, indaga-se: O valor do salário mínimo no Brasil é constitucional ou inconstitucional sob a perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana?

Os direitos fundamentais podem ser conceituados como o conjunto de direitos e garantias intimamente relacionados com as condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade do indivíduo.

Explicitamente no art.1°, inciso III, a Constituição Federal de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Luís Roberto Barroso afirma que a dignidade humana serve, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais. No entendimento do ilustre jurista, a dignidade humana é um valor fundamental que foi convertido em princípio de estatura constitucional, uma vez que se encontra positivado de forma expressa como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

A Constituição Federal de 1988 elenca no artigo 1°, IV, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado democrático de direito. De forma clara e objetiva Max Emiliano da Silva Sena, a respeito do tema leciona:

Ao erigir a dignidade da pessoa humana à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal de 1988 diz de forma firme, segura e eloquente que no Estado brasileiro a pessoa humana desfruta de especial destaque, sendo o centro de todo o sistema, de molde que todo o ordenamento jurídico, todos os órgãos de governo, todas as ações políticas e todas as condutas particulares devem respeito à pessoa humana (SENA, 2017, p. 66).

Em decorrência de a Constituição da República de 1988 ter assegurado o princípio da dignidade da pessoa humana como sendo um dos fundamentos do Estado democrático, as condições mínimas de existência da pessoa humana devem ser proporcionadas pelo próprio poder público, o que deve ser observado pela ordem econômica, na medida em que esta é fundada na valorização do trabalho e tem por fim assegurar a todos uma vida digna. Neste sentido, busca-se com isso afastar as extremas desigualdades sociais, na medida em que a Constituição da República de 1988 repudia a não observância da dignidade humana.

A ideia de controle de constitucionalidade pressupõe a previsão de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos. Nesse sentido, controle de constitucionalidade está relacionado com o princípio da supremacia da Constituição.

Quanto às espécies de inconstitucionalidade, têm-se a inconstitucionalidade por ação, na qual há uma incompatibilidade vertical dos atos infraconstitucionais com a Constituição, e a inconstitucionalidade por omissão, que, segundo Pedro Lenza, “pressupõe a violação da lei constitucional pelo silêncio legislativo” (CANOTILHO apud LENZA, 2013, p. 268).

A inconstitucionalidade por ação pode ocorrer do ponto de vista formal ou do ponto de vista material. A inconstitucionalidade formal verifica-se quando a lei ou ato normativo infraconstitucional contém algum vício em sua forma, ou seja, ocorrido durante o processamento de formação. Analisa-se, por exemplo, se foi observada a competência legislativa para elaboração do ato ou a observância do devido processo legislativo (o quórum de aprovação).

Com relação ao controle material, é feita uma análise material do conteúdo do ato normativo, sendo que aqui não é observado o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo.

Em síntese, uma lei pode ser inconstitucional apenas no sentido formal, somente no sentido material, ou ser duplamente inconstitucional por apresentar tanto o vício formal quanto o material.

Analisando-se a lei que atualmente dispõe sobre a valorização do salário mínimo vigente no Brasil (Lei 13.152/15), pode-se concluir que ela é constitucional em seu aspecto formal, uma vez que foi observada a iniciativa, que para tratar da matéria em apreço, é da União, e o quórum de aprovação. Sendo assim, a referida lei entrou no ordenamento jurídico sem conter nenhum vício quanto à sua formação, sendo, com isso, constitucional no sentido formal.

Isso porque foi editada a Medida Provisória 672/2015 pela presidente Dilma Rousseff, posteriormente convertida na Lei 13.152/2015, e regulamentada pelo Decreto n° 8. 948, de 29 de dezembro de 2016. Por se tratar de lei ordinária, ocorreu a aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em um turno em cada casa, por maioria simples.

De igual forma, o Decreto 9.255/2017, que fixou o valor do salário mínimo em R$ 954, a partir de 1º de janeiro de 2018, foi editado pela autoridade competente, ou seja, o Presidente da República, possui assento constitucional e legal, revestindo-se, assim, dos aspectos formais aplicáveis à espécie (BRASIL, 2017).

Portanto, formalmente, o valor do salário mínimo não se encontra viciado de inconstitucionalidade. Observa-se que, no aspecto material, o que é analisado não é o procedimento de formação, mas sim o conteúdo do ato normativo, sua substância, ou seja, se ele está de acordo com os preceitos e princípios previstos na Constituição Federal.

No art. 7º, inciso IV, a Constituição assegura que o salário mínimo, visando a uma melhor condição social, deve cobrir todas as necessidades vitais básicas do trabalhador e as de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, devendo ser unificado nacionalmente e reajustado periodicamente de modo que garanta seu poder aquisitivo, vedando-se a sua vinculação para qualquer fim.

Tratando do assunto em tela, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) publicou uma tabela com a estimativa do salário mínimo necessário para atender às referidas necessidades básicas previstas na Constituição Federal de 1988 para que o trabalhador juntamente com sua família possa gozar de uma vida digna.

Período Salário mínimo nominal Salário mínimo necessário
Março R$ 937,00 R$ 3.673,09
Fevereiro R$ 937,00 R$ 3.658,72
Janeiro R$ 937,00 R$ 3.811,29
Fonte: DIEESE, 2017

De acordo com os dados apresentados na pesquisa, o DIEESE começou a determinar também o salário mínimo necessário, ou quanto deveria ser o valor do salário mínimo – com base na definição legal – para fazer frente aos gastos de uma família trabalhadora de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças).

Em março de 2017, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 3.673,09, ou 3,92 vezes o mínimo de R$ 937. Em janeiro de 2017, o salário mínimo necessário foi de R$ 3.811,29. De acordo com o Decreto 9.255/2017, publicado no Diário Oficial da União de 29 de dezembro de 2017, em edição extra, o valor do salário, a partir de 1º de janeiro de 2018, foi fixado em R$ 954 (BRASIL, 2017).

Partindo do pressuposto que a exigência constitucional de satisfação do mínimo existencial aos trabalhadores não é atendida, tem-se um caso de inconstitucionalidade, pois o Poder Público adota medidas (fixa um salário mínimo), mas que são insuficientes. Em outras palavras, a norma infraconstitucional que determina o valor do salário mínimo não confere efetividade à norma constitucional.

Uma vez que o salário mínimo não tem sido capaz de atender à soma das necessidades básicas do trabalhador e de sua família, é possível concluir que o seu valor, de fato, não atende à previsão expressa no art. 7º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, e com isso pode ser considerado materialmente inconstitucional diante da inobservância do preceito constitucional acima citado.

Partindo do estudo do tema proposto, este trabalho levantou como problema a seguinte indagação: o valor do salário mínimo no Brasil é constitucional ou inconstitucional sob a perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana?

Tendo como análise o aspecto formal, constata-se que o valor do salário mínimo no Brasil reveste-se de constitucionalidade, uma vez que a aprovação normativa cumpriu todas as formalidades de validade exigidas.

Não obstante, a análise da constitucionalidade ou não pelo viés material permite concluir pela inconstitucionalidade do valor do salário mínimo, por não possuir compatibilidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que não é capaz de suprir todas as necessidades vitais básicas do trabalhador, na forma prevista na Constituição Federal.

 

 

 

 

Autores: Gilkarla de Souza Damasceno Ribeiro é bacharela em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce (Univale).

Max Emiliano da Silva Sena é mestrando em Direito pela Universidade FUMEC, procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE), especialista e Direitos Humanos e Trabalho pela Escola Superior do Ministério Público do União (ESMPU) e professor Universitário.


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